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CENTRO DE COMPETÊNCIA – CIÊNCIAS SOCAIS

TESE DE DOUTORAMENTO

Maria Gorete Gonçalves Rocha Pereira

Sob a orientação de: Prof. Doutor José Paulo Brazão

O Percurso Curricular Alternativo, um desafio à Inovação Pedagógica? Uma abordagem etnográfica aos cenários de aprendizagem de uma turma de 5º ano com proposta de PCA

Funchal e UMa, novembro de 2012

“Há escolas que são gaiolas. Há escolas que são asas.

Escolas que são gaiolas existem para que os pássaros desaprendam a arte do voo. Pássaros engaiolados são pássaros sob controlo. Engaiolados, o seu dono pode levá-los para onde quiser. Pássaros engaiolados sempre têm um dono. Deixaram de ser pássaros. Porque a essência dos pássaros é o voo.

Escolas que são asas não amam pássaros engaiolados. O que elas amam são pássaros em voo. Existem para dar aos pássaros coragem para voar. Ensinar o voo, isso, elas não podem fazer, porque o voo já nasce dentro dos pássaros. O voo não pode ser ensinado. Só pode ser encorajado”.

Rubem Alves, 2004, p. 7

I

AGRADECIMENTOS Muitas pessoas contribuíram para a realização deste projeto que agora apresento. Aqui fica o testemunho da minha gratidão a todos quantos, tornaram possível a concretização deste desafio. Deixo o registo de alguns nomes que não poderia de modo algum ocultar. Assim, expresso o meu reconhecimento e agradecimento muito especial: Ao Professor Doutor Paulo Brazão, meu orientador, agradeço as palavras amigas de encorajamento, incentivo e confiança que sempre me transmitiu durante todo o percurso e ainda pela orientação brilhante desta tese. Obrigada pelo espaço de aprendizagem que me proporcionou. Ao Professor Doutor Carlos Nogueira Fino, diretor do curso de Doutoramento e também meu professor, obrigada pelas suas observações inteligentes e construtivas que me incentivaram para a reflexão e me ajudaram a reconstruir a minha visão de Escola. À Professora Doutora Jesus Maria de Sousa, também minha professora, obrigada pela contribuição positiva para o meu desenvolvimento pessoal e profissional. À Secretaria Regional de Educação e Recursos Humanos que apoiou esta investigação, um obrigada pela concessão da licença e autorização necessárias para o acompanhamento e estudo deste projeto de Percurso Curricular Alternativo. À Escola que me acolheu – especialmente à sua Presidente do Conselho Executivo Dr.ª Gilberta Camacho, o reconhecimento profundo e o meu obrigado pelo apoio incondicional e colaboração. A todos os Professores da turma de Percurso Curricular Alternativo, alvo deste estudo, à Paula, Nadea, Elsa, Alexandrina, Rui, José Manuel, António Jorge, Jacinta, Graça e Lina, obrigada pela forma como me acolheram, por me terem feito sentir “em casa” durante o estudo empírico. A simpatia, a amizade e a abertura total à investigação, foram fundamentais a um percurso por vezes difícil… Aos alunos da turma, que se destacaram pela aceitação, colaboração e abertura à minha presença, o meu reconhecimento e agradecimento pela possibilidade da recolha de dados.

II

À Mina e ao Joaquim o reconhecimento e um obrigada pela ajuda imprescindível no tratamento informático e no apoio célere na resolução de problemas que foram emergindo ao longo de toda a pesquisa. À Professora Helena Mota, minha amiga, obrigada pela revisão da tese e pela grande disponibilidade manifestada e ajuda permanente no esclarecimento das dúvidas de natureza formal que foram surgindo. Por fim, um agradecimento profundo à minha família, a quem dedico este trabalho, que partilhou e viveu comigo as incertezas, angústias e alegrias deste projeto: À Joana o reconhecimento pelas palavras de incentivo, amor e carinho. Um obrigada pela pelo apoio incondicional e ajuda prestimosa nas diversas fases da investigação, pelas leituras dos textos e por muitas outras razões que não cabem nestas breves palavras. À Sara agradeço o esforço e o empenho na aceitação da minha indisponibilidade. Obrigada pela atenção nos momentos de maior stress, pelo amor, mimos e compreensão que sempre demonstraste na convivência diária com uma mãe sempre atarefada e em muitos momentos ausente. Ao Firmo, que sonhou e viveu comigo a ambição deste projeto, presença alegre em todos os momentos, o amparo dos momentos mais difíceis, obrigada pelo apoio incondicional. O teu amor, compreensão, carinho e paciência proporcionaram-me a tranquilidade necessária para prosseguir com entusiasmo. À memória de meus pais Martinho e Gilda, eterna gratidão e profundo reconhecimento pelo amor e incentivo…

III

RESUMO Este estudo pretendeu descrever, compreender e interpretar a cultura emergente de uma turma de 5º Ano de Escolaridade com proposta de Percurso Curricular Alternativo (PCA) em que se procurou esclarecer, à luz do conceito de inovação de que forma o PCA se constitui um desafio à Inovação Pedagógica. Ao debruçar-se sobre os padrões culturais da turma procura conhecer e avaliar o impacto desta proposta alternativa, na vida dos alunos, através do conhecimento das representações de todos os envolvidos no projeto. Além de pretender situar as práticas pedagógicas em termos de inovação ou o contínuo de práticas tradicionais, procura compreender que ambientes são emergentes da utilização das TIC. A presente investigação insere-se numa abordagem metodológica de natureza qualitativa, de cariz etnográfico, justificada pela natureza do estudo. Desenvolve-se através da imersão da investigadora no ambiente natural dos sujeitos, com vista à descrição pormenorizada e facetada da vida do grupo e o acesso a formas de entendimento e compreensão da realidade estudada a partir dos padrões culturais e significados vividos no interior da turma. Foram utilizadas diversas formas de recolha de dados, com destaque para a observação participante e a entrevista, que constituíram os principais recursos da investigação empírica, ainda que complementada com registos de cariz etnográfico como notas de campo, conversas informais e dados de opinião, recolhidos durante a permanência no contexto do estudo. As conclusões desta investigação apontam para o reconhecimento do PCA como uma medida positiva para o aluno na construção do seu projeto de vida pessoal, valorização, integração social e profissional, plenas. A utilização da tecnologia permitiu instituir novos contextos de aprendizagem ao nível micro, da sala de aula e romper com princípios, crenças e atitudes estruturantes da escola tradicional, prefigurando um desafio à Inovação Pedagógica, ou seja, à mudança e transformação da escola.

Palavras – chave: Percurso Curricular Alternativo, Inovação Pedagógica, Cultura, Etnografia, Aprendizagem, TIC.

IV

ABSTRACT The purpose of this study was to describe, understand and interpret the emerging culture of a class in the 5th year of school with a proposed Alternative Curriculum Track (ACT) which sought, in light of the concept of innovation that forms the ACT, to clarify whether it is a challenge to Pedagogical Innovation. By looking into the cultural standards of the class, the study seeks to learn and evaluate the impact of this alternative proposal on the life of the students by getting to know the representations of all those involved in the project. Besides its purpose of classifying pedagogical practices in terms of innovation or the continuation of traditional practices, the study seeks to understand the contexts for intervention that emerge in the use of ICTs. This research uses a qualitative methodological approach from an ethnographic aspect, justified by the nature of the study. It was conducted through the immersion of the researcher in the natural environment of the subjects, with a view to a detailed and faceted description of the life of the group and access to forms of understanding and comprehension of the reality studied, based on the cultural standards and meanings experienced within the class. Data was gathered using various forms, with particular focus on participant observation and interviews, which were the main resources for the empirical research, which was also complemented with records of an ethnographic nature, such as field notes, informal conversations and opinion data gathered during the time the researcher was personally present in the context of the study. The conclusions of this research lead to the recognition of the ACT as a positive measure for students in the construction of the project for their personal life, valorisation, and full social and professional integration. The use of technology made it possible to institute new learning contexts at the micro level of the class room and break with the principles, beliefs and structuring attitudes of the traditional school, presaging a challenge to Pedagogical Innovation, i.e., the change and transformation of the school.

Key words: Alternative Curriculum Track, Pedagogical Innovation, Culture, Ethnography, Learning, ICT.

V

RÉSUMÉ L’objectif de cette étude a été de décrire, comprendre et interpréter la culture émergente d’une classe de 5ème année de scolarité à laquelle a été proposé un Parcours Curriculaire Alternatif (PCA) où l’on a cherché à clarifier, à la lumière du concept d’innovation, de quelle manière le PCA représente un défi à l’Innovation Pédagogique. En observant les modèles culturels de la classe, le but de l’étude est de connaître et d’évaluer l’impact de cette proposition alternative, dans la vie des élèves, en prenant connaissance des représentations de tous les participants au projet. Outre le fait de souhaiter situer les pratiques pédagogiques concernant l’innovation ou la poursuite de pratiques traditionnelles, son objectif est de comprendre quels contextes d’intervention résultent de l’utilisation des TIC. La présente recherche s’insère dans une approche méthodologique de nature qualitative, d’ordre ethnographique, justifiée par la nature de l’étude. Son développement s’effectue par l’immersion de la chercheuse dans l’environnement naturel des sujets, en vue d’une description détaillée et facettée de la vie du groupe et l’accès à des modes d’entendement et de compréhension de la réalité étudiée à partir des modèles culturels et des significations vécues à l’intérieur de la classe. Divers modes de recueil de données ont été utilisés, en particulier l’observation participante et l’interview qui ont constitué les principales ressources de la recherche empirique. Ils ont été complétés par des registres de nature ethnographique comme des notes de terrain, des conversations informelles et des données d’opinion, recueillies pendant le séjour en contexte d’étude. Les conclusions de cette recherche s’orientent vers la reconnaissance du PCA comme mesure positive pour l’élève dans la construction de son projet de vie personnelle et pour sa pleine valorisation et intégration sociale et professionnelle. L’utilisation de la technologie a permis d’instituer de nouveaux contextes d’apprentissage au niveau micro, de la salle de classe, et de rompre avec des principes, croyances et attitudes structurantes de l’école traditionnelle, ce qui préfigure un défi à l’Innovation Pédagogique, c’est-à-dire au changement et à la transformation de l’école. Mots-clés:

Parcours

Curriculaire

Alternatif,

Innovation

Pédagogique,

Culture,

Ethnographie, Apprentissage, TIC.

VI

RESUMEN Este estudio pretende describir, comprender e interpretar la cultura emergente de una clase de 5º año de escolaridad con un Plan Curricular Alternativo (PCA). Se ha intentado esclarecer a la luz del concepto de innovación, de qué forma el PCA es un desafío para la innovación pedagógica. Al examinar los patrones culturales de la clase, se pretende conocer y evaluar el impacto de esta propuesta alternativa en la vida de los alumnos a través del conocimiento de las representaciones de todos los implicados en este proyecto. También se pretende contextualizar las prácticas pedagógicas o como innovación o como continuación de las prácticas tradicionales y, se intenta comprender qué contextos son emergentes para la utilización de las TIC. Debido a la naturaleza del estudio, la actual investigación se enmarca dentro de una perspectiva metodológica de naturaleza cualitativa y de cariz etnográfico. Se ha desarrollado desde la inmersión de la investigadora en el ambiente natural de los sujetos con el fin de tener una descripción pormenorizada, y de las diferentes facetas de la vida del grupo y también poder acceder a formas de entendimiento y comprensión de la realidad estudiada a partir de los patrones culturales y significados vividos en el interior de la clase. Se han utilizado diversas formas para la obtención de datos y, entre ellas destacan la observación participante y la entrevista, principales recursos de la investigación empírica, complementados con registros de cariz etnográfico, con notas de campo, conversaciones informales y datos de opinión obtenidos durante la permanencia en el contexto del estudio. Las conclusiones de esta investigación apuntan al reconocimiento del PCA como una medida positiva para el alumno en la construcción de su proyecto vital como persona, su valorización y la integración social y profesional plenas. El empleo de la tecnología ha permitido instituir nuevos contextos de aprendizaje a nivel micro en la clase y romper con principios, creencias y actitudes estructurantes de la escuela tradicional prefigurándose como desafío la innovación pedagógica es decir, el cambio y transformación de la escuela.

Palabras – clave: Plan Curricular Alternativo, Innovación Pedagógica, Cultura, Etnografía, Aprendizaje, TIC.

VII

SUMÁRIO AGRADECIMENTOS ....................................................................................................... II RESUMO............................................................................................................................ IV ABSTRACT ........................................................................................................................ V RÉSUMÉ ............................................................................................................................ VI RESUMEN ....................................................................................................................... VII SUMÁRIO .......................................................................................................................VIII LISTA DE TABELAS .................................................................................................... XIV LISTA DE FIGURAS...................................................................................................... XV LISTA DE SIGLAS ........................................................................................................ XVI INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 1 1. A motivação para o estudo............................................................................................ 1 2. Os pressupostos da investigação ................................................................................... 2 3. Os objetivos do estudo .................................................................................................. 7 4. A organização do estudo ............................................................................................... 8 PARTE I – ENQUADRAMENTO TEÓRICO ............................................................... 11 Capítulo I – A Cultura da escola ...................................................................................... 12 1.1– Noções de cultura.................................................................................................... 12 1.2 – A educação: reflexo e transmissão da cultura? ...................................................... 17 1.3 – Um olhar para a cultura escolar e a cultura da escola ............................................ 22 1.4 – Cultura popular e pedagogia: que relação? ............................................................ 24 1.5 – Cultura e currículo ................................................................................................. 29 1.6 – Uma origem cultural comum de escola ................................................................. 33 1.7 – O despontar de um novo paradigma ...................................................................... 43 1.8 – A mudança e a inovação: conceitos e perspetivas ................................................. 49

VIII

Capítulo II – Desenvolvimento, aprendizagem e tecnologia .......................................... 60 2.1 - As posições construtivistas: fundamentos e implicações pedagógicas .................. 60 2.2 - Piaget e o desenvolvimento formal da mente ......................................................... 65 2.3 – A abordagem histórico-cultural de Vygotsky ........................................................ 73 2.3.1 – A ZDP, zona de desenvolvimento proximal .................................................. 78 2.4 – Os contributos de Bruner ....................................................................................... 83 2.5 – A aprendizagem significativa ................................................................................ 87 2.6 – A natureza social e cultural dos processos de construção do conhecimento ......... 92 2.7 – A aprendizagem como participação em comunidades de prática .......................... 95 2.8 – O construcionismo: uma proposta de construção do conhecimento .................... 101 2.9 – Ambientes de aprendizagem construcionistas ..................................................... 104 2.9.1 – As TIC e a aprendizagem numa proposta de PCA ....................................... 107 2.9.2 - A cooperação como suporte .......................................................................... 114 2.9.3 – Uma nova conceção de professor/aluno ....................................................... 117 2.9.4 – Mudanças no papel do professor: instruir ou construir? .............................. 119 2.9.5 – Papéis construtivos dos alunos ..................................................................... 122 Capítulo III – Da flexibilização do currículo ao percurso curricular alternativo: dilemas e desafios ........................................................................................................ 124 3.1 – A flexibilização do currículo: qual o sentido? ..................................................... 124 3.2 – A origem dos currículos alternativos no sistema educativo português ................ 135 3.3 – Percursos Curriculares Alternativos .................................................................... 150 3.4 – Relatórios e estudos realizados ............................................................................ 154 3.4.1 – Relatórios de avaliação da implementação dos currículos alternativos ....... 155 3.4.2 – Os estudos realizados em Portugal ............................................................... 160

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PARTE II – O ESTUDO ................................................................................................. 170 Capítulo IV – Olhar o PCA através da Etnografia: a proposta de investigação ....... 171 4.1 – As questões e objetivos de investigação .............................................................. 172 4.2 – As opções metodológicas..................................................................................... 174 4.2.1 – Uma investigação qualitativa ....................................................................... 174 4.2.2 – Porquê a abordagem etnográfica? ................................................................ 177 4.3 – Processos de investigação .................................................................................... 182 4.3.1 – A negociação e o acesso ao terreno.............................................................. 185 4.3.2– A observação participante e o papel do observador ...................................... 188 4.3.3 – O diário de campo ........................................................................................ 192 4.3.3.1 - O diário etnográfico eletrónico e o registo dos dados ........................... 196 4.3.4 – As entrevistas ............................................................................................... 199 4.3.5 – A recolha documental .................................................................................. 205 4.4 – A ética .................................................................................................................. 206 4.5 – A análise de dados, técnicas e procedimentos adotados na construção de significados ............................................................................................................ 209 4.5.1 – Enriquecimento das interpretações através da triangulação......................... 213 Capítulo V – O contexto do estudo................................................................................. 216 5.1 – O meio e o contexto socioeconómico e cultural .................................................. 216 5.2 – A Escola dos Louros ............................................................................................ 218 5.2.1 – Caraterização do contexto escolar ................................................................ 218 5.2.2 – Dinâmica e funcionamento da escola ........................................................... 222 5.2.3 – A oferta educativa ........................................................................................ 228 5.3 – O Percurso Curricular Alternativo, a descrição de uma cultura… ...................... 233 5.3.1 – Um projeto em alternativa ............................................................................ 234 5.3.1.1 – O design curricular ............................................................................... 237

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5.3.1.2 – Organização e gestão do currículo ....................................................... 241 5.3.2 - Os jovens alunos ........................................................................................... 244 5.3.3 – Os(as) professores(as) .................................................................................. 254 5.3.4 – A organização da sala de aula: os espaços e os materiais educativos .......... 258 5.3.5 – A organização social da cultura ................................................................... 262 Capítulo VI – Resultados: as respostas às questões de investigação - a compreensão da cultura da turma de PCA ...................................................................................... 270 6.1 – Que representações têm os professores sobre o projeto de PCA? ....................... 270 6.1.1 – Concetualização do PCA ............................................................................. 271 6.1.2 – A dinâmica das interações ............................................................................ 276 6.1.3 – As expetativas .............................................................................................. 279 6.1.4 – Imagens da escola, da turma e do PCA: o ponto de vista dos alunos .......... 281 6.1.4.1 – Representações da escola e da turma ................................................... 281 6.1.4.2 – Apreciação sobre o PCA ...................................................................... 284 6.1.4.3 – Relações pessoais com colegas e professores ...................................... 285 6.1.4.4 – O futuro: confidências e expetativas .................................................... 288 6.1.5 – Eficácia e sucesso do PCA ........................................................................... 290 6.1.6 – Em síntese .................................................................................................... 294 6.2 – As práticas, metodologias, estratégias e lógicas de ação da proposta de PCA – um desafio à Inovação Pedagógica ou a imutabilidade de práticas tradicionais?........ 296 6.2.1 – Metodologias e estratégias aplicadas na sala de aula ................................... 296 6.2.2 – As práticas pedagógicas – inovação ou contínuo? ....................................... 307 6.2.3 – Planificação da atividade educativa ............................................................. 315 6.2.4 – Organização e gestão dos processos de avaliação das aprendizagens ......... 317 6.2.5 – As dificuldades sentidas ............................................................................... 322 6.2.6 – As emoções .................................................................................................. 324 6.2.7 – Em síntese .................................................................................................... 326

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6.3 – Que ambientes emergiram da utilização das tecnologias na disciplina de ITIC no âmbito do PCA? ..................................................................................................... 329 6.3.1 – A incorporação das TIC: que contributos?................................................... 329 6.3.2 – Os ambientes de aprendizagem emergentes ................................................. 334 6.3.3 – As interações educativas: papel do professor e do aluno ............................. 339 6.3.4 – Os artefactos produzidos – elementos de um reportório partilhado? ........... 342 6.3.5 – Em síntese .................................................................................................... 359 Capítulo VII – Conclusões finais .................................................................................... 363 7.1 – A reconstrução da cultura da turma de PCA........................................................ 363 7.2 – O Percurso Curricular Alternativo: um desafio à Inovação Pedagógica? ........... 370 7.3 – Recomendações ................................................................................................... 374 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................... 376 REFERÊNCIAS NORMATIVAS .................................................................................. 401 APÊNDICES - Índice do Conteúdo do CD-ROM ........................................................ 404 Tese de Doutoramento (versão eletrónica em formato pdf) ......................................... 404 Pasta 1 - Instrumentos de trabalho construídos e utilizados pelo investigador ......... 404 Apêndice A - Carta dirigida à Secretaria de Educação ................................................. 404 Apêndice B – Pedido de autorização aos Encarregados de Educação .......................... 404 Apêndice C – Guião A: Presidente do Conselho Executivo ......................................... 404 Apêndice D - Guião B: Professores da turma de PCA ................................................. 404 Apêndice E – Guião C: Alunos da turma de PCA ........................................................ 404 Apêndice F - Protocolo da entrevista da Presidente do Conselho Executivo ............... 404 Apêndice G – Protocolo da entrevista da Professora (E3) ............................................ 404 Apêndice H – Protocolo da entrevista da aluna AC ..................................................... 404 Apêndice I – Tabelas da análise de conteúdo às entrevistas dos professores ............... 404 Apêndice J – Matriz final da análise de conteúdo às entrevistas dos professores ........ 404

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Apêndice L – Tabelas síntese da análise de conteúdo às entrevistas dos professores .. 404 Apêndice M – Tabelas da análise de conteúdo às entrevistas dos alunos .................... 404 Apêndice N – Matriz final da análise de conteúdo às entrevistas dos alunos .............. 404 Apêndice O – Seleção das aulas apresentadas no corpus da tese ................................. 404 ANEXOS - Índice do Conteúdo do CD-ROM .............................................................. 405 Pasta 2 – Elementos recolhidos de caráter contextual ................................................. 405 Anexo A – Projeto Educativo da Escola ....................................................................... 405 Anexo B – Projeto Curricular de Turma ....................................................................... 405 Anexo C – Estrutura da Agenda do aluno – distribuição de tarefas ............................. 405 Anexo D – Agenda do aluno......................................................................................... 405 Anexo E – História 5º A em Banda Desenhada ............................................................ 405 Anexo F – Artefactos dos alunos do 5º A ..................................................................... 405

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LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Pontos fortes e pontos fracos do Despacho Normativo n.º 1/2006 (Fonte: Relatório de avaliação sobre o impacto das turmas de PCA no ensino básico) ................ 158 Tabela 2 - Datas e locais de realização das entrevistas ..................................................... 204 Tabela 3 - Distribuição das observações por áreas disciplinares....................................... 210 Tabela 4 - Horário de funcionamento da escola ................................................................ 223 Tabela 5 - Evolução do n.º total de alunos e turmas.......................................................... 233 Tabela 6 - Design Curricular Alternativo da turma de 5º A de PCA ................................ 238 Tabela 7 - Horário semanal dos alunos ............................................................................. 241 Tabela 8 - Idades dos alunos.............................................................................................. 244 Tabela 9 - Caraterização socioeconómica dos alunos da turma ........................................ 250 Tabela 10 - Trajetórias escolares ....................................................................................... 253 Tabela 11 - Caraterísticas dos professores entrevistados .................................................. 254 Tabela 12 - Fatores impeditivos da inovação .................................................................... 310 Tabela 13 - Caraterísticas pessoais do professor inovador ................................................ 312 Tabela 14 - Conhecimentos profissionais essenciais do professor inovador .................... 313

XIV

LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Interface de apresentação do software Diário Etnográfico ............................... 196 Figura 2 - Interface de registo de observações / reflexões ................................................ 197 Figura 3 - Interface de triagem de observações de fenómenos evidenciados .................... 198 Figura 4 - Distribuição dos alunos segundo a idade .......................................................... 245 Figura 5 - Profissões dos pais ............................................................................................ 251 Figura 6 - N.º de reprovações ............................................................................................ 252 Figura 7 - Borboletas (CS) ................................................................................................ 345 Figura 8 - Dia europeu sem carros (CD) ........................................................................... 345 Figura 9 - Convite para festa de aniversário (CS) ............................................................. 345 Figura 10 - Halloween (CD) .............................................................................................. 346 Figura 11 - Halloween (LR) .............................................................................................. 346 Figura 12 - Cenário de Natal (LR) .................................................................................... 347 Figura 13 - Árvore de Natal (CS) ...................................................................................... 347 Figura 14 - Discriminação racial (AS) .............................................................................. 349 Figura 15 - Discriminação racial (JC) ............................................................................... 349 Figura 16 - Discriminação racial (CD) .............................................................................. 349 Figura 17 - Discriminação racial (AC) .............................................................................. 349 Figura 18 - Dia dos namorados (LR) ................................................................................. 350 Figura 19 - Dia dos namorados (AS) ................................................................................. 350 Figura 20 - Lenços dos namorados (JC/LR) ...................................................................... 351 Figura 21 - Carnaval (LR) ................................................................................................. 352 Figura 22 - Carnaval (JM) ................................................................................................. 352 Figura 23 - Famous People (RT)....................................................................................... 355 Figura 24 - Famous People (AS)....................................................................................... 355

XV

LISTA DE SIGLAS CEF – Curso de Educação e Formação CD – Currículos Diferenciados CEI – Currículo Específico Individual CRSE – Comissão de Reforma do Sistema Educativo DRE – Direção Regional de Educação ITIC – Introdução às Tecnologias de Informação e Comunicação LBSE – Lei de Bases do Sistema Educativo NEE – Necessidades Educativas Especiais PAE – Plano Anual de Escola PACE – Plano de Ação do Conselho Executivo PCA(s) – Percurso(s) Curricular(es) Alternativo(s) PCE – Projeto Curricular de Escola PCT – Projeto Curricular de Turma PE – Presidente da Escola PEE – Projeto Educativo de Escola PEI – Projeto Educativo Individual PGR – Proposta Global de Reforma PIPSE – Programa Interministerial de Promoção do Sucesso Escolar PEPT – Programa Educação Para Todos RI – Regulamento Interno SPO – Serviço de Psicologia e Orientação SRERH – Secretaria Regional de Educação e Recursos Humanos TIC – Tecnologias de Informação e Comunicação ZDP – Zona de Desenvolvimento Proximal

XVI

INTRODUÇÃO 1. A motivação para o estudo A presente investigação surge a determinada altura do nosso percurso académico, no âmbito de um Doutoramento em Ciências da Educação, na Área de Especialização de Inovação Pedagógica que decorreu na Universidade da Madeira. Da nossa experiência pessoal e profissional decorreu a motivação inicial para esta investigação, pois como refere Sousa (2000a, p. 39), a “investigação é sempre interessada”. A prática pedagógica como docente especializada em Educação Especial e o contacto com alunos em risco educacional sempre suscitou em nós inúmeras inquietações e algumas dúvidas acerca do como proporcionar a determinados alunos a tão proclamada equidade nas oportunidades de acesso e sucesso escolares (Ainscow & César, 2006). Foi assim, por razões profissionais, que ocorreu o nosso confronto com determinados projetos disponibilizados por algumas escolas para determinados alunos na passagem do 4º para o 5º ano de escolaridade, designadamente os “currículos alternativos” antes de 2006, e os “Percursos Curriculares Alternativos” após a aprovação do Despacho Normativo n.º 1/2006, de 6 de Janeiro. Este contacto haveria de despoletar em nós um grande interesse pelo estudo e compreensão desta nova proposta de organização e gestão do currículo, o PCA enquadrado no sistema educativo como medida de flexibilização do currículo, contextualização e reconstrução do mesmo, face à diversidade dos alunos e ao risco de abandono precoce da escola. A pertinência deste estudo insere-se no reconhecimento generalizado acerca da importância deste tipo de propostas de flexibilização dos dispositivos de organização e gestão do currículo, destinado a alunos que, encontrando-se dentro da escolaridade obrigatória, apresentam insucesso escolar repetido, problemas de integração na comunidade escolar, ameaça de risco de marginalização, de exclusão social ou abandono escolar, problemas de comportamento e dificuldades de aprendizagem. Ou seja, a necessidade incontornável de se refletir sobre os contextos de aprendizagem e de se questionar a adequabilidade das práticas pedagógicas, face às novas realidades sociais, enquadra esta proposta de investigação justifica e atesta a sua 1

importância, muito para além da nossa motivação e interesse pelo estudo e análise desta proposta de Percurso Curricular Alternativo. A investigação empírica que aqui apresentamos foi desenvolvida durante os anos letivos de 2009/2010 e 2010/2011 numa Escola Básica do 2.º e 3.º Ciclos – a Escola dos Louros no Funchal, numa turma de 5º ano com proposta de PCA – e seguiu uma orientação de cariz etnográfica, consentânea com os objetivos de investigação e considerada a metodologia mais apta para se sondarem as dinâmicas de natureza social e cultural de uma turma (Sousa & Fino, 2007, p. 7). A escolha da Escola não foi aleatória, mas ficou a dever-se ao reconhecimento social da grande abertura e predisposição desta Escola para o acolhimento e desenvolvimento deste tipo de projetos, sendo uma prática comum a disponibilização desta oferta educativa a alguns dos seus alunos.

2. Os pressupostos da investigação Nos últimos tempos têm sido produzidos muitos documentos oficiais que de forma sistemática e explícita proclamam a consagração do carácter universal, obrigatório e gratuito do ensino básico, como um dos princípios estruturantes da educação escolar, procurando-se assegurar o direito a uma justa e efetiva igualdade de oportunidades no acesso e sucesso escolares de todos os cidadãos. Da Constituição da República, à Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE) (Lei n.º 46/98), passando pela Reorganização Curricular (Decreto-Lei n.º 6/2001), ao regime de Autonomia e Gestão das Escolas (Decreto-Lei n.º 75/2008) é rejeitado qualquer tipo de segregação e discriminação. Assim, a evolução de um discurso de promoção do sucesso educativo fundamentado na aceitação da diversidade e especificidades dos alunos levou à interiorização de novas perspetivas curriculares, e à aceção de um novo construto em torno da multiculturalidade (Leite, 2000), expresso na multiplicidade de orientações legislativas e programas diversos que foram emergindo ao longo de décadas. Perante tais desígnios e públicos tão diversos que foram acedendo aos bancos da escola (Sousa, 2000b) surgiu então a necessidade de se implementar percursos curriculares diversificados, como resposta às necessidades dos alunos, de forma a assegurar o

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cumprimento da escolaridade obrigatória e combater a exclusão. Procuravam-se soluções ajustadas à diversidade de uma população escolar acentuadamente heterogénea a nível social, cultural e escolar. O PCA surge deste modo, como uma solução para garantir o cumprimento da escolaridade obrigatória e evitar saídas precoces da escola – absentismo e abandono escolares. Vocacionado para jovens com idade inferior a 15 anos, confere os mesmos certificados do regular, ou seja, habilitações correspondentes ao 6.º e 9.º ano de escolaridade. Pode igualmente promover experiências pré-profissionais e um primeiro contacto com o mundo do trabalho. Contudo, e apesar de toda a retórica expressa nos discursos de intenção que acompanharam as medidas tomadas pela administração central, as práticas permaneciam inalteradas, naturalmente reféns de um invariante. Perante este – «força insidiosa impregnada nas paredes da escola e perpassando o nosso inconsciente» (Fino, 2006, p. 13) - emergem algumas questões, como reforça o autor, acerca do poder das convicções sobre a natureza ativa dos aprendizes e o papel do professor, o lugar da inovação pedagógica, e os contributos da incorporação da tecnologia, elementos centrais nesta investigação. Neste contexto, como anular esta “visão apriorística de escola” das nossas mentes, das mentes dos pais dos alunos, dos decisores políticos, para que a inovação deixe de ser uma excentricidade, tal como questiona (Fino, 2006). Para o autor, a escola fabril, ao consolidar um determinado tipo de organização e de rotinas, tem também dado origem a um discurso legitimador, cuja atualização corresponde à evolução das teorias da aprendizagem e do ensino. Todavia, a precariedade das teorias, que têm vindo sucessivamente a ser substituídas por outras mais recentes, não garantem a estabilidade da vinculação paradigmática da escola. É por isso que o paradigma fabril como principal organizador da escola continua a vigorar, apesar da exposição e desconstrução realizadas por Toffler (2001) que defende a necessidade e a urgência da escola “olhar” para o futuro, muito embora continue, na retoma dos pressupostos e estrutura que a faziam verdadeiramente útil, no passado. Isto acontece de facto porque a escola é um sistema institucional muito estável, cuja reestruturação depende criticamente dum sistema de crenças ou mitos que lhe são impostos exteriormente pela sociedade. Embora tenham ocorrido inúmeras tentativas para modificar

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a escola, nenhuma delas foi capaz de proceder à sua reorientação paradigmática (Fino, 2010). Resultante das profundas alterações impostas à sociedade atual, as escolas já não são capazes de preparar as pessoas como no passado, porque a sociedade para a qual foram projetadas já não existe. O aumento do número de alunos e a sua heterogeneidade, a diminuição do estatuto social dos professores, as novas funções aduzidas às escolas, a difusão do conhecimento para lá dos seus muros e ainda o fosso cultural entre a sociedade e as escolas levou ao questionamento da necessidade de mudança. De acordo com Sousa & Fino (2001) estamos perante “…um paradigma que caducou irremediavelmente. Está declarada a crise no velho paradigma fabril” (p. 378). Esta realidade leva-nos a questionar a escola e perspetivar a alteração de práticas, a adoção de novos princípios, valores e técnicas, fundamentais à sua renovação. Torna-se pois necessário encarar a renovação da escola como uma necessidade urgente, cuja nova matriz suporte e integre os novos espaços de conhecimento, tendo em vista a definição de um novo paradigma, perspetivado por Khun (1996), com toda a constelação de conceitos, crenças, valores e técnicas partilhadas pelos membros de uma comunidade. Na linha da definição de uma mudança paradigmática é necessária a conceção de uma nova matriz para a escola, enquanto locus da construção do conhecimento, de novas formas de organização educacional, suscetíveis de a transformar adaptando-a aos novos modelos de desenvolvimento económico e social. Em termos de metodologias de ensino, preconizam-se profundas alterações, enfatizando-se as metodologias centradas no aluno, que transformem o estudante num elemento ativo da aprendizagem, devidamente orientado e enquadrado por um apoio tutorial empenhado e efetivo. Mas, nesta mudança de paradigma não é possível, hoje, ignorar o potencial das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC). Atualmente, a designada sociedade de informação, dispõe de grande quantidade de informação veiculada de diversas formas, fazendo com que o acesso eficaz (rápido e flexível) a diversas fontes de informação se torne uma das capacidades mais privilegiadas na interação com o mundo. A informação e o próprio conhecimento, não estão confinadas às paredes da escola, pelo contrário, há muito que galgaram os seus muros. Este facto contribuiu no entanto, para ampliar o fosso entre a escola e a realidade social e é por isso, que enquanto na sociedade a evolução da tecnologia 4

faz precipitar o futuro com uma grande aceleração, a escola pelo contrário, tem visto aumentar a distância, que a separa da realidade que se desenrola no exterior dos seus muros, deixando esmorecer o vínculo com o desenvolvimento da sociedade de outros tempos (Fino, 2001d). Por tudo isto, reclama-se por uma mudança paradigmática e proclama-se a urgência de uma nova orientação dos sistemas educativos - voltados para a inovação. Mas para que a inovação seja uma realidade, esta terá de coincidir com uma tomada de consciência dos constrangimentos existentes contra ela. O invariante cultural, deverá ser naturalmente o primeiro constrangimento a ser desmontado. «Em cada um de nós, em primeiro lugar. E só depois o professor inovador estará apto a projetar uma instituição (ou nenhuma instituição) educativa diferente» (Fino, 2006, p. 14). Inovar é portanto, olhar para além da escola, imaginando-a outra, já liberta das forças que insistem em mantê-la refém de uma herança pesada, do passado. O compromisso terá de ser por isso, assumido com o futuro, relegando-se para 2º plano as perspetivas tradicionais. Nesta renovação da escola a tecnologia pode ser um importante auxiliar, uma vez que ela pode ajudar a criar ambientes diferentes, novas descentralizações e acessibilidades, outras perspetivas de diálogo intersocial que vão permitir a cognição. No entanto, a tecnologia não é inovação «se incorporada atabalhoadamente e à revelia de uma reflexão esclarecida, ela pode redundar em novo constrangimento. Pode alimentar o invariante. Pode contribuir para fazer tardar a reorganização paradigmática. Pode servir para dar continuidade à escola fabril por novos meios» (Fino, 2006, p. 14). Entretanto lá fora a vida se faz e refaz rapidamente em função de uma realidade e de uma sociedade em mutação. A construção do conhecimento através do computador tem sido denominada por Papert (1986) de Construcionismo. Nesta perspetiva o aluno constrói algo do seu interesse e para o qual está motivado. O envolvimento afetivo torna a aprendizagem mais significativa (Valente, 1993a). O computador poderá ser um incentivador das mudanças pretendidas para o processo educativo, se utilizado e entendido como uma ferramenta para promover a aprendizagem, segundo uma proposta construcionista contextualizada, em que o professor age como um facilitador, mediador da aprendizagem dos alunos, respeitando o ritmo de cada um. Nesta perspetiva, o aluno constrói o seu conhecimento sobre determinada temática através da 5

resolução de um problema ou desenvolvimento de um projeto significativo (do interesse do aluno) e contextualizado (vinculado à sua realidade) através da colaboração. Da análise às teorias construtivistas, construcionistas e da teoria histórico-cultural da atividade emergem importantes contributos que permitiram a integração de novos elementos sobre a forma de perspetivar o modo como se aprende, sobre o aluno e o professor. Há uma renúncia clara à assunção do conhecimento, como um dado adquirido e transmissível, assumindo-se este, como uma construção pessoal que ocorre em função da experiência de cada um. De forma gradual tem-se registado portanto, uma aceitação dos enfoques construtivistas em educação, cujas propostas enquadram o processo de construção do conhecimento no grupo ou na comunidade de aprendizagem do aluno – a sala de aula. Este processo de construção do conhecimento na sala de aula é social e compartilhado em que o sujeito participa de práticas culturalmente organizadas com ferramentas e conteúdos culturais. No construtivismo o estudante é o agente do seu próprio conhecimento, por isso, há um deslocamento da incidência do processo de ensino para o processo de aprendizagem. Em oposição aos modelos de ensino orientados para uma conceção objetivista da aprendizagem, que desvalorizam os aspetos ligados à autonomia e responsabilização do aluno no processo de aprendizagem como também o papel dos meios e instrumentos que sustentam a construção do conhecimento e o ambiente de aprendizagem. Os ambientes em que é permitido aos alunos o acesso a diversas fontes de informação são naturalmente lugares, onde ser-lhe-á possível explorar novas situações e atingir novas metas de aprendizagem de acordo com o seu ritmo individual, integrando a ajuda e a atividade colaborativa. O ambiente deverá por isso, proporcionar recursos ricos e instrumentos dirigidos para a compreensão e complexidade das suas inter-relações. Porque a heterogeneidade da escola atual coloca-a perante muitos desafios, a intervenção deverá ser perspetivada, no sentido da sua adequabilidade e transformação, num espaço onde todos deverão ter as mesmas oportunidades para aprender em ambientes verdadeiramente inovadores, de partilha, de desenvolvimento de competências cognitivas de pesquisa, apropriação, análise e avaliação de informação, apoiadas em novas abordagens pedagógicas, em que se dará maior importância à iniciativa do aluno e ao trabalho em equipa. 6

3. Os objetivos do estudo Este estudo pretendeu contribuir para uma melhor compreensão e conhecimento da cultura de uma turma de 5º ano com proposta de PCA, bem como avaliar o impacto desta medida educativa na vida dos alunos da turma-alvo desta investigação. Para o efeito, procedeu-se ao levantamento das representações de todos os envolvidos no projeto, à caraterização das práticas pedagógicas promovidas em termos de inovação ou contínuo de práticas tradicionais e ao apuramento dos ambientes resultantes da utilização das TIC. Toda a investigação se traduz no ato de perguntar, por isso, também nesta investigação emergiram algumas questões. Perguntas que se podem alterar, depois da entrada no campo da investigação. Poderão até surgir novas interrogações a partir das antigas. Por isso, as regras metodológicas procuram o esclarecimento, o apuramento das questões de investigação, que acabam por constituir-se o motor da investigação (Graue & Walsh, 2003). No nosso caso, desde o início da investigação que formulámos algumas interrogações, posteriormente transformadas em questões de investigação e que se constituíram elementos de referência fundamentais ao desenvolvimento do estudo, e permitiram sondar, interpretar e compreender a cultura da turma em estudo. Toda a investigação se desenrolou a partir da seguinte questão: De que forma é que a proposta de PCA constitui um desafio à Inovação Pedagógica? Esta problematização inicial levou à emergência de outras questões de investigação que

se

constituíram

elementos

de

referência

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orientação,

fundamentais

ao

desenvolvimento do próprio estudo, perante a necessidade de se compreender, interpretar e reconstituir a cultura da turma de PCA, em conformidade com a perspetiva de todos os envolvidos no projeto. As questões que regularam toda a investigação em momentos distintos são:  Que representações têm os professores sobre o projeto de PCA?  As práticas, metodologias, estratégias e lógicas de ação da proposta de PCA – um desafio à Inovação Pedagógica ou a imutabilidade de práticas tradicionais?  Que ambientes emergiram da utilização das tecnologias na disciplina de ITIC no âmbito do PCA?

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No sentido de dar resposta a estas questões optámos por uma abordagem de investigação etnográfica, que nos pareceu a mais adequada ao aprofundamento e estudo da cultura de uma turma com proposta de PCA. A recolha de dados iniciou-se com a observação participante à turma escolhida, tendo a nossa imersão no contexto de investigação ocorrido de forma regular. Assim, durante dois anos letivos acompanhámos no contexto escolar a turma de 5º ano alvo deste estudo. Observámos espaços pedagógicos, realizámos entrevistas à Presidente do Conselho Executivo, aos professores da turma e a alguns alunos. Registámos informação considerada útil, recolhemos e analisamos diversos documentos institucionais, reguladores da vida da escola - Projeto Educativo de Escola (PEE), Projeto Curricular de Escola (PCE), Projeto Curricular de Turma (PCT), Regulamento Interno (RI), Plano Anual de Escola (PAE) e o Plano de Ação do Conselho Executivo (PACE).

4. A organização do estudo Toda a pesquisa foi precedida de um vasto estudo teórico, que teve o seu início com a parte curricular do Doutoramento em Ciências da Educação na área da Inovação Pedagógica e que continuou com as diversas reflexões que fomos realizando e que progressivamente foram contribuindo para a construção do quadro teórico desta investigação. Estruturalmente o trabalho compõe-se de duas partes que traduzem as diferentes fases da investigação. A I Parte está organizada em três capítulos: I, II, III que compõem o enquadramento teórico do estudo. A II Parte, capítulos IV, V, VI E VII, apresenta a descrição de todo o estudo. A primeira parte remete-nos para o enquadramento teórico, conceptual e normativo da temática em estudo. O primeiro capítulo é dedicado à cultura da escola e começa com a apresentação de algumas noções de cultura, que nos remetem para uma reflexão sobre a educação e respetiva relação com a cultura. Concentrámos ainda o nosso olhar na cultura escolar e na cultura da escola, aspetos que nos permitiram compreender as conexões entre a cultura popular e a pedagogia. A fundação paradigmática da escola motivou-nos para a análise dos elementos da matriz cultural comum da escola atual e a constatação da

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emergência do despontar de um novo paradigma. Por último são abordados os contornos da mudança e inovação, que enquadram a última parte do capítulo. O segundo capítulo incide sobre o desenvolvimento, a aprendizagem e a tecnologia e situa o quadro de referência teórico acerca dos pressupostos e investigações efetuadas neste domínio. Situa as posições construtivistas, fundamentos e implicações pedagógicas, componentes fundamentais no quadro atual da intervenção educativa. Pelas grandes implicações na prática pedagógica da atualidade, permitimo-nos uma incursão pelos estudos de Piaget. A abordagem aos estudos de Vygotsky centrados na dialética entre o indivíduo e a sociedade e sustentada pela perspetiva da Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP) foi igualmente considerada relevante nesta investigação. O grande contributo dado por Bruner e Ausubel no desenvolvimento de modelos construtivistas da aprendizagem, pelo reconhecimento do aluno enquanto construtor ativo do seu conhecimento, justificou a inclusão destes autores nesta fundamentação teórica. A descrição efetuada na parte final deste capítulo resume as perspetivas das teorias construtivistas, construcionistas, a teoria histórico-cultural da atividade, as TIC e a aprendizagem, que permitiram enquadrar novos elementos sobre a forma de perspetivar os aprendizes, a natureza da construção do conhecimento, as conceções acerca da importância e os novos papéis do professor, aspetos articulados em pressupostos divergentes aos tradicionais. Apresentamos no terceiro capítulo uma abordagem aprofundada sobre a flexibilização do currículo e o seu sentido, que levou ao enquadramento e aceitação deste tipo de propostas curriculares alternativas. É também descrita toda a realidade do PCA, em que a partir da origem dos currículos alternativos no sistema educativo português foi possível situar os pressupostos que justificaram a adoção deste tipo de medida. Segue-se uma síntese do relatório de acompanhamento à implementação dos currículos alternativos datado de 1997 e do relatório de avaliação publicado já em 2012 – estudo sobre o impacto das turmas com percursos curriculares alternativos no ensino básico e dos planos de recuperação, de acompanhamento e de desenvolvimento escolar, trabalho que contribuiu para o conhecimento do impacto das turmas com PCA. Ainda no mesmo capítulo é apresentada de forma sucinta os estudos realizados em Portugal no âmbito do funcionamento de turmas com proposta de PCA, que a retórica recente e o enquadramento

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legislativo sobre o insucesso e abandono escolar, a igualdade de oportunidades e a Escola Para Todos vieram dar visibilidade. A II parte da investigação descreve o estudo empírico em que decidimos olhar o PCA através da etnografia - quarto capítulo que começa por uma referência à metodologia da investigação adotada, para depois apresentarmos os instrumentos utilizados na recolha dos dados empíricos: a observação participante, a entrevista, o diário de campo e a recolha documental. O quinto capítulo apresenta uma análise detalhada do contexto escolar e descreve os elementos culturais da turma. O capítulo seguinte inclui a apresentação dos resultados, ou seja, as respostas às questões de investigação fundamentais à compreensão da cultura da turma. O estudo termina com a apresentação das conclusões finais que recuperam o problema da pesquisa e sintetizam as principais conclusões que permitem a reconstrução da cultura da turma, seguidas por algumas recomendações. Finalmente apresentam-se os apêndices e anexos em CD-ROM, organizados pela sequência temporal da sua ocorrência e construção: - Instrumentos construídos e utilizados pelo investigador, na recolha de dados de observação do trabalho empírico; - Elementos produzidos contextualmente – trabalhos dos alunos emergentes das propostas de atividades, artefactos dos alunos; - Outros documentos institucionais reguladores da vida da escola e da turma. Trata-se de um estudo localizado, impondo por isso, conclusões que não são de modo algum generalizáveis. No entanto, porque incide sobre uma turma com proposta de PCA é possível que os resultados das observações e entrevistas realizadas possam ajudar a construir um conhecimento sobre a cultura da turma onde decorreu esta investigação.

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PARTE I – ENQUADRAMENTO TEÓRICO

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Capítulo I – A Cultura da escola 1.1– Noções de cultura A palavra cultura, deriva do latim colere, que significa cultivar. De acordo, com o Dicionário de Língua Portuguesa, esta palavra tem associada diversas conotações como: «Maneiras coletivas de pensar e de sentir, conjunto de costumes, de instituições e de obras que constituem a herança social de uma comunidade ou grupo de comunidades; conjunto das ações do meio que asseguram a integração dos indivíduos numa coletividade; conjunto dos conhecimentos de alguém; sabedoria; apuro; elegância» (Costa & Melo, 1993, p. 456).

Assume, portanto, várias aceções, mas o seu esclarecimento semântico implica olhar para dois polos básicos. Por um lado, temos uma faceta individual, em que a cultura é considerada como o conjunto das disposições e das qualidades caraterísticas do espírito “cultivado”. Tratando-se de uma realidade subjetiva, resultante do domínio de um leque de conhecimentos interiorizados pelo indivíduo, engloba igualmente mecanismos de natureza psicológica. Na outra extremidade do campo semântico da palavra cultura, encontra-se a aceção descritiva e objetiva desenvolvida pelas ciências sociais contemporâneas, em que a cultura é perspetivada como o conjunto dos traços característicos do modo de vida de uma sociedade, de uma comunidade ou de um grupo e compreende aspetos como os mais quotidianos, os mais triviais ou os mais “inconfessáveis” (Forquin, 1993, p. 11). Já numa perspetiva patrimonial, diferencialista ou identitária, a cultura é definida como «o património de conhecimentos e de competências, de instituições, de valores e símbolos, constituído ao longo de gerações e característico de uma comunidade em particular, definida de modo mais ou menos amplo e mais ou menos exclusivo» (p. 12). Trata-se de uma herança coletiva, património intelectual e espiritual, produto de um processo contínuo de seleção e decantação, com conotação sagrada. Consequência de uma visão universalista e unitária de “cultura humana” aceita-se que esta transcende as fronteiras e os grupos humanos e advém de uma memória e destino comum a toda a humanidade. Numa aceção filosófica, a cultura, enquanto estado especificamente humano, é aquilo pelo qual «o homem se distancia da natureza e se distingue especificamente da animalidade» (Forquin, 1993, p. 12).

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De acordo com Benedict (2005), a grande maioria dos indivíduos assume desde que nasce o comportamento ditado pela sociedade em que se insere, interpretando as suas instituições como referências perfeitas e universais. Entre sociedade e indivíduo existe um mútuo fortalecimento. A cultura fornece a matéria-prima com que o indivíduo edifica a sua vida, numa relação de reciprocidade e proximidade. Nesta perspetiva, o homem é moldado pelo costume e não pelo instinto. A herança cultural humana não é, portanto, transmissível biologicamente. Destaca-se o papel do processo cultural na transmissão da tradição, assumindo como irrelevante o comportamento biologicamente transmitido. A esse respeito, Morin (2002) afirma: «A cultura é constituída pelo conjunto dos saberes, saber-fazer, regras, normas, interdições, estratégias, crenças, ideias, valores, mitos que se transmitem de geração em geração, reproduz-se em cada indivíduo, controla a existência da sociedade e mantém a complexidade psicológica e social. Não há sociedade humana, arcaica ou moderna que não tenha cultura, mas cada cultura é singular. Assim, existe sempre a cultura nas culturas, mas a cultura não existe senão através das culturas» (p. 61).

O autor reconhece a singularidade de cada cultura que a remete para a existência de um capital específico de crenças, ideias e valores, mitos e, particularmente, os que ligam uma comunidade singular aos seus antepassados, às suas tradições, aos seus mortos. Transmite-se de geração em geração, reproduzem-se, controlam a existência da sociedade e mantém a complexidade psicológica e social. Pérez Gómez (2001) considera a cultura como o conjunto de significados, expectativas e comportamentos partilhados por um determinado grupo social, o qual facilita e ordena, limita e potencia os intercâmbios sociais, as produções simbólicas e materiais e as realizações individuais e coletivas dentro de um limite espacial e temporal estabelecido. A cultura é o resultado da construção social, dependente das condições materiais, sociais e espirituais duma determinada época. Expressa-se em significados, valores, sentimentos, costumes, rituais, instituições e objetos que integram a vida individual e coletiva da comunidade. Mas a cultura é também perspetivada como um padrão de pressupostos básicos, inventados, descobertos ou desenvolvidos por um grupo, a partir do momento em que teve de lidar com os seus problemas de adaptação externa e de integração interna, e que foi reconhecido como válido (Schein, 1990). A cultura pode ser criada de duas formas diferentes, em que normas e crenças podem emergir a partir do modo como os membros de

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um grupo respondem a um incidente crítico, sendo que, o conjunto dos comportamentos que se segue cria a norma que se pode tornar uma crença e depois um pressuposto, se o mesmo padrão de acontecimentos recorrer. Para Bilhim (1996), a cultura distingue cada organização das restantes, agregando os membros da instituição em torno de uma identidade partilhada, facilitando a sua adesão aos objetivos gerais da organização. Esta definição remete para a noção de identidade, de distinção, isto é, destaca os elementos que particularizam e diferenciam as organizações entre si. Sendo a cultura um conjunto de modelos de comportamento, de usos e costumes, de instrumentos e objetos usados por uma população, «(…) diz-se frequentemente que a cultura de um povo é aquilo que constitui a sua identidade» (Ferreira, 1993, p. 114). Essa identidade – a cultura que a define – não decorre dum projeto racional, elaborado à maneira como se pode projetar e realizar, de raiz, uma fábrica, um complexo industrial, uma urbanização. Pelo contrário, ela «é o resultado de uma construção social, contingente às condições materiais, sociais e espirituais que dominam um espaço e um tempo» (Pérez Gómez, 2001, p. 17). No âmbito dessa construção social, Lledó (1998) preconiza que «a cultura não é (…) a existência do que se costuma chamar bens culturais, mas sim a nossa presença diante deles, a nossa possibilidade de ser alguém perante a herança cultural e, sobretudo, a nossa possibilidade de fazer algo por ela» (p. 39). D’ Andrade admite a existência de três perspetivas sobre a natureza de cultura. A primeira é considerada enquanto acumulação de conhecimento e informação. A segunda como conjunto de estruturas conceptuais que constroem a visão central da pessoa, intersubjetivamente partilhada, de modo que cada indivíduo assume que os outros veem o que ele vê. E por último, a visão de cultura enquanto acumulação de conhecimento e realidade construída pelo sujeito. Nesta perspetiva, cultura e sociedade são o mesmo, compostas por instituições representativas como a família, a fábrica e a igreja e outras funções relacionadas com o status quo (1984, cit. Fino, 2000, p. 18). Fino (2008b) confirma a cultura como determinante da forma como encaramos o mundo. Enquanto modo de olhar, uma “lente” que filtra o olhar do mundo em que vivemos, a cultura é também condicionante da ação nos diversos contextos em que nos movemos (Brazão, 2008a). 14

A cultura, como quadro de referência no sentido de um “construto social”, tem um caráter dialético, «não permanece estática e está em permanente alteração (…) antecedenos, configura e determina o percurso das nossas vidas» (Brazão, 2008a, p. 13). «(…) viver uma cultura e dela participar supõe reinterpretá-la, reproduzi-la, assim como transformála» (Pérez Gómez, 2001, p. 17). Também Gimeno Sacristán (2008) destaca a característica dinâmica da cultura precisamente porque a alteram os sujeitos que dela se apropriam e a subjetivam. Para o autor, o fenómeno da globalização acelera processos existentes na dinâmica das culturas, que adquirem novas dimensões. A comunicação entre culturas, a adoção e absorção de elementos culturais provenientes de outras culturas, a universalização de certos padrões de pensamento e comportamento civilizadores, ou até mesmo o confronto entre diferentes culturas, fazem parte da tradição e da história de cada povo, assim como também de uma dinâmica permanente nos indivíduos. «Não só o mundo é multicultural – diverso -, mas também cada cultura e cada indivíduo aculturado em qualquer delas. Tudo é impuro, mescla e hibridação» (p. 31). Esta condição manifesta-se de múltiplas formas, pelo que se torna necessária a clarificação do que se entende por cultura, dada a ambiguidade que o termo encerra. O autor distingue três aceções de cultura: a primeira no sentido clássico e moderno e que corresponde ao legado da memória histórica, formado pela tradição codificada através da escrita (em conjunto com as realizações conservadas do passado e depositadas em museus e que constituem o património cultural); um segundo sentido de cultura, utilizado pela primeira vez por Kant, que a define como as experiências, tradições, modos de vida, de expressão, de saber-fazer e formas de ser de um povo ou comunidade, com as quais os indivíduos se identificam como sendo da mesma cultura1; e ainda um terceiro sentido, que alude para a cultura como uma mescla de componentes amplamente difundidos entre a população, de símbolos, objetos, atividades culturais de ócio, assistência a espetáculos, aquisição de elementos artísticos ou expressivos que se popularizam. Estas três formas de entender a cultura não deverão ser entendidas como categorias totalmente autónomas e independentes entre si, pois são conteúdos que se cruzam. É rejeitado o conceito de cultura como um artefacto imobilizado, sendo esta perspetivada como um conjunto de experiências e práticas sociais vividas e desenvolvidas 1

Foi esta aceção que permitiu falar-se de culturas nacionais e, depois, “à sua aceção étnica ou antropológica que estão por detrás de expressões como: “cultura alemã”, “cultura basca”, “cultura guarani”, “cultura rural”, “cultura cristã”, etc.

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dentro das relações de poder assimétricas. Neste sentido, Giroux (1999) defende que a cultura não é um objeto de reverência inquestionável, mas um campo móvel de relações ideológicas e materiais inacabadas, sobrepostas e abertas ao questionamento. Pedagogicamente, esta visão de cultura é uma prática social que possibilita aos professores e alunos construírem-se como agentes na produção de subjetividade e significado. A cultura é também terreno de contestação e acomodação, assim como o local onde os jovens e adultos concebem a sua relação com o mundo; ela produz as narrativas, as metáforas e as imagens para construir e exercer uma poderosa força pedagógica sobre o que pensam as pessoas a seu respeito e acerca do seu relacionamento com os outros (Giroux, 2003). Podemos distinguir, com Hargreaves (1998), duas dimensões fundamentais da cultura: o conteúdo e a forma, fundamentais para a vida das escolas e seu processo de mudança. O conteúdo reporta-se a atitudes substantivas, crenças, valores, hábitos e formas de vida que os membros de uma organização, ou um subgrupo dentro desta, possuem em comum. O conteúdo diz respeito, ainda, ao que os membros de uma cultura pensam, dizem e fazem. A forma consiste nos padrões característicos de relacionamento e nas formas de associação entre os membros de uma cultura. É através destas formas que os conteúdos das diferentes culturas são concretizados, reproduzidos e redefinidos. Em síntese, reconhece-se portanto ao conceito de cultura, diversas aceções possíveis, não excludentes entre si, podendo até coexistir num mesmo texto. Apesar da sua vertente universal na experiência humana, apresenta manifestações locais, únicas e distintas. Expressa-se em significados, valores, sentimentos, costumes, rituais, instituições que envolvem a vida individual e coletiva da comunidade. Decorrente do seu caráter contingente e provisório, ela não é um cálculo matemático a cumprir rigidamente. Pelo contrário, deve ser perspetivada como um texto passível de interpretação permanente. Ou seja, a cultura não é algo acabado, podendo revelar imperfeição, ambiguidade nas suas mensagens, fragilidade nas suas prescrições normativas e vulnerabilidade na forma de transmissão e perpetuação. A ideia de cultura é central para os estudos de natureza etnográfica. Como reconhecem Carmo e Ferreira (2008), qualquer grupo humano que viva em comunidade durante um determinado tempo, desenvolve uma cultura própria, perspetivada como um

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conjunto de comportamentos e crenças que permitem compreender a forma de agir dos elementos do grupo. A cultura é, assim, uma herança coletiva, património cultural e espiritual. Revela uma face pluralista, defensora da ideia de que o essencial daquilo que a educação transmite, ou deveria transmitir, ultrapassa as fronteiras entre os grupos humanos e as particularidades de ordem psicológica; advém de uma memória coletiva e de um destino comum a toda a humanidade.

1.2 – A educação: reflexo e transmissão da cultura? A educação assume-se como uma das dimensões essenciais da espécie humana, o fundamento da sua existência, garantia da sua adaptação ao meio e na preparação dos indivíduos para as tarefas e papéis que são propostos e/ou impostos por formas de organização cada vez mais complexas. É uma tarefa fundamental de todos os tempos e de todas as sociedades2. «A educação refere-se, pois, especificamente ao homem. (…) só o homem é educável; (…) só o homem tem a possibilidade de estabelecer metas, optar e agir livremente, podendo considerar-se isto, um denominador comum aos homens e diferentes culturas» (Cardoso, 1993, p. 222). Morin (2002) também reconhece: «O ser humano é um ser simultaneamente plenamente biológico e plenamente cultural, que leva em si esta unidualidade originária. É um super – e um hipervivo: desenvolveu de forma surpreendente as potencialidades da vida» «(…)O homem só se completa em ser plenamente humano pela e na cultura» (p. 56-57).

É por isso que a cultura se torna indispensável para “produzir” o homem, o indivíduo «altamente complexo, numa sociedade altamente complexa» (Morin, 1988, p. 77). Desde que nasce, todo o indivíduo recebe um capital cultural, assegurando a sua formação, a sua orientação e o seu desenvolvimento enquanto ser social. Os seres humanos são beneficiários de uma herança cultural acentuada, de tal forma que o contributo individual de cada um, comparativamente a esta, é tão reduzido que, salvo raras exceções, nos apercebemos do «incontável débito das gerações presentes ao legado cultural» (Cardoso, 1993, p. 221).

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A educação visa a promoção de mudanças desejáveis e estáveis nos indivíduos, que favoreçam o desenvolvimento integral do Homem e da sociedade.

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Neste sentido, Forquin (1993) admite a existência de uma relação íntima e orgânica entre educação e cultura com base no pressuposto de que a educação se justifica pela responsabilidade de «ter que transmitir e perpetuar a experiência humana considerada como cultura» (p. 13). O autor reforça ainda: «Quer se tome a palavra ‘educação’ no sentido amplo, de formação e socialização do indivíduo, quer a restrinja unicamente ao domínio escolar, é necessário reconhecer que, se toda a educação é sempre educação de alguém por alguém, ela supõe sempre também, necessariamente, a comunicação, a transmissão, a aquisição de alguma coisa: conhecimentos, competências, crenças, hábitos, valores, que constituem o que se chama precisamente de ‘conteúdo’ da educação» (p. 10).

Enquanto esperança da modernidade, a educação é, para Gimeno Sacristán (2000a), uma ilustração ligada à cultura e construtora de uma ordem racional no intelecto e criadora de uma ordem de conduta individual e do comportamento social. Esta ordem tem sido interpretada como disciplinadora, eficazmente cumprida e utilizada, como forma de submissão do sujeito, onde não faltaram os meios militares da manutenção da ordem (formações uniformes, ritos para a preservação da autoridade, etc.). A educação implica um esforço voluntário com vista à aquisição de qualidades, competências e disposições reconhecidas como desejáveis, sendo que nem todos os componentes da cultura, do ponto de vista sociológico, assumem igual relevo e importância. Aceitar a educação como um processo contínuo que influencia o desenvolvimento do indivíduo e que envolve a preservação e transmissão da herança cultural, configura o reconhecimento que o sistema educativo e a Escola têm na socialização e perpetuação da cultura. Na educação do tipo escolar, há uma seleção cultural que conserva alguns elementos do passado e declina outros. À escola é reconhecido o poder dessa seleção, que faz com que uma parte da herança cultural não caia no esquecimento e seja perpetuada de geração em geração, enquanto uma outra parte é abolida em definitivo. Esta seleção não ocorre com base nos pressupostos do passado, mas sim em relação ao estado dos conhecimentos, das ideias, dos hábitos e valores da sociedade atual. «É neste processo de seleção cultural que a escola mostra o seu verdadeiro rosto como instituição conservadora» (Nogueira, 2011, p. 20). Ou seja, na escola há uma triagem do que deve ser transmitido. Encontramos certos aspetos da cultura que são reconhecidos, dando lugar a uma transmissão deliberada e mais ou menos institucionalizada, enquanto outros constituem objetos de aprendizagens

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informais e ainda outros que não sobrevivem ao envelhecimento de gerações e não conseguem perpetuar-se no tempo. No entanto, a seleção feita pela escola constitui apenas uma parte bastante restrita de tudo o que constitui a experiência coletiva, a cultura viva de uma comunidade. Como sublinha Forquin (1993): «O que se ensina é então, com efeito, menos a cultura do que esta parte ou esta imagem idealizada da cultura que constitui objeto de uma aprovação social e constitui de qualquer modo sua “versão autorizada”, sua face legítima. Mas no interior mesmo do que é tido por legítimo no seio da cultura, isto é, na cultura considerada como património intelectual e espiritual merecedor de ser preservado e transmitido, acontece também de fato que a educação escolar não consegue jamais incorporar em seus programas e seus cursos senão um espectro estreito de saberes e competências, de formas de expressão, de mitos e de símbolos socialmente mobilizadores» (p.16).

Com efeito, o currículo seleciona elementos, valorizando certos componentes e ocultando dos alunos determinados aspetos da cultura que rodeia a escola. Trata-se de um “processo de filtragem” que, por vezes, impõe sérias limitações sobretudo para os alunos em situação de desvantagem. Os conteúdos selecionados não têm o mesmo significado para cada um dos indivíduos. Esta falta de “representatividade” cultural do currículo escolar reflete-se na desigualdade de oportunidades e na incapacidade da cultura da escola para prover os alunos de ferramentas que os permitam compreender melhor o mundo e a sociedade envolvente. «A cultura dominante nas salas de aula é a que corresponde à visão de determinados grupos sociais: nos conteúdos escolares e nos textos aparecem poucas vezes a referência à cultura popular (…)» (Gimeno Sacristán, 1998, p. 97). Segundo este autor, a seleção do currículo, quando se desliga da cultura extraescolar dos alunos, cria um fosso entre o que é transmitido pela escola e o que vivem os alunos fora dela. O princípio do construtivismo apela ao reconhecimento dos significados prévios que têm os alunos sobre os novos conceitos a transmitir, a fim de que ocorra uma aprendizagem significativa. Quando a cultura escolar insiste em desconectar-se da experiência vital dos alunos, e sobretudo das vivências dos que estão socialmente em desvantagem, dá-se com muita frequência a formação de grupos com valores e interesses diferentes dos da escola, constituindo-se, assim, como contraculturas face à cultura escolar. Esta distância é muito grave sobretudo nos adolescentes, que em determinadas classes sociais dispõem de uma cultura de grupo, distante dos valores dos adultos. Numa perspetiva de valorização da escola e reconhecendo que o cidadão de hoje é um “mestiço cultural”, Roldão (1999a) destaca que a escola é quem melhor pode torná-lo

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“fluente” no entendimento das várias culturas e apto na articulação e uso das respetivas ferramentas. Daqui decorre uma relação recíproca e complexa entre escola e cultura. Recíproca, porque «a cultura é o conteúdo substancial da educação, (…), a educação não é nada fora da cultura e sem ela. Mas, reciprocamente, dir-se-á que é pela e na educação (…) que a cultura se transmite e se perpetua» (Forquin, 1993, p. 14). Complexa, precisamente porque a escola seleciona elementos da cultura que vai transmitir (valorizando uns e esquecendo outros, conforme interesses sociais, políticos e económicos) e procede à sua reelaboração didática, emergindo deste modo uma cultura escolar. O autor relembra que: «a escola não pode ignorar os aspetos ‘contextuais’ da cultura (o facto de que o ensino dirige-se a tal público, em tal país, em tal época) mas ela deve sempre também se esforçar para pôr ênfase no que há de mais geral, de mais constante, de mais incontestável e, por isso mesmo, de menos ‘cultural’, no sentido sociológico do termo, nas manifestações da cultura humana» (p.143).

Mas a educação não transmite a cultura, vista como património simbólico, unitário, coerente, até porque essa coerência e unidade não existem. O que ela transmite são elementos da cultura, em que não há hom*ogeneidade, provenientes de fontes diversas, épocas diferentes, que obedecem a princípios de produção e lógica de desenvolvimentos heterogéneos. Segundo Bruner (1997), a educação é uma forma de viver a cultura, não de armazená-la; é transformá-la em tecido do nosso pensamento, ferramenta utilizável em outras aquisições. Os conteúdos culturais só são determinantes na educação se incorporarem as nossas formas de perceber, sentir, entender, pensar, emocionar, expressar e comportar. A cada geração, a cada reforma curricular, desaparecem componentes inteiras da memória escolar. Em simultâneo, emergem novos conteúdos, novas formas de fazer e saber, novas proposições didáticas, novos paradigmas, novas perspetivas, outras definições de excelência académica ou cultural, enfim, novos valores (Lobrot, 1992; Forquin, 1993; Gimeno Sacristán, 1999). Mas a educação escolar, para além de proceder à seleção de saberes e materiais culturais disponíveis em um dado momento, desenvolve um trabalho de reorganização, de reestruturação ou de “transposição didática”, com o propósito de torná-la transmissível e assimilável às novas gerações. Nesse sentido, Gimeno Sacristán (1997), Mclaren (1997) e Giroux (1999) questionam a obrigação da didatização da cultura em que o formalismo, a

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ritualização e a rotina relegam toda uma herança de experiências, expressões e pensamentos para capítulos de manuais, temas de deveres e exames. As escolas são, portanto, espaços e «instituições históricas e culturais que sempre incorporam interesses ideológicos e políticos». Com muita frequência, a forma como atribuem significados à realidade é fortemente contestada por diferentes indivíduos e grupos. Por isso, as escolas são terrenos ideológicos e políticos a partir dos quais a cultura dominante “fabrica” as suas “certezas” hegemónicas. São também lugares onde grupos dominantes e subordinados se definem e se reprimem mutuamente numa disputa e intercâmbio em resposta às condições sócio-históricas “propagadas” nas práticas institucionais, textuais e vivenciais que caracterizam a cultura escolar e a experiência professor/aluno em determinado tempo, espaço e local. «As escolas podem ser tudo menos ideologicamente inocentes» (Giroux & McLaren, 2002, p. 142). Nesse sentido, o espaço escolar tem sido, e continua a sê-lo em muitas das suas normas e costumes, um lugar para o exercício da violência simbólica (Gimeno Sacristán, 2000b). Giroux e Simon (2002) destacam a particularidade da escola enquanto «território de luta e a pedagogia, uma forma de política cultural» (p. 95). Os autores reconhecem ainda que as escolas são formas sociais que ampliam as capacidades humanas, a fim de habilitar as pessoas a intervir na formação das suas subjetividades e a serem capazes de exercer poder, de modo a transformar as condições ideológicas e materiais de dominação em práticas promotoras de fortalecimento do poder social e da democracia. Enquanto territórios de contestação e produção cultural, as escolas incorporam representações e práticas que tanto estimulam como inibem o exercício da ação humana. Em síntese, educação e cultura são duas faces, rigorosamente recíprocas e complementares, de uma mesma realidade. No entanto, apesar da função conservadora da educação e de transmissão cultural, a educação escolar supõe uma seleção no interior da cultura e uma reelaboração dos conteúdos destinados a serem transmitidos às novas gerações. É essencial o reconhecimento que essa ordem humana da cultura, que se constitui como o conteúdo da educação, não existe como um tecido uniforme, imutável, mas sim, como um sistema vivo em permanente mudança como consequência da reinterpretação que as pessoas e grupos que nela vivem promovem. A escola é, portanto, uma instituição cultural, “encruzilhada de culturas” tal como reconhece (Pérez Gómez, 2001), por onde circulam exigências diversas.

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1.3 – Um olhar para a cultura escolar e a cultura da escola O termo cultura escolar pode ser utilizado, segundo Finnan e Levin, «para descrever o que é único em cada escola; trata-se de uma cultura a nível local». É a cultura escolar que determina o porquê de uma escola ser diferente de outra. As culturas escolares são, portanto, moldadas pelas experiências únicas partilhadas pelos participantes e que são influenciadas pela classe, raça e vizinhança, bem como pela história escolar e respetiva liderança e estão em constante mudança (2000, cit. Pacheco, 2002, p. 153). A escola abarca um conjunto de componentes que são o reflexo da sociedade e do contexto sociocultural em que esta se insere. Estes fatores procedentes de um nível macro acabam por influenciar a cultura escolar. É por isso que uma abordagem política e sociológica da escola não pode ignorar a sua dimensão cultural, quer numa perspetiva global, no quadro da relação que ela estabelece com a sociedade em geral, quer numa dimensão mais específica, em função das próprias formas culturais que ela produz e transmite. No entanto, não se pode considerar a cultura escolar como uma espécie de subcultura da sociedade em geral (Barroso, 2004). O autor distingue diversas perspetivas relativamente à cultura escolar: perspetiva funcionalista, em que a instituição educativa assume um papel de transmissor de uma cultura definida e produzida exteriormente e que se traduz nos princípios, finalidades e normas que o poder político determina como substrato do processo educativo e da aculturação das crianças e dos jovens; a visão estruturalista, em que a cultura escolar é produzida pela forma escolar de educação, principalmente através da modelização das suas formas e estruturas, como o plano de estudos, as disciplinas, o modo de organização pedagógica, os meios auxiliares de ensino, etc.; e a perspetiva interacionista, em que a cultura escolar é a cultura organizacional da escola. A cultura escolar, na sua forma mais apurada e dominante, apresenta-se como o «ambiente a que chegam as massas de novos alunos. Estes são portadores, não de uma cultura de massas (que não existe), mas de uma diversidade grande de culturas, muitas das quais sem relacionamento com esta cultura escolar» (Pires, 1988, p. 36). A esta diversidade cultural a escola oferece uma cultura monolítica, de padrões e conteúdos estabelecidos, bem expressos nos curricula e programas. A uma diversidade contrapõe-se uma singularidade, que quando é expandida pela procura das massas se transforma numa singularidade massificada.

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Numa distinção entre cultura escolar e cultura da escola, Forquin (1993) apresenta uma definição de cultura escolar perspetivada como «o conjunto dos conteúdos cognitivos e simbólicos que, selecionados, organizados, “normalizados”, “rotinizados”, sob o efeito dos imperativos da didatização, constituem habitualmente o objeto de uma transmissão deliberada no contexto das escolas» (p. 167). Ou seja, trata-se de um conjunto de saberes que, uma vez organizado e didatizado, compõe a base do conhecimento sobre o qual trabalham os professores e os alunos. A cultura escolar «é condicionante da maneira como desempenhamos o nosso papel de atores no mundo peculiar da educação» (Fino, 2008b, p. 44). A cultura escolar propõe e impõe não apenas formas de pensar, mas também comportamentos dentro das escolas e das salas de aula, em conformidade com certas normas éticas e de intercâmbio social que regulam a interação entre os sujeitos e até os movimentos físicos das pessoas (Gimeno Sacristán, 1998). Esses procedimentos são, na opinião de Sergiovanni (2004), a «alma» da cultura escolar. «É aquilo em que as pessoas acreditam, os pressupostos da base de funcionamento da escola e o que se considera ser verdadeiro e real» (p. 23). A cultura escolar dominante representa e legitima as vozes da classe média alta. A desmistificação desta cultura e respetiva transformação em objeto de análise política implica que os educadores aprendam a dominar a linguagem do entendimento. Mas, para um entendimento e contestação da ideologia dominante presente nas escolas é preciso interrogar e apoiar criticamente as vozes oriundas de três esferas e cenários ideológicos: a voz da escola, a voz do aluno e a voz do professor. Cada uma destas vozes materializam práticas que se influenciam mutuamente e cooperam para produzir experiências pedagógicas específicas no âmbito de diferentes configurações de poder (Giroux & McLaren, 2002, p. 148). Reconhece-se, portanto, a existência de uma cultura própria, no âmbito da escola e do sistema educativo que, representadas por práticas, valores e crenças, são partilhadas por todos os que interagem no seu campo de ação. Trata-se, no entanto, de uma cultura que pode não ser assumida por todos, já que tende a uma hom*ogeneização, contemplando e referindo-se ao todo e não às realidades locais específicas. Referindo-se à cultura da escola, Brazão (2008a) destaca a contribuição do conceito etnológico de cultura que, de acordo com Forquin (1993), abarca a compreensão das

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práticas, das situações escolares, da linguagem, dos processos, normas, dos ritmos e ritos, do imaginário, dos modos de regulação e de transgressão e do modo de produção e gestão dos símbolos constituidores da própria cultura, que não é monolítica, nem estática, nem repetível. A este conjunto de caraterísticas do quotidiano da escola o autor denomina de “cultura da escola”. A compreensão dos processos e das práticas pedagógicas implica também o conhecimento das caraterísticas culturais dos professores, saberes, referenciais, pressupostos, valores, identidade profissional e social. Esta dimensão é fundamental para a compreensão da educação. Considerar a cultura da escola é refletir sobre a forma como os atores percebem e descrevem a realidade, reagem aos acontecimentos, às palavras e às ações, as interpretam e lhes dão sentido. Esta noção de cultura da escola foi descrita e aprofundada por Fino (2001a, 2001b, 2006) e abrange, na perspetiva do autor, uma diversidade de aspetos como a mesma origem histórica, crenças e procedimentos cristalizados ao longo dos tempos sobre educação, conhecimento e aprendizagem. O autor considera «que as escolas se inscrevem numa matriz comum» (2006, p. 2) configurando o invariante cultural, consubstanciado «numa representação comum de escola, profundamente enraizada dentro e fora dela, socialmente partilhada de modo a incluir a generalidade dos estratos da sociedade e das várias gerações presentes e com força suficiente para contrariar propósitos deliberados ou não, de mudança» (Fino, 2006, p. 1). Esse invariante consiste «num conjunto de elementos culturais partilhados pelas escolas, relacionados com a sua origem comum, que as marca indelevelmente e lhes determina um conjunto de caraterísticas que, de alguma maneira, as uniformiza» (Fino, 2001a, p. 391).

1.4 – Cultura popular e pedagogia: que relação? A cultura é uma força pedagógica por excelência, e a sua função uma condição educacional para a aprendizagem, essencial para a aplicação de formas de alfabetização dentro de diferentes esferas sociais e institucionais. Ao estabelecer uma relação viva e dialética com a cultura3, o indivíduo participa ativamente da mesma. Organizam-se trocas, 3

«As escolas podem constituir espaços privilegiados de vivência de relações de troca e de reciprocidade, enriquecedoras de culturas em presença e geradoras de situações de igualdade e justiça social. No entanto, para que as escolas assumam esse papel, têm de abandonar as tradicionais orientações monoculturais e ultrapassar o seu «daltonismo cultural», para,

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atribuem-se significados a experiências a partir do marco cultural em que vive. Os resultados das suas experiências mediatizadas oferecem novos termos que enriquecem e ampliam o seu mundo de representação e experiências, alterando assim, ainda que lentamente, o marco cultural que deve acolher os novos significados e comportamentos sociais. A relação entre a cultura e a pedagogia não pode ser separada da dinâmica da política e do poder, pois numa perspetiva mais ampla a cultura está envolvida com o poder e tornase política num duplo sentido. Como força pedagógica, a cultura reclama histórias, memórias e narrativas. Para James Young, a cultura conta a história dos eventos e seu desdobramento como uma narrativa para influenciar a maneira como os indivíduos aceitam, alteram, resistem e se acomodam a certas formas de cidadania cultural, às atuais relações de poder e a determinadas noções de futuro (Giroux, 2003, p. 19). Existem vários tipos de cultura: cultura popular4, cultura escolar, etc. A visão tradicional de cultura popular aponta para um conjunto de conhecimentos e prazeres desintegrados da escolarização, mas subordinados a esta e por vezes até cooptáveis. A cultura popular tem sido perspetivada como um terreno perigoso, contra o qual se deve estar imunizado, podendo no entanto ser ocasionalmente explorada como estratégia circunstancial de motivação para aumentar o interesse do aluno por determinada lição ou disciplina (Giroux & Simon, 2002). É também definida como o que sobra depois da subtração da alta cultura da totalidade das práticas culturais. É vista como o banal e o insignificante da vida quotidiana e normalmente encarada como uma forma de gosto popular sem reconhecimento académico ou prestígio social. É grande a indiferença e o menosprezo por um certo tipo de “cultura popular” (televisão, música, videogames, revistas)5, apesar de constituir uma importante referência do conhecimento significativo para crianças e jovens. Também «o currículo tem ficado solenemente indiferente a esse processo» (Moreira & Silva, 2002, p. 33). É muito frequente desvalorizar-se os elementos da cultura popular em relação às fontes tradicionais de aprendizagem, apesar do seu papel de relevo na formação da visão que numa atitude de abertura e flexibilidade, questionarem as rotinas que se vão instalando de modo a encontrar modelos de organização e de desenvolvimento do currículo onde todos se sintam representados» (Leite, 2003, p. 37). 4 A cultura popular é também conhecida por cultura do dia a dia dos alunos, dos seus saberes, dos seus contextos e dos seus problemas sociais. 5 Giroux (2003) tem-se debruçado sobre a análise da pedagogia dos mass media. A análise dos filmes da Disney problematiza a suposta inocência e o carácter inofensivo destas produções dirigidas ao público infantil.

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que o aluno tem de si mesmo e no estabelecimento de relações com as diversas formas de pedagogia e aprendizagem. Segundo Giroux e Simon (2002), é precisamente quando pedagogia e cultura popular se relacionam que surge a compreensão do significado de tornar o “pedagógico mais político” e o “político mais pedagógico”. A cultura popular e a pedagogia «representam importantes terrenos de luta cultural que oferecem não apenas discursos subversivos, mas também relevantes elementos teóricos que possibilitam repensar a escolarização como uma viável e valiosa forma de política cultural» (p. 97). Giroux (1983, 2003) relembra que os educadores e o currículo que menosprezam a cultura popular desvalorizam os alunos, já que rejeitam o trabalho com o conhecimento que estes detêm, anulando a possibilidade de se desenvolver uma pedagogia que ligue o conhecimento escolar com os diversos elementos da sua vida quotidiana. Apesar de todos os constrangimentos adstritos à cultura popular, verifica-se que as novas tecnologias e o alcance global de indústrias culturais altamente concentradas, o âmbito e o impacto da força educacional da cultura no ajustamento e transformação de todos os aspetos da vida quotidiana, têm vindo a acentuar a influência pedagógica da cultura popular, juntamente com o poder, para moldar currículos, questionar noções de conhecimento de alto nível e redefinir a relação entre a cultura da escola e a cultura da vida quotidiana. Fala-se mesmo em novo complexo cultural, representado pela combinação entre a cultura popular (no sentido dos chamados meios de comunicação de massa) e as novas tecnologias de comunicação que estão produzindo uma transformação radical nos processos de produção de subjetividade e de identidades sociais. Na mudança de uma cultura baseada nos meios impressos para uma cultura baseada nos meios audiovisuais e nos computadores, cria-se um sujeito com novas e diferentes capacidades e habilidades. Todas estas transformações exigem novas interpretações e novos olhares. «O novo mapa cultural formado por essas revolucionadas configurações não pode ser interpretado como deficit, patologia, carência, degeneração, degradação, involução» (Silva, 1998, p. 198). Em vez disso, devem ser compreendidas dentro de sua própria lógica e ótica e não por referência a outras formas e meios culturais, específicos de uma outra época. Elas implicam, antes, a produção de novas capacidades mentais, cognitivas e afetivas. A separação entre a designada alta cultura e baixa cultura tende a desaparecer no novo cenário cultural representado pela difusão das novas tecnologias. Esta oposição ganha cada vez menos sentido, precisamente porque as tecnologias tendem a incorporar formas e

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conteúdos culturais tradicionalmente pertencentes à esfera da “alta cultura”, mas de uma forma completamente nova e transformada. Uma vez mais, a educação institucional e os professores parecem não estar preparados para lidar com essas novas configurações do cultural deixando de fora do espaço escolar formas importantes de conhecimento e de saber que, no entanto, à contracorrente da escola, estão moldando e formando novas formas de existência e sociabilidade. É por isso que se propõem formas criativas, abertas e renovadas de pensar e construir o currículo, que tenham em consideração os novos mapas e configurações sociais (Silva, 1998). Nesse sentido, propõe-se que a cultura popular se torne um objeto de estudo sério no currículo oficial, através da sua integração como objeto de estudo distinto dentro de disciplinas académicas específicas (Giroux, 1999). Quanto à pedagogia, não tem sido considerada relevante na construção do conhecimento e da aprendizagem. Ela é regularmente teorizada como o que vem depois da determinação do currículo. Conceito amplo e complexo, a pedagogia preocupa-se com a integração, na prática, de certo conteúdo e modelo de organização curricular, estratégias e técnicas didáticas, tempo e espaço para a implementação dessas estratégias e técnicas, bem como propósitos e métodos de avaliação (Giroux & Simon, 2002). O discurso dominante deprecia a pedagogia enquanto forma de produção cultural, assim como também menospreza a cultura popular. Giroux (1999), ao teorizar a relação entre a cultura popular e a pedagogia crítica, defende a prática educacional como um local e forma de política cultural. Reconhece-se a existência de muitas diferenças entre cultura popular e pedagogia:  A cultura popular é organizada em torno do prazer e da diversão. Situa-se no terreno do quotidiano. É acomodada pelos alunos e ajuda a validar as suas vozes e experiências;  A pedagogia é definida em termos instrumentais; legitima e transmite a linguagem, os códigos e os valores da cultura dominante; valida as vozes do mundo adulto, dos professores e das escolas. A pedagogia possibilita, portanto, a compreensão do trabalho do professor, no contexto institucional, as suas diretivas, os seus saberes, representações de si, dos outros e do meio social. Reporta-se ainda às práticas onde os alunos e professores se podem engajar e à política cultural que está por detrás delas. «É nesse sentido que propor uma pedagogia é

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formular uma visão política» (Giroux & Simon, 2002, p. 98). Os autores reconhecem também que a pedagogia não germina em terreno infértil. Por isso, torna-se necessário considerar a cultura popular como «aquele terreno de imagens, formas de conhecimento e investimentos afetivos que definem as bases para se dar oportunidade à ‘voz’ de cada um, dentro de uma experiência pedagógica» (p. 105). Depreende-se que há uma forma específica de ensinar e aprender. Uma pedagogia crítica que ratifica a realidade concreta da diferença e da vida quotidiana, como base para questionar a teoria e a prática. A prática da pedagogia crítica vai exigir do professor um grande investimento visto que vai precisar encontrar meios de criar espaços para um mútuo engajamento das diferenças vividas, de forma a não silenciar uma multiplicidade de vozes por um único discurso dominante. Simultaneamente devem desenvolver formas de pedagogia assentes em princípios éticos que rejeitem o racismo, o sexismo e a exploração de classes como ideologias e práticas sociais que desvalorizam a vida pública. Deverão ainda e por meio do diálogo identificar-se as vias pelas quais as injustiças sociais contaminam os discursos e as experiências que compõem a vida quotidiana e as subjetividades dos alunos. Criar novas formas de conhecimento implica a criação de novas práticas de sala de aula que forneçam aos estudantes a oportunidade de trabalhar coletivamente e desenvolver necessidades e hábitos nos quais seja sentido e vivido o social como uma experiência emancipatória e não como uma experiência alienante (Giroux & McLaren, 1998). Giroux (1999) não reconhece o conceito de pedagogia como resultante de uma dicotomia entre «a elite ou a cultura popular, mas como parte de um projeto político que assume as questões da libertação e empoderamento como seu ponto de partida» (p. 118). A pedagogia assim perspetivada rejeita o conceito de cultura, como um artefacto imobilizado na imagem de um depósito, mas considera-o como um conjunto de experiências e práticas sociais vividas e desenvolvidas dentro de relações de poder assimétricas. Uma pedagogia que assuma a cultura popular como objeto de estudo deve reconhecer que todo o trabalho educacional é fundamentalmente contextual e condicional. Por outro lado, deverá admitir-se uma noção ampliada e politizada de pedagogia presente em múltiplas formas de produção cultural e não simplesmente nos espaços rotulados de “escolas”, pois «Qualquer prática que intencionalmente busque influir na produção de significados é uma prática pedagógica». E inclui aspetos como a «educação dada pelos pais, produção de filmes, trabalho pastoral, serviço de assistência social, de assistência à

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saúde, arquitetura, direito, publicidade e muito mais. Todas essas são formas de trabalho cultural» (Giroux & Simon, 2002, p. 115). Num mundo marcado por tantas desigualdades sociais é essencial a ligação entre a cultura e a política, na defesa da educação como local de luta e de aprendizagem democráticas. Torna-se fundamental facultar aos estudantes o conhecimento, as habilidades e os valores de que irão necessitar no futuro para fazer face aos desafios de um novo mundo globalizado. Aos professores propõem-se novos papéis e reconhece-se a missão crucial que a cultura desempenha como terreno político e pedagógico estratégico.

1.5 – Cultura e currículo Na teoria educacional tradicional, cultura e currículo são formas institucionalizadas de transmissão cultural às gerações futuras da sociedade. A teorização crítica6, de certo modo continua essa tradição na medida em que educação e o currículo estão particularmente ligados ao processo cultural. Na relação entre cultura e educação/currículo é possível considerar duas perspetivas. Uma visão tradicional, em que o “campo cultural” não é um terreno contestado, e uma visão crítica, que considera que não existe uma cultura da sociedade, única, hom*ogénea e universalmente aceite a ser transmitida às gerações futuras, através do currículo. Nesta perspetiva, a cultura é vista como um campo e terreno de luta, «(…) é o terreno em que se enfrentam diferentes e conflituantes conceções de vida social, é aquilo pelo qual se luta e não aquilo que recebemos» (Moreira & Silva, 2002, p. 27). Para Carrilho Ribeiro (1990), o currículo identifica-se «com a cultura que se pretende transmitir aos membros da comunidade em que o sistema educativo se insere, isto é, os saberes, aptidões, atitudes e valores que se julga serem importantes para a educação das gerações mais novas» (p. 36). Na tradição crítica, a cultura não é vista como um conjunto inerte e estático de valores e conhecimentos a serem transmitidos de forma não problemática às novas gerações, nem existe de forma unitária e hom*ogénea. Pelo contrário, o currículo e a educação estão ligados a uma política cultural, isto é, são tanto campos de produção ativa 6

Giroux destacou-se pelo desenvolvimento e contribuição na construção de uma teorização crítica sobre currículo. Preocupou-se de modo particular com a problemática da cultura popular, de tal modo que as suas reflexões assumiram uma vertente cultural mais do que pedagógica.

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de cultura quanto campos contestados. O currículo, nesta perspetiva é considerado segundo Moreira e Silva (2002) um “terreno de produção e criação simbólica cultural” (p. 26). É por isso, que a educação e o currículo não assumem unicamente, o papel de transmissão de uma cultura produzida noutro local, por outros agentes, mas são também partes integrantes de um processo de produção e criação de sentidos, de significações e de sujeitos. Com efeito, «o currículo pode ser movimentado por intenções oficiais de transmissão de uma cultura oficial, mas o resultado nunca será o intencionado porque, precisamente, essa transmissão se dá em contexto cultural de significação ativa dos materiais recebidos. A cultura e o cultural, nesse sentido, não estão tanto naquilo que se transmite quanto naquilo que se faz com o que se transmite» (Moreira & Silva, 2002, p. 27).

Sendo o currículo simultaneamente produtor e produto da cultura e sendo a cultura um espaço de reconstrução de um sistema de significados, partilhados num espaço de possibilidades vincadas pelo tempo e espaço, qualquer proposta pedagógica deverá ser questionada através dos compromissos e lutas que estão na base da sua construção (Pacheco & Morgado, 2002). A cultura é mesmo o campo privilegiado onde se dá a luta pela manutenção ou superação das divisões sociais. Por outro lado, o currículo é o terreno excecional de manifestação desse conflito. Para os autores, o que na visão convencional é encarado como o processo de continuidade cultural da sociedade como um todo, é perspetivado aqui como um processo de reprodução cultural e social das divisões dessa sociedade. Esta noção de cultura enquanto campo contestado e ativo repercute-se na teoria curricular crítica. É rejeitada a visão convencional do currículo, enquanto veículo de transmissão do conhecimento e conjunto de informações e materiais inertes a ser passivamente absorvido. «O currículo é, assim, um terreno de produção e de política cultural, no qual os materiais existentes funcionam como matéria-prima de criação, e recriação e, sobretudo, de contestação e transgressão» (Moreira & Silva, 2002, p. 28). Ou seja, o currículo é uma questão política, que impõe orientações quanto à seleção e organização dos conteúdos. Há muito que deixou de ser uma área simplesmente técnica, ateórica e apolítica, neutra e despojada de intenções sociais (Sousa, 2000c). Tem a responsabilidade de organizar o conhecimento escolar e procura estudar os melhores procedimentos, métodos e técnicas de ensino.

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De área meramente técnica, apenas voltada para questões relativas a procedimentos, técnicas e métodos, processou-se uma evolução do currículo enquanto tradição crítica orientada por questões sociológicas, políticas e epistemológicas. As questões relativas ao “como” ganham relevância quando em presença de uma perspetiva que as considere na sua relação com o “porquê” das formas do conhecimento escolar. Nesse sentido, o currículo é encarado como um artefacto social e cultural, (…) e não é um elemento inocente e neutro de transmissão desinteressada do conhecimento social. O currículo está implicado em relações de poder e transmite visões sociais particulares e interessadas, produz identidades individuais e sociais particulares (Moreira & Silva, 2002). Trata-se de um elemento com vínculo às formas de organização da sociedade e da educação. Por isso reconhece-se que: «o currículo nunca é apenas um conjunto neutro de conhecimentos, que de algum modo aparece nos textos e nas salas de aula de uma nação. Ele é sempre parte de uma tradição seletiva, resultado da seleção de alguém, da visão de algum grupo acerca do que seja conhecimento legítimo. É produto de tensões, conflitos e concessões culturais, políticas e económicas que organizam e desorganizam um povo» (Apple, 2002, p. 59).

Pela importância que assume na sociedade, o currículo é uma destacada arena da política cultural que se assume num «capital simbólico institucionalizado e num campo com interesses e investimentos proporcionais aos espaços constituídos por posições sociais face ao conhecimento» (Pacheco, 2002, p. 119). Por isso, e de acordo com os conceitos fundamentais da teoria social defendida por Bourdieu, compreende-se que a escola seja vista «como uma arena política e cultural na qual formas de experiências e de subjetividades são contestadas, mas também ativamente produzidas, o que a torna poderoso agente da luta a favor da transformação de condições de dominação e opressão» (Moreira, 1998, p. 9). Ao se materializar numa estratégia de regulação ou numa organização dinâmica, em que os habitus escolares resultam das relações de poder, o currículo é uma construção cultural (Grundy, 1987) que representa uma encruzilhada de práticas (cit. Pacheco, 2002). Por isso, e como reconhece Silva (1998), «o currículo é um dos locais privilegiados onde se entrecruzam saber e poder, representação e domínio, discurso e regulação. É também no currículo que se condensam relações de poder que são cruciais para o processo de formação e subjetividades sociais. Em suma, poder e identidades sociais estão mutuamente implicados. O currículo corporifica relações sociais» (200-201).

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Inicialmente Giroux (1986) centrou a sua reflexão nas perspetivas empíricas e técnicas do currículo então dominantes e pôs em causa a racionalidade técnica e utilitária, bem como o positivismo das abordagens dominantes sobre currículo. Para o autor, estas perspetivas, ao concentrarem-se em critérios de eficiência e racionalidade burocrática, ignoravam o carácter histórico, ético e político das ações humanas, sociais e do conhecimento, no caso do currículo. Em consequência, as teorias tradicionais sobre o currículo, como também o próprio currículo, acabavam por fomentar a reprodução das desigualdades e das injustiças sociais. Nos seus últimos trabalhos, Giroux reconhece mesmo a possibilidade emancipatória do currículo, perspetivado não como um conjunto de conteúdos e métodos a serem assimilados pelos alunos, «mas sim como um esforço de introdução a um determinado modo de vida» (1993, cit. Moreira, 1998, p. 9). Em síntese, o currículo corresponde a uma forma de política cultural (Giroux & McLaren, 1998, 2002), evidenciando-se com a expressão “política cultural” a dimensão sociocultural da escolarização. Mas, entender o currículo como forma de política cultural implica a consideração de «categorias sociais, culturais, políticas e económicas à condição de categorias primárias para a compreensão da escolarização contemporânea e de suas possibilidades emancipatórias» (Moreira, 1998, p. 10). Com os seus postulados, Giroux (1997) preocupou-se em apresentar uma alternativa que superasse o pessimismo e o imobilismo sugeridos pelas teorias da reprodução sugerindo uma “pedagogia da possibilidade” – conceito que viria a tornar-se central, contra a dominação rígida das estruturas económicas e sociais das teorias críticas da reprodução. O autor reconhece a existência de mediações e ações ao nível da escola e do currículo que podem reagir ao domínio do poder e do controlo e desenvolver uma pedagogia e um currículo de cariz político e crítico das crenças e dos arranjos sociais dominantes. O currículo é perspetivado através dos conceitos de emancipação e libertação. A escola e o currículo devem funcionar como uma “esfera pública democrática” e proporcionar aos estudantes a oportunidade de exercer as habilidades democráticas da discussão e da participação, de questionamento dos pressupostos do senso comum da vida social. Numa perspetiva socio-política Sousa (2000b) destaca os perigos de um currículo que permaneça indiferente ao desigual capital cultural de origem familiar e social que os alunos levam diariamente para a escola. O currículo não se pode alhear das diversas

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identidades socioculturais que marcam presença no cenário escolar de forma conflituosa. A existência de um currículo fechado e único, projetado para o aluno mediano e abstrato, tende para a assimilação das diversas multividências pela cultura dominante. «Com todo o seu conjunto de pequenos ritos pedagógicos, o currículo - em termos latos (não nos esqueçamos do currículo oculto) - acaba por ser um mecanismo de normalização, de hom*ogeneização da diversidade, através de um processo de aculturação académica que não representa por igual os interesses, as necessidades, os objetivos, nem as formas de pensamento, expressão e comportamento dos diferentes grupos que constituem o mosaico cultural das nossas escolas» (Sousa, 2000b, p. 109).

A escola não poderá por isso, «silenciar as vozes que lhe pareçam dissonantes do discurso culturalmente padronizado, uma vez que não opera no vazio. Não vale a pena pretender unificá-la de maneira abstrata e formal, quando ela se realiza num mundo profundamente diverso» (Sousa, 2007, p. 110). Nesse sentido, a autora defende o reconhecimento por parte dos professores de que eles próprios e os alunos são seres sociais portadores de um mundo muito especial de crenças, significados, valores, atitudes e comportamentos adquiridos fora da escola e que importa contemplar. Os professores são vistos como “intelectuais transformadores” que darão “voz”, ou seja, ajudarão a criar um espaço onde os anseios, os desejos e os pensamentos dos alunos possam ser ouvidos. Este conceito apela ao papel ativo e à participação e contesta as relações de poder que tem suprimido essa voz.

1.6 – Uma origem cultural comum de escola As escolas são lugares onde vivem comunidades específicas que desenvolveram culturas próprias no decorrer dos anos, assumidas como reflexo da sociedade que, supostamente, a escola deverá servir através da preparação dos seus membros mais jovens (Fino, 2000). Partilham caraterísticas comuns que se relacionam com: «(…) a mesma finalidade específica, com a mesma origem histórica, com elementos comuns do currículo que devem desenvolver, com procedimentos cristalizados ao longo de décadas , com crenças institucionalizadas sobre educação e sobre conhecimento e aprendizagem, com o que se acredita deverem ser os papéis dos seus membros, com o valor que as respetivas sociedades lhes atribuem» (Fino, 2006, p. 2).

Na opinião do autor, a escola assenta numa matriz comum, com caraterísticas próprias, idiossincráticas, portadoras de individualidade e cuja identidade é emergente da

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dialética entre a matriz comum e a aquisição local de caraterísticas secundárias e diversificadas. Fino (2006) chama a atenção para a dinâmica estabelecida entre a escola e a sociedade com a metáfora «a escola é uma espécie de ilha mergulhada na sociedade: os seus muros, incluindo os muros simbólicos, são, também, pontos de contacto com a sociedade, cuja dinâmica não pode ser ignorada quando se procura compreender a escola» (p. 2). A escola é assim descrita como sendo portadora de uma cultura específica e dominante, constituída e mediada por formações culturais que manifestam a sua identidade. O autor identifica a escola como agente de reprodução social e cultural, cujos conteúdos são determinados pela pressão dos grupos dominantes (p. 3) e apresenta seis elementos que confirmam a existência de uma matriz cultural comum da escola: a. A mesma origem na escola popular; b. A mesma fundação paradigmática; c. Uma obsessiva preocupação pelo controlo de qualidade; d. Um currículo oculto em comum; e. Um conflito comum entre atividade autêntica e atividade escolar; f. Um invariante cultural em forma de estereótipo. A instituição escolar teve a sua origem na escola popular, emergente da Revolução Francesa, a partir da profunda alteração nas relações de produção decorrente da industrialização. A instrução destinava-se a tornar aptos homens adultos para o desempenho de funções públicas. A premência da alfabetização das classes populares ficou a dever-se inicialmente a aspetos de natureza político-social, passando mais tarde a ser também uma questão de ordem económica. Apesar da resistência da burguesia, quanto à educação generalizada, pelos custos que esta acarretava, de forma gradual foi emergindo a «tolerabilidade de alguma mobilidade social provocada pela educação em nome dos superiores interesses da economia industrial» (Fino, 2006, p. 4), para além das vantagens referentes à aquisição de novas competências para a operação e manutenção das máquinas. A nova ordem industrial precisava de um novo tipo de homem, com novas aptidões que respondesse às necessidades do modelo da burocracia industrial, ou seja, adaptado às exigências do novo modelo de produção. Em resposta, a escola adotou a lógica do modelo industrial, perfilhando um paradigma fabril. 34

Com efeito, os planificadores da escola destinada a suprir as necessidades da sociedade industrial desenharam-na segundo um modelo literalmente inspirado nas fábricas, para que os alunos, quando nela entrassem, passassem imediatamente a “respirar” uma atmosfera carregada de elementos e de significações que se revelaram muito mais importantes e decisivos que as meras orientações inscritas no breve currículo “oficial” da escola pública (Sousa & Fino, 2001). Assim, a escola pública já nasceu “formatada” com elementos representativos da cultura industrial: campainha, sincronização, a concentração num edifício fechado, as turmas com a separação por idades e as classes sociais (Toffler, 2001). E ainda a divisão analítica do currículo que, segundo Sousa e Fino (2001), desemboca num sistema de um professor para cada disciplina, em que o professor é a autoridade representante do futuro empregador ou do Estado. O ensino em massa foi, portanto, a máquina engenhosa criada pelo industrialismo para formar o tipo de adultos de que necessitava (Toffler, 2001). Tratava-se de readaptar crianças a um mundo novo de trabalho repetitivo, portas adentro, a um mundo de fumo, barulho, máquinas, ambientes superpovoados e de disciplina coletiva, a um mundo em que o tempo não era regulado pelo ciclo sol-lua, mas sim orientado pelo apito da fábrica e pelo relógio. Foi assim que nasceu o sistema educacional que estruturalmente simulava esse mundo novo. A vida no interior da escola transformou-se num espelho antecipador, uma preparação certa para a sociedade industrial. «A ideia geral de reunir multidões de estudantes (matéria-prima) destinados a ser processados por professores (operários) numa escola central (fábrica) foi uma demonstração de génio industrial» (p. 393). Este modelo de educação, estruturado segundo o paradigma fabril, ensinava a escrita, a leitura e aritmética básicas, para além de um pouco de História e outras matérias. Este era o currículo “descoberto”, mas sob ele encontrava-se um currículo invisível ou “encoberto”, muito mais fundamental, que consistia na pontualidade, obediência e trabalho de rotina repetitivo. O trabalho fabril requeria trabalhadores que chegassem a tempo, especialmente gente para as linhas de montagem. Requeria trabalhadores que aceitassem ordens sem questionar, uma hierarquia gestora. E requeria homens e mulheres preparados para o desempenho de operações brutalmente repetitivas (Toffler, 1984, p. 33). Toda a hierarquia administrativa da educação, à medida que se foi desenvolvendo, fundamentou-se no modelo da burocracia industrial e os «pontos mais criticados do ensino

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de hoje - a arregimentação, a falta de individualismo, as normas rígidas de lugares, classes e notas, e o papel autoritário do professor» (Toffler, 2001, p. 393) acabaram por se revelar como sendo os mais eficientes, tendo em consideração os objetivos fundamentais da educação massificada. A própria organização atual do conhecimento em disciplinas permanentes tem por base critérios industriais (Fino, 2011a). Todos estes elementos compõem a cultura escolar tradicional, para além de outras crenças e suposições que se foram acumulando ao longo do tempo. Segundo Fino (2011a), a ideia de que “a escola deve preparar para a vida” assume-se como um pressuposto em que o conhecimento necessário a essa preparação «está dentro dos muros da escola, retalhado em compartimentos estanques a que se dá o nome de disciplinas». Outra suposição reporta-se à perceção de que a “aprendizagem é a consequência do ensino”, apesar da evidência de que «o conhecimento é construído por quem aprende e não por quem ensina. Nem os alunos são recipiente vazio, nem os professores fontes de conhecimento pronto a usar, ainda que as rotinas da escola raramente reconheçam este facto» (p. 47). Atualmente, ainda se mantêm inalteradas algumas caraterísticas de um modelo escolar tradicional: menosprezo pela experiência não escolar dos alunos; dificuldades por parte dos alunos na atribuição de sentido às tarefas escolares propostas; e ainda a tendência da Escola para ensinar soluções, dar respostas, subestimando a capacidade de pesquisa e de descoberta, que exige competências para equacionar problemas e imaginar diferentes soluções. Esta forma escolar de conceber o processo de aprender constituiu-se uma maneira de conceber a educação, conferindo à escola, a centralidade da ação educativa, desvalorizando os saberes não adquiridos por via escolar. Entretanto, a sociedade atual está em mutação e, consequentemente, também o sistema educacional está a modificar-se, muito embora, na sua maioria, «as mudanças verificadas não são mais do que tentativas para aperfeiçoar a engrenagem existente, para a tornar mais eficaz no conseguimento de objetivos obsoletos. (…) O que tem faltado até agora é uma orientação coerente e um ponto de partida lógico» (Toffler, 2001, p. 398). O autor propõe por isso três grandes objetivos para a mudança: transformar a estrutura organizacional do sistema educativo; revolucionar o seu currículo e encorajar uma orientação mais voltada para o futuro. No entanto, apesar de toda a retórica em prol da mudança e do futuro, os avanços são tímidos:

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«As nossas escolas estão voltadas para trás, para um sistema moribundo, em lugar de se virarem para a frente, para a nova sociedade que desponta. Todas as suas energias se concentram em instruir o Homem industrial, em preparar gente para sobreviver num sistema que tem os dias contados. A fim de evitar o choque do futuro temos de criar um sistema educacional superindustrial, e para isso temos de procurar os nossos objetivos e métodos no futuro e não no passado» (Toffler, 2001, p. 392).

Continuando a descrição dos elementos característicos de uma matriz cultural comum da escola, Fino (2000, 2006) refere uma preocupação crescente pelo controlo da qualidade do sistema educativo, em que a aposta na eficiência e na avaliação das aprendizagens dos alunos culminou com a reforma dos currículos escolares (Brazão, 2008a). Nesse sentido, já em 1956, Bloom et al publicavam uma série de trabalhos em que proponham uma taxonomia de objetivos educacionais, com o objetivo de fornecer aos professores instrumentos relativamente seguros de apoio à avaliação e controlo das aprendizagens dos alunos (Fino, 2006). A necessidade de facilitar e racionalizar a definição de objetivos educacionais, a avaliação e o controlo das aprendizagens dos alunos levou à publicação de inúmeros trabalhos, culminando, no início dos anos oitenta, com a formulação de um conjunto de práticas de avaliação designada por “pedagogia por objetivos”, amplamente difundidas entre nós. Segundo Gimeno Sacristán (2002), este modelo alicerça-se em técnicas da organização científica do trabalho, no experimentalismo de base positivista e no condutismo psicológico, a fim de tecnificar o processo educativo sem mudar a educação. Define-se assim a pedagogia por objetivos: «nace al amparo del eficientismo social que ve en la escuela y en el currículo un instrumento para lograr los productos que la sociedad y el sistema de producción necesitan en un momento dado. No es una pedagogia que responda a los problemas más graves que presenta la educación, la institución educativa o la sociedad. El fracaso escolar y la crisis de los sistemas educativos son vistos como fracasos de eficiência en una sociedad competitiva, altamente tecnologizada, cujos valores fundamentales son de ordem económico. En esta situación, la preocupación radica en encontrar una respuesta eficaz como remédio fácil, en lugar de analizar el problema desde otras perspectivas» (Gimeno Sacristán, 2002, p. 10).

Prosseguindo com a reconstituição dos traços mais característicos da matriz cultural comum das escolas, Fino (2000) admite a existência de componentes “ocultas” do currículo, enraizadas na organização e nas rotinas de funcionamento das escolas7. 7

Na escola ocorrem aprendizagens implícitas, que não integram os planos programáticos de nenhuma disciplina, mas que nem por isso são menos importantes. O currículo oculto embora de maneira mais silenciosa que o formal, apoia o sistema escolar enquanto instituição e, através deste, o sistema social que o suporta (Pardal, 2005).

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Este conceito surgiu para enquadrar os aspetos da experiência educacional não explicitados no currículo oficial, formal, e tem sido central na teorização curricular crítica. Para Moreira e Silva (2002), apesar de uma certa banalização decorrente da sua utilização fácil e frequente, o currículo oculto é determinante na tarefa de compreender o papel do currículo na produção de determinados tipos de personalidade. No entanto, a importância atribuída às experiências e aos objetivos não declarados também contribui de certo modo para isentar o currículo oficial da sua responsabilidade na formação de sujeitos sociais. Para Giroux (1986), o currículo oculto é o conjunto de «normas, valores e crenças imbrincadas e transmitidas aos alunos através de regras subjacentes que estruturam as rotinas e relações sociais na escola e na sala de aula» (p. 71). Explicitamente, não fazem parte do currículo, mas são implicitamente “ensinados” através das relações sociais, rituais, práticas e pela própria configuração espacial e temporal da Escola. Ou seja, são os aspetos do ambiente escolar8 que não integram o currículo oficial, explícito, mas que proporcionam aprendizagens sociais relevantes de forma implícita. Para a perspetiva crítica, o que se aprende no currículo oculto são fundamentalmente atitudes, comportamentos, valores e orientações que permitem que crianças e jovens se ajustem adequadamente ao modo de funcionamento, considerado injusto e antidemocrático e por isso indesejáveis, da sociedade capitalista. O currículo oculto ensina o conformismo, a obediência e o individualismo (Silva, 2000). Também de acordo com Apple (1999), o currículo oculto é todo o tipo de normas e valores transmitidos pela escola de forma implícita e que frequentemente não são objeto de referenciação habitual nas declarações de finalidades e objetivos apresentados pelos professores. E exemplifica com o modo como os estudantes aprendem a enfrentar a vida fora das escolas e o poder nas salas de aula, com o sistema instituído de classes, o castigo/recompensa. Kelly (1981) defende uma visão mais abrangente de currículo oculto, entendido como tudo o que os alunos aprendem na escola, por causa do modo pelo qual o trabalho da 8

Uma das fontes do currículo oculto são as relações sociais da escola, isto é, as relações entre professores e alunos, entre administração e alunos e entre alunos e alunos. A organização do espaço é outra das componentes estruturais pela qual os alunos interiorizam certos comportamentos sociais: o espaço organizado de forma rígida transmite certas coisas; o espaço menos estruturado, a sala de aula mais aberta comunica outro tipo de coisas. O próprio tempo é estruturador da noção de pontualidade, controlo do tempo, divisão em unidades, um tempo para cada tarefa. O currículo oculto comunica diversos rituais, regras, regulamentos e normas, divisões e categorizações explícitas ou implícitas: os “mais capazes” e os “menos capazes”, os “meninos e as meninas”, um currículo académico e um currículo profissional (Silva, 2000).

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escola é planeado e organizado. Este conhecimento não faz parte do planeamento, nem está na consciência dos responsáveis pela escola. A autora destaca a aprendizagem dos papéis sociais, sexuais e as atitudes que são apreendidos de forma implícita. Na escola, muito do que se transmite não está pois descrito nos currículos nem nos programas oficiais. Os professores transmitem uma série de valores simbolizados na disposição dos lugares na sala de aula, na campainha, na separação por idades, na distinção de classes sociais, na autoridade do professor e ainda no facto de os estudantes estarem dentro da escola e não na própria comunidade (Toffler, 2001). O currículo oculto constitui, portanto, o fundamental para a sociedade em geral e futuros empregadores em particular. De forma bastante sistemática, a escola promove atividades separadas do contexto no qual a aprendizagem decorre, dando origem ao que Fino (2006) designa de “conflito comum entre a atividade autêntica e atividade escolar”. O autor reforça que este conflito transmite a ideia de que o conhecimento é autossuficiente das situações em que é aprendido. A grande dificuldade está no desfasamento entre o contexto social e o contexto escolar, onde existe uma enorme distância entre a atividade autêntica, correspondente ao que fazem os praticantes em situações reais, e a atividade escolar, que é a prática descontextualizada do real, apesar de integrada no contexto escolar. O conceito de atividade autêntica (authentic activity) é descrito por Lave (1988) como a prática habitual de pessoas comuns no interior de uma cultura, emergente de situações reais. Para Lave e Wenger (1991), a aprendizagem não é simplesmente situada na prática, como se fosse o resultado de um processo que ocorre por estar situado algures. Aprender é uma parte integrante da prática social diária e decorre no mundo real, que não pode ser “desligado” para se prosseguir com a aprendizagem. Brown, Collins e Duguid alertam para o facto de que muitos métodos didáticos separam o conhecer e o fazer, ficando o conhecimento independente das situações onde é usado. A atividade e o contexto no qual ocorre a aprendizagem são auxiliares de aprendizagem, com utilidade do ponto de vista pedagógico, mas neutros quanto ao que se aprende (1979, cit. Fino, 2006). Mas a razão desse conflito, entre o êxito escolar e o êxito real, decorre do facto de a atividade escolar ser muitas vezes uma atividade híbrida, em virtude de ser implicitamente

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construída no interior de uma cultura, a da escola, mas claramente atribuída a outra. Ou seja, a atividade da sala de aula acontece no interior da cultura das escolas, mas a sua intenção é orientada como se ela acontecesse no interior da cultura real (Fino, 2006; Brazão, 2008a). Neste caso, o que fazem os estudantes: «tende a ser uma atividade sucedânea, porque quando atividades autênticas são transferidas para a sala de aula, o seu contexto transforma-se inevitavelmente, e assim tornam-se tarefas da sala de aula e parte da cultura escolar. Portanto, o sistema de aprender e de usar o que se aprende (e, certamente, de testar o que se aprende) permanece hermeticamente fechado dentro de uma cultura da escola em grande parte auto legitimada. Consequentemente, e contrariamente ao objetivo mais fundamental da escolarização, o sucesso dentro dessa cultura tem pouco a ver com o desempenho em contextos reais. O facto é que as tarefas da sala de aula, mesmo as de grande complexidade podem falhar completamente em prover as caraterísticas contextuais que definem a verdadeira atividade» (Fino, 2006, p. 10).

A concluir, está claro que as escolas, ao assentarem numa matriz comum, configuram o invariante cultural sob a forma de estereótipo. Este está presente mesmo em crianças pequenas sem experiência direta da escola, que revelaram possuir noções sobre a organização, relações de poder, conceções de ensino existentes na Escola, adquiridas do meio circundante, como a família e os media. Por isso, é particularmente determinante o papel dos media como a imprensa e a televisão que, através da apresentação de programas infantis e recreativos, têm criado estereótipos sobre a representação da Escola (Brazão, 2008a). Esta é perspetivada como: «um local onde os professores, que controlam todo o processo, ensinam um conjunto de factos, que são o conhecimento, e a cultura geral consiste na evocação desses factos, sendo mais ‘culto’ quem é capaz de evocar um maior número deles num menor intervalo de tempo» (Fino, 2006, p. 12).

Ficam de fora deste estereótipo, as conceções de escola definidas pelo sistema educativo, em que se verifica uma dicotomia entre saber e saber fazer destacando-se a reprodução acrítica de elementos memorizados. Já a nível físico, a escola é configurada por um modelo arquitetónico fabril9, com uma organização e concentração de espaços característicos de uma escola tradicional, onde, segundo Brazão (2008a), de forma acrítica, se misturam conceitos de ensino e

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O termo escola remete-nos para a ideia de estabelecimento de ensino, de um espaço físico usualmente tipificado.

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controlo, educação e exercício da autoridade, a aprendizagem e reprodução. Quando entram para a escola as crianças descobrem rapidamente que: «integram uma estrutura organizacional padrão fundamentalmente invariável: uma classe dirigida por um professor, um adulto e um certo número de jovens subordinados à sua autoridade, habitualmente sentados em filas e voltados para o professor, constituem a unidade básica estandardizada da escola da era industrial» (Toffler, 2001, p. 401).

Por outro lado, o estereótipo de professor autoritário e da escola com formato tradicional está presente em muitos adultos, cujo contacto com a escolarização, se resume à frequência da instrução primária, inspirada nas conceções educativas mais tradicionais. Estas pessoas tenderão a reconhecer apenas este modelo de professor, assumindo com normalidade «as relações implícitas entre ensinar e controlar, educar e exercer autoridade, aprender e reproduzir, cultura e evocação» (Fino, 2006, p. 12). De forma muito natural, este estereótipo é culturalmente transmitido às novas gerações, que o representam nas suas diversas formas lúdicas, mesmo antes de qualquer tipo de contacto formal com a escola, configurando o invariante que está presente por todo o lado, e que influencia a organização dos espaços letivos, bem como os papéis que devem ser desempenhados por professores e alunos. Segundo Toffler (2001), transmite-se aos jovens toda a espécie de valores, seja por meio dos livros, ou pelo tipo de programas colocado ao seu dispor, desde: «a disposição dos lugares, a sineta, a segregação de idades, as distinções de classes sociais, a autoridade do professor e o próprio facto dos estudantes estarem numa escola em vez de na própria comunidade. Todas estas mensagens transmitem ao estudante mensagens silenciosas e moldam as suas atitudes e as suas conceções. Mas os programas continuam a ser apresentados como se estivessem isentos de valores. Ideias, acontecimentos e fenómenos são despidos de todas as implicações de valores, privados de toda a realidade moral» (p. 409-410).

Perante o invariante – «força insidiosa impregnada nas paredes da escola e perpassando o nosso inconsciente» (Fino, 2006, p. 13) – que peso terão as convicções sobre a natureza ativa dos aprendizes, o papel do professor e a incorporação da melhor e mais avançada tecnologia? O que podemos fazer para alterar esta visão apriorística de escola, nas nossas mentes, na mente dos pais, dos decisores escolares e dos políticos, para que a questão de inovação deixe de ser uma espécie de excentricidade de alguns investigadores ou uma falsificação destinada a ‘vender’ o velho paradigma utilizando novos meios?

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Em resposta, Toffler (2001) propõe um “ataque organizacional” que deverá seguir três objetivos: a) transformação da estrutura organizacional do sistema educativo; b) revolucionar o currículo; c) encorajar uma orientação mais voltada para o futuro. Mas estas inovações implicam mudanças nas práticas pedagógicas. Atualmente, as lições dadas pelo professor ainda dominam a maioria das aulas, método equivalente à estrutura da fábrica. Estas lições deverão dar lugar a uma série de novas técnicas e desempenho de novos papéis com o auxílio de computadores, e com a participação direta dos estudantes. As atuais estruturas administrativas da educação, baseadas na burocracia industrial, não estão à altura das complexidades e do ritmo de mudança do sistema atual, pelo que se propõe a diversificação de experiências com vista a facilitar a adaptação dos alunos à vida posterior. Disso são exemplo «aulas com diversos professores e um só estudante; aulas com diversos professores e um grupo de estudantes; estudantes organizados em unidades de trabalho temporário e equipas de projeto; passagem de estudantes de grupos de trabalho temporário para trabalho individual (…)» (Toffler, 2001, p. 401). Quanto aos programas atuais, assumem-se como uma herança do passado. O autor questiona a pertinência duma organização à volta de disciplinas em detrimento da sua organização por estádios da vida humana. Efetivamente, «o programa atual e a sua divisão em compartimentos estanques não se baseia em qualquer conceção bem estudada das necessidades humanas contemporâneas – e menos ainda, muito menos, em qualquer ideia do futuro, (…) Além disso, este curriculum obsoleto impõe uma estandardização das escolas elementares e secundárias. (…) Os programas têm de ser os mesmos, dadas as rígidas condições de admissão às universidades, as quais refletem, por seu turno, as exigências vocacionais e sociais de uma sociedade em vias de extinção» (Toffler, 2001, p. 403).

A atenção do estudante é orientada para o passado e não para o futuro, que há muito já foi banido da sala de aula e da sua consciência, como se não existisse. Esta atitude conduz a representações de uma escola “muda acerca do amanhã”, sem orientação para o futuro. No entanto, e como reconhece o autor, «para que os nossos filhos se adaptem melhor e com mais êxito à rapidez mutacional, esta deturpação do tempo tem de acabar. Precisamos de os tornar sensíveis às possibilidades e probabilidades do amanhã, (…) reforçar o seu sentido do futuro» (Toffler, 2001, p. 415). É urgente projetar o espírito humano para o futuro e encorajar as crianças desde muito cedo a especular sobre o seu próprio futuro e o da humanidade. 42

Apesar de toda a evolução registada, o velho paradigma fabril resiste e permanece, deixando antever uma dura e longa batalha pela inovação, cuja primeira etapa é precisamente a tomada de consciência dos constrangimentos existentes contra ela.

1.7 – O despontar de um novo paradigma A Humanidade entrou numa nova fase, numa era designada por muitos de pósindustrial. Testemunhamos avanços em diversas áreas da ciência, do conhecimento e da tecnologia. É um período caracterizado por profundas mudanças a vários níveis: económico, social, cultural e profissional em que as novas formas de organização do trabalho e de inter-relacionamento humano prefiguram uma vida totalmente diferente no século XXI. Mas, todas estas transformações geram incertezas e preocupações com o futuro. Estas mudanças começam também de forma lenta a chegar à escola, que não poderá permanecer inalterável, por muito mais tempo, e fechada sobre si própria. A uma nova sociedade deverá corresponder obrigatoriamente um novo tipo de escola. A convicção de que à escola competia a exclusividade da educação está hoje completamente ultrapassada. A escola é de facto um sistema institucional muito estável, que está perante um grande desafio: evoluir e adaptar-se às novas necessidades emergentes. Encontramo-nos, pois, no limiar de uma situação em que se impõe repensar totalmente a escola. A sua inadequação às novas condições sociais e a sua resistência à mudança não mais serão aceites. Como reafirma Hargreaves (1998), a escola é uma estrutura complexa, burocrática e especializada que tenta a todo o custo manter o sentido de individualidade, mas que o confronto com um leque de circunstâncias da pós-modernidade tem conduzido à sua desadequação face às atuais «necessidades de uma aprendizagem estudantil mais relevante e motivadora, de um desenvolvimento profissional contínuo e interligado e bem assim de uma tomada de decisões mais flexível e inclusiva» (p. 32). A rapidez, a compressão, a complexidade e a incerteza do mundo pós-moderno está a colocar à escola inúmeros problemas e desafios aos seus sistemas de ensino, cujo futuro dependerá da forma como esses desafios se concretizarem nas escolas. A escola, tal como aponta Roldão (1999b), é uma instituição que permanece imutável, apesar da mudança drástica dos seus públicos, da própria evolução e

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complexificação dos saberes. A escola atual é, em muitos aspetos, semelhante à escola de gerações anteriores, apesar de algumas mudanças que é possível, ainda que tenuemente, assinalar como uma maior abertura, menor rigidez, mais dinamismo, isto, apesar da permanência de esquemas curriculares construídos sobre conteúdos programáticos disciplinares tendencialmente estáveis, e da persistência no uso de metodologias uniformes na sala de aula, com relevo significativo para a exposição do professor, baseada em manuais. Esta é, portanto, uma conceção de escola que remonta ao período da Revolução Industrial, com uma subordinação dos aspetos culturais aos de trabalho, essenciais para o domínio da natureza através da máquina. A escola da atualidade foi então desenhada há dois séculos para satisfazer as necessidades da sociedade industrial, que muito rapidamente propôs profundas alterações, pois precisava de um novo tipo de Homem, provido de aptidões que nem a família nem a igreja podiam, só por si, facultar. A solução encontrada foi a criação de um sistema educacional que, na sua própria estrutura, simulasse esse mundo novo. Nesse tempo, a questão que se colocava aos planificadores da escola era que modelo poderia produzir o que a sociedade industrial precisava: baixo custo, paz social e homens adaptados às exigências de um modelo novo de produção. O génio industrial inventou «a escola modelada na produção em massa e esse modelo transformou-se rapidamente num paradigma de educação em massa» (Fino, 2011a, p. 47). E foi assim, que durante muito tempo a escola formou pessoas para seguirem instruções e a obedecerem às ordens dos superiores, pessoas habituadas com a pontualidade e com o trabalho sincronizado, e que preenchiam os requisitos cognitivos mínimos para integrarem a cadeia da produção industrial. Entretanto, as coisas têm-se alterado substancialmente e de forma acelerada, sendo notória uma grande distância entre as experiências atualmente proporcionadas pela escola10 e pelo currículo e as caraterísticas de um mundo social completamente transformado pela «emergência de novos movimentos sociais, pela afirmação de identidades culturais subjugadas, pelas lutas contra o patriarcado, pelos conflitos entre poderes imperialistas e resistências pós-coloniais, pelo processo de globalização e pela generalização dos novos 10

A escola como instituição é historicamente construída, e faz parte de uma sociedade em permanente mudança. Sendo uma instituição com funções de passagem cultural e socialização, os seus ritmos de mudança são normalmente desadequados às necessidades sociais do momento (Roldão, 1999a).

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meios e técnicas de comunicação» (Silva, 1998, p. 185). No novo mapa cultural, emergente de uma multiplicidade de atores sociais e por um ambiente transformado, a educação institucionalizada e o currículo incidem em critérios e parâmetros de um mundo que já não existe. As crenças e rotinas que estruturaram a escola do passado estão portanto, desadequadas, pelo que é urgente romper com o paradigma da escola tradicional. Este mesmo paradigma que se mostrou eficaz, num determinado contexto económico e social, está agora desenquadrado de um sistema educativo multicultural, massificado e democrático. A escola modelada na fábrica do século XIX, por muitos e relevantes serviços que tenha prestado à Humanidade nesse século e no seguinte, precisa de uma reorientação paradigmática, contrária a uma «visão saudosista de uma instituição imóvel a boiar, estagnada, no tempo» (Fino, 2007, p. 36). Também para Sebarroja, (2001), a escola ancorada no passado, confinada à tarefa de ensinar a ler, a escrever, a fazer contas, precisa urgentemente de ser repensada. A nova cidadania, que deve ser formada, exige desde os primeiros anos de escolaridade outro género de conhecimento e uma participação ativa dos alunos no processo de aprendizagem. É necessário pensar na escola do presente-futuro em oposição à escola do presentepassado. Ou seja, é clara a necessidade de a escola “olhar” para o futuro, muito embora se mantenha “presa” aos pressupostos e necessidades do passado. Isto acontece de facto, porque a escola é um sistema institucional muito estável, pouca aberta à mudança cuja reestruturação depende criticamente dum sistema de crenças ou mitos que lhe são impostos exteriormente pela sociedade. É por isso, necessário e urgente repensar a escola. Nos últimos tempos, acentuou-se a incapacidade das escolas na preparação dos jovens, contrariamente ao que acontecia no passado. Isto acontece precisamente porque a sociedade para a qual foram desenhadas modificou-se. O aumento exponencial do número de alunos e a sua heterogeneidade, a diminuição do estatuto social dos professores, as novas funções atribuídas às escolas, a difusão do conhecimento para lá dos seus muros, para além do fosso cultural entre a sociedade e as escolas levou ao questionamento da necessidade de mudança.

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O sistema educativo entrou em colapso, fala-se numa escola em crise e são muitas as análises, de diferentes perspetivas, que preveem o seu iminente desmoronamento (Sebarroja, 2001). De acordo com Sousa e Fino (2001), estamos perante «…um paradigma que caducou irremediavelmente. Está declarada a crise no velho paradigma fabril» (p. 378). Eis-nos chegados ao momento «em que o velho paradigma, exausto, pode dar lugar a um outro, capaz de ir ao encontro de novas e indeterminadas necessidades de uma nova ordem pós industrial emergente» (Fino, 2011a, p. 47). De contornos imprevisíveis ainda, é-nos difícil fazer futurologia acerca do novo paradigma que seguirá, no entanto, e como reconhece Toffler (2001), nos sistemas tecnológicos de amanhã – rápidos, fluidos e autorreguladores. As máquinas encarregar-seão do fluxo dos materiais físicos e os homens do fluxo de informação e previsão. «O apito da fábrica emudecerá, e até o relógio – “a máquina-chave da moderna era industrial” (…) perderá algum do seu poder sobre os assuntos humanos, independentemente dos de carácter puramente tecnológico» (p. 395). Deixará de haver preocupação com o presente, concentrando-se no futuro. Num mundo assim, os atributos da era industrial serão pouco reconhecidos. «A tecnologia de amanhã não precisa de milhões de homens pouco letrados, capazes de trabalhar em uníssono, em tarefas interminavelmente repetitivas, nem de homens que obedeçam sem pestanejar às ordens recebidas» (Toffler, 2001, p. 395). Pelo contrário, precisam-se de homens capazes de lidar com o impulso acelerativo, de julgar e decidir criteriosamente, de abrir-se a novos ambientes e de acompanhar sem dificuldade a transformação rápida da realidade. Por outro lado, as tecnologias emergentes que fazem agora parte das nossas vidas mostram-nos que existem meios e possibilidades com as quais nem sonhávamos há algum tempo atrás. Devido ao avanço da ciência, pende sobre o conhecimento a ameaça de uma crise epistemológica e da caducidade. O que sabemos rapidamente se desatualiza e as escolas já não preparam para a vida, pois ninguém sabe como é que esta será, depois da escola (Fino, 2011a). No entanto, o conhecimento do que hoje em dia se passa nas nossas escolas demonstra que a mudança necessária não se impõe facilmente e, mesmo perante a evolução dos conceitos, isso não se traduz obrigatoriamente numa mudança de práticas, evoluindo os 46

sistemas muito lentamente. Aliás, também segundo Moreira e Silva (2002), as noções de conhecimento, caraterísticas das experiências curriculares, atualmente propostas aos estudantes estão desconformes com as mudanças sociais e profundas transformações na natureza e extensão do conhecimento e também na forma de concebê-lo. Esta nova realidade leva-nos a questionar a escola, que rapidamente terá que alterar práticas, adotar novos princípios, valores e técnicas, fundamentais à sua renovação. Tornase pois necessário encarar a renovação da escola como uma necessidade urgente, cuja nova matriz suporte e integre os novos espaços de conhecimento, tendo em vista a definição de um novo paradigma, perspetivado por Kuhn (1996)11 como sendo toda a constelação de conceitos, crenças, valores e técnicas partilhadas pelos membros de uma comunidade. Para o autor, as mudanças de paradigma são profundas alterações nos pensamentos, perceções e valores que formam uma visão particular da realidade, enquanto base da organização da sociedade e que estão associadas a ruturas, a momentos de crise. A crise impele à emergência de novas teorias, visões, conceções ou paradigmas por forma a responder aos desafios impostos pela mesma. A necessidade de corresponder às novas exigências sociais, num tempo marcado pela Sociedade da Informação, vai repercutir-se necessariamente no pensamento e nas práticas de educação, no sentido da definição de um novo paradigma educacional. Na linha da definição de uma mudança paradigmática é necessária a conceção de uma nova matriz para a escola, enquanto locus da construção do conhecimento, de novas formas de organização educacional, suscetíveis de transformar a escola, adaptando-a ao desenvolvimento económico e social.

11

No livro The Structure of Scientific Revolutions, Kuhn (1970) introduz a noção de mudança de paradigma. O autor ilustra a mudança de paradigma no seio da comunidade científica descrevendo o que acontece quando apenas um cientista abandona as regras desse mesmo paradigma e descobre algo que não se enquadra nele. Como não se enquadra é urgente provar que está errado. Contudo, outros cientistas acabam por descobrir outras anomalias que asfixiam mais a ortodoxia. Deste modo, a única saída da crise é a criação de um novo paradigma. Trata-se da incorporação de um princípio que esteve sempre presente mas que não foi considerado. O novo paradigma é recebido com alguma desconfiança e hostilidade e as suas ideias são atacadas. Os cientistas de renome mantêm o seu ceticismo, mesmo depois de confrontados com a evidência. Quando se atinge uma série de novos aderentes e se atinge uma massa crítica diz-se que ocorre uma mudança de paradigma (Whitaker, 2000). Ao analisar o conhecimento científico, Kuhn faz a distinção entre o que considera ser o crescimento “normal” do conhecimento, um processo cumulativo em que o novo conhecimento se organiza a partir das categorias já existentes e o que se chama de revoluções científicas, que rompem com os quadros teóricos anteriores. Para o autor, inicia-se um período de crise, que pode originar uma mudança de paradigma, quando um problema não é resolúvel pelas teorias e regras dominantes na comunidade científica. Nestes casos, há que romper com esses quadros e produzir um novo modelo que os consiga explicar.

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Em termos de metodologias de ensino, terão de ocorrer profundas alterações, enfatizando-se as metodologias centradas no aluno, que façam do estudante o elemento ativo da aprendizagem, devidamente orientado e enquadrado por um apoio tutorial empenhado e efetivo. Sobre estas questões debruçar-nos-emos posteriormente numa ampla reflexão emergente das perspetivas teóricas fundamentais ao enquadramento teórico desta investigação. A mudança de paradigma e das práticas pedagógicas é pois uma necessidade incontornável, face às novas realidades sociais. Por todo o lado, reclamam-se novos atributos, novas competências pessoais e interativas, e exige-se da escola uma resposta adequada e eficaz. É tempo de mobilizar, perspetivando-se a inovação que urge implementar. De acordo com Toffler (1984), uma das chaves da Terceira Vaga reside em quebrar o código oculto (conjunto de regras ou princípios que percorrem todas as atividades como um desenho repetido e que permitiu ao paradigma industrial exercer tanta influência na nossa forma de viver e pensar. O autor identifica seis princípios inter-relacionados que programavam o comportamento e precisam ser alterados, se pretendermos seguir o caminho do sucesso do amanhã: 1.

Normalização - a obsessão social com a semelhança, categorização e uniformidade;

2.

Especialização - a crença na separação do conhecimento, competência técnica e trabalho;

3.

Sincronização - um sistema económico e social dependente das escalas e padrões temporais fixos: trabalho orientado pelo relógio, pagamento em função do tempo e não da qualidade e volume de trabalho, picos nos períodos de férias e horas de ponta;

4.

Concentração – de pessoas, aumento e proliferação de grandes centros urbanos, escolas, prisões, hospitais, monopólios;

5.

Maximização – um entusiasmo pela grandeza e crescimento;

6.

Centralização – o controlo central da tomada de decisões políticas, burocracia judicial e estatal.

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Assumindo a precocidade do exercício de antecipação acerca das instituições educativas do futuro, o autor perspetiva que deverão inspirar-se num novo paradigma pósindustrial, de que já se conhece algumas das suas propensões: dessincronização, desconcentração, deslocalização, acesso instantâneo à informação e responsabilização de cada um pela sobrevivência numa selva de terabytes. Fino (2011a) chama a atenção para o facto de o provável design futuro das escolas integrar as teorias que há muito perspetivam e fundamentam a forma como nos posicionamos face às questões da aprendizagem. Tomando por exemplo o construtivismo, o autor recorda que os construtivistas descreveram o processo pelo qual construímos as nossas estruturas cognitivas e os seus trabalhos respondem a uma das previsíveis demandas do futuro, que já é atual, ou seja, a necessidade de se aprender autonomamente ao longo de toda a vida. Esta teoria renuncia ao carácter formal e rígido do conhecimento, como um dado adquirido, estabelecido e transmissível e preconizam-no como algo pessoal, cujo significado é construído pela própria pessoa. A aprendizagem assume um carácter social, enfatizando-se a mediação e a interação social (Vygotsky, 1988) e relevando a ação dos outros como tutores, que ajudam os aprendizes a resolverem problemas ao nível mais elevado das respetivas zonas de desenvolvimento proximal, proporcionando-lhes, para tal, o necessário suporte.

1.8 – A mudança e a inovação: conceitos e perspetivas O mundo atual vive um momento de mudança acelerada e ninguém está imune a estas profundas alterações. Nas sociedades atuais, a crise expandiu-se a todos os sectores e a educação sofre também uma pressão para a mudança. A escola torna-se, assim, um lugar de importantes contradições dialéticas, em que o professor está no centro dessas contradições (Cardoso, 1997). O sistema educativo é impelido para a sua transformação, a retórica do discurso educacional assume que este deve ser orientado para a mudança e inovação que urge implementar. Com efeito, as preocupações recentes com o absentismo, o abandono e o fracasso escolar, assim como a consciência generalizada da ineficácia da escola como promotora

de

aprendizagens

duradouras,

significativas

e

relevantes

para

o

desenvolvimento autónomo dos cidadãos, impulsionaram diversas iniciativas no sentido da

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mudança e reforma da escola e do sistema educativo, dando origem a propostas bem diferenciadas de política educativa geral e de concretas experiências de inovação educativa. Contudo, no final do século XX, a generalidade das propostas de reforma escolar emergiram de exigências imperativas da economia de livre mercado e não da consciencialização das insuficiências qualitativas do sistema, revelando-se incapaz de promover o desenvolvimento educativo de cidadãos autónomos (Pérez Gómez, 2001). Deste modo, o sistema educativo defronta-se com alguns problemas, cuja resolução impõe sérios desafios. Perante este cenário, o discurso sobre inovação educacional faz cada vez mais sentido. A sociedade rapidamente se “virou” para a escola à procura de respostas cada vez mais inovadoras, enfim, soluções para os diversos problemas que hoje se colocam. Pressiona-se a escola e esta procura reagir no sentido da mudança. Convivem estruturas, práticas e representações do paradigma anterior com as inovações que tentam alterar práticas e assim dar outro rumo à escola. Esta convivência entre práticas desajustadas, mas que persistem, e as inovações que se tentam implementar têm originado tensões, resistências e constrangimentos, dificultando o propósito da mudança e a sua gestão. A inovação educativa emergiu, assim, como uma área de interesse12 para investigadores, docentes e políticos, consequência das profundas transformações que afetam a sociedade e os problemas com que se defrontam as escolas, muito embora, o interesse dos investigadores pela inovação remonte o início dos anos 60. Uma área problemática, objeto de investigação nessa época, foi a dos obstáculos à mudança e à inovação. Eichholz e Rogers (1964) identificaram 8 ações de recusa. Watson (1967) fala em 8 forças de resistência. Havelock (1971) encontrou 3 tipos de fatores de resistência: exógenos, endógenos e de limitação. Crozier (1982) enfatizou o interesse da compreensão do sistema para a inovação, considerando que a chave é, para o efeito, o conhecimento empírico do sistema humano que venha a conduzir à descoberta das suas regulações essenciais (cit. Patrício, 1988). Atualmente, a generalidade dos especialistas reconhece que os sistemas educativos devem ser orientados para a inovação, como forma de responderem e até de se anteciparem aos diversos desafios que se colocam à educação, resultantes das grandes transformações 12

Apesar de todo o interesse pela inovação, este conceito não encontra as suas raízes no campo educacional. A sua origem advém da empresa industrial, essencialmente relacionado com a eficácia e a rentabilidade de um sistema produtivo (Villar, 1993).

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ocorridas sobretudo a partir da Revolução Industrial a nível científico e tecnológico, económico, demográfico, sociocultural e ideológico (Cardoso, 2003). Todas estas mudanças têm acentuado a desadequação do modelo tradicional de ensino vigente e confirmado a urgência de adoção de novas propostas, para fazer face aos atuais desafios. Também Serraboja (2001) salienta que as mudanças na sociedade decorrem de fatores como a globalização, a aceleração do conhecimento, a explosão da sociedade de informação, a crescente diversidade cultural, etc. E são estas rápidas alterações na sociedade que vêm exigindo novas abordagens, talvez radicais, à educação, necessárias a uma intervenção ativa no desenvolvimento da sociedade. A educação, tal como a temos hoje, não consegue responder às exigências do amanhã. Por isso, é urgente refletir sobre as necessidades da sociedade do amanhã e propor mudanças assertivas a um contexto escolar imutável. Todo este enquadramento permitiu que os termos mudança e inovação passassem a estar no centro do debate educacional. Daí a importância de se refletir sobre cada um destes conceitos e sobre a forma de os implementar no quadro de uma escola eficaz que se pretende alcançar. São utilizados muitas vezes de forma irregular e indiscriminada e confundidos com outros termos como evolução e reforma, pelo que importa esclarecer a sua verdadeira amplitude conceptual. O conceito de mudança aparece regularmente associado ao de evolução gradual, sendo utilizado para explicar as alterações provocadas por agentes internos ou externos, concretizadas de uma forma progressiva (Fernandes, 2000; Fullan, 1993). A mudança é por isso um processo que implica e comporta um crescimento e uma aprendizagem com vista ao desenvolvimento e um tempo de adequação à realidade, que se pretende transformada, renovada e reestruturada, porque «as intervenções muito rápidas, geralmente, não conduzem ao sucesso da mudança: são necessárias medidas a aplicar a longo prazo» (Cardoso, 2003, p. 32). Para a compreensão do processo de mudança, a descoberta de Kuhn é muito importante, precisamente porque desafia a visão de que toda a mudança é um processo natural e suave. Salienta igualmente a dificuldade sentida por quantos enfrentam a resistência de preconceitos fortemente enraizados. «Dado que a noção global do paradigma é uma limitação rígida em torno de crenças e ideias específicas, a mudança deve ser

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encarada como o processo doloroso e prolongado da reinvenção, reordenamento e redefinição» (Whitaker, 2000, p. 29). Na teorização desenvolvida, Fullan (1993) salienta que a mudança diz respeito a alterações deliberadas, e que, por isso, assume o carácter de programa de ação. O autor destaca a complexidade e as caraterísticas fundamentais da mudança, mas ressalva que esta:  Não pode ser imposta, nem regulamentada, para não torná-la superficial, diminuindo o alcance dos seus objetivos e impacto;  É incerta, podendo por isso, gerar ansiedade, stress, medo do desconhecido. Produz aprendizagem, sendo todos estes estados – intrínsecos ao processo de mudança;  É problemática, contribuindo os problemas para provocar novas ideias e novos avanços, sendo a ausência de problemas sinal de que de pequeno alcance o que se está a tentar mudar;  Exige tempo, é preciso dar tempo a que as visões pessoais possam convergir e ser partilhadas com vista à construção de objetivos comuns. Estas caraterísticas põem em destaque as tendências opostas nos processos de mudança, exigindo-se a capacidade de lidar com essas forças como o individualismo e coletivismo, centralização e descentralização (Fernandes, 2000). Mas, a pressão para a mudança tem incidido não só sobre a escola, como também sobre o professor e o currículo. Por vezes, até em direções opostas. Procurando delimitar as áreas prioritárias para a mudança e assim influenciar a agenda educativa, emerge um discurso apelativo que, segundo Fernandes (2000) vai no sentido de uma educação para todos e a sua continuidade ao longo da vida; a melhoria da qualidade educativa (do ensino, das aprendizagens e das instituições) e reforço da avaliação, como meio de promover o desenvolvimento económico e a modernização; o reforço da autonomia da escola, criandose espaço para uma política educativa própria de cada estabelecimento; a valorização dos contextos

(locais

e

regionais),

em

oposição

às

tendências

centralizadoras

e

despersonalizantes do passado; a redefinição das competências a adquirir/desenvolver pelo aluno com vista à sua plena preparação e integração social; a diferenciação pedagógica, em substituição do currículo “pronto-a-vestir de tamanho único” (Formosinho, 1987), como resposta à massificação da escola e à diversidade de culturas presentes na escola (p. 33).

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Também no domínio do currículo, onde a mudança educativa se reveste de grande complexidade, encontramos tendências opostas – a inovação e a resistência à mudança – como as sucessivas tentativas de reforma e de inovação das últimas décadas têm demonstrado. A transição para a nova era vai determinar alterações ao currículo a nível teórico e prático. A nível teórico, torna-se necessário proceder à reconceptualização desta área de estudo, redefinindo o que se entende por currículo (elementos essenciais, coordenadas e dimensões que lhe são inerentes como o tempo e o espaço, os processos de tomada de decisão, o tipo de racionalidade em que se fundamentam e o papel das emoções). A nível prático, importa recuperar e valorizar a experiência e conhecimento pessoal do professor, pois é em função deles que o currículo é reconstruído (como têm evidenciado as investigações realizadas). Importa ainda desocultar e, na medida do possível transformar as relações de poder nos contextos da sua construção e desenvolvimento, numa perspetiva crítica, não determinista, que possibilite as mudanças necessárias nesta área (Fernandes, 2000). A inovação é, pois, uma das exigências prioritárias do presente. Etimologicamente, a palavra inovação (do latim innovatio, introduzir algo de novo) significa, de acordo com o Dicionário de Língua Portuguesa, o «ato ou efeito de inovar; introdução de qualquer novidade na gestão ou no modo de fazer algo; mudança; renovação; criação de algo novo; (...)» e inovar é sinónimo de «tornar novo; introduzir inovações (…) inventar; criar;» (Costa & Melo, 1993, p. 943), sendo que inovador é aquele que inova. O termo inovação nem sempre tem sido utilizado na sua aceção mais adequada. É frequentemente utilizado como sinónimo de mudança ou de renovação ou de reforma, sem contudo se tratarem de realidades idênticas. Mais abrangente que o conceito de mudança ou reforma, a inovação reveste-se de um carácter intencional, deliberado e consciente, afasta do seu campo todas as mudanças que ocorrem a partir de uma evolução natural e distingue-se de reforma, que consiste no resultado do exercício de um poder instituído, geralmente exterior à escola (Cardoso, 1997). Num aprofundamento e reflexão acerca do conceito de inovação, Cardoso (2003) considerou-o como a «introdução de uma novidade no sistema educativo, promotora de uma real mudança, subentendendo um esforço deliberado e conscientemente assumido,

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bem como uma ação persistente, integrada num processo dinâmico, visando a melhoria pedagógica» (p. 22). Esta definição traduz uma noção de melhoria da educação, reconhecendo-lhe igualmente uma intencionalidade explícita. A inovação significa a inserção de algo de novo numa determinada realidade. Não se trata, no entanto, de uma modificação total dessa realidade, visto que inovação permite a conjugação do novo com o antigo (Pacheco, 2000b). Mais do que uma decisão administrativa, uma norma a aplicar de modo uniforme a todas as escolas, a inovação surge próxima dos atores que diariamente vivem e sentem a escola. Por isso, se afirma que o tempo das grandes reformas cedeu o lugar ao tempo da inovação. A inovação pedagógica traz algo de “novo”, ou seja, algo ainda não estreado, implicando desta forma uma rutura com a situação em vigor; é uma mudança intencional e bem evidente; exige um esforço deliberado e conscientemente assumido; requer uma ação persistente; tenciona melhorar a prática educativa; o seu processo deve poder ser avaliado; e para se poder constituir e desenvolver, requer componentes integrados de pensamento e de ação (Cardoso, 1992). Com muita frequência a mudança é perspetivada pelos educadores com receio e desconfiança, principalmente quando esta lhes é imposta. Deste modo, e porque a inovação é sempre uma experiência pessoal, os professores interrogam-se sobre as implicações que esta poderá ter na sua vida profissional e pessoal passando por diversas fases de preocupações em relação à inovação e revelando, inicialmente, atitudes desfavoráveis em relação à mudança. Cardoso (2003) propõe uma análise às noções de “resistência” e de “obstáculos” à inovação pedagógica que têm sido inventariados e apontados e que se relacionam com o professor e outros intervenientes de ordem institucional e contextual. O pensamento dos autores converge na consideração de três grupos fundamentais de fatores de resistência à inovação: um ligado ao contexto social e escolar, outro ao professor e o terceiro ao processo de mudança. Huberman (1973) fala em mudanças favoráveis, provocadas pela inovação, muito embora possa não ocorrer com todas as inovações, e trata-se de «(…) uma melhoria mensurável, deliberada, durável e pouco suscetível de produzir-se com frequência» (p. 15). Numa perspetiva cultural, o conceito de inovação é definido «como a fase inicial do processo de mudança, caracterizando-se por combinar elementos familiares com estruturas 54

novas» (Fernandes, 2000, p. 48). À inovação seguem-se duas fases necessárias à concretização da mudança: seleção, onde acontece a aceitação e a difusão individual e grupal, e ainda a integração, que acaba com a adaptação mútua entre a inovação e o sistema cultural de que ela daí em diante passa a integrar. Fino (2008a) encara a inovação pedagógica como a rutura de natureza cultural, num cenário de culturas escolares tradicionais. É também a abertura para a emergência de culturas novas, que poderão provocar estranheza aos conformistas das tradições, aos olhares enviesados pela tradição. Neste contexto, é complicado definir inovação pedagógica e torná-la consensual porque «(…) o caminho da inovação raramente passa pelo consenso ou pelo senso comum, mas por saltos premeditados e absolutamente assumidos em direção ao muitas vezes inesperado. Aliás, se a inovação não fosse heterodoxa, não era inovação» (p. 278). O autor relembra ainda que a inovação pedagógica tem a ver, fundamentalmente, com mudanças nas práticas pedagógicas, pelo que não deverá ser procurada nas reformas de ensino, nas alterações curriculares ou programáticas, muito embora, as reformas e alterações possam levar à indução de mudanças qualitativas nas práticas pedagógicas. «A inovação pedagógica implica mudanças qualitativas nas práticas pedagógicas e essas mudanças envolvem sempre um posicionamento crítico, explícito ou implícito, face às práticas pedagógicas tradicionais» (p. 277). Apesar de reconhecer a existência de fatores facilitadores da mudança, que poderão servir de apoio à inovação, não é neles que reside. Fino (2008a) defende que a inovação só é percetível in situ, isto é, se estudada no local, através de dispositivos de observação participante, que permitem a compreensão dos acontecimentos por dentro. E reafirma: «…só há inovação pedagógica quando existe rutura com o velho paradigma (fabril), no sentido que Kuhn (1962) atribui à expressão rutura paradigmática, e se cria localmente, isto é, no espaço concreto (ou virtual) onde se movem professores e alunos, um contexto de aprendizagem que contrarie os pressupostos essenciais do paradigma fabril. E onde se desenvolvam, como é evidente, novas culturas escolares, se falamos de instituições escolares, diferentes da matriz escolar comum que, de alguma maneira, unifica todas as escolas ancoradas no mesmo paradigma» (p. 46).

Dando continuidade a uma visão de rutura ou rompimento, Fernandes (2000) destaca que o conceito de inovação é utilizado para assinalar a rutura com situações ou práticas anteriores, aparecendo definida como:

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«qualquer transformação introduzida intencionalmente no sistema educativo ou em qualquer dos seus subsistemas, tendo em vista a sua evolução controlada ou a ultrapassagem de pontos críticos que foram detetados. A inovação pode variar quanto ao seu âmbito (…), quanto à sua origem (…), quanto à forma de implementação (…) e quanto ao grau e tipo de controlo das consequências (…)» (Lexicoteca, tomo X, p. 229, cit. Fernandes, 2000, p. 48).

Também Villar (1993) destaca que toda a inovação pressupõe uma rutura, que deverá induzir à indagação e mudança. Trata-se de um processo complexo, envolvendo variáveis muito diferentes entre si e que implica estratégias articuladas de todos os intervenientes. González e Escudero (1987) perspetivam inovação como o «conjunto de práticas socioeducativas, supostamente articuladas em torno de um propósito que lhes confere uma devida unidade e sentido: a melhoria escolar» (p. 31). Na verdade, o fundamento da melhoria escolar é determinante no construto de inovação reconhecido por Sebarroja (2001) como sendo: «uma série de intervenções, decisões e processos, com algum grau de intencionalidade e sistematização, que tentam modificar atitudes, ideias, culturas, conteúdos, modelos e práticas pedagógicas e, por sua vez, introduzir, seguindo uma linha inovadora, novos projetos e programas, materiais curriculares, estratégias de ensino e aprendizagem, modelos didáticos e uma outra forma de organizar e gerir o currículo, a escola e a dinâmica da aula» (p. 16).

Trata-se de uma definição abrangente e multidimensional passível de diversas interpretações e traduções, visto que, como qualquer outra noção educativa, está condicionada pela ideologia, pelas relações de poder no controlo do conhecimento, pelos contextos socioculturais, pelas conjunturas económicas e pelo grau de implicação que têm nelas os diversos agentes educativos. Em determinados cenários, a inovação está associada à renovação pedagógica e também à mudança e à melhoria. Apesar de, nem sempre, a mudança implicar melhoria e toda a melhoria implicar mudança. O primeiro passo da prática inovadora é, pois, a prática teórica sobre inovação. É preciso pensar a inovação: na sua realidade profunda e essencial; nas razões e motivos da sua necessidade; nas suas finalidades; na sua relação com a historicidade intrínseca de tudo o que é humano; nas condições da sua efetivação; nas modalidades diversas que pode revestir; nas áreas ou domínios em que deve incidir; nos agentes que a hão de concretizar; na avaliação permanente a que a devemos submeter (Patrício, 1988).

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A inovação reporta-se à mudança num sentido intencional e refletido, ou seja, não surge por geração espontânea, mas é introduzida com uma clara intenção de melhoria (Nogueira, 2011). Para a autora, esta vontade de alterar uma situação para outra, considerada qualitativamente melhor do ponto de vista educativo, enquadra uma segunda característica dos processos de inovação. Por último, a inovação enquanto processo é regulada e planejada com sistematicidade, no sentido da utilização de determinadas metodologias, estratégias e condições consideradas promotoras de mudança. Deste modo, perspetivam-se a presença de três elementos na inovação: «a consciência e a intencionalidade (princípios e valores), o planejamento e sistematização (fases, estratégias) e a vontade de mudar para melhor (propósitos de melhoria dos processos e resultados)» (p. 15). Apesar da consciência generalizada de que a inovação é uma prioridade, é surpreendente verificar a inércia ou a lenta transformação dos sistemas educativos. Em pleno século XXI vigoram nas nossas escolas práticas pedagógicas tradicionais, completamente desadequadas a um mundo em acelerada transformação. A escola deixou há muito de ser o locus da informação (que alguns chamam de conhecimento, apesar de o conhecimento ser uma construção do aprendiz e não um corpus independente). A informação não é propriedade da escola, nem lá reside e está acessível a todos a partir das nossas casas. O mundo é agora o repositório de toda a informação e a vida, incluindo a interação social, é um projeto de adaptação permanente (Fino, 2008a). A modernização da escola não tem a ver com a inovação. Apetrechar a escola com computadores e outros materiais, organizar ateliers, promover visitas de estudo, não modificam em nada as conceções de ensino e aprendizagem. Trata-se de mudanças que Sebarroja (2001) designa de “epidérmicas”. Na sociedade de informação, a tecnologia tende a confundir-se e abrir caminho no campo da inovação, apresentando-se como panaceia para a resolução dos problemas da escola. Fino (2011b) sustenta que a inovação pedagógica não pode ser questionada em termos quantitativos ou de mera incorporação de tecnologia, disponível ou não na escola, nomeadamente quando a proposta da sua utilização consiste em fazer com ela o que se faria na sua ausência, embora, talvez, de forma menos atrativa. «A inovação pedagógica só se pode colocar em termos de mudança e de transformação» (p. 5) como resposta à cristalização da organização racional do trabalho, introduzida por Taylor (trata-se de um

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sistema instrutivo em que os professores “dão a lição” a toda a turma em simultâneo). Transformação da escola e dos seus desígnios fabris, pelo menos a nível micro, onde se movimentam os aprendizes, acompanhados por professores empenhados em garantir de acordo com Papert (1993), o máximo de aprendizagem com o mínimo de ensino. Ou seja, a inovação pedagógica passa por uma mudança de atitude do professor, agora mais preocupado com a criação e saturação de ambientes de aprendizagem com os designados “nutrientes cognitivos”, a partir dos quais os alunos constroem o seu conhecimento (Papert, 1985). Neste sentido, deverão ser facultadas aos alunos ferramentas diversificadas que lhes permitam uma exploração do ambiente. Todavia, o modelo escolar ainda em vigor assume marcadamente indicadores gerais comuns, que lhe conferem uma certa unidade e/ou consistência, nomeadamente, transmissão de um saber estático e permanente; autoridade e hierarquia; passividade e recetividade do aluno; formalismo e rigidez; intuição; memorização; simplicidade, análise e progressividade da aprendizagem; emulação; uniformidade; seleção/elitismo (Cardoso, 1997). Trata-se de uma escola que durante décadas procurou substituir a interação social, que Lave e Wenger (1991) identificam como fenómeno primário e a aprendizagem como secundário, por um sistema de relacionamento top down, «do professor para todos os alunos ao mesmo tempo, incluindo algum retorno destes, um de cada vez e quando autorizado, e em que a interação horizontal, ou seja, entre pares, era desencorajada e punida» (Fino, 2008a, p. 279). Neste caso, a escola pode constituir-se em campo para a inovação, se existirem movimentações tendentes à substituição de velhas práticas pedagógicas por outras. «O campo da inovação pode ser considerado o espaço intenso da interação social, incluindo os ambientes formais, tal como os informais» (p. 279). Lave e Wenger procuram nos ambientes informais de aprendizagem, as respostas para entender e ultrapassar os dilemas com que se confronta a escola, que falham em fornecer o contexto dos seus praticantes, apesar de desenvolverem as suas práticas no interior da escola, como se essas práticas decorressem em contexto natural. Através dos seus trabalhos sobre participação legítima e periférica, os autores permitem-nos imaginar a forma como as escolas podem olhar para as suas práticas a partir do que se conhece sobre os processos de apropriação cultural em ambientes informais (1991, cit. Fino, 2008a, p. 280).

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No nosso país, têm-se desenvolvido numerosos esforços conducentes à implementação de experiências inovadoras, em concreto no âmbito das reformas curriculares. No entanto, de uma maneira geral, o seu impacto real na educação ficou aquém do que era esperado. Na prática quotidiana das escolas, os projetos de inovação desenrolam-se «com dificuldades, com problemas, com atritos, com silêncios, com lentidão, com avanços e recuos, com modéstia em relação às propostas teóricas, mas são a única garantia de transformação das práticas escolares e educativas» (Benavente, Carvalho, Bento, Leão, Tavares & César, 1993, p. 18). Desta forma, a legitimação política ou a racionalidade científica dos projetos inovadores não constituem garantia de êxito da sua implementação. A inovação tem tanto de aliciante quanto de problemático e complexo (Cardoso, 1997). Uma das principais razões, justificativas destas dificuldades, prende-se com a complexidade do fenómeno da inovação aliado à falta de uma perspetiva teórica alargada e ao pouco conhecimento das variáveis pessoais e organizacionais presentes no processo de inovação.

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Capítulo II – Desenvolvimento, aprendizagem e tecnologia 2.1 - As posições construtivistas: fundamentos e implicações pedagógicas As conceções construtivistas revelam-se de grande importância no quadro atual da intervenção educativa. Enquanto teoria psicológica, o construtivismo13 tem origem no campo das ciências cognitivas, especialmente nos últimos trabalhos de Piaget, nas obras sócio-históricas de Vygotsky e nos trabalhos de Bruner, Ausubel, Gardner e Goodmann, entre outros, que estudaram o papel da representação na aprendizagem. A visão construtivista do psiquismo humano14 é compartilhada atualmente por numerosas teorias do desenvolvimento, da aprendizagem e de outros procedimentos psicológicos do âmbito da psicologia da educação. O recurso aos princípios construtivistas do funcionamento psicológico para compreender os processos de desenvolvimento, da aprendizagem e educacionais, como também para elaborar e fundamentar propostas de inovação e de melhoria na educação, é já uma prática comum (Coll, 2004a). Piaget é reconhecidamente o pioneiro da abordagem construtivista da cognição ao considerá-la como uma função biológica, adaptativa, resultante da sua interação com o meio. O autor defende uma perspetiva construtivista para a educação, decorrente dos seus pressupostos epistemológicos. Mas o construtivismo, perspetivado como um discurso sobre os fundamentos do conhecimento científico (ou como uma teoria do conhecimento), surgiu, no século XIX, ligado à matemática, concretamente ao questionamento sobre a origem dos números – se seriam dados pela natureza ou se seriam artefactos construídos pelo Homem. Mais tarde, é utilizado para caracterizar uma conceção dos “fundamentos das matemáticas”. Geralmente associado ao intuicionismo (lógico-matemático), o construtivismo tornou-se na controvérsia dos fundamentos, às quais se opôs a doutrina positiva do formalismo. Consequência do manifesto dedicado ao construtivismo epistemológico de Glasersfeld 15 e de Watzlawick16 intensificou-se o interesse pelo construtivismo ligado às ciências da

13

O construtivismo ganhou grande projeção a partir “da nova ciência da mente” e da adoção quase generalizada dos enfoques cognitivos, sobretudo a partir da década de setenta Gardner (1983, cit. Coll, 2004a, p. 36). Os trabalhos de Piaget, Vygotsky e dos interacionistas semióticos constituem, portanto, a base do construtivismo. O construtivismo é uma teoria sobre a aprendizagem e não uma descrição do ensino. Não se trata de um “livro de receitas para ensinar” ou de um conjunto de técnicas pedagógicas (Fosnot, 1996). 14 É uma construção evolutiva, que foi sendo enriquecida gradualmente com os contributos de diferentes teorias do desenvolvimento e da aprendizagem. 15 O primeiro artigo publicado de Glasersfeld sobre o construtivismo chama-se “Pour un constructivisme radical”. 16 Watzlawick, P. (1981). L’invention de la realité. Constribuitions aux constructivismes. Paris: Le Seuil.

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educação e à psicossociologia clínica. Ao mesmo tempo, as matemáticas intuicionistas e construtivistas começam a emergir a partir da análise não estandardizada 17. Com Morin foi possível descrever a complexa filiação epistemológica do construtivismo a que se refere a análise não estandardizada e a psicoterapia sistémica, e caracterizar o construtivismo dialético que se exprimia pela epistemologia genética, graças à qual, desde a Grécia antiga, a ciência se esforça por conhecer ou reconhecer os sentidos das relações entre o homem e o mundo (Le Moigne, 1994). A partir de 1970, o construtivismo ideológico tornou-se um paradigma científico tão respeitável quanto o paradigma “positivista e reducionista” e cujos limites, excessos, “discordâncias” e fundamentos foram retomados por Jean Piaget, que, influenciado pelo pensamento de Kant, apresenta uma outra perspetiva para o conhecimento, divergente de outras teorias cognitivas em que o conhecimento possui uma função adaptativa e não se trata de uma realidade afastada de nós (Le Moigne, 1994). O construtivismo, para Piaget, pressupõe um interacionismo que não se limita à ação de um organismo que lida com objetos, tal como eles são. Trata-se de um sujeito cognitivo que lida com estruturas percetuais e concetuais previamente construídas, pessoais e subjetivas. Enquanto teoria psicológica, o construtivismo remete portanto para a conceção de Piaget, em que o conhecimento simplesmente não pode ser “transmitido” ou “transferido pronto” para outra pessoa. Mesmo quando parece que estamos transmitindo com sucesso informações, se pudéssemos espreitar os processos cerebrais em funcionamento, observaríamos que o nosso interlocutor estaria “reconstruindo” uma versão pessoal das informações que pensamos estar “transferindo” (Papert, 2008). Esta visão construtivista foi amplamente contestada pelo paradigma positivista e reducionista. Ainda hoje o é porque contraria a visão geralmente aceite, na medida em que requer mudanças drásticas de conceitos fundamentais, assumidos como imutáveis durante séculos, tais como o conceito da “Realidade”, de “Verdade”, a noção de “Conhecimento” e a forma como o adquirimos. Para os filósofos da tradição ocidental, considerar a cognição como uma função biológica e não como o resultado da «razão impessoal, universal, histórica», só poderá produzir uma “falácia genética” e criar uma rutura com a tradicional visão de um conhecimento atemporal e imutável que nunca pode ser justificado pela 17

Barreau, H. & J. Harthong, J. (1989). La mathématique non standard: histoire, philosophie, dossier scientifique. Paris: Éditions du CNRS, Paris, 1989.

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história da sua criação, ao deslocar o foco do mundo ontológico, “como podia ser” para o mundo que “o organismo experiencia” (Glasersfeld, 1995, p. 101-103). Fosnot (1996) aponta o construtivismo como uma teoria sobre o conhecimento e a aprendizagem, que se debruça sobre o que é o “conhecer”, assim como do modo como “se chega a conhecer”. Esta teoria descreve o conhecimento como «temporário, passível de desenvolvimento,

não

objetivo,

estruturado

internamente

e

mediado

social

e

culturalmente» (p. 9). Quanto à aprendizagem, trata-se de um processo dialético influenciado pelo organismo e contexto sociocultural, facilitador e regulador do conflito gerado entre os conhecimentos pessoais já sedimentados e os novos conhecimentos discordantes. As representações e modelos da realidade, emergentes deste processo interativo, assumem-se como uma construção significativa, na qual são utilizados os símbolos e as ferramentas culturalmente desenvolvidas através da atividade social cooperativa do discurso e do debate. Relativamente à educação, o construtivismo apresenta uma abordagem oposta à visão tradicional. Rejeita a noção de que o significado pode ser transferido para os alunos, através de símbolos ou transmissão, que «os alunos podem incorporar cópias exatas da compreensão dos professores para seu próprio uso, que os conceitos globais podem ser discriminados em subaptidões e que os conceitos podem ser ensinados fora do contexto». Pelo contrário, uma abordagem construtivista da aprendizagem dá aos alunos a oportunidade de uma experiência concreta e contextualmente significativa, através da qual poderão questionar e construir os seus próprios modelos, conceitos e estratégias. A sala de aula é neste modelo, uma mini sociedade, uma comunidade de alunos empenhados na atividade, no debate e na reflexão. A hierarquia tradicional do professor como detentor do conhecimento e do aluno como sujeito inculto que estuda para aprender aquilo que o professor sabe, começa a desvanecer-se à medida que os professores assumem o papel de facilitadores e os alunos um maior domínio sobre as suas ideias. A autonomia, a reciprocidade mútua das relações sociais e as responsabilidades ganham relevância nesta perspetiva (Fosnot, 1996, p. 9-10). Mas o construtivismo não é apenas uma teoria de aprendizagem, é também uma conjetura que implica um trabalho teórico nos diversos domínios, como a educação, a epistemologia18, a cognição e a ontologia19, que se ajustam e interagem criando uma visão 18

Epistemologia, o ramo da filosofia que estuda o conhecimento e a sua produção.

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significativa do mundo. Na opinião de Kincheloe (2006), o construtivismo reconhece que nada representa uma perspetiva neutra. Nada existe antes de ser moldado pela consciência em algo percetível (p. 15). A realidade é uma construção elaborada pela mente do indivíduo e o conhecimento é interpretado pelos sujeitos inseridos nesse mundo. Nesse sentido, o autor evoca a epistemologia construtiva para explicar o funcionamento do mundo pedagógico. «Rejeitando a noção cartesiana racionalista de que existe um mundo conhecível, monolítico, “lá fora”, explicado pela ciência ocidental, uma epistemologia construtivista (aqui também me refiro a uma epistemologia da complexidade) vê o cosmos como uma construção humana – uma construção social.» «(…) O que surge como realidade objetiva é meramente o que a nossa mente constrói, o que estamos acostumados a ver.» «(…) as estruturas e fenómenos que observamos no mundo físico não são mais do que criações da nossa mente mediadora e categorizadora» (2006, p. 15-16). No âmbito da teoria construtivista, diferentes indivíduos, com backgrounds diversos, verão o mundo de formas distintas. Mas, esta nova abordagem que outorga aos alunos o protagonismo na aquisição de novos conhecimentos é definida por Fosnot (1989) segundo quatro princípios: 1. O conhecimento é feito de representações passadas - os construtivistas afirmam que não podemos conhecer o mundo de uma forma “verdadeira” e objetiva, independente de nós próprios e das nossas experiências. Podemos apenas conhecê-lo através do nosso quadro lógico que transforma, organiza e interpreta as nossas perceções. Esta lógica é resultante de uma idealização, de uma representação e desenvolve-se à medida que nos inter-relacionamos com o ambiente circundante e tentamos atribuir sentido e significado às nossas experiências. Na sua essência, o desenvolvimento cognitivo passa pelos mesmos processos que o desenvolvimento biológico: auto-organização e adaptação; 2. As representações tomam forma através da assimilação e adaptação - Piaget (1977a) divide a auto-organização em dois processos distintos: a assimilação e adaptação. A assimilação refere-se ao quadro ou esquema lógico que utilizamos para interpretar e organizar a informação. Quando este esquema é contraditório ou insuficiente, adaptamo-lo, ou seja, desenvolvemos uma teoria ou uma lógica a um

19

Ontologia, o ramo da filosofia que estuda a natureza do ser; que questiona o que significa estar no mundo.

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nível superior que possa abarcar toda a informação. Adaptamos e alteramos os conceitos anteriores; 3. Aprender é um processo orgânico de invenção, e não um processo mecânico de acumulação – no modelo construtivista a aprendizagem não é uma acumulação de factos, de associações. Pelo contrário, ocorre uma reorganização ativa por parte do aluno, de forma a produzir níveis de entendimento qualitativamente superiores cujo desenvolvimento resulta de uma construção reflexiva e pessoal, onde a contradição e o conflito se destacam. O professor não pode garantir que o aluno adquira o conhecimento só porque ele o transmite. É necessário um modelo de ensino-aprendizagem ativo, centrado no aluno. O aluno deve construir o conhecimento e o professor deverá ser o intermediário; 4. A verdadeira aprendizagem ocorre através da reflexão e da resolução do conflito cognitivo, negando, assim os anteriores níveis de entendimento que estavam incompletos - o conflito e a contradição resultam de um feedback, são uma representação construída pelo aluno. Também aqui o professor só poderá assumirse como mediador (p. 48). Enquanto teoria do conhecimento que abandona a epistemologia tradicional, o construtivismo representa mudanças profundas em determinados aspetos considerados relevantes. No construtivismo, o indivíduo é pois o agente do seu próprio conhecimento, o que, no contexto educativo, desloca a preocupação com o processo de ensino (visão tradicional) para o processo de aprendizagem. É o estudante que constrói as representações, por meio da sua interação com a realidade, as quais irão integrar o seu conhecimento. Este é, portanto, um processo insubstituível e incompatível com a ideia de que o conhecimento possa ser adquirido ou transmitido. Todos os pressupostos inerentes à conceção construtivista não se encerram com as perspetivas de Piaget e Vygotsky. Destacamos ainda as perspetivas de Bruner e Ausubel pela importância e reconhecimento dos seus contributos para o desenvolvimento da teoria construtivista da aprendizagem. Apresentamos de seguida uma reflexão às teorias destes autores realçando, em cada uma delas, os elementos mais importantes para o estudo e compreensão acerca da forma como se processa a aprendizagem.

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2.2 - Piaget e o desenvolvimento formal da mente Jean Piaget (1896-1980)20 foi o primeiro construtivista a propor uma teoria complexa e rigorosa explicativa do desenvolvimento psíquico, resultante da interação entre as disposições internas e as peculiaridades do contexto21. Apesar de reconhecer a importância dialética da relação entre estes dois componentes, o autor concede maior relevância à participação das condições internas, às estruturas cognitivas que se constroem progressivamente como mediadoras e reguladoras das influências e das pressões do meio natural e social exterior. Por isso, Piaget é, para Pérez Gómez (2001), o construtivista mais próximo às posições inatistas. Os estudos de Piaget acerca da construção do mundo pela criança são um marco de referência obrigatório, com grandes implicações na prática pedagógica da atualidade. Para o autor, o sujeito constrói o seu conhecimento e tudo o que aprende depende do que já sabe. Esta perspetiva contrasta com a ideia de que o aluno era uma tábula rasa que podia ser ampliada por instrução direta. Segundo a perspetiva construtivista, o sujeito herda algumas formas de funcionamento e alguns conhecimentos instintivos – adaptações cognitivas hereditárias, exíguas, mas que lhe permitem a elaboração das suas primeiras condutas de modo a suprir as necessidades do meio22. Ao utilizar tais conhecimentos inatos ou reflexos aos objetos e às situações com que se defronta, aprende as possibilidades e as resistências que estes oferecem, bem como as qualidades ou propriedades dos componentes do cenário em que se desenvolve, elaborando os primeiros esquemas ou teorias sobre a realidade e sobre as estratégias mais adequadas de intervenção (Pérez Gómez, 2001). Os conhecimentos não estão portanto na realidade exterior, mas são construídos duma forma inata ou pelo indivíduo (conhecimentos adquiridos individualmente). Ao atuar sobre a realidade, cada sujeito incorpora, assimila e modifica as peculiaridades e as 20

Jean Piaget nasceu na Suíça, em Neuchátel, no dia 9 de agosto de 1896. A zoologia foi a primeira paixão de Piaget, que com 15 anos assinava algumas notas no suplemento ao Catalogue des Mollusques Neuchâtelois. Interessou-se, depois, pela filosofia mas não abandona os seus interesses na área da zoologia, acabando por reorganizar as suas preocupações intelectuais, que eram de natureza epistemológica. Este interesse acabaria por determinar a escolha definitiva das suas preocupações de epistemólogo: a psicologia genética. Piaget define-se a si próprio como «um psicólogo e um epistemólogo do pensamento no seu desenvolvimento» (Piaget, 1977b, p. 3). 21 Piaget partiu duma premissa biológica e criou a epistemologia da interação indivíduo/meio, alicerçando a psicologia na adaptação do homem ao meio. Baseou-se em estudos anteriores sobre a observação de moluscos que, para se adaptarem ao meio em que se encontravam transformaram-se, fixando-se ao suporte, após modificação da sua concha. 22 Os conhecimentos instintivos são esquemas reflexos, ações que se ativam automaticamente diante de determinados estímulos - como o reflexo da sucção. Aos poucos, sobre esta base inata e reflexa, surgem outros esquemas de ação restritos, que a partir de certo momento passam a ser esquemas representativos.

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propriedades dessa realidade a partir de um esquema de interpretação que constrói resultante da sua experiência. Estes esquemas internos de interpretação são os responsáveis pelas procuras seguintes, das perceções ou explicações dos encontros que se seguem com o meio. O autor admite que só é válido o conhecimento construído no processo dialético de assimilação e acomodação23, e não o que é incorporado por mera imitação ou assunção irrefletida. É por isso que na explicação piagetiana do desenvolvimento do conhecimento é destacado o conflito cognitivo como espaço excecional de confronto epistemológico entre os esquemas de interpretação já consolidados, que não aceitam modificar-se quando em presença de modelos contrários ou resistências, que surgem na realidade e a presença determinante das estruturas e formas de funcionamento da realidade que não cabem nos esquemas temporários construídos nas experiências anteriores por cada indivíduo (Pérez Gómez, 2001). Isto significa que o conhecimento é o resultado das interações entre o sujeito e o meio e deriva da atividade do sujeito, que extrai dos elementos do meio ou objetos e as suas propriedades. A epistemologia genética surge, deste modo, como «a história da instalação progressiva e sucessiva das estruturas da atividade e da sua construção na interação entre o sujeito e o objeto através desta interação» (Dolle, 1999, p. 71). Deste modo, conhecer consiste em absorver do objeto as suas qualidades próprias, assimiláveis pela atividade preceptiva, mas também aquilo que o indivíduo nele introduz ao modificálo24. Na perspetiva de Piaget (1976) «conhecer um objeto é agir sobre ele e transformá-lo, aprendendo

os

mecanismos

dessa

transformação

vinculados

com

as

ações

transformadoras» (p. 37). Conhecer é, portanto, assimilar o real às estruturas de transformações, que são as estruturas elaboradas pela inteligência enquanto prolongamento direto da ação. A inteligência deriva da ação e consiste na execução e coordenação das ações duma forma interiorizada e reflexiva. 23

Consiste numa modificação de uma estrutura psicológica por influência da interação entre o sujeito e o estímulo ambiental. Tal como qualquer organismo vivo, ao submeter-se às exigências exteriores, tenta adequar-se ao meio. Os esquemas mentais existentes também se acomodam, isto é, modificam-se em função das experiências e relações com o meio. Tal como reconhece Piaget, as estruturas prévias podem permanecer invariáveis ou serem mais ou menos modificadas em consequência da assimilação, mas sempre sem descontinuidade com o estado precedente, ou seja, sem serem destruídas. Estas estruturas prévias tentam acomodar-se às novas situações (Valadares & Moreira, 2009). 24 Através deste processo de adaptação, que consiste para o sujeito na sua automodificação por autotransformação, o homem, ao longo da sua história, obteve os meios de adquirir conhecimentos, de construir meios novos para produzir novos conhecimentos e assim sucessivamente (Dolle, 1999).

66

O exercício do conhecimento baseia-se portanto numa assimilação ou apreensão do objeto pelas estruturas da atividade do sujeito, e, por cada resistência do objeto, verifica-se uma acomodação, isto é, uma modificação das suas estruturas, de forma a conseguir percebê-lo. Neste tipo de interacionismo adaptativo, tanto é considerado o que vem do objeto como o que vem do sujeito, que se transforma para melhor assimilar. No entanto, conhecer não é só transformar o real, mas é também formular leis a partir dessas transformações. Tal como reconhece Piaget (1974), «a organização de que a atividade assimiladora é testemunho é, essencialmente, construção, e, assim é de facto invenção, desde o princípio» (p. 389). Para o autor, a vida é uma adaptação às condições do meio que se alteram numa dialética que se estabelece entre o organismo e o meio. Neste sentido, também a inteligência é uma adaptação, definindo as relações que lhe são intrínsecas. «(…) a vida é uma criação contínua de formas cada vez mais complexas e o estabelecimento de um equilíbrio progressivo entre essas formas e o meio. Afirmar que a inteligência é um caso particular da adaptação biológica equivale, portanto, a supor que ela é, essencialmente uma organização e que a sua função consiste em estruturar o universo tal como o organismo estrutura o meio imediato» (Piaget, 1974, p. 15).

O organismo adapta-se e constrói novas formas para inseri-las nas do universo, ao passo que a inteligência prolonga tal criação construindo, mentalmente, as estruturas suscetíveis de se aplicarem às do meio. «(…) a inteligência é uma assimilação do dado às estruturas de transformações, das estruturas das ações elementares às estruturas operatórias superiores, e que essas estruturas consistem em organizar o real em ato ou em pensamento – e não apenas em, simplesmente copiá-las» (Piaget, 1976, p. 37-38).

No entanto, a adaptação no domínio cognitivo/conceptual não é a mesma coisa que a adaptação fisiológica dos organismos biológicos, pois não se trata apenas de uma questão de sobrevivência ou extinção mas de um equilíbrio conceptual. Segundo Piaget (1974), certos biólogos definem simplesmente a adaptação pela conservação e a sobrevivência, ou seja, o equilíbrio entre o organismo e o meio. Mas esta perspetiva confunde-se com a da própria vida. Na verdade, «existem graus na sobrevivência e a adaptação implica o mais e o menos. Portanto, deve distinguir-se a adaptação - estado da adaptação - processo» (p. 16). Existe adaptação quando o organismo se transforma em função do meio, e essa variação resulta no intercâmbio entre o meio e o organismo, o que é favorável à sua conservação.

67

As relações entre o sujeito e o seu meio consistem numa interação radical, de tal modo que a consciência não começa pelo conhecimento dos objetos nem pela atividade do sujeito, mas por um estado indiferenciado do qual derivam dois movimentos complementares: de incorporação das coisas ao sujeito e de acomodação às próprias coisas. O conhecimento constrói-se portanto a partir da interação do sujeito com o meio, a partir de estruturas, em que o funcionamento é hereditário e o conteúdo é emergente dessa interação. Por isso, este processo depende das estruturas cognitivas do sujeito e da sua relação com o objeto. «(…) pode-se dizer que o papel do sujeito se afirma, essencialmente na elaboração das formas, enquanto à experiência compete dotá-las de um conteúdo» (Piaget, 1974, p. 387). Esta «tendência para assimilar, deformar, se preciso, e forçar a estrutura e funcionamento da realidade exterior para que encaixe em seus próprios esquemas de interpretação anteriormente construídos» é, para Piaget, o primeiro movimento do sujeito, cujo conhecimento não é uma cópia da realidade mas decorre da imposição irredutível dos esquemas internos previamente construídos, e que funcionaram com sucesso na atividade adaptativa do indivíduo. Segue-se uma tendência para a acomodação, isto é, a necessidade de alterar os próprios esquemas de interpretação quando a realidade, de forma insistente, recusa a qualidade ou utilidade de tal conhecimento. Estes movimentos constituem o carácter construtivo dos modos de pensar, sentir e atuar dos sujeitos. «Os indivíduos constroem tanto seus conhecimentos e ideias sobre o mundo natural como seus próprios instrumentos e recursos do conhecimento» (Pérez Gómez, 2001, p. 210). Ao definir acomodação como o resultado das pressões exercidas pelo meio, Piaget (1974) assume que a adaptação é um equilíbrio entre a assimilação e a acomodação e que tal definição aplica-se também à própria inteligência. Com efeito, o estudo do aparecimento da inteligência no decurso do primeiro ano, desenvolvido pelo autor, pôs em evidência «que o funcionamento intelectual não procede nem por tateamento, nem por uma estruturação puramente endógena, mas por uma atividade estruturante que implica ao mesmo tempo em formas elaboradas pelo sujeito e num ajustamento contínuo dessas formas aos dados da experiência» (Piaget, 1976, p. 161). Por essa razão, o autor reconhece que «a inteligência é a adaptação por excelência, o equilíbrio entre a assimilação contínua das coisas à atividade própria e à acomodação desses esquemas assimiladores aos objetos em si mesmos» (p. 161). Por isso, não há dúvida que a vida mental também é acomodação

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ao meio ambiente. A assimilação nunca pode ser pura, na medida em que, ao incorporar os novos elementos nos esquemas anteriores, a inteligência modifica continuamente os últimos para ajustá-los aos novos dados. «(…) a adaptação intelectual, como qualquer outra, é um estabelecimento de equilíbrio progressivo entre um mecanismo assimilador e uma acomodação complementar. O espírito só pode encontrar-se adaptado a uma realidade se houver uma acomodação perfeita, isto é, se nada mais vier, nessa realidade, modificar os esquemas do sujeito. Mas, inversamente, não há adaptação se a nova realidade tiver imposto atitudes motoras ou mentais contrárias às que tinham sido adotadas no contacto com outros dados anteriores: só há adaptação se houver coerência, logo assimilação» (Piaget, 1974, p. 18).

Piaget situa o problema epistemológico, o problema do conhecimento, ao nível de uma interação entre o sujeito e o objeto. Esta dialética resolve todos os conflitos emergentes das teorias associacionistas, empiristas, genéticas sem estrutura, estruturalistas sem génese, etc. – e permite seguir as fases sucessivas da construção progressiva do conhecimento (Dolle, 1999). A

assimilação

e

a

acomodação

(dois

mecanismos

indissociáveis)

são

reconhecidamente as invariantes funcionais que acompanham todo o ato de inteligência e não se encontram pré definidas dentro do sujeito, mas constroem-se em conformidade com as necessidades e situações (Piaget, 1974, p. 387). Mediante esta constatação, Piaget vai interessar-se pelo estudo das estruturas iniciais dos recém-nascidos, as estruturações sucessivas, que obedecendo a um conjunto de etapas caraterísticas, preveem mudanças dinâmicas em determinados períodos, em conformidade com os vários estágios de desenvolvimento da inteligência (Piaget, 1973). Esta abordagem psicogenética reconhece o desenvolvimento cognitivo humano como uma sucessão de estágios, etapas que ocorrem numa sequência invariante e que se debruçam sobre as condições necessárias para que cada criança adquira os seus conhecimentos. Piaget (1973) distingue três grandes períodos no caso da inteligência operatória: A. Um período sensório-motor

25

(do nascimento até 1 ½ a 2 anos), durante o qual

se organizam os esquemas sensório-motores, até atos de inteligência prática por compreensão imediata e subestruturas práticas das futuras noções; 25

O período da inteligência sensório-motora estende-se desde o nascimento até ao aparecimento da linguagem, ou seja, aproximadamente os dois primeiros anos. Piaget subdivide-o em seis estádios: 1) Exercícios reflexos; 2) Primeiros hábitos; 3) Coordenação da visão e da apreensão e início das reações circulares “secundárias”; 4) Coordenação dos

69

B. Um período que começa com o aparecimento da função semiótica26 (linguagem, símbolos de jogo, imagens) e que se prolonga até aos 7 ou 8 anos, designado de período da representação pré-operatória, passando aos 7 ou 8 anos, à constituição

das

operações

concretas,

com

referências

aos

objetos

(classificações, seriações, correspondências, número, etc.). C. Um período que começa depois dos 12 anos, caracterizado pelas operações proposicionais ou formais27 (implicações, etc.), com sua combinatória e suas transformações segundo um grupo de quaternalidade, que reúne num único sistema as duas formas elementares de reversibilidade-inversão ou negação e reciprocidade (p. 28). Para o autor, este sistema de estágios (que se pode diferenciar ainda mais em subestágios, etc.) constitui um processo sequencial. Não é possível chegar às operações concretas sem passar por uma preparação sensório-motora (daí, põe exemplo, o atraso dos cegos cujos esquemas são mal acomodados) e não é possível alcançar as operações proposicionais sem o apoio nas operações concretas prévias, etc. Trata-se de um sistema epigenético, cujas etapas podem ser caracterizadas por estruturas suficientemente precisas: coordenação dos esquemas sensório-motores, que atingem certos invariantes e uma reversibilidade aproximada (mas em ações sucessivas); “agrupamentos” de operações concretas, isto é, estruturas elementares comuns às classificações, seriações, etc.; e combinatória com um grupo de quaternalidade no terceiro nível (Piaget, 1973, p. 28-29). A teoria dos estágios, ao descrever as etapas de desenvolvimento correspondentes às capacidades e à maneira de atuar mais representativas das crianças de idades diferentes, permite situar o aluno de acordo com o seu estágio de desenvolvimento e nível de esquemas secundários; 5) Diferenciação dos esquemas de ação por reação circular “terciária” e descoberta de meios novos; 6) Início da interiorização dos esquemas e solução de alguns problemas com paragem de ação e compreensão brusca. 26 O período de preparação e de organização das operações concretas de classes, relações e número – que abrange os objetos manipuláveis, em oposição às operações que abrangem as hipóteses ou os enunciados simplesmente verbais. Este período que vai dos 2 anos até aos 11-12 anos divide-se em subperíodo das representações pré-operatórias (que subdivide-se em três estádios: dos 2 aos 3 e meio ou aos 4 anos - aparecimento da função simbólica e início da interiorização dos esquemas de ação em representações; dos 4 aos 5 anos e meio – organizações representativas baseadas quer em configurações estáticas, quer numa assimilação à própria ação; e dos 5 e meio aos 7-8 anos – regulações representativas articuladas) e em subperíodo das operações concretas (subdivide-se em dois estádios: operações simples e o da consecução de certos sistemas de conjunto, no domínio do espaço e do tempo). 27 O período das operações formais que pode subdividir-se em dois estádios: dos 11 ou 12 anos (primeiro estádio) e 13 ou 14 anos (segundo estádio). Neste período decorre um grande número de transformações. Estes três grandes períodos, com os seus estádios particulares, constituem processos sucessivos de equilibração, degraus a tenderem para o equilíbrio. Quando este é alcançado num ponto, a estrutura é integrada num novo sistema em formação até um novo equilíbrio, cada vez mais estável e amplo (Piaget, 1977b, p. 64-70).

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competência, e ainda aferir o que é capaz ou incapaz de fazer e de aprender. Com esta definição dos estágios de desenvolvimento, Piaget «não quer estabelecer um instrumento de diagnóstico a nível cognitivo das pessoas de acordo com a idade. O que lhe interessa é identificar as mudanças cognitivas mais gerais que acontecem em todas as pessoas» (Sala & Goñi, 2000, p. 253). Do ponto de vista epistemológico, Piaget manteve sempre uma posição construtivista e interacionista. Nos últimos anos da sua vida centrou a sua pesquisa no mecanismo da aprendizagem, no processo que permite o aparecimento de novas construções, aprofundando e reformulando o seu modelo, o qual propõe a equilibração como mecanismo explicativo da aprendizagem. Com o autor foi possível explicar o desenvolvimento e a formação de conhecimentos, a partir da utilização de um processo central de equilibração. Trata-se de um processo que leva de certos estados de equilíbrio aproximado para outros qualitativamente diferentes, passando por muitos desequilíbrios e reequilibrações. Piaget (1977a) identifica três modelos de equilibração28. O primeiro reporta-se à assimilação entre os esquemas de ação e a acomodação destes aos objetos, o que permitirá alcançar o equilíbrio entre o sujeito e o objeto; o segundo decorre das interações entre duas ideias lógicas inicialmente independentes; o terceiro assinala o equilíbrio progressivo da diferenciação e da integração, e, portanto, das relações que unem subsistemas a uma totalidade que os engloba. Estas três espécies de equilibrações têm em comum a particularidade de se reportarem todas ao equilíbrio entre a assimilação e a acomodação e de incidirem diretamente nos caracteres pertencentes aos esquemas, subsistemas ou totalidades em jogo. Nesta procura de equilíbrio, a partir de desequilíbrios e reequilíbrios consecutivos provocados pela aquisição de novos conhecimentos, o erro é perspetivado como «um indicador de uma atividade organizadora e assimiladora, certamente insuficiente, porém essencial para progredir (…). Os erros não são nada mais do que o resultado visível de um processo dinâmico que dirige todo o desenvolvimento» (Sala & Goñi, 2000, p. 255).

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A equilibração envolve a assimilação, tendência para interpretar novas situações em função das estruturas cognitivas existentes, como também a acomodação, propensão para adaptar as estruturas cognitivas para que estas produzam conhecimentos de acordo com o mundo exterior (Flavell, 1985).

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Deste modo, constroem os sujeitos, o seu conhecimento, com implicações óbvias nas aprendizagens escolares. Ao enfatizar a natureza construtiva e ativa do conhecimento, Piaget transfere para o sujeito o protagonismo central na aquisição de novos conhecimentos, que seleciona as informações que lhe chega do mundo exterior, filtrandoas e dando-lhes sentido. A aprendizagem é pois um processo interativo, que se desenvolve entre o aluno e o meio envolvente. Esta interação constante entre o sujeito e a realidaderealizada por meio da assimilação e da acomodação permite ao mesmo tempo a construção de novos esquemas e da própria realidade. Estabelece-se portanto uma continuidade entre desenvolvimento e aprendizagem sob a ótica do sujeito que, em interação com um objeto do conhecimento, desenvolve «um processo de reinvenção ou redescoberta devido à sua atividade estruturadora» (Castorina 1996, p. 22). Desta forma, o indivíduo apercebe-se do mundo em função das operações cognitivas que foi desenvolvendo e assimila novas informações a partir do contato com o mundo. Mas, se as operações cognitivas não forem suficientes para que uma dada situação seja compreendida com êxito, dá-se um conflito cognitivo (Fosnot, 1989; Pérez Gómez, 2001; Canavarro, 1999), que desencadeia uma reflexão conducente à construção de novas estruturas cognitivas permitindo a ultrapassagem da dificuldade surgida. Este processo, designado por acomodação, permite a resolução do conflito e a restauração de um novo estado de equilíbrio. Ou seja, as tarefas deverão provocar um desequilíbrio cognitivo moderado que permita ao aluno vivenciar um processo de assimilação e de acomodação que potencie o desenvolvimento dos esquemas mentais, rumo a uma nova equilibração. A teoria piagetiana pressupõe portanto a realização pelos alunos de tarefas que conduzam à descoberta de situações novas, através da participação ativa dos sujeitos na construção do seu conhecimento. Estas tarefas incluem-se em processos alargados de instrução direcionados para a consciencialização, por parte do aluno, dos limites das suas abordagens em relação aos problemas formulados, promovendo-se conflitos cognitivos a resolver pela consecução de novos equilíbrios. Nesta perspetiva epistemológica, a aprendizagem não é conceptualizada como resposta a estímulos, mas exige autorregulação e construção de estruturas concetuais através da reflexão e de abstração e os problemas não são encarados como resolúveis através do armazenamento dum conjunto de respostas corretas. A resolução de um

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problema dependerá do mesmo ser encarado como um problema do próprio sujeito, perspetivado como um obstáculo ao seu progresso, à possibilidade de atingir o seu objetivo (Canavarro, 1999). A aprendizagem assim considerada é um processo ativo de construir e baseia-se na interação entre o aluno e o meio envolvente, mas constitui um processo individual, cujo sucesso depende do nível de desenvolvimento em que o aluno se encontra e que Piaget designa por estágios. É o aluno que assume o papel principal passando de um processador de conhecimento, papel que lhe outorgava o Cognitivismo, para um construtor do seu próprio conhecimento. Torna-se, deste modo, o principal responsável pela aquisição de novos conhecimentos. Por outras palavras, passa a ser o centro de um processo, em que os demais elementos, como o professor, os conteúdos, os media e o ambiente, deverão ser equacionados de modo a serem criadas condições para que o aluno construa o seu conhecimento. Neste sentido, e em oposição à escola tradicional, em que o professor imponha o seu conhecimento com autoritarismo, emerge agora a necessidade da assunção de novos papéis para o professor, que se torna um mediador, facilitador e organizador das condições externas da aprendizagem.

2.3 – A abordagem histórico-cultural de Vygotsky Vygotsky29 centrou os seus estudos na dialética entre o indivíduo e a sociedade, perspetiva igualmente presente em Piaget. Foi o primeiro autor a considerar a construção do conhecimento como um processo eminentemente social, complexo, mediado pelo contexto sociocultural e histórico da criança, inserindo-se numa corrente construtivista designada por construtivismo social. Tornou-se o precursor da teoria sociocultural, corrente de pensamento com origem na escola de psicologia soviética, aprofundada depois, ao longo de várias décadas, pelos estudos de Vygotsky e dos seus colegas russos Luria

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Lev Vygotsky nasceu na Bielo-Rússia, em 1896. Foi o primeiro psicólogo moderno a sugerir os mecanismos pelos quais a cultura se torna parte da natureza de cada pessoa ao sugerir que as funções psicológicas são um produto da atividade cerebral. Vygotsky enfatizava o processo histórico-social e o papel da linguagem no desenvolvimento do indivíduo. A questão central é a aquisição de conhecimentos pela interação do sujeito com o meio. Este sujeito é interativo, pois adquire conhecimentos a partir de relações intra e interpessoais e de troca com o meio, a partir de um processo denominado de mediação. As principais obras de Vygotsky, traduzidas para português são “A formação social da mente”, “Psicologia e pedagogia” e “Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem”, “A construção do Pensamento e Linguagem” e “Teoria e Método em Psicologia”. Vygotsky morreu em 1934 e a sua obra só se tornou conhecida no ocidente a partir dos anos 60 por razões políticas (Vygotsky, 1996).

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(1978) e Leont’ev (1978) e por ocidentais como Cole (1985), Moll (1990), Tharp e Gallimore (1988), Wertsch (1985, 1991, 1993) entre outros (cit. Fino, 2001c, p. 277). Tanto Vygotsky como Piaget partilham uma visão construtivista da aprendizagem, desencadeada através da interação entre o sujeito, o objeto e outros sujeitos como colegas ou professores. Ambas as teorias enfatizam a interação entre o meio externo (social) e a criança. No entanto, enquanto Piaget valorizou o aspeto psicossocial, Vygotsky realçou a importância do contexto sociocultural no significado atribuído às atividades do indivíduo. O ambiente e os indivíduos interagem e encontram-se vinculados por uma relação dialética que os torna independentes, admitindo que os processos sociais mais elevados têm origem na cultura e na atividade social. Grande estudioso da obra de Vygotsky, Wertsch (1996), ao analisar a perspetiva teórica do autor, conclui que esta pode ser caracterizada por três temas gerais presentes em toda a sua obra: a) a confiança na análise genética (evolutiva); b) a afirmação de que as funções mentais superiores do indivíduo têm origem na vida social; c) a reivindicação de que os instrumentos e sinais usados na mediação dos processos humanos, sociais e psicológicos são a chave para a sua compreensão (p. 108-109). O conceito central na teoria de Vygotsky é a mediação, considerada por Daniels (2003), Cole e Wertsch (1996, cit. Fino, 2001c) como necessária e fundamental para a compreensão do desenvolvimento humano como processo social, histórico e cultural. Este conceito representa as “possibilidades de relações entre o sujeito e o objeto”, mediada pelo uso de artefactos, construídos social e culturalmente, e que vão influenciar a mente do utilizador e o contexto envolvente. A inclusão de uma ferramenta (detentora de uma carga cultural anterior) que permitiu a sua conceção e construção introduz novas funções relacionadas com a utilização da referida ferramenta e com o seu controlo. Além disso, anula alguns processos naturais, considerados posteriormente desnecessários pela utilização da ferramenta, porquanto altera os traços individuais (intensidade, duração e sequência, etc.) e todos os processos mentais que integram o ato instrumental, substituindo algumas funções por outras. «Assim, a utilização de artefactos deve ser reconhecida como transformadora do funcionamento da mente e não apenas como um meio de facilitar processos mentais existentes» (p. 276). Para explicar a forma como, em cada indivíduo, as relações sociais se convertem em funções psicológicas, Vygotsky invocou o conceito central de mediação. A relação do

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homem com o mundo é uma relação mediada e o desenvolvimento tem por base essa relação mediada por sistemas simbólicos, sendo o sujeito ao mesmo tempo ativo e interativo e o seu conhecimento construído com base em instrumentos e sinais intrínsecos ao meio cultural (Valadares & Moreira, 2009). Em termos evolutivos o processo de mediação é fundamental, na medida em que a parceria estabelecida permitirá que o indivíduo aceda a um novo estádio de desenvolvimento com mais facilidade do que se o tivesse de fazer isoladamente. O indivíduo não é um ser isolado, mas profundamente social e só no social se desenvolve mais facilmente. «Vygotsky considerava que os fenómenos intrapsicológicos começavam por ser, previamente, interpsicológicos, abrindo caminho a uma consideração do indivíduo psicológico, não como ser isolado, mas profundamente enraizado socialmente. Nessa perspetiva, a autorregulação é precedida por uma regulação exterior» (Fino, 1999, p. 4). Vygotsky propõe que o desenvolvimento psicológico seja estudado dentro do contexto cultural em que o indivíduo nasce e cresce, uma vez que o mesmo se processa pela utilização das ferramentas disponíveis num determinado espaço temporal. Esta perspetiva enquadra uma explicação não determinista em que os mediadores são os meios pelos quais o indivíduo age sobre os fatores sociais, culturais e históricos e simultaneamente sofre a ação deles, admitindo-se que estes são potencialmente formadores no nível psicológico, em que o modelo interativo é influenciado por fatores individuais e supra individuais. «Podem-se distinguir, dentro de um processo geral de desenvolvimento, duas linhas qualitativamente diferentes do desenvolvimento, diferindo quanto à sua origem: de um lado os processos elementares, que são de origem biológica; de outro, as funções psicológicas superiores, de origem sociocultural. A história do comportamento da criança nasce do entrelaçamento dessas duas linhas. A história do desenvolvimento das funções psicológicas superiores seria impossível sem um estudo da sua préhistória, de suas raízes biológicas e de seu arranjo orgânico. As raízes do desenvolvimento de duas formas fundamentais, culturais, de comportamento, surgem durante a infância: o uso de instrumentos e a fala humana. Isso, por si só, coloca a infância no centro da pré-história do desenvolvimento cultural» (Vygotsky, 1988, p. 52).

Este processo interativo expressa-se, para Vygotsky, sob a forma de uma lei geral do desenvolvimento cultural, segundo a qual todas as funções cognitivas aparecem duas vezes no desenvolvimento cultural das crianças: primeiro no nível social e, mais tarde, no nível individual; primeiro entre pessoas (interpsicologicamente) e depois dentro da criança

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(intrapsicologicamente). Este princípio aplica-se à atenção voluntária, à memória lógica e à formação de conceitos. O desenvolvimento intelectual ocorre de fora para dentro, através do processo de interiorização (processo de absorção do conhecimento a partir do ambiente ou contexto). Para o autor, «a internalização das atividades socialmente enraizadas e historicamente desenvolvidas constitui o aspeto característico da psicologia humana» (Vygotsky, 1988, p. 65), cuja transformação é o resultado de uma série de eventos ocorridos durante o desenvolvimento e que em certa medida constituem os diferentes aspetos intrínsecos à teoria histórico-cultural da atividade que Blanton, Thompson e Zimmerman (1993), de forma sintética, resumem nos seguintes princípios:  A atividade humana é mediada pelo uso de ferramentas, criadas e modificadas pelos seres humanos, a fim de se ligarem ao mundo real, regularem o seu comportamento e as interações com o mundo e com os outros. A atividade mediada pela utilização dessas ferramentas vai permitir que cada indivíduo adquira a consciência. A ferramenta atua externamente sobre o objeto da atividade, para o alterar e modificar o ambiente. O signo, pelo seu lado, não provoca alteração no objeto da operação psicológica e é um meio de atividade interna, que atua na mente e que visa organizar o comportamento;  A formação da consciência resulta do empenhamento dos indivíduos na organização de formas sociais de atividade produtiva e construtiva, daí a importância da atividade socialmente organizada;  Os processos psicológicos humanos superiores30 aparecem em dois planos: primeiro, no nível social e, depois, no nível individual; primeiro, entre pessoas partilhados no plano interpsicológico dos processos sociais e, depois, intrapsicologicamente à medida que vão sendo interiorizados pelo indivíduo (Vygotsky, 1988, p. 63-64); Assim, o significado dos objetos, eventos, 30

Os processos psicológicos humanos superiores têm as suas origens na atividade colaborativa, mediada pela interação verbal. Deste modo, a criança entra em contacto com novos conceitos por meio da atividade social (especialmente através da atividade instrucional de um adulto) e, por meio de um processo de internalização, está apta para aprender o novo conceito e incorporá-lo como seu. Vygotsky enfatizou o papel da mediação semiótica, especialmente da linguagem, na internalização da atividade. Esta mediação permite à criança transformar a atividade externa em interna e assim, em compreensão. A criança aprende e desenvolve conceitos através da internalização, transferindo do plano social para o individual. Para além da ênfase sobre o papel fundamental da instrução no cerne do desenvolvimento cognitivo, o autor, enfatiza o papel fundamental do professor ou mediador na “construção” do conhecimento. É na zona de desenvolvimento proximal que essa “condução” ou “mediação” pode acontecer “por meio da atividade colaborativa” (Lunt, 1994, p. 233234).

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informações e outros fenómenos são construídos pelas interações sociais e existem na memória coletiva dos grupos sociais;  Por fim, a teoria propõe a existência de dois tipos de conceitos: científicos (académicos) e de todos os dias (espontâneos), com origens diferentes e formas diversas de serem adquiridos. Para Vygotsky, o conhecimento científico e os conceitos são incorporados em sistemas de cultura e transmitidos através da escolaridade formal. Já os conceitos diários são adquiridos através da participação nas atividades da vida quotidiana e começam por ser uma compreensão dos eventos e fenómenos que, com uma lógica ascendente, se vão tornando cada vez mais abstratos, permitindo à criança incorporar a sua lógica e integrá-los nos sistemas de desenvolvimento formal. Por outro lado, os conceitos científicos são adquiridos através da exposição verbal e têm um percurso descendente, à medida que se tornam mais significativos para a criança, ou seja, ao entrarem em contacto com objetos e eventos de todos os dias (Vygotsky, 1988, p. 94-95; Fosnot, 1996, p, 37; Fino, 2001c, p. 277-278). Enquanto processo de interiorização dos instrumentos e sinais, mediante a transformação dos sistemas de regulação externa em meios de regulação interna de autorregulação, através de um contexto de relação e interação com o meio e os outros, o desenvolvimento cognitivo só ocorre se os instrumentos, os sinais e os símbolos forem incorporados pela criança, em função do seu grau de desenvolvimento anterior, com o objetivo de evolução. Vygotsky (2007) identifica dois níveis de desenvolvimento: o atual e o potencial e introduz, deste modo, uma nova visão sobre os processos de desenvolvimento e aprendizagem da criança em idade escolar. Até então, a investigação psicológica sobre a aprendizagem limitava-se a determinar o nível mental da criança através de tarefas que a criança realizava por si só. A observação focalizava-se naquilo que a criança possuía e conhecia no presente. Uma abordagem desta natureza apenas consegue estabelecer o que a criança já amadureceu. Ou seja, só é possível determinar o nível do desenvolvimento atual da criança. O autor acredita que a determinação do estado de desenvolvimento da criança, exclusivamente por este processo, é naturalmente inadequada e incompleta. O estado do desenvolvimento nunca é definido somente pelo que a criança já amadureceu. Tem de se

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considerar também as aquisições que ainda se encontram em processo de maturação. A diferença entre o nível atual de desenvolvimento e o nível do desempenho que a criança consegue ao colaborar com o adulto, determina ou constitui a zona imediatamente próxima de desenvolvimento. «A investigação indica que a zona imediatamente próxima de desenvolvimento é mais importante para a dinâmica do desenvolvimento intelectual e para o sucesso da aprendizagem do que o nível atual do desenvolvimento» (Vygotsky, 2007, p. 267). O desenvolvimento atual caracteriza retrospetivamente o desenvolvimento, enquanto a ZDP caracteriza o desenvolvimento mental duma forma prospetiva. Deste modo, é possível aceder ao curso interno e à dinâmica do desenvolvimento da criança. Ainda para o autor, desenvolvimento e aprendizagem não são portanto coincidentes. São dois processos diferentes com inter-relações extremamente complexas. A aprendizagem só é útil quando se antecipa ao desenvolvimento. Ao fazê-lo impulsiona ou desperta toda uma série de funções que se encontram em maturação na zona imediatamente próxima do desenvolvimento. «… a aprendizagem só é produtiva no mais alto grau quando ocorre num dado ponto da zona imediatamente próxima do desenvolvimento» (p. 271). Em oposição à teoria dos estádios de Piaget, que considerava que a aprendizagem estava condicionada pela maturação biológica enquanto condição indispensável para a aprendizagem, Vygotsky aponta outra perspetiva de desenvolvimento, reconhecendo que a interação do indivíduo com o contexto sociocultural promove a aprendizagem, que conduz ao desenvolvimento.

2.3.1 – A ZDP, zona de desenvolvimento proximal Um aspeto particularmente relevante da teoria de Vygotsky é a ideia da existência de uma zona potencial de desenvolvimento cognitivo (Fino, 2001c), que se concretiza na interação social e varia com a cultura, a sociedade e a experiência do indivíduo. O conceito de ZDP foi introduzido por Vygotsky e definido como «It is the distance between the actual developmental level as determined by independent problem solving and the level of potential development as determined through problem solving under adult guidance or in collaboration with more capable peers» (Vygotsky, 1978, p. 86). Segundo Daniels (2003), a ZDP descreve o local onde os conceitos mais espontâneos e os científicos se encontram, zona que varia de criança para criança e reflete a capacidade

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do aluno para compreender a lógica do conceito científico. Vygotsky acreditava que os conceitos científicos não eram assimilados de uma forma “já pronta” e defendia a existência de uma inter-relação permanente entre aprendizagem e desenvolvimento desde o nascimento, reforçando que qualquer que fosse a situação de aprendizagem tinha sempre uma história prévia. A ZDP caracteriza a diferença entre o que a criança é capaz de alcançar por conta própria e o que é capaz de conseguir com a ajuda do professor. Nesta zona, o par aluno/professor envolve-se na atividade conjunta da resolução de problemas, partilhando conhecimentos e responsabilidade no desempenho da tarefa, em oposição ao modelo tradicional que outorgava ao aluno o papel de absorção, depositário do conhecimento que lhe era transmitido pelo professor (Vygotsky, 1988, p. 95-98). Na escola, a criança aprende não o que já pode fazer sozinha, mas o que ainda não é capaz de fazer. Compreende aquilo que lhe é possível fazer através da colaboração do professor, ou graças à orientação por ele fornecida. «Eis uma característica fundamental da aprendizagem. Portanto, a zona imediatamente próxima do desenvolvimento – que determina o domínio das transições acessíveis à criança – é um traço característico da relação existente entre a aprendizagem e o desenvolvimento» (Vygotsky, 2007, p. 269). O que num estádio se encontra na zona imediatamente próxima do desenvolvimento realizase e passa ao nível do desenvolvimento atual num segundo momento. Ou seja, aquilo que a criança é hoje capaz de fazer graças a uma colaboração será capaz de o fazer sozinha amanhã. «A única aprendizagem útil na infância é a que precede o desenvolvimento, a que a ele conduz» (p. 270). Ao introduzir a noção de ZDP, uma zona que seria constituída por um conjunto de habilidades que a criança ainda não domina, mas que tem o potencial de adquirir e aplicar, se as circunstâncias se proporcionarem, o autor defende que cada criança em cada fase é portadora de um leque de habilidades que se situam entre aquilo que é capaz de realizar no momento (desempenho) e aquilo que potencialmente pode vir a realizar. Fontes e Freixo (2004) apontam mesmo para a existência em cada aluno de inúmeras zonas e não somente de uma ZDP que se vão criando em função das tarefas que o aluno tem de realizar. Reconhecem a ZDP como um espaço teórico que tem origem na interação entre o professor (ou o par mais capaz) e o aluno, em função do conhecimento sobre a tarefa proposta e dos saberes e recursos utilizados pelo professor. O que o aluno realiza

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com assistência de outra pessoa mais sabedora (professor ou colega mais capaz) será realizado no futuro, pelo aluno, sem necessidade de assistência. O que se verifica é que na ZDP a criança vai dominando de forma gradual o sistema de signos31 necessário para regular e controlar a sua conduta nas relações sociais. À medida que a criança é capaz de utilizar os signos sem ajuda externa, devido ao processo de interiorização, aproxima-se da zona de desenvolvimento potencial32. Enquanto o conceito de nível de desenvolvimento intelectual permite uma caraterização retrospetiva do desenvolvimento, o conceito de ZDP potencia uma definição prospetiva do desenvolvimento do sujeito (Sousa, 2005a). Mas o progresso pela ZDP pode ser ilustrado por um modelo que evolui em quatro estágios (Gallimore & Tharp, 1996): Estágio I – O desempenho é assistido por indivíduos mais capazes; Estágio II – O desempenho é autoassitido; Estágio III – O desempenho é desenvolvido automatizado e fossilizado; Estágio IV – A desautomatização do desempenho conduz a um retorno à zona de desenvolvimento proximal. Este processo evolutivo obedece a regras e sequências e vai, portanto, da assistência externa à autoaprendizagem e à sua interiorização. São seguidas por todos os indivíduos, dando lugar ao desenvolvimento de novas capacidades, em diferentes momentos da sua aprendizagem (180-182). Deste modo, Vygotsky realça o papel do discurso interno na aprendizagem de conceitos, como também a sua natureza dialógica e o papel do adulto e dos pares do aluno, quando em interação procedem ao ajustamento do significado. Para Vygotsky, o desenvolvimento consiste num processo de aprendizagem do uso das ferramentas intelectuais, como a linguagem, através da interação social com os mais experientes. Nesta perspetiva, a aprendizagem difere de desenvolvimento e é concebida como um processo social complexo, culturalmente organizado, especificamente humano, universal e necessário ao processo de desenvolvimento. Este precede a linguagem, convertendo-se naturalmente um processo no outro; deixa de ser individualista para ser social e facilitador da aprendizagem dos outros. A aprendizagem desperta um conjunto de 31

Existem três tipos de signos: os indicadores – que têm uma relação causa-efeito com aquilo que significam (ex: fumo indica a existência de fogo, uma vez que é produzido por este); os icónicos, os que são imagens ou desenhos daquilo que significam (ex.: uma imagem de uma roda); e os simbólicos, que têm uma relação abstrata com aquilo que representam (ex.: a letra v com uma seta em cima representa a velocidade de um corpo) (Valadares & Moreira, 2009). 32 Vygotsky introduz o conceito de “desenvolvimento potencial” e define-o como o conjunto das atividades que a criança é capaz de realizar com a colaboração ou as indicações dos seus pares e que permitem uma visão prospetiva do desenvolvimento, distinguindo-se do conceito de zona de “desenvolvimento atual”, conceito que corresponde aos ciclos evolutivos realizados e integra o conjunto das atividades que a criança é capaz de realizar sozinha sem a ajuda de terceiros.

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processos internos que operam apenas quando os alunos interagem com os colegas ou com o professor. Estes processos, uma vez interiorizados, integram as conquistas evolutivas dos alunos. Quanto ao mecanismo de desenvolvimento dos processos mentais elevados é mediado por ferramentas psicológicas, como a linguagem33 e o meio, enquanto instrumentos e símbolos culturalmente determinados (Fontes & Freixo, 2004; Vygotsky, 2007). Mas a ideia de ZDP de Vygotsky sugere a existência de uma “janela de aprendizagem” em cada momento do desenvolvimento cognitivo do aprendiz. «Por analogia, pode considerar-se que, num grupo de aprendizes todos diferentes e únicos, não existe uma única “janela de aprendizagem”, mas, tantas quantas os aprendizes e todas tão individualizadas quanto eles» (Fino, 1999, p. 3). Fino (2001c) descreve três implicações pedagógicas do conceito de ZDP: a existência de uma “janela de aprendizagem”; “o tutor como agente metacognitivo” e a “importância dos pares como mediadores da aprendizagem”. A ideia de “janela de aprendizagem” traz implicações no desenho dos contextos de aprendizagem, nomeadamente na necessidade de se garantir aos aprendizes um leque diversificado de atividades e conteúdos, de modo a que possam personalizar a sua aprendizagem dentro da estrutura das metas e objetivos de um determinado programa de aprendizagem. Embora os critérios de sucesso da generalidade das unidades de aprendizagem impliquem o domínio de um conjunto fundamental de conceitos e de princípios, a conceção de ZDP de Vygotsky sugere que também devem ser proporcionados aos alunos meios que lhes permitam personalizar essa aprendizagem. São inúteis, em termos de desenvolvimento, as aprendizagens orientadas para níveis de desenvolvimento que já foram atingidos, porque não apontam para um novo estádio no processo de desenvolvimento. «Assim, a noção de zona de desenvolvimento proximal capacita-nos a propor uma nova fórmula, a de que o “bom aprendizado” é somente aquele que se adianta ao desenvolvimento» (Vygotsky, 1988, p. 100-101). Para o autor, e de acordo com a sua perspetiva, ZDP e mediação social propõem uma reorganização do papel tradicional do professor no contexto da turma, pois não é a instrução que permite que o aluno atue no limite do seu potencial, mas a assistência proporcionada pelo contexto, o 33

A linguagem é, para Vygotsky, um instrumento chave criado pelo Homem para organizar o pensamento. O autor considera que a aquisição da linguagem representa o momento mais importante do desenvolvimento cognitivo.

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apoio e os recursos de modo a que «este seja capaz de aplicar um nível de conhecimento mais elevado do que lhe seria possível sem ajuda» (Sousa & Fino, 2001, p. 379). A segunda implicação pedagógica reporta-se à ponderação do tutor como agente metacognitivo, pois, como reconhece Fino (2001c), da teoria de Vygotsky é possível inferir que a interiorização não constitui o fundamento para uma pedagogia completa, mas um complemento da atividade metacognitiva. Este processo tem início com a interiorização, para habilitar depois o aprendiz a começar um novo ciclo de aprendizagem num nível cognitivo mais elevado. Ao professor caberá o papel de guiar, confrontar e regular toda a atividade. Num estado mais avançado, o professor transfere para o aluno o controlo metacognitivo. Este é comparado aos andaimes que suportam um edifício em construção, sendo retirados depois de forma progressiva à medida que a estrutura vai sendo capaz de se sustentar sem ajuda. A terceira implicação relaciona-se com a importância dos pares na mediação da aprendizagem. A aprendizagem mediada pelos pares é um meio “natural” de aprendizagem, em que a aquisição de conhecimentos e de habilidades ocorre num contexto social no interior do qual um adulto ou uma criança, mais aptos, guiam a atividade de um indivíduo menos apto (King, 1997). A responsabilidade pelo controlo exterior é transferida do professor para o par-tutor, devendo essa transferência de controlo promover aprendizagem autorregulada (cit. Fino, 2001c, p. 284). A reflexão sobre a ZDP, considerada como espaço de interação entre o aprendiz e o tutor ou par mais apto, e sobre o modo como este postulado esclarece, dá novo sentido e novo élan à ação do professor e à importância da sua ação como fator potencial do desenvolvimento cognitivo do aluno. Daqui emerge a ideia de que, na mente de cada aprendiz, podem ser exploradas “janelas de aprendizagem”, durante as quais o professor pode atuar como guia do processo de cognição até ao aluno ser capaz de assumir o controlo metacognitivo. É pois crucial a intervenção dos pares mais aptos que, num processo de encorajamento da interação horizontal, podem funcionar também como agentes metacognitivos (Fino, 2001c). Esta forma de perspetivar a aprendizagem como um processo de regulação exterior, que dá lugar à autorregulação à medida que o aluno vai assumindo o controlo da tarefa, num contexto social onde os adultos ou os pares mais aptos orientam a atividade do elemento menos apto, confere ao professor novos papéis. Passa a ser reconhecido como

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orientador das aprendizagens, cuja intervenção deverá centrar-se na promoção do desenvolvimento cognitivo dos alunos, através de uma interferência positiva na ZDP, promovendo-se uma aprendizagem interativa. O papel do aluno também se altera significativamente, na medida em que deixa de ser individual e orientada por outros, para ser social, orientadora e facilitadora das aprendizagens do outro. A relação estabelece-se, portanto, um a um, em que o adulto age na ZDP do aluno, aspeto difícil de estender a uma turma, onde se sobrepõem as “janelas de aprendizagem” de cada aluno. É por isso que Fino (2000) propõe a adoção de estratégias que se baseiem na interação entre pares. Nesta forma de aprendizagem mediada por pares, o controlo exterior, inicialmente entregue ao professor, é transferido para o par-tutor. Este sujeito é interativo34, porque constrói o saber a partir de relações intra e interpessoais. É nesta troca com os outros e consigo próprio que se vão interiorizando conhecimentos, papéis e funções sociais e onde se processa a aprendizagem. O sujeito de aprendizagem possui uma componente passiva, na medida em que está subordinado a forças externas que o vão moldando, uma componente ativa regulada por forças internas e uma componente interativa. Esta abordagem consentânea com a teoria de Vygotsky agrega estas três componentes como referencial do processo de aprendizagem.

2.4 – Os contributos de Bruner Bruner35 estudou a psicologia do desenvolvimento na sua relação com a aprendizagem. Deu um grande contributo ao desenvolvimento dos modelos construtivistas da aprendizagem ao reconhecer o aluno como um construtor ativo da sua aprendizagem. O sujeito que aprende organiza e constrói as ideias ou os novos conceitos, com base nos seus saberes pré-adquiridos ou atuais. Ou seja, seleciona a informação e transforma-a, apoiando-se na sua estrutura cognitiva que fornece o significado e permite ir além da informação recebida. O autor acredita que a aprendizagem se processa em espiral, 34

Na teoria construtivista, o referencial em que se enquadra o sujeito é determinado pela ação deste sobre a realidade, sendo portanto ativo. 35 Jerome Bruner nasceu em 1915 e doutorou-se em Psicologia, em 1941, na Harvard University, onde foi professor durante vários anos. Possui uma obra muito diversificada e traduzida na área da educação, pedagogia e psicologia. Os seus principais livros: The Process of Education; Toward a Theory of Instruction; Acts of Meaning. O autor ganhou notoriedade na área da educação pelo seu envolvimento e participação no movimento da reforma curricular, ocorrido na década de 60 nos EUA. Bruner apelida a sua teoria de instrumentalismo evolucionista, uma vez que o homem depende das técnicas para a realização da sua própria humanidade.

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evoluindo para níveis mais elevados, a partir da inter-relação entre pensamento, linguagem e cultura, dependendo da assistência do adulto. Trata-se de uma apropriação pessoal dos elementos cognitivos, que deverá passar pela “autodescoberta” e pela “assimilação inventiva”. Bruner (2000) considera que a cultura molda a mente dos indivíduos. A evolução da mente está ligada ao desenvolvimento do modo de viver, em que a “realidade” é representada por um simbolismo partilhado pelos membros de uma comunidade cultural, onde um determinado estilo técnico-social de vida simultaneamente se organiza e constrói nos termos desse simbolismo. Este modo simbólico, para além de partilhado pela comunidade, é conservado, elaborado e transmitido às gerações seguintes que, em virtude dessa transmissão, continuam a manter a identidade da cultura e do modo de vida. «Conhecer e comunicar são, na sua natureza, extremamente interdependentes (…) por muito que os indivíduos pareçam operar por si próprios na condução da procura de significados, ninguém o pode fazer desenquadrado dos sistemas simbólicos da cultura. É a cultura que faculta os instrumentos de organização e de compreensão dos nossos mundos em termos comunicáveis. O traço distintivo da evolução humana é o da mente se ter desenvolvido num quadro que capacita os seres humanos a utilizar os instrumentos da cultura» (Bruner, 2000, p. 20).

O conhecimento é alcançado a partir de problemas levantados, expectativas criadas, hipóteses formuladas e descobertas efetuadas. Depois é tudo organizado em categorias e relacionado com os conhecimentos pré-existentes. Deste modo, o educando vai construindo, pouco a pouco, o seu conhecimento do mundo, o seu modelo de realidade e o saber. É o designado ensino pela descoberta – “discovery learning” – que prevê atividades de pesquisa, observação e exploração, análise de problemas e resultados, integração de novos dados em conceitos anteriormente adquiridos e princípios mais gerais e explicações de causa e efeito (Tavares & Alarcão, 2002). Este modelo tem como consequência uma aprendizagem ativa e pressupõe, por parte do professor, competências de questionamento, que despertem a curiosidade, conservem o interesse, estimulem o pensamento e incentivem os alunos para a descoberta. Professores e alunos deverão estabelecer um diálogo ativo, sendo a tarefa dos primeiros a tradução da informação a ser aprendida numa formatação passível de ser apropriada pelos segundos no seu estádio de saber, maturidade e informação (Pinto, 2002). A teoria de aprendizagem de Bruner é influenciada pela teoria cognitiva, mas centrase particularmente nos contextos culturais onde a aprendizagem ocorre. Apresenta o 84

princípio de que é possível ensinar tudo aos alunos desde que se utilizem procedimentos adaptados aos estilos cognitivos e às suas necessidades. Enfatiza o método da descoberta, com base na ideia de que o conhecimento das estruturas das disciplinas exige a utilização das metodologias das Ciências que suportam as várias disciplinas do currículo. A partir desta ideia, Bruner critica as metodologias expositivas e considera que a aprendizagem se consegue mais facilmente através do envolvimento dos alunos no processo de descoberta, na resolução de problemas e no uso das metodologias científicas próprias de cada ciência, pelo que, desde logo, «o aluno deve poder resolver problemas, conjeturar, discutir da mesma maneira que se faz no campo científico da disciplina» (Marques, 1999, p. 44). Os conceitos de prontidão e de aprendizagem em espiral reúnem igualmente um importante contributo teórico de Bruner para a teoria da aprendizagem. De acordo com o conceito de prontidão, qualquer tema «…poderá ser honesta e eficazmente ensinado, numa qualquer forma intelectual, a crianças em qualquer estádio de desenvolvimento» (Bruner, 1998, p. 51). Quanto ao conceito de aprendizagem em espiral, preconiza-se que qualquer ciência pode ser ensinada, pelo menos nas suas formas mais simples, a alunos de todas as idades, já que os mesmos tópicos serão posteriormente retomados e aprofundados. No entanto, a experiência tem demonstrado que as escolas têm desperdiçado anos importantes, adiando a abordagem a determinadas disciplinas, com a justificação de que são muito difíceis. O autor reconhece que as bases de qualquer disciplina podem ser ensinadas de determinada forma, a qualquer pessoa, em qualquer idade, desde que salvaguardadas as suas necessidades. Para isso, o currículo deverá ser organizado em espiral36, isto é, o mesmo conteúdo deve ser abordado a vários níveis e duma forma periódica, em círculos concêntricos, cada vez mais alargados, aprofundando-os, até que o aluno tenha apreendido todo o aparelho formal que o acompanha (Bruner, 1998). É a partir do método por descoberta e da teoria da aprendizagem em espiral que emerge a proposta de organização das práticas de ensino e do currículo em termos de reconstrução dos saberes científicos, através “da interiorização dos seus princípios e 36

O currículo em espiral de Bruner é fundamentado pela caraterização do desenvolvimento dos estádios. Contudo, esta fundamentação é vista como uma orientação para adaptar estratégias de ensino aos diferentes modos de ver o mundo nas diversas idades e não para selecionar ou excluir conteúdo ou conceitos. Os desenvolvimentistas interpretam a teoria de outro modo, relacionando a natureza e o nível de abstração dos conteúdos com os processos mentais que funcionam ou não num dado estádio. Dão especial importância à hierarquia dos estádios enquanto Bruner, apesar de ter também estabelecido uma sequência de estádios, se preocupa em especial com a especificidade qualitativa da compreensão das crianças em cada fase (Roldão, 1994).

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tentativa de aplicação dos seus métodos” (Roldão, 1994, p. 64). Esta teoria assenta no princípio de que o aluno que aprende física torna-se um físico, sendo mais fácil para ele aprender física ao comportar-se como tal. Daí a importância da pesquisa sobre o pensamento intuitivo na elaboração do currículo escolar. O pensamento intuitivo e o treino das conjeturas são caraterísticas desvalorizadas, mas essenciais ao pensamento produtivo, não só em momentos formais de aprendizagem mas também no quotidiano (Bruner, 1998). Para isso, deverá ser fornecido aos alunos um conhecimento da estrutura fundamental das disciplinas a ensinar. É o requisito mínimo para que possam usar o conhecimento e aplicá-lo aos problemas que cada um encontra fora da sala de aula ou em aprendizagens posteriores. Se a aprendizagem anterior tem como finalidade facilitar a posterior, deverá ser fornecido um quadro geral, nos termos do qual as relações entre as coisas anteriores e posteriormente conhecidas se tornem o mais claras possível. Para Bruner (1997), o processo de construção do conhecimento não é uma realização individual37, mas sim um processo de coconstrução ou de construção conjunta, realizado com a ajuda de outras pessoas, que, no contexto escolar, poderão ser o professor e os colegas da sala. A sala de aula é, deste modo, definida como uma comunidade de alunos, em que ao professor compete a organização das atividades. Neste enquadramento, o autor formula o conceito de andaime38. Este sugere que o apoio eficaz proporcionado à criança pelo adulto é aquele que se ajusta às suas competências em cada momento e que vai variando à medida que esta pode assumir mais responsabilidade na tarefa. Embora, tal como Piaget, coloque a maturação e a interação do sujeito com o ambiente no centro do processo de desenvolvimento e de formação, Bruner salienta o carácter contextual dos factos psicológicos. A abertura à influência do contexto e do social no processo de desenvolvimento e de formação torna a sua teoria mais abrangente permitindo a incorporação da transmissão social, do processo de identificação e da imitação. Neste sentido, o carácter desenvolvimentista da teoria de Bruner mantém-se devido à tónica que o autor coloca no papel da equilibração, ou seja, a capacidade que cada pessoa tem de se autorregular. Outro aspeto que diferencia a teoria de Bruner da de Piaget é o papel que o primeiro, reserva à cultura, à linguagem e às técnicas como meios que 37

Bruner não valoriza apenas a capacidade intelectual dos alunos, mas também o seu desenvolvimento social e emocional, preconizando igualmente o aprender a aprender, a compreensão geral da estrutura dos assuntos, conteúdos ou temáticas a abordar, para que as crianças possam ligar e relacionar as coisas entre si de modo significativo, realizando o ideal de que a escola e a educação devem preparar “cidadãos equilibrados para a democracia” (Bruner, 1998, p. 27-34). 38 Scaffolding, no original (Bruner, 1985).

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possibilitam a emergência de modos de representação, levando-o a considerar que o desenvolvimento será tanto mais expressivo quanto melhor for o acesso da pessoa a um meio cultural rico e estimulante. Para Bruner, a linguagem assume um papel amplificador das competências cognitivas da criança ajudando-a a uma maior interação com o meio cultural. «(…) o desenvolvimento cognitivo da criança depende da utilização de técnicas de elaboração da informação, com o fim de codificar a experiência, tendo em conta os vários sistemas de representação ao dispor» (Marques, 1999, p. 41). O conhecimento não é, portanto, um objeto, informação ou conteúdo estático, mas é construído por cada sujeito através da interação com essa informação, objeto ou conteúdo. Esta abordagem encara a aprendizagem como um modelo em que todos colaboram num processo autêntico e conjunto, com base em projetos que constituem verdadeiros desafios à comunidade de aprendizagem onde se envolvem professores, alunos e outros participantes como pais e especialistas. Ao valorizar os contextos culturais em que ocorre o desenvolvimento do processo de aprendizagem, Bruner aproxima-se de algumas propostas avançadas pelos teóricos da aprendizagem social. Enfatiza o cultural e o social na educação, reforçando que a aprendizagem e o conhecimento estão sempre situados num enquadramento cultural e dependem da utilização de recursos do meio.

2.5 – A aprendizagem significativa Ausubel, psicólogo e pedagogo norte-americano, influenciado pela teoria cognitivista de Piaget, orientou os seus estudos para o conhecimento da importância da significação na eficácia da aprendizagem. A sua teoria também conhecida por aprendizagem significativa39 tem sido aplicada com sucesso no ensino das ciências. O autor introduziu o conceito de organizador prévio como aprendizagem anterior que enquadra, em termos de significado, as novas aprendizagens (Marques, 2000).

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Esta teoria remonta ao ano de 1963 quando o neurologista e psicólogo educacional David Ausubel publicou a obra “The Psychology of Meaningful Verbal Learning” onde apresentou uma primeira abordagem à teoria cognitiva de aprendizagem significativa em oposição a uma aprendizagem verbal por memorização. Baseou-se na premissa de que a aquisição e retenção de conhecimentos em especial verbais, como por exemplo na escola ou na aprendizagem de matérias, são o produto de um processo ativo, integrador e interativo entre o material de instrução (matérias) e as ideias relevantes da estrutura cognitiva do aprendiz, com as quais as novas ideias estão relacionadas de formas particulares (Ausubel, 2003, p. XI).

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O constructo “aprendizagem significativa” traduz um processo através do qual um determinado conceito ou afirmação se relaciona com a estrutura cognitiva de quem o aprende, ficando integrado nela. Trata-se de um processo que é substantivo e, portanto, ocorre de uma forma não literal e não arbitrário, pois não ocorre por acaso, uma vez que a interação se dá com alguns aspetos especificamente relevantes presentes na estrutura cognitiva, os chamados subsunçores40, ideias integradoras ou ideias âncora. «Quando um subsunçor assimila uma ideia nova potencialmente significativa, forma-se um produto interaccional em que o subsunçor e a nova ideia se influenciam e modificam mutuamente» (Valadares & Moreira, 2009, p. 35). A interação entre novos significados potenciais e ideias relevantes na estrutura cognitiva do aprendiz origina significados verdadeiros ou psicológicos. Para Ausubel, o conhecimento é significativo quando resulta de um processo de aprendizagem significativa, através do qual a nova informação se confronta com os conceitos pré-existentes e importantes da estrutura de conhecimento do indivíduo, conferindo significado. A teoria da aprendizagem significativa é uma teoria construtivista que faz parte integrante de uma visão da construção de conhecimento que é ao mesmo tempo epistemológica e educacional, também designada por Joseph Novak, de construtivismo humano (Valadares & Moreira, 2009). Trata-se de uma teoria acerca da aprendizagem do ser humano, porque se refere aos mecanismos através dos quais se processa a aquisição e a retenção de uma grande quantidade de significados. O objetivo de Ausubel era conhecer e explicar as condições e caraterísticas da aprendizagem que se traduziam em formas efetivas e eficazes de provocar de modo deliberativo mudanças cognitivas estáveis, com significado individual e social (Ausubel, 2003). Para que ocorra uma aprendizagem significativa terão de estar reunidas duas condições fundamentais: 1) a confrontação do aprendiz com um conteúdo potencialmente significativo; 2) uma atitude de aprendizagem potencialmente significativa, isto é uma predisposição para aprender de maneira significativa (Ausubel, 2003). O facto de a aprendizagem ser mais ou menos significativa ou mecânica não decorre de ser mais ou menos por descoberta autónoma, por descoberta guiada ou por receção. Um 40

O subsunçor é uma estrutura específica ao qual uma nova informação pode se integrar ao cérebro humano, que é organizado e detém uma hierarquia conceitual que armazena experiências prévias do aprendiz.

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aluno pode descobrir sozinho, por tentativas e sem ajuda, a forma de resolver um quebracabeças matemático e não perceber como chegou à solução do quebra-cabeças. E um estudante pode assimilar um assunto exposto com toda a transparência conceptual, sem esforço. Ausubel defendia uma aprendizagem verbal significativa, em oposição à aprendizagem memorística41. Para aprender significativamente, o indivíduo deve optar por relacionar os novos conhecimentos com as proposições e conceitos relevantes já conhecidos. Já na aprendizagem por memorização, o novo conhecimento pode adquirir-se pela memorização verbal e incorporar-se de forma arbitrária na estrutura de conhecimentos de uma pessoa, sem que haja interação com o que já existe, não resultando na aquisição de novos significados (Novak & Gowin, 1984). Para os autores é fundamental distinguir entre o tipo de estratégia de instrução que se utiliza e o tipo de processo de aprendizagem em que o estudante se enquadra. Seja qual for a estratégia de instrução, a aprendizagem pode variar desde a que é quase memorística42 até à significativa – desde a aprendizagem recetiva, onde a informação é oferecida de forma direta ao aluno, até à aprendizagem por descoberta autónoma, onde o aluno seleciona a informação a aprender. Apesar de existirem diferenças acentuadas entre a aprendizagem significativa e a por memorização, estas não são dicotómicas em muitas situações de aprendizagem prática e podem colocar-se num contínuo memorização-significativo. A linguagem é um importante facilitador de aprendizagem significativa por receção e pela descoberta. O aumento da manipulação dos conceitos e de preposições, através das propriedades representativas das palavras, aperfeiçoam a compreensão verbal na aprendizagem significativa, clarificando-se tais significados. Contrariamente à posição assumida por Piaget, a linguagem desempenha um papel integral e operativo no raciocínio e não meramente comunicativo. «Sem a linguagem é provável que a aprendizagem significativa fosse muito rudimentar (ex. a fala dos animais)» (Ausubel, 2003, p. 5).

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A antítese da aprendizagem significativa é a aprendizagem mecânica ou memorística em que aquilo que se apresenta não se conjuga com qualquer subsunçor adequado e pré-existente na estrutura cognitiva. 42 Grande parte do movimento de reforma educativa dos anos 50 e 60 foi uma tentativa de afastar das escolas a aprendizagem memorística, com a introdução de programas que incentivavam a aprendizagem por descoberta ou a aprendizagem por inquérito. Apesar dos esforços, estes programas não aumentaram de forma expressiva o carácter significativo das aprendizagens escolares.

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Na opinião de Ausubel, Novak e Hanesian (1980), o essencial da aprendizagem significativa assenta no facto de as ideias expressas de forma simbólica se relacionarem com as informações previamente adquiridas pelo aluno, através de uma relação não arbitrária e substantiva. Numa relação deste tipo, as ideias relacionam-se com aspetos relevantes existentes na estrutura cognitiva do aluno, como por exemplo, uma imagem, um símbolo, um conceito ou uma proposição. Com efeito, a aprendizagem significativa abrange a aquisição de novos significados pelo aluno, que são singulares, devido à singularidade de cada estrutura cognitiva. A teoria atual sobre a aprendizagem significativa assenta em diversos princípios: 1) aquilo que se sabe e como se sabe é importante para o que se vai aprender; 2) no processo de compreensão dos fenómenos levantam-se obstáculos epistemológicos, autênticas barreiras do pensamento ao pensamento (Bachelard, 1977); 3) a boa aprendizagem depende muito da motivação psicológica; 4) o único bom ensino é aquele que se adianta um pouco ao desenvolvimento cognitivo atual do aluno; 5) não existe uma relação linear causal entre ensino e aprendizagem; 6) cada estudante aprende de acordo com o que é, o que sabe e o que pensa; 7) é fundamental o debate de ideias entre os estudantes num ambiente construtivista onde todos aprendam com todos; 8) a aprendizagem, sendo um processo pessoal, é profundamente influenciada por fatores sociais (Valadares & Moreira, 2009, p. 29-32). Opondo-se à ideia de que ao ensino do tipo expositivo se associa uma aprendizagem recetiva, memorizada ou mecânica, enquanto o ensino pela descoberta era equivalente a uma aprendizagem dinâmica, significativa ou compreendida, Ausubel identificou quatro tipos de aprendizagem: a) Aprendizagem por receção significativa ou compreendida em que o professor organiza a matéria a ensinar de uma forma lógica e, ao apresentá-la ao aluno, relaciona-a com os conhecimentos que este já detém de tal modo que possa perceber o que está a aprender e integrar os novos conhecimentos na sua estrutura cognitiva; b) Aprendizagem por receção mecânica ou memorizada em que o professor apresenta a matéria de tal forma que o aluno só tem de a memorizar;

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c) Aprendizagem por descoberta significativa ou compreendida em que o aluno “descobre” sozinho o conhecimento, chega à solução de um problema e relaciona o conhecimento que acaba de adquirir com os conhecimentos que já possuía; d) Aprendizagem pela descoberta mecânica ou memorizada em que, apesar de chegar por si próprio à descoberta da solução de um problema, o aluno memorizao de um modo mecânico sem a integrar na estrutura cognitiva que já possuía (Tavares & Alarcão, 2002, p. 104-105). Em sua opinião, o ensino expositivo não conduz necessariamente a uma aprendizagem de tipo memorizado e, embora reconheça vantagens no ensino pela descoberta, acredita no entanto tratar-se de um processo moroso e pouco económico, pelo que propõe aquilo a que chama a “guided discovery learning” (ensino pela descoberta guiada), estratégia pela qual o professor funciona como organizador do processo de ensino/aprendizagem (Tavares & Alarcão, 2002, p. 105). Na aprendizagem por receção o que deve ser aprendido é apresentado ao aluno no seu formato final, enquanto na aprendizagem por descoberta o conteúdo principal a ser assimilado envolve a descoberta por parte do aprendiz. Contudo, feita a descoberta, a aprendizagem só será significativa se o conteúdo descoberto se cooptar a conceitos relevantes pré-existentes na estrutura cognitiva. Ausubel acredita que é mais fácil aprender se a informação for organizada e sequenciada de uma forma lógica, isto é, de modo que objetivos que pressupõem conhecimentos anteriores não sejam transmitidos sem que esses conhecimentos estejam presentes e segundo estratégias que facilitem a organização da matéria a aprender em conjuntos significativos, com vista à facilitação da aprendizagem43 (Tavares & Alarcão, 2002). É possível estabelecer um paralelismo entre a teoria da aprendizagem significativa e as teorias do desenvolvimento e da aprendizagem. O conceito de aprendizagem significativa é atualmente, considerado supra teórico e compatível com outras teorias construtivistas. Nesse sentido, Moreira estabelece uma analogia entre a estrutura psicológica de Piaget e a estrutura cognitiva da teoria de aprendizagem significativa e 43

Para o efeito, preconiza a utilização de “organizadores avançados” (“advance organizers”), sumários no final das lições e questionários de revisão como auxiliares para sintetizar os novos elementos aprendidos e a integrá-los nos conhecimentos pré-existentes (Tavares & Alarcão, 2002, p. 106).

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entre o conceito de esquema de assimilação piagetiano e o subsunçor de Ausubel, e reconhece a existência de algumas conexões entre as duas teorias. Na teoria de Ausubel como na de Piaget há uma assimilação assente numa interação entre uma estrutura do sujeito e o meio exterior, com envolvimento afetivo. E se não ocorre aprendizagem significativa, porque a matéria a aprender é inacessível ao ponto de não ocorrer uma interação com subsunçores adequados, também, não deverá ocorrer, segundo a teoria de Piaget, desenvolvimento cognitivo porque o desequilíbrio cognitivo é de tal ordem que não permite a ocorrência da equilibração. Do mesmo modo, é possível considerar igualmente a existência de uma correspondência entre a aprendizagem significativa e a perspetiva vygotskyana de aprendizagem, em que o processo de passagem de significado lógico a psicológico característico da aprendizagem significativa é perfeitamente comparável ao processo de internalização de Vygotsky. Quando um aluno aprende uma ciência está a internalizar os significados construídos e aceites no contexto da mesma, passando pela internalização de signos específicos dessa ciência. Por outro lado, Ausubel, tal como Vygotsky, dá muita importância à linguagem e realça o papel desta na aprendizagem significativa (2000, cit. Valadares & Moreira, 2009).

2.6 – A natureza social e cultural dos processos de construção do conhecimento Da análise às teorias construtivistas, construcionistas e da teoria histórico-cultural da atividade podemos inferir, tal como reconhecem Sousa e Fino (2001), importantes contributos que permitiram juntar à reflexão novos elementos sobre a forma de perspetivar os aprendizes, a natureza da construção do conhecimento, as conceções acerca da importância e do papel do professor, que se articulam em pressupostos distintos dos tradicionais. No construtivismo, talvez o mais marcante seja a consideração do indivíduo como agente do seu próprio conhecimento, o que no contexto educativo desloca a preocupação com o processo de ensino (visão tradicional) para o processo de aprendizagem. Na perspetiva construtivista, o estudante constrói o seu conhecimento por meio da sua interação com a realidade, integrando a nova informação nas suas estruturas cognitivas, juntando-as a representações existentes ou criando novas representações. Este processo de aquisição do conhecimento é incompatível com a ideia de que o conhecimento possa ser adquirido ou transmitido. Por isso, assumir estes pressupostos implica a mudança de alguns

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aspetos centrais do processo de ensino-aprendizagem em relação à visão tradicional que de forma progressiva, embora lenta, tem registado alguma evolução. A junção de novas perspetivas permitiu a consideração de novas abordagens, que embora no âmbito das teorias construtivistas, apresentavam alguns aspetos divergentes. Enquanto a abordagem socioconstrutivista vê o «grupo social, a comunidade de aprendizagem da qual o aluno faz parte – isto é, a sala de aula com todos os seus membros – como o verdadeiro sujeito do processo de construção» (Coll, 2004a, p. 37), o construtivismo cognitivo situa o processo de construção no aluno, considerado como um processo individual, interno e basicamente solitário. Todavia, proliferam enfoques construtivistas que, embora aceitem o carácter individual e interno do processo de construção, não reconhecem o seu carácter solitário e preconizam que os alunos aprendem sempre de outros e com outros, afirmando que a aprendizagem é fortemente mediada por instrumentos culturais que promovem a assimilação de saberes de origem cultural. De forma gradual tem vindo a registar-se uma permeabilidade crescente dos enfoques

construtivistas

em

educação

quanto

às

formulações

e

propostas

socioconstrutivistas, que situam o processo de construção no grupo ou na comunidade de aprendizagem do aluno – a sala de aula com todos os seus membros –, enquanto verdadeiro sujeito do processo de construção. Neste contexto, os mecanismos perante os quais se tenta estimular o desenvolvimento e a aprendizagem da criança realiza-se perante uma série de procedimentos de regulação da atividade conjunta. Essa ajuda é possível graças à negociação dos significados e ao estabelecimento de um contexto discursivo que torna possíveis a comunicação e a expressão (Cubero & Luque, 2004). Reconhece-se, portanto, que a construção do conhecimento na sala de aula é um processo social e compartilhado, em que o sujeito participa de práticas culturalmente organizadas com ferramentas e conteúdos culturais. As perspetivas socioculturais valorizam a interdependência entre os processos individuais e os sociais na construção do conhecimento. Deste modo, a interpretação dos processos de aprendizagem baseia-se no princípio de que as atividades humanas estão posicionadas em contextos culturais e mediadas pela linguagem e outros sistemas simbólicos. A aprendizagem é, portanto, um processo distribuído, interativo, contextual, resultante da participação dos alunos em uma comunidade de prática.

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Aprender, de acordo com essa conceção, é participar de uma série de atividades humanas que implicam processos em contínua mudança (Lave, 1993). Os processos de troca e negociação no contexto escolar, segundo Rodrigo e Cubero (1998), realizam-se através da participação guiada do professor, visto como um guia da aprendizagem dos alunos que, ao mesmo tempo em que participa, lhes dá apoio. Deste modo, cabe ao professor: 1) construir pontes do nível de compreensão e de habilidade até outros níveis mais complexos; 2) estruturar a participação das crianças, manipulando a apresentação da tarefa de forma dinâmica, adaptando-se às condições do momento; 3) transferir de forma gradual o controle da atividade até que o aluno consiga realizar a tarefa. O que se pretende é que o aluno se aproprie dos recursos da cultura, através do seu envolvimento com outros mais experientes em atividades conjuntas definidas pela cultura (Rogoff, 1993). Todavia essa apropriação dos objetos de conhecimento e de ferramentas culturais mediada pela ajuda de outros implica: a) a incorporação do objeto de conhecimento ou da nova ferramenta cultural nos recursos mentais disponíveis até ao momento por parte do aluno; b) a adoção do conhecimento e da ferramenta cultural aprendidos, dando-lhes um sentido e um significado; c) a sua inclusão no reportório de práticas utilizadas; d) a partilha com os demais. A elaboração de conceitos emergentes das diversas orientações, como conhecimento compartilhado, “andaime” ou participação, convergem para uma visão de aprendizagem como colaboração ou coordenação conjunta, em que a influência educacional não se limita à interação professor-aluno. Também a interação entre alunos é aceite como contexto social de construção de significados, onde subsistem mecanismos de expressão, pontos de vista contrapostos, criação e resolução de conflitos, relevantes para a aprendizagem (Cazden, 1991). Na sala de aula, a comunicação e a construção de significados acontecem em práticas nas quais se destaca o papel do discurso educacional, já que é por meio deste que se constrói o conhecimento (Cubero & Luque, 2004). A linguagem e o consenso estabelecido na sala de aula afiguram-se como o reportório coletivo de conhecimento compartilhado. Para os autores, a aprendizagem escolar permite, segundo a maioria das propostas construtivistas, a socialização dos alunos num tipo de discurso, específico de contextos culturais e historicamente situados.

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2.7 – A aprendizagem como participação em comunidades de prática O paradigma construtivista permitiu a compreensão do fenómeno da aprendizagem como um processo ativo facilitado por atividades construtivistas ligadas ao ambiente, ao contexto e, sobretudo, aos outros. Esta visão envolvente defendida por Vygotsky preconiza uma participação ativa da componente social, cultural e histórica, assente numa perspetiva de aprendizagem que tem por base a construção do conhecimento em comunidade44 isto é, a partir da colaboração e interação com os indivíduos, assumindo a importância do contexto social na aquisição e construção do saber. O autor considerava a atividade partilhada o mais importante dos meios socioculturais de desenvolvimento e o modo fundamental de aprender. O construto de comunidade de prática ganha visibilidade com os estudos de Lave e Wenger (Lave, 1988; Lave & Wenger 1991; Wenger, 1998) onde os autores manifestam um grande interesse pela reflexão acerca do carácter social e situado da cognição. Lave (1988; 1996), nos textos que publica, destaca as relações entre a cognição e os contextos de ação em que esta era estudada, focalizando-se em estudos subsequentes, nas questões da aprendizagem. Reconhece que os saberes localizam-se em formas de experiência situadas (nas relações entre as pessoas e os contextos) e não simplesmente em contextos mentais. Estas perspetivas focalizadas na natureza social e contextual do conhecimento passaram a designar-se de “situadas”. A análise ao carácter situado da aprendizagem desencadeia um olhar mais focado nas comunidades de prática, não se concentrando só na pessoa-em-ação, mas também nas formas de participação nas comunidades de prática em que essa ação acontece. Lave e Wenger definem comunidades de prática como: «um conjunto de relações entre pessoas, atividade e mundo, entendidos num tempo e em ligação com outras comunidades de prática que culminam e se tocam (…) Implica a participação num sistema de atividades, acerca das quais os participantes partilham perceções relativamente ao que fazem e ao que isso representa nas suas vidas e para as suas comunidades» (1991, p. 98).

O aprofundamento deste conceito coube a Wenger (1998) que, no livro Communities of Practice: Learning, Meaning and Identity, o considera “uma parte integral das nossas vidas quotidianas” (p. 7) e propõe uma reapreciação do conceito de modo a “torná-lo mais 44

Rogoff (1994) definiu o conceito de comunidade referindo-se de forma direta aos processos de aprendizagem. A conceção de comunidade de aprendizagem fundamenta-se na premissa que a aprendizagem ocorre quando os indivíduos participam em empreendimentos compartilhados com outras pessoas, de modo que todas desempenham papéis ativos, embora muitas vezes assimétricos, na atividade sociocultural. Isto em oposição aos modelos de aprendizagem que se centram em uma das partes, ou seja, em quem ensina ou aprende de forma passiva (respetivamente).

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útil enquanto ferramenta de pensamento” (p. 7). Procura ainda descrever como é que são organizadas as atividades locais, como é que se interligam no sistema social, e como é que enquanto membros de comunidades de prática se negoceia e vivencia o significado de pertença a organizações mais amplas. Este conceito chama a atenção para outras formas de aprendizagem para além das escolares. Também Wenger, McDermott e Snyder (2002), falam em comunidades de prática como fragmentos naturais da vida organizacional de grupos de pessoas que compartilham interesses, preocupações ou problemas que assumem o valor da sua interação. «Communities of practice are groups of people who share a concern, a set of problems, or a passion about a topic, and who deepen their knowledge and expertise in this area by interacting on an ongoing basis…These people don’t necessarily work together every day, but they meet because they find value in their interactions» (p. 4).

A noção de comunidade de prática refere-se, portanto, a um grupo informal de indivíduos, socialmente interligados e envolvidos numa atividade, numa prática conjunta, partilhando uma linguagem, preocupações e interesses, que fortalecem e desenvolvem conhecimento pela resolução conjunta de problemas (Wenger, 1998). É consensual a ideia de que todos pertencemos a comunidades de prática. Em casa, na escola ou no trabalho, pertencemos a várias comunidades de prática que vão modelando o nosso percurso de vida. Muito embora, segundo Matos (2005), o conceito de comunidade de prática tenha vindo a ser utilizado para refletir sobre as aprendizagens emergentes das práticas dos alunos. A prática assim perspetivada é uma realidade social que se desenvolve através de interações sociais entre os participantes num contexto histórico e cultural que confere estrutura e significado ao que se faz. Wenger (2001) reforça que as comunidades de prática emergem de forma espontânea e informal, e que a sua evolução resulta da interação e negociação entre os membros. Para o autor, a aprendizagem é uma característica da prática e uma fonte de estrutura social. A prática é produzida pelos membros, mediante a negociação do significado. A prática nas comunidades faz referência a um saber tácito, implícito e suportado por uma prática reflexiva de ordem profissional. Neste sentido, a comunidade de prática é uma comunidade de aprendizagem, dado que a prática tem por base uma organização implícita ao serviço da aprendizagem em colaboração.

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Uma comunidade de prática reúne três elementos estruturais: um domínio de prática que define um conjunto de questões, uma comunidade de pessoas que se preocupam com esse domínio e uma prática partilhada desenvolvida pelos membros dessa comunidade (Wenger, McDermott & Snyder, 2002). O domínio é o que permite a criação de uma base comum e um sentido de desenvolvimento de uma identidade, validando a existência da comunidade através da afirmação dos seus objetivos. É um elemento de inspiração dos seus membros, que acompanha a evolução daquela comunidade e do mundo social. A comunidade é o tecido social da aprendizagem. É o elemento central no qual as pessoas interagem, aprendem em conjunto, constroem relações entre si, e deste modo desenvolvem um sentido de engajamento e de pertença. Estas interações a longo prazo permitem a criação de uma identidade comunitária, assim como também a diferenciação entre os seus membros que assumem diversos papéis e criam determinados estilos. Quando a comunidade evolui, muda a sua natureza e é nesta conjetura que se tornam relevantes as questões de liderança (pelo professor ou pelos alunos nos seus grupos de trabalho) na criação de uma atmosfera e de um foco que favoreçam modos de participação em atividades relacionadas com a educação (Matos, 2005). A prática é constituída, de acordo com Wenger, McDermott e Snyder (2002), por um conjunto de «esquemas de trabalho, ideias, informação, estilos, linguagem, histórias e documentos que são partilhados pelos membros da comunidade. (…) a prática é o conhecimento específico que a comunidade desenvolve, partilha e mantém» (p. 29). A sua evolução traduz-se num produto coletivo integrado na tarefa dos participantes, ou seja, num conhecimento útil para os próprios. Uma comunidade de prática desenvolve um forte sentido de partilha interna das figurações e narrativas do conhecimento, construindo desta forma, as atividades geradoras das práticas comuns ou partilhadas (Dias, 2008). Uma comunidade de prática45 prevê a construção continuada de conhecimento, a partir de aprendizagens anteriormente adquiridas e progride de acordo com as necessidades e perceções dos seus membros, que progressivamente adicionam novos semblantes à comunidade. Nas comunidades de prática situa-se o conhecimento e a aprendizagem, 45

Uma comunidade de prática deve estimular a evolução, estabelecer o diálogo entre múltiplas perspetivas, convidar diferentes níveis de participação e perícia, desenvolver espaços para a comunidade, evidenciar o seu valor, combinar familiaridade e entusiasmo, criar ritmo para a comunidade (Wenger, McDermott & Snyder, 2002).

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sendo estas «(…) uma condição intrínseca para a existência de conhecimento» (Lave & Wenger, 1991, p. 98). A aprendizagem ocorre em contextos sociais que influenciam os tipos de conhecimento e práticas que são construídas. É uma experiência inerente à participação em comunidades de prática, sendo esta participação emergente e intencional. Para os autores, a participação na prática cultural, na qual o conhecimento existe, assumese como um princípio epistemológico da aprendizagem. A aprendizagem dos novos membros vai depender da estrutura social da prática, das suas relações de poder e das condições de legitimação da participação dos novos membros. A aprendizagem assim definida assume-se como um processo de transformação da participação dos indivíduos e o desenvolvimento decorre dos papéis desempenhados e da compreensão das atividades em que participam. Nesse sentido, os autores destacam a necessidade de se considerarem modelos sociais de aprendizagem que considerem a aprendizagem como algo social e coletivo, cujo princípio fundamental é a participação dos alunos em práticas situadas socialmente, em oposição às teorias que reduzem as aprendizagens à capacidade mental dos indivíduos, que enfatizam as diferenças individuais, estabelecem mecanismos de comparação e determinam os limites superiores e inferiores, definindo padrões de excelência que os indivíduos deverão alcançar. Lave (1993) debruça-se sobre os diferentes modelos de aprendizagem presentes nas diversas comunidades e destaca que o conceito de aprendizagem é inseparável do da prática, de forma que aquele que aprende não apenas se aproxima do conhecimento, mas também de todo um conjunto de práticas sociais e de valores que se associam a elas. Esta perspetiva reconhece ainda que os indivíduos desenvolvem processos psíquicos superiores e constroem conhecimentos significativos a partir das atividades realizadas. Acentua-se a vertente dialética das relações que constituem a experiência humana e assume-se que o conhecimento se configura através da mente, do corpo e do ambiente. Aprender é participar numa comunidade de prática46 onde existe o conhecimento, não como uma conquista individual adquirido através do ensino, mas como um produto partilhado pela comunidade.

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Lave (1996) reconhece que muitas reformas curriculares acabaram por falhar precisamente por não se conhecerem as comunidades de prática existentes na escola e recomenda o conhecimento sobre as comunidades de prática (dentro e fora da escola) a que os alunos pertencem, o que aprendem e como aprendem e perceber como é que relacionam a sua participação na atividade escolar com a sua participação nos meios não escolares da sociedade.

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Esta abordagem propõe a alteração de alguns princípios presentes nos modelos tradicionais: 1) eliminação da polaridade de valores que permite situar a escola em primeiro lugar em relação a qualquer outra forma de educação; 2) ir além do conceito de transmissão que supõe unidirecionalidade entre quem aprende e quem ensina; 3) aceitação de que a aprendizagem é uma atividade socialmente situada. Wenger (1998) identifica três dimensões que podem tornar a prática como uma fonte de coerência da comunidade de prática: 1) empenhamento mútuo (mutual engagement); 2) empreendimento conjunto (joint enterprise); 3) reportório partilhado (shared repertoire) (p.73). Estas dimensões da prática, apesar de contribuírem para a coerência da comunidade de aprendizagem não são autossuficientes para a definição de uma comunidade de prática. O autor refere-se ao empenhamento mútuo dos participantes como o seu envolvimento em ações com significados negociados. A pertença (membership) à comunidade decorre deste empenhamento mútuo e é a característica de base para a sua existência. Só existe uma comunidade de aprendizagem quando se estabelecem relações profundas de empenhamento mútuo entre os participantes. O empenhamento mútuo é favorecido com a criação de condições logísticas que possibilitem à comunidade, pôr em prática ações com o envolvimento dos seus membros. A segunda característica da prática, enquanto fonte de coerência da comunidade, é a negociação de um empreendimento conjunto. Para que possa contribuir para a manutenção da comunidade deverá: 1) resultar de um processo coletivo de negociação, que reflita a complexidade do envolvimento mútuo; 2) ser pertença da comunidade, não obstante as influências externas, enquanto resultante de uma resposta negociada à situação; 3) gerar relações de responsabilização recíproca entre os participantes. Quanto à terceira característica da prática, é o desenvolvimento de um reportório partilhado, que inclui rotinas, palavras, ferramentas, modos de fazer as coisas, histórias, gestos, símbolos, ações ou conceitos que a comunidade produziu ou adotou no curso da sua existência, e que se tornaram parte da sua prática. O reportório combina aspetos retificativos e participativos. Inclui o discurso pelo qual os membros criam afirmações significativas sobre o mundo, bem como os estilos pelos quais expressam as suas formas de ser membro e a sua identidade como membros. A teorização sobre as comunidades de prática pressupõe uma mudança importante nas conceções de aprendizagem em que se procura entender e situar a aprendizagem num contexto mais geral, o da instituição educativa, mas sobretudo o da própria vida das

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pessoas que aprendem. Implica uma nova dinâmica baseada na interação, participação, interajuda e comunicação. Como reconhece Rodríguez Illera (2007), o que está em jogo na conceção sobre as comunidades de prática não é apenas a aprendizagem, numa perspetiva didática enquanto mero output de eficácia dos processos de ensino, mas a relação entre a aprendizagem e a vida pessoal e social. A referência à comunidade, como origem da vida social, ou seja, como principal contexto de referência para qualquer sujeito, altera a visão de aprendizagem, que deixa de ser vista como um fim em si mesmo, mas como um elemento de interligação entre aspetos que têm a mesma importância para o sujeito que a simples melhoria do desempenho ou aquisição de determinadas habilidades. Esta teoria social de aprendizagem permite a reflexão sobre o que se aprende e como se aprende na escola. É portanto um grande contributo para a linha teórica da aprendizagem situada. A noção de aprendizagem situada surge como um conceito transitório, onde de um lado, estão os processos cognitivos primários, e no outro, a prática social como fenómeno gerador, sendo a aprendizagem uma das suas caraterísticas. A aprendizagem é um aspeto integral da prática social generativa. O foco da análise altera-se do indivíduo, enquanto aquele que aprende, para o aprender como participação no mundo social. A aprendizagem não é entendida como um tipo de atividade, mas antes, como um aspeto de qualquer atividade (Brazão, 2008b). Acredita-se que a criação de comunidades de aprendizagem favorece o aparecimento de competências metacognitivas, em que os sujeitos aportam as suas próprias estruturas do saber e perspetiva de entendimento da atividade educativa. Nesse sentido, o recurso ao conceito de comunidades de prática para a promoção de ambientes mais favoráveis de aprendizagem ganha cada vez mais consistência. A criação de um Percurso Curricular Alternativo, entendido como um projeto que dá significado e situa as aprendizagens dos alunos, pode naturalmente originar condições propícias à emergência e desenvolvimento de uma comunidade de aprendizagem. Como reconhece Calderwood (2002), a existência de uma comunidade de aprendizagem na escola concorre para o seu sucesso e transformação, pois a possibilidade dos estudantes se tornarem participantes legítimos de uma comunidade de aprendizagem (Lave & Wenger, 1991) transforma toda a realidade escolar, visto que esta pode tornar-se numa instituição mais acolhedora e democrática, em que as experiências vividas na escola

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se aproximam mais de outras experiências sociais, vividas pelos alunos, enquanto adultos inseridos numa comunidade social. As escolas perspetivadas como comunidades de aprendizagem baseiam-se na partilha de motivações comuns, de afinidades de interesses, de conhecimentos, de atividades de projetos, num processo de cooperação e interações sociais entre escolas, instituições comunitárias, entre autores e leitores independentemente das proximidades geográficas e domínios institucionais (Silva, 2002). A noção de comunidade de prática no domínio educacional implica pois a adoção de novas dinâmicas e abordagens, centradas na interação, facilitadora da participação, interajuda e comunicação, no desenvolvimento e construção do conhecimento, com base na premissa de que a aprendizagem é um fenómeno social, situado no contexto da experiência vivida que pode ser partilhada. Com efeito, a prática compartilhada enquanto espaço de aprendizagem permite que os aprendizes acedam a níveis de aprendizagem mais elevados, quando comparados com os que atingiriam sozinhos. Por outro lado, é cada vez mais reconhecida a importância do envolvimento dos alunos em práticas significativas, em oposição a abordagens que privilegiavam o mero cumprimento de unidades curriculares. É neste contexto que a comunidade de prática assume cada vez mais um papel relevante e significativo.

2.8 – O construcionismo: uma proposta de construção do conhecimento A construção do conhecimento através do computador tem sido designada por Papert47 (1986) de construcionismo. O autor usou o termo construcionismo para designar um outro nível de construção do conhecimento: a construção que acontece quando o aluno constrói um objeto do seu interesse, como uma obra de arte ou um programa de computador. Este tipo de construção do conhecimento difere do construtivismo de Piaget porque o aprendiz constrói alguma coisa, aprende fazendo algo para o qual está particularmente motivado, pois conforme aponta Valente (1993a) o envolvimento afetivo torna a aprendizagem mais significativa. Entretanto, a presença do computador, isto é, o 47

Seymour Papert nasceu nos Estados Unidos mas viveu grande parte da sua infância e juventude na Africa do Sul. Fez o seu doutoramento em Matemática. Foi colaborador de Jean Piaget, investigando questões relacionadas com o desenvolvimento da criança. Professor no Massachusetts Institute of Technology (MIT) é construcionista e um dos maiores visionários do uso da tecnologia na educação. É principalmente conhecido como criador da linguagem LOGO, desenvolvida especialmente para fins educativos, baseada na metáfora “ensinar a tartaruga”. O LOGO é também uma filosofia sobre a natureza da aprendizagem e a relação entre o homem e a tecnologia (Ponte, 1997).

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facto de o aprendiz construir algo através do computador, (computador como ferramenta) também contribui para a diferença entre estas duas maneiras de construir o conhecimento. Fino (1999), em referência às ideias de Shaw (1994), comenta o conceito de construcionismo como um conceito que se expandiu a partir do construtivismo, teoria que contraria a ideia do estudante como tábula rasa e o professor como a autoridade que impõe o conhecimento e força o estudante a aprender. O construtivismo argumenta que os professores devem compreender a natureza ativa do processo de aprendizagem, no qual os estudantes já estão empenhados, de modo a poderem facilitar e enriquecer esse processo, ao invés de tentarem impor-lhes experiências que não fazem sentido. Os construtivistas admitem que todas as crianças estão empenhadas na criação de uma cadeia de estruturas intelectuais para darem ordem ao mundo em que vivem, e que essas estruturas devem suportar níveis de complexidade cada vez mais elevados, à medida que a criança cresce e se desenvolve. Já o entendimento construcionista acrescenta algo ao ponto de vista construtivista. Onde o construtivismo indica o sujeito como construtor ativo e argumenta contra modelos passivos de aprendizagem e de desenvolvimento, o construcionismo dá particular ênfase a construções particulares do indivíduo, que são externas e partilhadas. Papert (2008) assume o construcionismo enquanto reconstrução pessoal que deriva do construtivismo e apresenta como principal característica a proximidade à ideia de construção mental. O autor valoriza o papel das construções no mundo como um apoio para as construções que ocorrem na cabeça. Segundo esta abordagem, as crianças farão melhor descobrindo sozinhas o conhecimento específico de que precisam. O construcionismo reconhece que o conhecimento acontece especialmente quando o aluno está engajado na construção de algo externo ou pelo menos compartilhável como por exemplo um castelo de areia, um programa de computador, um livro. Isto leva-nos a um modelo usando um ciclo de internalização do que está fora, em seguida, a externalização do que está dentro e assim por diante. Admitindo a importância do construcionismo, Resnick (1996) defende que este assenta em dois pressupostos, sendo o primeiro baseado na teoria construtivista de Piaget e reporta-se à assunção de que a aprendizagem é um processo ativo, através do qual se dá a construção do conhecimento a partir das suas experiências do mundo. O segundo remete para a ideia de que os sujeitos constroem novos conhecimentos com mais eficácia quando estão engajados na criação de produtos e experiências significativas.

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Relativamente ao computador, Papert (1986; 2008) foi a primeira pessoa a ver as possibilidades que esta ferramenta oferecia à educação. No final da década de 60, quando trabalhava em pesquisas sobre Inteligência Artificial, o professor começou a defender o uso da informática na sala de aula. Desenvolveu o LOGO, que é uma linguagem de programação voltada para a educação, que visava a criação de um ambiente de aprendizagem segundo uma abordagem construcionista em que a criança utilizava o computador como um “objeto-de-pensar”, permitindo assim a construção do seu próprio conhecimento. O LOGO não é apenas uma ferramenta informática, é muito mais. Na opinião de Sousa e Fino (2001), é um projeto pedagógico de utilização dos computadores na educação, oposta a outras perspetivas do passado como a EAC, que substitua ou potenciava a capacidade de ensinar do professor. Trata-se de uma ferramenta que uma vez entregue aos aprendizes potencia as suas possibilidades de aprender, para além do currículo. Papert admitia igualmente que a construção do conhecimento tinha como pressupostos a exigência de uma aprendizagem situada, isto é, profundamente integrada e mergulhada no contexto em que decorria, corroborando a premissa de que são mais significativas as aprendizagens que ocorrem no desempenho de tarefas autênticas; a negociação social do conhecimento, que é o processo pelo qual os aprendizes edificam as suas construções em interação com os pares, e a colaboração, elemento indispensável para que o conhecimento possa ser negociado. Nesta ação o aprendiz realiza projetos do seu interesse no computador, que por ser do seu interesse, leva ao seu envolvimento afetivo com a atividade, tornando-a por isso significativa. Isto acontece quando a ação é contextualizada, vinculada à realidade do aprendiz. Segundo Papert, o aprender fazendo e o envolvimento afetivo com a atividade é o que diferencia a aprendizagem construcionista da atividade construtivista de Piaget. Para Valente (1993a), a presença do computador numa atividade de construção já diferencia a maneira de construir o conhecimento descrita por Piaget e Papert. Com esta proposta, Papert inverte o atual quadro do uso do computador na maioria das escolas, promovendo mudanças significativas no processo de ensino e aprendizagem, deixando o computador de ser o meio de transferir informação, passando a ser a ferramenta que permite à criança formalizar os seus conhecimentos intuitivos, identificar o seu estilo de pensamento, conhecer o próprio potencial intelectual e empregá-lo no desenvolvimento de habilidades e aquisição de novos conhecimentos (Valente, 1985).

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Estas novas modalidades do uso do computador na educação perspetivam o uso da tecnologia não como “máquina de ensinar”48, mas como uma nova media educacional: o computador é agora encarado como uma ferramenta complementar, de aperfeiçoamento e de possível mudança na qualidade do ensino (Valente, 1993b). A partir daqui, exige-se mudanças aos professores a nível do currículo, metodologias, enfim, alterações nas práticas pedagógicas. Para além de que o computador, como ferramenta, pode ainda ser adaptado a diversos estilos de aprendizagem, aos diferentes níveis de capacidade e interesse intelectual e às diferentes situações de ensino-aprendizagem, permitindo deste modo a criação de novas abordagens. O uso do computador como ferramenta provoca profundas mudanças no processo de ensino vigente, como a flexibilidade dos pré-requisitos e do currículo, a transferência do controle do processo de ensino do professor para o aluno e a relevância dos estilos de aprendizagem, ao invés da generalização dos métodos de ensino. A transferência do controle do processo de ensino do professor para o aluno impõe alterações ao papel do professor. Papert (1985) vem afirmando que deverá consistir em saturar o ambiente de aprendizagem com os “nutrientes cognitivos”, a partir dos quais os alunos constroem o seu conhecimento. Neste sentido, deverão ser proporcionadas às crianças ferramentas diversificadas que lhes possibilitem uma exploração completa desses nutrientes. Em síntese, o computador deve ser utilizado como um catalisador de mudança do paradigma educacional. Um novo paradigma que promove a aprendizagem ao invés do ensino, que transfere o controlo do processo de aprendizagem para as mãos do aprendiz e que auxilia o professor a entender que a educação não é somente a transferência de conhecimento, mas um processo de construção do conhecimento pelo aluno, como produto do seu desenvolvimento intelectual. Os novos conceitos de professor “mediador” e de aluno “construtor” serão explanados com maior profundidade no final deste capítulo.

2.9 – Ambientes de aprendizagem construcionistas Durante muito tempo e por razões diversas, como a falta de um corpo teórico em bases sólidas relativamente a estratégias e ambientes de aprendizagem, para além da 48

O computador “máquina de ensinar”, utilizado na perspetiva instrucionista, é utilizado para transmitir informação e conteúdos mantendo o aluno passivo no processo de aprendizagem.

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tradicional separação entre a pesquisa em educação e a prática pedagógica, os professores atuaram por intuição e por força das suas conceções pessoais, resultantes em grande parte das suas experiências como alunos (Valadares & Moreira, 2009). Só na segunda metade do século XX é que começam a ocorrer algumas grandes reformas no ensino das ciências que, apesar de tudo, não tiveram o efeito previsto. Aos poucos foi emergindo a necessidade de se alterar os ambientes de aprendizagem e na década de 60 sobrevêm as primeiras pesquisas educacionais Já nos anos 90 dá-se a prevalência das ideias construtivistas na pesquisa acerca dos ambientes de aprendizagem. Os fundamentos das teorias construtivista e construcionista potencializam ambientes de aprendizagem interativos que, com o apoio da tecnologia, transferem para o aluno, todo o protagonismo do processo de ensino-aprendizagem, tradicionalmente atribuído aos professores. Com efeito, a incorporação das TIC na educação trouxe implicações tanto à prática docente como também aos próprios processos de aprendizagem. Daqui decorre toda a importância atribuída aos pressupostos teóricos destas teorias que temos vindo a analisar evolutiva e sequencialmente, e às TIC, alicerces do novo paradigma da escola. A tecnologia como fator de inovação poderá constituir-se um suporte à criação de contextos escolares diferentes. Sendo certo que a inovação não reside na tecnologia, mas no que esta nos permite alterar com a sua utilização, então é possível desencadear uma mudança de paradigma, se imbuídos de um espírito renovador e atitude reflexiva perante os princípios da escola atual. Propõe-se uma evolução à abordagem tradicional, no ensino formal, que apontava a separação entre o aluno (sujeito que aprende) e o professor (sujeito que ensina), baseada em modelos de ensino orientados por uma conceção objetivista da aprendizagem, que desvalorizava os aspetos ligados à autonomia e responsabilização do aluno no processo de aprendizagem, assim como também o papel dos meios e instrumentos que sustentam a sua construção das representações do conhecimento e, fundamentalmente, o ambiente de aprendizagem. Hoje sabe-se que os ambientes em que é permitido aos alunos acederem a fontes de informação diversas, explorar novas situações, atingir objetivos e metas de aprendizagem de acordo com o ritmo individual, em que a sua autonomia e responsabilização no processo de aprendizagem é enfatizada, são lugares otimizantes de construção do conhecimento que integram a ajuda e a atividade colaborativa no próprio processo de modo a desenvolver a

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aprendizagem. É por isso que cada vez mais é destacado o novo e importante papel dos professores que deverão garantir um apoio adequado, disponibilizando recursos e instrumentos necessários à compreensão da complexidade dos conteúdos e das suas interrelações (Morais, Miranda, Dias & Almeida, 1999). Segundo os autores, que descrevem o pensamento de Wilson (1995) acerca dos ambientes construtivistas enquanto lugares onde os alunos podem trabalhar juntos, apoiarse uns aos outros, usar ferramentas da sua cultura incluindo a linguagem e as regras para cativar o diálogo e a produção de conhecimento, útil à persecução de metas de aprendizagem e à resolução de problemas, estas estratégias promovem a adoção de sistemas abertos às iniciativas dos alunos e professores. A tecnologia suportada pelo computador poderá assumir neste contexto um papel preponderante dadas as suas potencialidades, simultaneamente independente e interativa. O caráter de independência promove uma aprendizagem centrada no aluno, permitindo uma construção reflexiva do seu conhecimento, baseado nas suas capacidades e interesses e permitindo que evolua segundo o seu próprio ritmo. Neste sentido, o computador facilita a construção individual do conhecimento, numa perspetiva construtivista da aprendizagem. Já a qualidade interativa permite que cada aluno interaja não só no seu próprio contexto, mas também com outros alunos e intervenientes que integram o meio académico, geográfico e social em que o aluno está inserido. Deste modo, o computador tanto pode favorecer estratégias construtivistas centradas no aluno, bem como estratégias socioculturais centradas no meio social em que este se insere. O computador pode ser sem dúvida muito importante na construção do conhecimento e na compreensão de uma ação. Mas a criação de ambientes de aprendizagem propiciadores dessa construção e desenvolvimento de habilidades de pensar dependerá da ação do professor, concretamente da metodologia adotada e da sua compreensão sobre educação. O contato com o computador deverá incitar o aluno para a descoberta. É por isso urgente dar outra configuração educacional à escola, de modo a transformar os espaços existentes em novos espaços de construção do conhecimento enquanto processo dialético e progressivo. Neste processo, as TIC desempenham um papel de destaque cujo aprofundamento e reflexão remetemos para o ponto que se segue.

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2.9.1 – As TIC e a aprendizagem numa proposta de PCA A última metade do século XX ficou marcada pelo vertiginoso progresso científico e tecnológico, bem como por importantes avanços económicos e culturais. O avanço desmedido da produção de conhecimento e da globalização transformaram a época atual num tempo de incertezas e contradições, causador de angústia e receios em relação ao futuro. É neste quadro atual de profunda instabilidade e de mudança permanente que emergem expectativas quanto aos contributos da educação na preparação e formação de cidadãos capazes de responderem à pluralidade dos desafios com que se confrontam, bem como, de atenuar e corrigir as desigualdades sociais cada vez mais presentes na sociedade atual. É por isso que os grandes desafios do futuro impelem a escola para um novo sentido da intervenção educativa, capaz de criar as condições mínimas para a aprendizagem ao longo da vida. Mais do que um conjunto de competências a adquirir, é fundamental o envolvimento, responsabilização e realização de cada indivíduo no seu projeto pessoal, condições particularmente relevantes no caso dos alunos que integram um PCA. Neste contexto, as TIC poderão ajudar a criar novos espaços e possibilidades de aprendizagem, cujos benefícios dependerão, no entanto, da forma como forem utilizadas. Suportadas por uma autêntica revolução tecnológica, as TIC chegaram às escolas na década de 60. Apesar da modelação fabril, a escola incorporou boa parte das tecnologias49. No espaço de um século e meio, muitas foram as inovações introduzidas na sequência do desenvolvimento tecnológico, não significando, no entanto, que a incorporação de mais tecnologia resultasse em alteração substancial no funcionamento das escolas, que no essencial mantiveram inalterável a sua estrutura organizacional (Fino, 2007). Não obstante a disseminação dos meios audiovisuais, e apesar da crença da transformação da escola pelo seu uso, estes foram sempre perspetivados como “auxiliares de ensino”. Os principais meios audiovisuais (cinema e televisão), por servirem para veicular conteúdos destinados a serem consumidos em simultâneo por massas de espectadores, partilhavam algo de comum com as escolas, que também procuravam chegar a turmas inteiras de alunos. Foi por isso que a sua exploração em ambiente escolar não 49

O ensino através da informática remonta ao ano de 1924 tendo sido utilizado por Sidney Pressey que inventou uma máquina para corrigir testes de múltipla escolha. Posteriormente, em 1959, Skinner, como professor de Harvard, apresenta uma máquina para ensinar usando o conceito de instrução programada que consiste na divisão do material a ser ensinado em pequenos segmentos logicamente encadeados e designados por módulos (Valente, 1993b).

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provocou alterações, sendo os pressupostos da sua utilização os mesmos que presidem à emissão do discurso do professor, quando utiliza suportes tradicionais como a voz, o livro ou o quadro negro. Nenhum desses meios audiovisuais deslocalizava o curso dos acontecimentos para fora da escola, nem impunha a adoção de atitudes diferentes por parte dos professores. Nenhum conferia novos poderes aos alunos, nomeadamente o que se relaciona com a tomada de decisão sobre a seleção dos conteúdos (Fino & Sousa, 2003). A história da introdução das TIC na escola é pois uma história de insucessos e, ou pela falta de identificação de objetivos ou pela falta de aproximação sistemática à inovação, entre outros motivos, muitas das tecnologias acabaram por não produzir os resultados esperados (Teodoro & Freitas, 1992). Outra das razões do fracasso no processo de integração dos computadores nas escolas deve-se à sua utilização apenas com o intuito de melhorar a eficácia do ato de ensinar (Sousa & Fino, 2001). É nesse sentido que apontam os resultados mais significativos de dois projetos de investigação (Projeto PEDACTICE e IPETCCO), ambos de cariz internacional, em que o último tinha como objetivo conhecer as práticas dos professores de TIC em Portugal e nos restantes países do sul da Europa (Costa, 2007). A evidência empírica deixou clara a escassez na utilização de meios tecnológicos, no quotidiano escolar, mesmo quando os docentes estavam motivados para o seu uso na sua atividade profissional. Também ficou demonstrada a predominância de uma utilização pouco ambiciosa do ponto de vista da aprendizagem, continuando as tecnologias a servir de apoio ao trabalho do professor ou de suporte a tarefas rotineiras por parte dos alunos, não contribuindo no entanto para o seu desenvolvimento cognitivo (Costa & Peralta, 2006). Há portanto um quase total desaproveitamento do “potencial” que o computador e as novas TIC integram em termos de estimulação, desenvolvimento e suporte das competências de aprendizagem (Jonassen, 2007; Papert, 1997; 2008). Ou seja, a incorporação de tecnologia na educação não produziu uma escola diferente, tendo-se continuado na reprodução dos estereótipos da escola tradicional. A tecnologia pode ser um meio poderoso, mas não se pode transformar num fim em si mesma. Daí que a reflexão sobre as condições em que a tecnologia permite instituir novos contextos de aprendizagem seja crucial para a emergência de uma intervenção pedagógica verdadeiramente inovadora. Segundo Fino (2006),

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“a tecnologia pode ser um auxiliar poderoso, uma vez que ela pode ajudar a criar e testar ambientes diferentes, novas descentralizações e novas acessibilidades, novas maneiras de imaginar o diálogo intersocial que conduz à cognição. Mas a tecnologia não é inovação: se incorporada atabalhoadamente e à revelia de uma reflexão esclarecida, ela pode redundar em novo constrangimento. Pode alimentar o invariante. Pode contribuir para fazer tardar a reorganização paradigmática. Pode servir para dar continuidade à escola fabril por novos meios. Enquanto lá fora, a vida real se vai permanentemente reestruturando e transformando em torno de uma realidade sempre nova” (p. 14).

Já não restam dúvidas que a incorporação de tecnologia nas salas de aula deverá permitir a rutura de princípios, crenças e atitudes estruturantes da escola tradicional que, quando confrontados com o cenário atual, apresentam um total desajustamento da realidade, devido às mudanças, transformações e explosão da informação e do conhecimento. Neste sentido, propõe-se a adoção de metodologias que se enquadrem no novo paradigma, como forma de ultrapassar as dificuldades emergentes de uma prática desarticulada da realidade e limitada nas suas finalidades. Por tudo isso, é urgente a construção de ambientes de aprendizagem verdadeiramente inovadores, de partilha, de desenvolvimento de competências cognitivas de pesquisa, apropriação, análise e avaliação de informação, apoiadas em novas abordagens pedagógicas, em que se dará maior importância à iniciativa do aluno e ao trabalho em equipa. De forma gradual, a integração das TIC nas escolas deverá promover mudanças substanciais na forma como os alunos aprendem, pois na opinião de Silva (2001), apesar das dificuldades sentidas, as TIC contêm um potencial estratégico para renovar a estrutura escolar e curricular ao nível das repercussões organizativas, da relação com os conteúdos e da metodologia. O debate/reflexão em torno das TIC deve situar-se, prioritariamente, ao nível dos desafios que colocam à reorganização da escola, envolvendo a comunidade educativa e os seus agentes. «(…) as TIC dão à escola a oportunidade em passar do modelo de reprodução da informação para um modelo de funcionamento baseado na construção partilhada do conhecimento, aberto aos contextos sociais e culturais, à diversidade dos alunos, aos seus conhecimentos, experimentações e interesses, enfim, em constituir-se como uma verdadeira Comunidade de Aprendizagem” (Silva, 2001, p. 145).

O autor situou as principais repercussões emergentes da integração das TIC no contexto escolar, nos níveis da organização, da relação com os conteúdos e da metodologia. As repercussões organizativas compreendem os aspetos relacionados com a centralização/descentralização, da flexibilidade do tempo e do espaço escolares e da adaptação curricular. Relativamente à centralização/descentralização, deverá considerar-se

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as vias de tomada de decisão entre os vários níveis do sistema (macro, meso e micro), no domínio da administração, da construção e do desenvolvimento do currículo, como no da investigação e formação. A contribuição para a gestão/flexibilização do tempo e do espaço escolar e para a adaptação curricular depende do estabelecimento de uma comunicação constante entre os conteúdos a aprender e os alunos permitindo que o professor proceda às alterações necessárias ao seu programa, ajustando os conteúdos às caraterísticas e necessidades dos alunos. São propostas de alteração ao modelo vigente de organização pedagógica assente no grupo-turma, em que para o conjunto das disciplinas o grupo de alunos é escolhido para o ano inteiro, sem qualquer opção de escolha por parte destes. Têm um horário fixo, professores fixos, no quadro de um programa e de um plano de estudos que se impõe a professores e alunos. Numerosas investigações têm demonstrado a ineficácia deste modelo aconselhando a implementação de uma nova organização pedagógica, com base no equilíbrio entre as atividades da turma, do pequeno grupo e do indivíduo, ou seja, entre a aprendizagem orientada pelo professor e a desenvolvida por iniciativa dos alunos. Esta organização tem por base os princípios da pedagogia diferenciada e dos modelos construtivistas da aprendizagem, em que o sujeito conduz as ações e atividades realizadas na escola (Silva, 2002). As TIC permitem corresponder às expectativas deste novo modelo, por possibilitarem a adoção de uma nova definição de tempo escolar, flexível na adaptação às necessidades dos alunos e às mudanças da planificação e da programação. Trata-se de desescolarizar o tempo e o lugar (sala de aula), retirando-lhes a dimensão coletiva atual: o mesmo tempo e a mesma sala para todos os alunos. Quanto às repercussões em relação aos conteúdos, compreendem os aspetos de disponibilização aos alunos de todo o tipo de conhecimento relacionados com o programa, do acesso a fontes de informação diversificados, da atualização permanente dos conteúdos através do acesso a bases de dados e estabelecimento de uma relação direta com os criadores do conhecimento. Em relação à metodologia, as principais repercussões prendem-se com a possibilidade de se criarem metodologias singulares e variadas, adaptadas ao perfil de cada aluno e aos contextos de aprendizagem. É a aplicação de uma pedagogia diferenciada que segundo Landsheere (1994) valoriza o método, o processo, o itinerário, o como, dando aos

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professores a possibilidade de ensinarem de outro modo, em função de um novo paradigma metodológico que rompa com o modelo de pedagogia uniforme. A natureza das tecnologias que suportam estas repercussões amplia a complexidade do diálogo da sala de aula permitindo o acesso e manipulação de fontes exteriores de informação, a comunicação à distância, significando em termos práticos a ênfase na aprendizagem colaborativa e expansão da capacidade de diálogo interpessoal. É a partir das interações realizadas na turma, que os ambientes de comunicação emergentes promovem o desenvolvimento de competências de gestão dos processos individuais e colaborativos de aprendizagem, bem como o acesso às representações de conhecimento partilhadas pela comunidade. Por outro lado, a natureza deste processo implica que o utilizador ou membro da comunidade seja um participante ativo e, deste modo, um coautor do desenvolvimento do sistema, no sentido da criação da comunidade de conhecimento (Dias, 2001). As TIC, vistas numa perspetiva de práticas de significação, não são apenas meros instrumentos que possibilitam a emissão/receção de conteúdos. Contribuem para favorecer e estruturar a ecologia cognitiva e organizacional das sociedades, com repercussões ao nível da organização dos espaços e tempos de estudo, das relações e interações com as fontes de saber e das metodologias de promoção e construção do conhecimento (Silva, 2002). Quando o aluno resolve um problema através do computador, usando uma linguagem de programação, metaforicamente está “ensinando o computador” a ultrapassar esse problema. Ao procurar a solução ele vai representar os conhecimentos e as estratégias que considera importantes para a resolução do problema, através de uma série de comandos, ou seja, por meio de um programa que será efetuado pelo computador em que este dará o resultado. Perante o resultado o aluno vai refletir e poderá repensar ou não o que foi apresentado, aperfeiçoando a sua ideia original. O processo de descrever, refletir e depurar é, segundo Valente (1993a, p. 34), uma sequência de ações que procura descrever a interação entre o aluno e o computador no sentido da resolução de um problema. O computador é neste caso um importante recurso de promoção da aprendizagem. O ciclo descrito anteriormente não ocorre apenas colocando o aluno frente ao computador, pois o aprender não está restrito à utilização do software, mas na interação professor-alunosoftware.

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Apesar dos avanços e recuos, é consensual que a introdução do computador na educação provocou uma transformação nas conceções de ensino e de aprendizagem. Se os primeiros programas educacionais apenas representavam uma versão computadorizada dos métodos de ensino, hoje sabe-se que é possível a sua utilização numa perspetiva de construção e ampliação do conhecimento e reconhece-se a sua utilidade e impacto sobre os processos de ensino-aprendizagem. A disseminação das TIC no contexto escolar conduz à emergência de outras modalidades, tornando complexa a tarefa de descrever e classificar as possibilidades da sua utilização. Martí (1992), ao rever o papel dos computadores na aprendizagem escolar e, portanto, limitado às tecnologias informáticas, assinala quatro tipos de usos estreitamente vinculados a outras tantas conceções dos processos de aprendizagem: o ensino assistido por computador (EAO), orientado para a aprendizagem de conteúdos concretos que implicam fortes doses de exercitação e prática para serem memorizados, afluente de uma conceção behaviorista da aprendizagem e próxima de uma visão do ensino como transmissão de conhecimentos; os sistemas inteligentes de ensino assistido por computador (IEAO) ou programas tutoriais, cuja finalidade é similar à da EAO e que visam a facilitação e a aquisição de uma série de conhecimentos ou de habilidades sustentadas por uma visão de aprendizagem inspirada nas teorias do processamento humano da informação e na inteligência artificial. Trata-se de um processo que consiste em procurar, selecionar, processar, organizar e memorizar a informação, em que o ensino é visto como a tarefa que consiste em guiar e orientar esse processo; os micromundos informáticos, em que o mais conhecido é o micromundo designado de “Geometria da Tartaruga”, criado por Papert (1981) em linguagem LOGO, cuja utilização ocorre em ambientes de exploração, descoberta e aprendizagem em que o aluno elabora, modifica e melhora os seus próprios projetos, assente numa perspetiva de aprendizagem e ensino, suportada na inteligência artificial e na teoria genética de Piaget; e os ambientes de aprendizagem que integram os computadores com outros recursos didáticos para a aquisição de conteúdos escolares específicos com base nas atividades autoestruturantes do aluno, na atividade de regulação e ajuda do professor e de outros colegas, alicerçada numa conceção de aprendizagem e ensino fruto da perspetiva entre «construtivismo, psicologia do ensino e teorias da mediação» (p. 63). Recentemente têm surgido outras classificações do uso e das aplicações educacionais dos computadores à educação.

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O olhar sobre as aplicações educacionais das TIC, baseados na conceção construtivista do ensino e da aprendizagem, permite perspetivar o desafio imposto por essas tecnologias no campo da pesquisa psicoeducacional e didática como também na prática educativa. O impacto das TIC na educação tem, de acordo com Coll e Martí (2004), duas vertentes distintas mas complementares. Primeiro, anunciam mudanças em profundidade na educação escolar, com potencialidades para transformar as relações entre os três elementos do triângulo interativo de Coll (2004b) – os alunos, o saber e os professores, com consequências óbvias na construção do conhecimento. Segundo, com a sua presença crescente na sociedade da informação e do conhecimento, as TIC configuram novos espaços e territórios educacionais cada vez mais importantes e decisivos no desenvolvimento e socialização das novas gerações. Gradualmente e de acordo com os autores, a incorporação das TIC na educação deverão transformar a escola a partir “de dentro” e “de fora” obrigando a uma revisão crítica das funções e finalidades que orientam o seu funcionamento e objetivos (p. 436). Ao introduzir mudanças significativas nas relações e interação entre alunos, saberes e professores, consagram-se alterações substanciais tanto na prática docente como também nos processos de aprendizagem no sentido da reconstrução de aprendizagens significativas em que o professor deixa de ser o “repassador do conhecimento” e passa a ser o criador de ambientes de aprendizagem e o facilitador do processo de desenvolvimento intelectual do aluno. O controlo do processo de aprendizagem está agora nas mãos do aprendiz e não nas mãos do professor e o computador poderá constituir-se um excelente aliado nesta nova perspetiva. As tendências atuais assim o demonstram. Mas para isso é preciso ir mais além, rever metodologias e práticas, na defesa de uma abordagem que utilize o computador como ferramenta de aprendizagem na perspetiva construcionista, o que supõe a resolução de problemas e o desenvolvimento de projetos relevantes para os alunos. Entretanto, as diferentes modalidades de utilização do computador continuarão a coexistir, pois não se trata de substituir uma por outra. O essencial é compreender que cada uma das modalidades apresenta caraterísticas próprias, vantagens e desvantagens e representam uma diversidade de opções para os alunos, em oposição a uma opção única em termos de método, generalizado para todos os aprendizes. Não obstante, alguns alunos não se adaptam ao método e abandonam a escola e serão sobretudo estes que poderão usufruir destas novas conceções de ensino aprendizagem.

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2.9.2 - A cooperação como suporte Em conformidade com as premissas outorgadas por Vygotsky, a interação social desempenha um papel fundamental na cognição, em que todas as funções cognitivas superiores são resultantes da relação entre indivíduos e socialmente mediadas, atingindo-se um maior nível de desenvolvimento dos alunos quando expostos à cooperação entre pares. Por outro lado, e com base no conceito de aprendizagem situada desenvolvido por Lave e Wenger (1991) e que resulta da vivência nas chamadas comunidades de prática, emerge uma conceção de aprendizagem assente nas premissas de que o conhecimento e contexto são indissociáveis e que a aprendizagem requer interação social e colaboração. Nesse sentido, toda a aprendizagem deverá ser estruturada em termos da cooperação/colaboração entre os aprendizes, destacando-se a importância dos ambientes construtivistas de aprendizagem que assentam na aprendizagem cooperativa, baseada numa metodologia de comunhão de sentimentos, objetivos e atitudes construtivas entre alunos e de negociação e partilha de ideias conducente à resolução de problemas de âmbito disciplinar ou transdisciplinar (Valadares & Moreira, 2009). O movimento que está na base da aprendizagem cooperativa terá surgido nos EUA, inspirado na filosofia de Dewey, muito embora, grandes pedagogos europeus do século XIX tenham na altura salientado as vantagens do trabalho em grupo (Herbart, Froebel, Pestalozzi). Já na segunda metade do século XX, a preocupação com o desenvolvimento social levou Dewey (1963) a defender que, para viverem em sociedade, os indivíduos necessitavam de experienciar os processos democráticos na escola e no interior dos gruposturma, verdadeiros “microcosmos” da vida em sociedade. Para isso era fundamental: a) a sala de aula promover a democracia; b) os alunos relacionarem-se desde cedo com outros alunos, de forma cooperativa. São estas as condições que estão na génese da aprendizagem cooperativa (Bessa & Fontaine, 2002). Em termos teóricos, a aprendizagem cooperativa fundamenta-se portanto em alguns construtos da teoria socioconstrutivista de Vygotsky, nomeadamente o conceito de ZDP, de aprendizagem social, e da importância dos adultos no desenvolvimento dos alunos (Fontes & Freixo, 2004). Esta perspetiva socioconstrutivista confere à escola um novo e importante papel na construção do conhecimento e tem-se constituído como quadro de referência para muitas investigações. A aprendizagem cooperativa assenta igualmente na teoria construcionista de Papert. 114

Nas últimas décadas, o número de estudos realizados sobre a aprendizagem cooperativa tem crescido exponencialmente sobretudo a partir dos anos setenta com a publicação dos trabalhos dos irmãos David e Roger Johnson, cujos resultados apontam para a eficácia desta metodologia de aprendizagem. Numa percentagem significativa de casos, quando integrados em ambientes onde se pratica a aprendizagem cooperativa, os alunos apresentam melhores resultados em diversos aspetos da vida escolar: ganham mais motivação pelo estudo, atingem um nível de conhecimentos mais elevado e ajustam-se melhor socialmente. Simultaneamente, verificou-se que os alunos com dificuldades de aprendizagem também obtinham melhores resultados se integrados em grupos de práticas colaborativas (Freitas & Freitas, 2003). A aprendizagem em cooperação exige o domínio de capacidades sociais por parte dos estudantes envolvidos, exigindo das crianças uma socialização precoce e do professor bons conhecimentos sobre os métodos existentes, a fim de adotar o mais conveniente. Sendo o conhecimento de cada sujeito enraizado na sua experiência, enquanto processo cognitivo pessoal, tal processo insere-se na complexidade da relação do sujeito com o meio, ou seja, todo o conhecimento é um processo socialmente mediado, não havendo desenvolvimento individual sem a intervenção do meio e dos instrumentos de mediação social. Logo, conhecimento, experiência e interação estão intrinsecamente ligados, não existem independentemente, constituem-se mutuamente (Valadares & Moreira, 2009, p. 99). A qualidade das interações do aprendiz com o ambiente envolvente e, particularmente com os seus pares, é fundamental para o desenvolvimento e aprendizagem como construção de conhecimento. Segundo Johnson e Johnson (2005), a aprendizagem cooperativa é uma relação que se estabelece num grupo de estudantes detentores de determinadas caraterísticas essenciais: uma interdependência positiva, que conduz a uma sensação de sucesso ou insucesso conjunto, um sentido de responsabilidade comum, que seja do conhecimento de todos e para o qual deverão contribuir, certas capacidades interpessoais que o trabalho cooperativo impõe, como comunicação, confiança, liderança, tomada de decisões e resolução de conflitos e uma interação construtiva, reflexiva e autoavaliativa, que contribua para a melhoria da aprendizagem de todos. O reconhecimento e popularidade da aprendizagem cooperativa conduziram à valorização da perspetiva social do ensino, defendida por muitos investigadores como

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Bruner (2000), que destaca a importância da construção de culturas escolares, que operem como comunidades mútuas de alunos, em que todos estão envolvidos na resolução dos problemas, e contribuem para o processo de educação mútua. «(…) Em tais culturas escolares (…) ser inaptamente bom em algo implica, entre outras coisas, ajudar os outros a serem nisso, melhores» (p. 115). É o princípio da colaboração que envolve a construção do conhecimento através da interação com outros indivíduos e caracteriza-se pelo trabalho em equipa que segue um determinado objetivo, uma finalidade comum, assumindo-se como uma excelente abordagem à aprendizagem em equipa. Ou seja, trata-se de uma abordagem educacional na qual os alunos são encorajados a trabalhar em conjunto na construção das aprendizagens e desenvolvimento do conhecimento. Baseia-se na participação ativa e na interação com pares e professores e assenta num modelo orientado para o aluno e para o grupo, em que se promove a sua participação dinâmica nas atividades e na definição dos objetivos comuns do grupo. Enquanto processo de desenvolvimento e partilha de competências individuais para alcançar objetivos comuns, a aprendizagem colaborativa assume um grande relevo perante as novas perspetivas e necessidades da sociedade do conhecimento, adquirindo grande relevância no contexto numa turma com proposta de PCA. Dada a importância crescente da implementação de uma “cultura de colaboração” nas nossas escolas, que deverá ser alargada a toda a comunidade educativa, a ideia de que a aprendizagem em colaboração é possível deverá ser defendida. Por outro lado, para que essa cultura de colaboração se consolide é importante que existam momentos em que se possa aprender cooperativamente, pois «trabalhar colaborativamente permite outra forma de aprender» (Moura & Carvalho, 2008, p. 61). De facto, a interação entre os alunos, sobretudo em grupos pequenos, promove uma aprendizagem mais rica, através do diálogo, que necessariamente estimulará o aparecimento de níveis de pensamento mais elevados - pensamento crítico (Freitas & Freitas, 2003). O trabalho colaborativo é pois uma forma de organização intencional e complexa, que se constrói e promove, com vista ao encadeamento de atividades que implicam o envolvimento de vários autores, operando em rede. A motivação, a comunicação e a interação são a base do trabalho colaborativo eficaz (Levan, 2004). Este trabalho

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colaborativo implica a mobilização de competências individuais e coletivas, de cuja integração dependerá a aquisição de “competências colaborativas”. Reconhecidamente a escola, enquanto espaço de aprendizagem e formação, tem um papel importante na valorização dos aspetos sociais da aprendizagem, concretamente a aprendizagem para uma vivência democrática. Ser capaz de aprender, relacionar-se e cooperar com os outros assume particular destaque no quadro de uma complexidade crescente das condições sociais da existência humana.

2.9.3 – Uma nova conceção de professor/aluno Durante muito tempo perdurou o modelo clássico, centralizado no professor, em que o aluno assumia um papel muito passivo e acrítico. Ao longo dos últimos tempos, a conceção de professor e de aluno tem sofrido algumas alterações. No contexto da reforma curricular do final da década de 80, início dos anos 90, introduz-se a ideia da necessidade «de uma nova relação educativa…. (assente) numa nova imagem de professor perante si mesmo, a sociedade e os alunos» (CRSE, 1988, p. 103) que remete para o «recurso/instituição de equipas educativas» (Dec-Lei n.º 286/89). Em relação ao aluno, o mesmo decreto-lei reconhece a «valorização da dimensão humana» a necessidade da «identificação dos seus interesses e aptidões… e o acompanhamento do seu processo educativo» (art. 9, ponto 2). Quanto à avaliação, «deve estimular o sucesso educativo de todos os alunos, favorecer a confiança própria e contemplar os vários ritmos de desenvolvimento e progressão» (art. 10, ponto 2). No âmbito da reorganização curricular do ensino básico, regulamentada pelo DecLei n.º 6/2001 e em relação à conceção de professor, evidencia-se o reforço do «trabalho colaborativo entre os professores e a valorização dos órgãos de coordenação pedagógica», enfatizando o papel do professor como um «decisor e gestor do currículo» que terá de encontrar «respostas adequadas aos alunos e aos contextos concretos» (Dec-Lei n.º 6/2001) em que trabalha e que devem ser concretizadas na conceção e desenvolvimento de projetos curriculares de escola e de turma. Neste contexto, é fundamental a «valorização da diversidade de metodologias e estratégias de ensino e atividades de aprendizagem em particular com recurso a tecnologias de informação e comunicação, visando favorecer o

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desenvolvimento de competências numa perspetiva de formação ao longo da vida» (art. 3, alínea h). Ao professor são atribuídos novos papéis reconfigurados de novas significações que lhe são conferidas pela ideia de gestor e decisor do currículo. Esta liga-se não só com a capacidade de adequação do currículo nacional às situações reais, mas também com a necessidade de o professor promover um nova relação com os seus pares e com os alunos e também com os órgãos de gestão pedagógica da escola. Ao nível dos alunos assiste-se no contexto atual ao enfoque na pessoa do aluno, emergente não só nos aspetos da sua formação global – o que pressupõe uma atenção especial (por parte do professor) às situações de ensino-aprendizagem, no sentido em que estas se constituam em experiências de aprendizagem significativas para os alunos e sejam favorecedoras de uma formação global e integral – como também é evidente no que respeita à centralidade e ao papel ativo do aluno na construção e desenvolvimento do seu processo de ensino e de aprendizagem e na regulação das suas aprendizagens (Fernandes, 2005). Esta centralidade do aluno, nestas duas dimensões – participação na construção e na regulação das aprendizagens –, é suportada pelo princípio que enuncia a preocupação de «criar respostas adequadas aos alunos… (e de) favorecer o desenvolvimento de competências numa perspetiva de formação global ao longo da vida» (Dec-Lei n.º 6/2001) e na necessidade, ainda segundo o mesmo decreto-lei de «criar mais espaços de efetivo envolvimento dos alunos». Esta leitura afasta-nos da visão enunciada pela reforma curricular em que, apesar do apelo e recomendação a uma valorização da dimensão humana dos alunos, não se implementaram modelos de organização curricular flexíveis orientados para a participação efetiva dos alunos na construção dos processos de aprendizagem e sua regulação. Já no contexto da reorganização curricular do ensino básico estamos em presença de uma conceção de aluno que tem um papel central e ativo no seu próprio processo de ensino-aprendizagem. Regista-se uma evolução na conceção de aluno e que situa os discursos num registo de complementaridade. Os discursos atuais sobre a reorganização curricular do ensino básico ao nível das conceções de professor e de aluno caminham de sentidos “velhos” para “novos” sentidos. Ou seja, os discursos atuais são (re)significados de sentidos inovadores que dão uma centralidade muito maior aos professores e aos alunos 118

na configuração de iniciativas, estratégias e procedimentos de gestão do currículo nacional, de modo a tornarem as situações de ensino e de aprendizagem mais significativas para todos os alunos (Fernandes, 2005).

2.9.4 – Mudanças no papel do professor: instruir ou construir? As mudanças exigidas pela sociedade da informação, pela era digital e pela introdução dos computadores no ambiente escolar requerem uma nova postura por parte do professor, que deverá enfatizar o aprender a aprender, proporcionando aos seus alunos a construção do seu conhecimento. Neste novo cenário espera-se do professor um papel mais crítico e interventivo, visão contrária à perspetiva tradicional, no ensino formal, que considerava uma profunda separação entre aluno, sujeito que aprende, e o professor, sujeito que ensina. Esta visão baseada em modelos de ensino orientados por uma conceção objetivista da aprendizagem desvalorizava os aspetos ligados à autonomia e responsabilização do aluno no processo de aprendizagem e ainda o papel dos meios e instrumentos que suportavam a sua construção das representações do conhecimento. Sem espaço para decidir ou refletir sobre o currículo, designado como «o que se pretende que o aluno aprenda, adquira e interiorize ao longo da sua passagem pelo sistema educativo e a escolha e aplicação dos meios para o conseguir» (Roldão, 1999b, p. 41), os professores têm sido meros executores de programas – debitam, mas não recebem, não passam ao aprendente, não se constituem em currículo real do aluno, em vez de decisores e gestores do processo curricular de aprendizagem pelo qual são responsáveis. Atualmente, este é um modelo desadequado pois, tal como refere Bates (1995), «o modelo de transmissão da informação do professor para o aluno não é suficiente numa sociedade onde o conhecimento muda rapidamente e as habilidades necessárias no trabalho e nas nossas vidas sociais estão a tornar-se cada vez mais complexas» (p. 17). Também no quadro de referência construtivista que temos vindo a abordar, o papel tradicional do professor desloca-se para novos espaços de ação e de desenvolvimento da relação entre o professor e o aluno no processo de ensino-aprendizagem, sendo o professor investido das funções de facilitador, acompanhante e tutor das atividades do aluno (Dias, 2000). Esta alteração do papel do professor resulta da evolução das conceções centradas no professor para as conceções centradas no aluno, do modelo centrado na transmissão para o

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modelo orientado pelo processo de construção, no qual o conhecimento é situado e a formação da significação é revestida de uma dimensão social na partilha e colaboração entre pares. Como consequência da perspetiva construtivista de aprendizagem alteraram-se as relações tradicionais professor-aluno. O professor deixou de ser o único a ter acesso à informação, o que tem contribuído para uma mudança de postura, abdicando do poder que detinha enquanto único possuidor do conhecimento relevante no contexto escolar, favorecendo uma relação mais simétrica com o aluno. As novas tecnologias vieram apoiar novas abordagens pedagógicas, dando maior importância à iniciativa do aluno e ao trabalho em equipa. O papel do professor surge, neste contexto, mais complexo e decisivo, já que, além de proporcionar atividades mentais construtivas, ricas e diversas, terá de orientá-las e guiá-las na direção assinalada pelos saberes e formas culturais selecionados como conteúdos de aprendizagem. Ao contrário da abordagem tradicional em que o professor assumia o papel de transmissor do conhecimento e o aluno passivamente “absorvia” a informação, num ambiente construcionista de aprendizagem, o professor adota o papel de facilitador, mediador da aprendizagem do aluno. Nesta abordagem, o aluno constrói o seu próprio conhecimento sobre os diferentes assuntos, através da resolução de um problema ou desenvolvimento de um projeto contextualizado à sua realidade em colaboração com os seus pares. Assiste-se, portanto, a uma redefinição dos papéis do professor e do aluno, sendo que este se assume como aprendente autónomo e responsável, libertando-se do poder centralizado no professor. Os novos papéis do professor e do aluno misturam-se e identificam-se ao adquirirem uma responsabilidade conjunta. O ambiente de sala de aula transforma-se assim num ambiente promotor da construção do conhecimento e da necessidade de aprender de uma forma constante e permanente (D’Ignazio, 1992, cit Dias, 2000). A tarefa do professor neste contexto é mais circunscrita, podendo integrar uma reflexão dos conteúdos, problemas e modos de ação a desenvolver. O procedimento deve ser realizado pela criança, não havendo lugar a uma imposição direta de um modelo pelo professor, mas sim um processo de modelização que deve ser ativado e estabelecido pela

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própria criança a partir dos problemas propostos. A intervenção do professor deve suscitar a reflexão sobre a atividade de aprendizagem e não enfatizar a resposta ou o resultado. Neste contexto epistemológico, o professor, na sua prática pedagógica, dará enfoque ao desempenho do aluno. Tentando atingir um modelo de conhecimento viável para este, o professor interpela-o no sentido da resolução das situações/problema, dando-lhe condições para que veja que o seu modelo prévio de conhecimento é inútil (para resolução do problema) e, desta forma, estimulá-lo para a construção de um novo, mais assertivo para aquele contexto. Assim, a atividade cognitiva dos alunos é no início regulada socialmente pelo professor (adulto mais capaz) num processo de interação conjunta; segue-se a redefinição do problema em que há um aumento gradual da responsabilidade do aluno sobre a atividade pretendida. Por fim, passa-se da regulação externa à autorregulação, da resolução conjunta de problemas à resolução independente, pelo aluno, com o professor sempre presente para interações específicas (Fontes & Freixo, 2004, p. 23). Ou seja, o professor deverá centrar-se na promoção do desenvolvimento cognitivo dos alunos, sendo esta situação possível apenas se ocorrer uma interferência positiva na ZDP, promovendo-se deste modo, uma aprendizagem interativa. Para contribuir no processo de construção do conhecimento do aluno, o professor deve compreender a ideia do aluno para intervir, compreender o seu nível de desenvolvimento, mediar e facilitar a aprendizagem, sustentada pelas teorias de suporte a esta mediação. O modelo educacional adotado deverá enfatizar o desenvolvimento de determinadas competências: habilidades comunicativas, trabalho em equipa, procura e assimilação de novos conhecimentos e a participação ativa na sociedade. Agora mais do nunca advoga-se a substituição da função tradicional das escolas. Em vez de fazerem da transmissão de saberes a sua principal missão, deverão centrar-se na criação de contextos mais estimulantes e promotores da aquisição de saberes e competências básicas, de modo a que os alunos tenham êxito numa sociedade de informação. Urge repensar a escola da atualidade, cada vez mais perspetivada como um local de reflexão sobre os diversos saberes. Neste contexto as funções dos professores têm de ser reequacionadas. Os professores terão de assumir um novo papel, de condutores do aluno. Quando a criança experimenta caminhos para procurar a informação de que precisa ou testa alternativas para resolver problemas, os professores que poderão propor mudanças, 121

novos caminhos, adequando sempre que necessário a tarefa ao nível do aluno, explorando e elaborando novos conteúdos a partir das atividades propostas.

2.9.5 – Papéis construtivos dos alunos Há muito que os alunos deixaram de ser meros recetores ou consumidores de conhecimento, para se assumirem como construtores de significados partilhados num exercício articulado com os professores. Quicke notou que estes significados constituem um elemento de “metacognição”, isto é, conhecimento sobre os processos de aprendizagem, estratégias de aprendizagem e sobre pessoas que estão envolvidas com eles, como os professores. A aposta na autonomia dos aprendizes, simultaneamente críticos e reflexivos, e na melhoria das suas aprendizagens implica o conhecimento do sentido que os alunos atribuem ao que lhes é proposto e como percecionam e sentem as circunstâncias que são utilizadas para o fazer. Assim, poderá ser possível melhorar o conhecimento metacognitivo dos alunos e o contexto no qual ele é construído (1992, cit. Woods, 1999, p. 54). Este movimento desenha-se igualmente através da emergência de novos papéis para o aluno (Jonassen & Grabinger), já que é esperado deste um desempenho ativo na construção do conhecimento, na autonomia e autocontrolo do processo de aprendizagem, incluindo uma maior e significativa implicação da experiência e conhecimento individual na formação de novas representações, transformando a aprendizagem numa verdadeira expansão da rede semântica do aluno (1990, cit. Dias, 2000). Laszlo e Castro (1995) defendem que a chave deste paradigma educacional, centrado no aprendente, reside na ênfase que se coloca na relação entre o indivíduo e a base do conhecimento. Os novos desafios que hoje se colocam à educação apontam para a transformação dos conhecedores (knowers) em aprendentes (Learners) que sejam capazes de adaptar as suas atividades aos novos desafios que se colocam no dia a dia. Na linha do que temos vindo a focalizar, os alunos tornam-se construtores do seu próprio conhecimento, construindo significados para os fenómenos do seu dia-a-dia. Deste modo, compete-lhes a resolução dos seus problemas, imbuídos de um sentido de descoberta e partilha de informação. Na medida em que procuram as soluções para os problemas colocados, reconhece-se a aprendizagem como intencional. Ao assumir a

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responsabilidade por todo o processo de aprendizagem registam-se ganhos significativos, precisamente porque se torna uma aprendizagem autêntica, conforme reconhece (Papert, 1997). Neste processo há um confronto com a realidade por parte do aluno, que deverá encetar uma procura autodirigida de meios que possibilitem a resolução dos problemas/desafios com que se confronta diariamente, no sentido da integração, acomodação a novas situações, até alcançar a solução. Espera-se que se assuma um pensador ativo e crítico, capaz de utilizar as suas capacidades para expandir os seus conhecimentos conforme defende Papert (1985). Mais do que acumular conhecimentos, é importante que o aluno assuma um papel ativo na promoção do seu desenvolvimento pessoal.

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Capítulo III – Da flexibilização do currículo ao percurso curricular alternativo: dilemas e desafios O currículo tem vindo a assumir progressivamente uma importância crescente no campo da Educação. O estudo de uma proposta de Percurso Curricular Alternativo levounos a uma reflexão centrada em alguns pressupostos do currículo, que precederam a adoção deste tipo de alternativas, designadamente a flexibilização do currículo com vista à sua compreensão. A evolução curricular registada ao longo do século XX, bem como as especificidades do contexto sociopolítico e educacional que condicionaram o seu desenvolvimento em Portugal permite-nos enquadrar as dinâmicas desenvolvidas e clarificar as contradições e problemas que se colocam atualmente às propostas curriculares alternativas. Assumindo a perspetiva de Gimeno Sacristán (2000b), de currículo enquanto cruzamento de práticas diferentes que se converte em configurador, por sua vez, de tudo o que podemos denominar como prática pedagógica nas aulas e nas escolas, procurámos conhecer os dilemas e desafios que se colocam hoje às escolas que por motivos diversos optam por disponibilizar aos seus alunos propostas de percursos curriculares alternativos.

3.1 – A flexibilização do currículo: qual o sentido? A proposta de flexibilização do currículo surge como uma das mais audaciosas medidas, ao propor uma reflexão sobre as lógicas e processos que conduziram à reconstrução e desenvolvimento do currículo. É por isso que a flexibilização curricular envolve uma grande complexidade ultrapassando a simples execução através de normas e materiais que outros prepararam, como acontece com os currículos nacionais e uniformes, comparativos, seletivos e produtores de exclusão. A filosofia de gestão flexível do currículo enquadra-se numa teoria curricular que aceita e valoriza as diferenças, o desenvolvimento contextualizado das práticas educativas e a autonomia profissional do professor. Não se trata da diminuição do grau de exigência ou da definição de novos mínimos que permitam nivelar por baixo as aprendizagens. Implementar a flexibilização curricular implica a valorização dos atores educativos e dos contextos das práticas, a confiança na autonomia pedagógica das escolas mais próxima dos destinatários do currículo e por isso

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em melhores condições para tomar decisões curriculares adequadas a cada contexto (Roldão, 1995). Mas esta opção implica a autonomia pedagógica das escolas ou territórios educativos, com o reconhecimento desse nível de decisão curricular, uma vez que são os professores que melhor conhecem as necessidades da escola, dos alunos e do próprio meio e estão mais bem posicionados para responder com eficácia através do projeto curricular. Não se trata de nenhuma transferência da normatividade e prescrição curricular, característicos do ensino tradicional, para a autonomia individual do professor na sua sala de aula, mas sim institucionalizar e valorizar um outro nível de decisão curricular. A concretização eficaz da flexibilização curricular implica o conhecimento das necessidades educativas dos alunos, dos seus contextos regionais e locais, tomando-se consciência das possibilidades de gestão diferenciada do currículo e da necessidade de contextualizar a ação educativa. Inclui a colaboração entre professores, em oposição ao individualismo característico das práticas docentes. Neste contexto, ganha sentido a ideia de currículo como projeto educativo que permite criar uma dinâmica, incentivando a criatividade do professor e apelando à colaboração entre professores. A gestão flexível do currículo coloca o professor perante alguns dilemas É precisamente a procura de respostas que o leva a questionar as suas práticas, problematizar as relações entre teoria e prática, a sua conceção do que é ser professor, equacionando o seu papel como promotor do desenvolvimento das potencialidades dos alunos, incluindo as suas capacidades de crítica e de criação (Fernandes, 2000). Segundo a autora, a flexibilização curricular pode implicar a alteração de dimensões estruturais, base do funcionamento rígido da escola, como os tempos e espaços em que se desenvolvem as atividades. Poderá propor-se também a alteração da matriz disciplinar do currículo e a organização departamental que a suporta, pela enorme resistência à mudança que oferecem. Implica necessariamente uma adequada definição das aprendizagens nucleares ou do currículo nuclear e a participação dos professores na sua reinterpretação, de tal forma a que não se baixe a fasquia em termos do perfil de saída. Exige que se promova as articulações necessárias para que a continuidade curricular se concretize com êxito. Trata-se de uma organização do currículo em contexto e de uma gestão flexível, como reconhece Pacheco (2001) que permite a tomada de decisões, face à pergunta em 125

torno da qual se deve construir o projeto curricular: que proposta de trabalho curricular consideramos mais adequada de forma a responder às necessidades destes alunos e que lhes permita adquirir as competências de que precisam? Que opções e que prioridades, que modos de estruturar o trabalho e os saberes que queremos implementar na escola? Este princípio da flexibilidade curricular está presente na LBSE50 na referência aos planos curriculares do ensino básico e secundário que devem ser estabelecidos à escala nacional, podendo no entanto as suas componentes apresentar caraterísticas de índole regional e local, justificadas sobretudo pelas condições socioeconómicas e pelas necessidades em pessoal qualificado (art.º 47.º, n.º 4 e n.º 5). De forma progressiva os documentos oficiais foram assumindo a assunção da flexibilidade como uma estratégia para o sucesso51. «(…) Incentiva-se a iniciativa local mediante a disponibilização de margens de autonomia curricular na elaboração de projetos multidisciplinares e no estabelecimento de parcerias escola-instituições comunitárias» (Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 286/89, de 29 de Agosto). O conceito de flexibilização surge, assim, em oposição a uma perspetiva curricular uniforme, concebida para uma realidade social há muito alterada. A situação de diversidade que se vive nas escolas, bem como a complexidade social emergente acentuam a inadequação do sistema e a existência de fenómenos de insucesso escolar, abandono escolar e dificuldade de integração escolar. A consciencialização destes problemas no domínio curricular tem ocupado os decisores políticos e os teóricos do currículo nas últimas décadas, reconduzindo ao reforço de outras opções curriculares fundamentais à modernização dos sistemas e à melhoria da sua eficácia face aos alunos52. Flexibilizar o currículo significa pois «deslocar e diversificar os centros de decisão curricular e por isso viabilizar níveis de gestão que até aqui tinham pouca relevância neste campo» (Roldão, 2000b, p. 86). De uma estrutura em que a conceção e a gestão do currículo se processavam predominantemente a nível central, cabendo aos professores e às escolas apenas a sua execução. A nova orientação para flexibilizar e contextualizar o currículo acaba por enquadrar novos domínios de decisão às escolas e aos professores, que 50

Decreto-Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro - Lei de bases do sistema educativo Decreto-Lei n.º 286/89, de 29 de Agosto, que aprova os planos curriculares dos Ensinos Básico e Secundário. 52 É neste contexto que surge a iniciativa do Departamento de Educação Básica no lançamento a partir do ano letivo 9697 de um Projeto de Reflexão Curricular Participada, no sentido de promover o debate e a reflexão nas escolas acerca da introdução de uma lógica curricular mais flexível, gerida pela escola, com a identificação das aprendizagens comuns e garantidas a todos. Pretendia-se a reflexão acerca da gestão do currículo e de propostas de organização futuras assumidas pelas escolas com resposta de sucesso aos alunos. 51

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em consequência, passam a assumir novas responsabilidades e competências de gestão e decisão curricular (Roldão, 1999a; 1999b). Flexibilizar é poder introduzir no currículo uma construção flexível, moldável, adaptável às vias mais adequadas à consecução da aprendizagem, requerendo uma articulação que se opera e regula entre o nível do prescritivo nacional e o nível do significativo contextual (Roldão, 2000b). A flexibilização curricular pressupõe uma apropriação da gestão do currículo por parte dos professores, com vista à promoção da aprendizagem e do sucesso educativo, objetivos muitas vezes não alcançados, face a propostas desadequadas às situações reais e a populações escolares acentuadamente heterogéneas. O reconhecimento de que a gestão curricular está relacionada com a responsabilização na procura dos modos adequados a cada situação concreta na promoção de aprendizagens de uma forma significativa assume um papel de destaque. Este processo implica uma flexibilização dos percursos individuais, dos ritmos e dos modos de organização do trabalho escolar, sendo incompatível com orientações e quadros de atuação rígidos e uniformes (Abrantes, 2001). Com efeito, são as designadas “componentes locais do currículo” que complementam e acrescentam outras abordagens de grande relevância para as escolas. É consensual que a flexibilização curricular é uma estratégia para o sucesso (Gonçalves, 1999), que tem permitido a cada escola encontrar a melhor forma de conseguir, no seu contexto, traçar os caminhos, os meios, e os projetos, para que a escolaridade permita a cada aluno: «construir o seu projeto pessoal de vida; desenvolver-se; valorizar-se e integrar-se positivamente; aprofundar e continuar a sua herança cultural específica e colocar-se em posição de compreender e respeitar as culturas dos outros; e encontrar o seu modo de realização tendo para isso as estruturas morais e mentais adequadas e as competências instrumentais necessárias» (p. 5).

Em 1996/1997, em simultâneo com o debate e elaboração de um novo quadro de administração, gestão e autonomia das escolas, iniciou-se um projeto de Reflexão Participada sobre os Currículos do Ensino Básico (com o envolvimento voluntário e progressivo das escolas), lançado pelo Departamento da Educação Básica, no quadro das políticas curriculares promovidas pela Secretaria de Estado da Educação e Inovação, que pretendia identificar os pontos críticos na educação básica e mobilizar para um debate reflexivo sobre os currículos do ensino básico, as suas finalidades e gestão, com vista à

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melhoria da qualidade, eficácia e adequação das práticas educativas face às necessidades e direitos dos indivíduos e aos problemas da sociedade em geral, confrontada com mudanças sensíveis e com novos desafios (Roldão, Nunes & Silveira, 1997). O projeto de Reflexão Participada sobre os Currículos do Ensino Básico teve como suporte o conjunto de documentos enviados a todas as escolas acerca dos pressupostos para a introdução «de uma perspetiva curricular diferenciadora e gerida pelas escolas, a par da proposta de aprendizagens/aquisições nucleares comuns para cada ciclo (core curriculum) de acordo com o perfil de competências a garantir à saída do ensino básico» (Roldão, 1999b, p. 45). Este projeto, enquadrado «numa política global de autonomização e contextualização de práticas educativas» e inserido «num quadro teórico de conceções curriculares da atualidade» (Roldão, Nunes, & Silveira, 1997, p. 10-11), ao colocar o currículo no centro do debate mais alargado, permitiu questionar níveis de decisão e campos de atuação, articulação de lógicas de poder, construção e concretização de autonomias. Tratou-se de uma importante contribuição, para que entre nós se definisse um core curriculum – prática comum em muitos outros sistemas – e simultaneamente avançar com processos de gestão flexível e diferenciada, a partir da reflexão e tomadas de decisão dos docentes e das escolas quanto ao modo de atuar. Ou seja, «construir currículo gerindo programas e projetos diferenciados, em lugar de apenas executar programas nacionais» (p. 42). Foi ainda criado «com o propósito de contribuir para a construção de uma escola mais humana, criativa e inteligente, tendo em vista a formação e o desenvolvimento integral de todos os seus alunos e a promoção de aprendizagens realmente significativas» (Abrantes, 2001, p. 35). Mas apesar do reconhecimento da positividade da medida, Pacheco (2000a) salienta que a proposta dos projetos de reflexão participada do currículo dos ensinos básico e secundário é a confirmação do fracasso da reforma curricular, das questões e problemas curriculares que urge resolver. As soluções não radicam completamente nestes projetos. A melhoria do sucesso dos alunos depende basicamente de uma nova organização curricular que integre a definição de prioridades educativas, a definição de áreas temáticas nucleares, a revisão dos programas, a construção de projetos curriculares integrados e uma nova estrutura para a progressão dos alunos.

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No final do processo de reflexão, o relatório do projeto registava que a mudança da gestão curricular para um quadro de autonomia só pode realizar-se mediante a responsabilização de docentes e escolas. Assinalava a recetividade demonstrada pelos professores perante este processo, indiciando a sua disponibilidade para a participação nas mudanças propostas, não ignorando contudo as dificuldades. Estas resultavam da ausência de uma cultura de autonomia no sistema educativo português expressa no facto de os docentes e as escolas não encararem «a gestão curricular como coisa sua nem a colocarem no 1.º nível das suas prioridades e direitos» E concluí que: «a mudança para um outro modo de gerir a educação e o currículo, centrado nas escolas, integrador de toda a ação curricular (disciplinar, não disciplinar, institucional, na comunidade, etc.) e praticado de forma contextualizada, só pode construir-se envolvendo cada vez mais os professores na responsabilização pelas decisões que entendam adequadas, mas conferindo-lhes a possibilidade real de gerirem os meios e os recursos necessários para os porem em prática» (Roldão, Nunes & Silveira, 1997, p. 90).

Entretanto, o diagnóstico efetuado revelava que a escola básica enfrentava sérias dificuldades em promover com sucesso o cumprimento da escolaridade obrigatória de nove anos. O 1.º ciclo caracterizava-se por uma forte dispersão e isolamento da rede escolar e pela falta de condições de muitas escolas. Nos 2.º e 3.º ciclos, persistiam elevadas taxas de insucesso e abandono escolar e a consequente exclusão escolar e social, verificando-se uma grande dificuldade em lidar com a heterogeneidade dos alunos (Abrantes, 2001). Os problemas diagnosticados eram resultantes da diversidade sociocultural dos públicos e da necessidade de contextualizar e gerir a educação e o currículo adequando-os aos alunos. Nesse sentido, todas as orientações políticas e teóricas apontavam para a necessidade do reforço da autonomia das escolas, encaradas como centros de decisão na resposta às necessidades de cada contexto. Foram assim lançadas algumas medidas de combate à exclusão no âmbito do ensino básico, nomeadamente a constituição de Territórios Educativos de Intervenção Prioritária (TEIP), os currículos alternativos e os cursos de educação-formação, tendo-se iniciado um intenso processo de intervenção a nível do currículo, com a participação dos vários parceiros educativos, na procura de respostas para os problemas detetados. Outras medidas, designadamente o Programa de Expansão e Desenvolvimento da Educação Pré-Escolar, concebido como a primeira etapa da educação básica, e o novo Regime de Autonomia,

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Administração e Gestão das Escolas, que assumiu como condição estrutural a plena inclusão do 1.º ciclo, foram igualmente implementadas nas escolas. Deste processo emergiu «a necessidade de se romper com a visão do currículo como um conjunto de normas a cumprir de modo supostamente uniforme em todas as aulas, e de se apoiar, no contexto da crescente autonomia das escolas, o desenvolvimento de novas práticas de gestão curricular» (Abrantes, 2001, p. 37). As escolas foram entretanto convidadas a apresentar projetos de gestão flexível do currículo, tendo-se iniciado no ano 1997/1998, com a participação de 10 escolas53. O Projeto de Gestão Flexível do Currículo54 tinha por objetivos o aprofundamento das capacidades de decisão ao nível dos estabelecimentos de ensino e a melhoria da qualidade e sucesso das aprendizagens. Neste sentido, este novo modelo de gestão curricular veio apoiar as escolas na construção da sua autonomia, criando condições para a realização de uma gestão flexível do currículo nacional, em função dos contextos de inserção. Era um programa a que podiam aderir as escolas, regulamentado pelo Despacho n.º 4848/97, (2ª Série), de 30 de Julho55. A transição de uma primeira fase de «reflexão participada sobre os currículos do ensino básico» para uma segunda etapa – o contexto escolar – inicia-se com o supracitado despacho. No essencial, era permitido às escolas organizarem-se e fazerem a gestão dos currículos nacionais de acordo com as necessidades dos seus alunos (Robalo, 2004). Basicamente pretendia-se envolver os estabelecimentos de ensino na identificação dos seus problemas e dotá-los de mais autonomia na gestão do currículo. Estava pois consagrada legalmente a diversidade curricular e organizacional como forma de encontrar respostas para os problemas com que se defrontavam as escolas. A escola deixa de ser apenas um local de implementação de decisões curriculares, definidas pela administração central, para passar a um local de construção do currículo. Trata-se, segundo Pacheco (2005), de uma construção curricular em diálogo, esperando-se que os professores sejam as sem*ntes de 53

O número de escolas aderentes nos primeiros anos de funcionamento do Projeto de Gestão Flexível do Currículo teve a seguinte distribuição: 1997/98 – 10 escolas; 1998/99 – 33 escolas; 1999/00 – 93 escolas; 2000/01 – 184 escolas (Abrantes, 2001, p. 37). 54 A implementação do Projeto de “Gestão Flexível do Currículo” teve início com o processo de reflexão participada dos currículos do ensino básico, proposto pelo Ministério da Educação. Os professores foram estimulados a refletirem e a apresentarem sugestões relativamente à organização curricular. Estas reflexões integram o relatório elaborado pelo DEB (1997). Relatório do Projeto Reflexão Participada sobre os Currículos do Ensino Básico. Lisboa: Ministério da Educação. 55 O Despacho n.º 4848/97 (2ª série), de 30 de Julho regulamenta o projeto de gestão flexível do currículo, posteriormente revogado e substituído pelo Despacho n.º 9590/99, de 14 de Maio, enquadrado no âmbito do regime de autonomia, administração e gestão das escolas, aprovado pelo Decreto-Lei n. 115-A/98, de 4 de Maio.

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um outro currículo e de uma outra escola, embora adotem o modelo de micro relações de poder. A escola como local de construção do currículo é uma ideia comum nas conceções teóricas ao criticismo educacional ou a uma teoria curricular crítica, na linha de pensamento de Kemmis, não existindo portanto como situação abstrata, visto que a escola não deixa de estar sujeita à reafirmação do controlo administrativo. O Despacho n.º 4848/97 previa também a celebração de protocolos entre o Departamento de Educação Básica e os estabelecimentos de ensino para o desenvolvimento de projetos de gestão flexível dos currículos do ensino básico, que seriam objeto de avaliação permanente, assegurando-se aos alunos e às famílias a «indispensável qualidade educativa das aprendizagens realizadas» (art.º 3). Simultaneamente era então criado um Conselho de Acompanhamento do desenvolvimento dos “projetos de gestão curricular flexível” a quem competia propor orientações pedagógicas e metodológicas para o desenvolvimento dos projetos, sistematizar os dados recolhidos a partir das experiências desenvolvidas, elaborar um relatório anual e promover a divulgação e troca de informação entre as diferentes experiências. Gradualmente as escolas foram implementando práticas de gestão curricular no quadro de uma flexibilidade na procura de respostas adequadas aos alunos A concretização deste objetivo implicou a responsabilização da escola relativamente ao desenvolvimento e gestão das diversas componentes do currículo e à articulação entre elas, requerendo o reforço do trabalho colaborativo entre os professores e a valorização dos órgãos de coordenação pedagógica da escola (Abrantes, 2001). Às escolas participantes era pedido o cumprimento de alguns requisitos designadamente «a integração do projeto de gestão curricular flexível no projeto educativo do estabelecimento de ensino», o respeito pelos programas em vigor, a identificação das possibilidades de convergência transversal das aprendizagens nas várias disciplinas e a identificação dos processos que deveriam levar à definição de aprendizagens nucleares por ano, disciplina ou área disciplinar. Os projetos das escolas também deveriam integrar o registo, a divulgação e a avaliação do processo e a articulação com outras entidades como centros de formação das associações de escolas e instituições do ensino superior. Por fim, exigia-se uma proposta de estrutura organizacional que contemplasse as «necessidades de reformulação da gestão dos tempos e dos espaços das aprendizagens em conformidade com

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o projeto de gestão curricular, sem alteração das cargas horárias globais definidas centralmente» (Costa, Dias & Ventura, 2005, p. 12). Quanto à supervisão do processo era da responsabilidade do Departamento de Educação Básica e ao Conselho de Acompanhamento criado pelo Despacho, optando-se no entanto por um modelo aberto e legalmente muito pouco prescritivo que procurava encontrar soluções no contexto das escolas. Em 1999 é publicado o Despacho n.º 9590/99, de 14 de Maio56 que, entre outros aspetos, simplifica algumas determinações do anterior, mantendo, no entanto, os seus traços essenciais. Apresenta alguns dados mais precisos tanto na conceptualização como no que diz respeito à introdução de algumas alterações no desenho curricular. Ao nível da conceptualização, o normativo consagra uma definição de gestão flexível do currículo que viria a se tornar clássica: «Por gestão flexível do currículo entende-se a possibilidade de cada escola organizar e gerir autonomamente o processo de ensino/aprendizagem, tomando como referência os saberes e as competências nucleares a desenvolver pelos alunos no final de cada ciclo e no final da escolaridade básica, adequando-o às necessidades diferenciadas de cada contexto escolar e podendo contemplar a introdução no currículo de componentes locais e regionais» (Anexo ao Despacho n.º 9590/99).

Ao sugerir às escolas uma reconstrução do currículo nacional, num quadro em que o ponto de referência eram «os saberes e as competências nucleares a desenvolver pelos alunos no final de cada ciclo e no final da escolaridade básica», o novo Despacho que passou a regulamentar o Projeto de Gestão Flexível do Currículo veio confirmar e definir como é que, em cada escola, se poderia concretizar uma organização diferenciada do tempo e dos conteúdos escolares. As normas a seguir na elaboração do desenho curricular (que mantinha os mesmos programas e a estrutura formal definida pelo Decreto-Lei n.º 286/89, de 29 de Agosto) apenas estavam condicionadas pela contenção da carga horária semanal de 30 horas, em que se incluía um conjunto de três “áreas curriculares não disciplinares” as quais se atribuiu um tempo total de 5 horas semanais. Com a introdução destes novos espaços de integração de saberes, de processos de trabalho, de valores e de 56

O Despacho n.º 9590/99, de 14 de Maio, estabelece as linhas orientadoras para o desenvolvimento de projetos de gestão flexível do currículo nos estabelecimentos do ensino básico a partir do ano letivo 1999/2000. À luz deste normativo, o projeto de gestão flexível do currículo «visa promover uma mudança gradual nas práticas de gestão curricular nas escolas do ensino básico, com vista a melhorar a eficácia da resposta educativa aos problemas surgidos da diversidade dos contextos escolares, fazer face à falta de domínio de competências elementares por parte de muitos alunos à saída da escolaridade obrigatória e, sobretudo, assegurar que todos os alunos aprendam mais e de um modo mais significativo».

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atitudes criaram-se «as condições para o desenvolvimento de novas experiências em que a autonomia de conceção e de concretização de uma parte do currículo podia assumir formas e conteúdos diferenciados em cada escola». Por outro lado, com uma gestão dos programas disciplinares e do conjunto das aprendizagens em função de competências que as próprias escolas procuravam designar e criar novos espaços nas práticas escolares (Costa, Dias & Ventura, 2005, p. 13). Após quatro anos de experimentação do Projeto de “Gestão Flexível do Currículo”, institucionalizou-se o projeto que se iniciou numa lógica de adesão voluntária das escolas aos princípios da flexibilização curricular e transitou para o princípio da “obrigatoriedade”, com a regulamentação da reorganização curricular aprovada pelo Decreto-Lei n.º 6/2001. Estávamos perante uma tentativa de intervir no processo de desenvolvimento curricular de cada escola através da indução de atividades de «conceção, pôr em prática, reconceptualizar e voltar a pôr em prática» (Roldão, 2000a, p. 18), com vista à superação do carácter meramente executivo da ação dos professores. A própria noção de currículo pressupunha a existência de um Currículo Nacional suscetível de ser adaptado aos contextos locais, apresentado num “documento orientador” como: «(…) único referencial para todo o ensino básico, claro coerente e bem fundamentado, que defina o perfil terminal de competências de etapa e de ciclo, as competências transversais e as competências essenciais das áreas/disciplinas, em articulação com os conteúdos que as sustentam. Este documento – Projeto Curricular Nacional – deve apresentar uma matriz organizadora que permita uma leitura clara da articulação curricular, tanto a nível vertical como horizontal, incluindo as novas áreas não disciplinares» (Alonso, Peralta & Alaiz, 2001, p. 53-54).

Para isso, era necessário que cada escola desenvolvesse a capacidade de reinterpretar o currículo nacional à luz das realidades do seu contexto, hierarquizando valores, definindo prioridades, selecionando estratégias e conteúdos, estabelecendo modalidades de organização e concretização, avaliando resultados em função das metas previamente definidas. Tudo isto, sem colocar em causa os objetivos nacionais, competindo a cada escola conceber um projeto resultante da sua especificidade e que responda às necessidades reconhecidas. Ou seja, tratava-se de construir, em cada escola, um PEE. Assumia-se num quadro de flexibilidade curricular a ideia de um PEE que considerasse o currículo como centro das suas opções, congruente com os Projetos de Turma, instrumentos de orientação e controlo das aprendizagens e das atividades da escola, isto é, verdadeiros instrumentos de gestão. Os princípios que nortearam o Projeto de 133

Gestão Flexível do Currículo apontavam para uma intervenção educativa contextualizada, coparticipada e corresponsabilizada concretizável através do PCE e PCT. Surgiam assim novas perspetivas: uma maior autonomia das escolas, em oposição à rigidez curricular tradicional; rompia-se a aliança entre igualdade como sinónimo de uniformidade, considerando que a igualdade se constrói na diversidade das respostas; centrava-se a educação nas competências a construir e não nos conteúdos programáticos; Definiam-se competências transversais, relacionadas com os processos de aquisição, comunicação e utilização dos conhecimentos, promovendo a aprendizagem ao longo da vida. Estas competências transversais perspetivavam uma nova conceção de currículo, enquanto conjunto de experiências, situações de aprendizagem e competências… (Benavente, 2001). É no entendimento e reconhecimento da escola como lugar de decisão e de gestão do currículo e no assumir de papéis em que os professores e alunos são coautores e cogestores de situações de formação que se evidenciam marcas de rutura com discursos enunciados e práticas instituídas no âmbito da reforma curricular. O Projeto de Gestão Flexível do Currículo inquietou e “mexeu” com as escolas e com os professores, fundamentalmente na forma de olhar o currículo nacional e compreender que as situações de aprendizagem só se tornam significativas se o currículo nacional for pensado em função dos contextos (Fernandes, 2005), apesar de o modelo de organização das escolas atuais não favorecer as mudanças necessárias ou desejadas. Barroso (1996) reafirma a necessidade de ao nível da administração central do Estado, do poder local e das escolas serem criadas estruturas, modos de organização e de gestão que promovam uma aliança entre todos os que intervêm na formação escolar dos alunos (Estado, professores, encarregados de educação e outros elementos da comunidade). Contudo, atualmente, decorridos alguns anos do início da “flexibilização curricular” vivem-se, «tempos menos felizes… menos convicção, menos vontade, menos dinamismo. Maior resistência, mais cansaço. O movimento do endurance da reorganização curricular a que assistimos atualmente não parece significar maturação, reflexão, aprofundamento na procura de caminhos de inovação curricular, mas sim parece traduzir o clima de nostalgia e de falta de rumo em que muitas das escolas e dos professores, se encontram. As razões que justificam este clima são muitas (…) há muitos professores que iniciaram o movimento da «flexibilização curricular» com muito entusiasmo e fortes crenças e que «vestiram a camisola» que hoje se sentem cansados e desanimados e, até «traídos» em

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princípios que consideram centrais à inovação curricular local e ao exercício da autonomia profissional…». (Fernandes, 2005, p. 188).

3.2 – A origem dos currículos alternativos no sistema educativo português A importância do conhecimento sobre currículos alternativos e as circunstâncias em que esta medida se poderá considerar verdadeiramente indispensável justifica a sua abordagem desde a génese do Despacho que veio regulamentar a criação de currículos alternativos. Desde os anos setenta que a escola tem vindo a confrontar-se com uma população discente acentuadamente heterogénea a nível social, cultural e escolar. Esta heterogeneidade decorre do alargamento da escolaridade obrigatória e da democratização e massificação do ensino que marcaram as últimas décadas do século XX. Em conformidade com um dos objetivos gerais do ensino básico da LBSE, e enquanto core da escola, o currículo tem a responsabilidade de impulsionar educacionalmente todos os alunos, proporcionando a cada um a ferramenta mental ajustada ao seu crescimento (Sousa, 2000b). É por isso que a consagração do princípio da escolaridade obrigatória de nove anos constituiu um passo fundamental para a qualificação dos nossos jovens57. Para a autora, «a escolaridade obrigatória é um meio, por excelência, para dotar cada cidadão de competências para participação na vida social e cultural dominante (…) no respeito e acolhimento de tantas outras culturas» (p. 109-110). A escolaridade obrigatória, como projeto humanizado que é, reflete uma aposta no progresso dos seres humanos e na sociedade. «É um projeto otimista que deve ser extensível a todos, visto que se apoia nos valores da racionalidade e da democracia, que eleva a condição humana. Se é um direito universal, não pode ser negado a ninguém» (Gimeno Sacristán, 2000a, p. 49). No entanto, o alargamento da escolaridade obrigatória alterou de forma substancial a realidade das escolas que rapidamente se viram confrontadas com a necessidade de responder às necessidades de uma população discente muito heterogénea58. No entanto, não foi fácil para a escola gerir e reagir a esta mudança. Por um lado, às desigualdades 57

O princípio da escolaridade obrigatória, formulado em 1836, originou uma escola de quatro anos, prolongada em 1964 para seis anos. 58 Apesar deste alargamento, nos anos subsequentes continuaram a registar-se elevados índices de abandono e insucesso escolar. Estas taxas de insucesso e abandono escolar precoce eram inaceitáveis e revelam uma quebra do compromisso, que no entanto não poder ser imputada em exclusivo à escola.

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associadas às diferenças de percursos respondeu com uma uniformidade na resposta; por outro lado, a escola demonstrou algumas dificuldades na interação com culturas diferentes daquela que veiculava, pois durante muito tempo, «(…) era apenas uma elite hom*ogénea a aceder aos bancos da Escola portuguesa» (Sousa, 2000b, p. 108). «(…) esta crise de educação deriva essencialmente do facto de se ter passado de um ensino de poucos para um ensino de muitos. De um ensino destinado a uma elite (ou a um grupo estratificado de elites) para um ensino de massas. Esta passagem está porém carregada de contradições, a maior das quais resulta de se não ter produzido qualitativamente um ensino de massas mas, ao invés, se ter desenvolvido uma massificação do ensino de elites» (Pires, 1988, p. 28).

A existência de um currículo nacional único estabelecido pela administração central, traduzido num plano curricular organizador das aprendizagens que deveriam ser comuns a todos os alunos do ensino básico, não permitia a introdução de alterações significativas ao tronco programático proposto. Este currículo, igual para alunos diferentes, conduziu a fortes assimetrias nas oportunidades de sucesso de todos os alunos, visível nos níveis de insucesso e abandono escolar precoce, conduzindo à consciencialização da necessidade de promoção das adaptações curriculares. Em consequência, começa-se a prestar atenção aos fatores de diversidade a que o currículo escolar tinha de dar resposta, questionando-se a legitimidade de um currículo universal, uniforme e hom*ogeneizador. No princípio dos anos 90, a partir da evolução de um discurso de promoção do sucesso educativo estruturado na aceitação das especificidades dos alunos, emergem novas conceções curriculares, e a aceção de um novo discurso em torno da multiculturalidade, em oposição a processos de promoção de elites. Paralelamente, o investimento em alguns estudos veio a revelar-se fundamental para a compreensão dos fenómenos de insucesso de algumas crianças das denominadas minorias, tendo-se procedido igualmente ao levantamento de pistas de intervenção (Leite, 2000). Ainda na década de 80, e associada à extensão da escolaridade obrigatória, o Governo Português lançou várias propostas de combate ao insucesso escolar59. Nesse sentido, a publicação, em 1988, da Portaria n.º 243/88, de 19 de Abril concedia à DirecçãoGeral de Apoio e Extensão Educativa a autorização para sempre que se considerasse

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Conscientes dessas dificuldades os vários Governos procuraram minimizá-los aprovando a implementação de Programas/medidas que tinham por objetivo combater o abandono escolar precoce e promover o sucesso educativo dos alunos.

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necessário, no âmbito do ensino recorrente, se proceder à organização de «currículos alternativos para grupos específicos da população»60. De acordo com a referida Portaria, «(…) muitos jovens abandonam o sistema regular sem terem obtido o diploma correspondente à escolaridade obrigatória. Estes jovens, segundo refere o relatório da OCDE sobre a política educativa portuguesa, aderem melhor a um programa de educação não formal do que a qualquer solução de tipo escolar formal» (Preâmbulo da Portaria n.º 243/88). Em resposta a toda esta problemática surgiu ainda o Programa Interministerial de Promoção do Sucesso Escolar (PIPSE), regulamentado pelo Despacho n.º 119/ME/88, que tinha como objetivo “reduzir a taxa de insucesso” e «criar condições para que a geração das crianças que ingressasse em 1988 o 1º ano de escolaridade - a qual vai cumprir os nove anos de escolaridade obrigatória – possa percorrer o 1.º ciclo do ensino básico sem insucesso escolar…»61. Ou seja, este programa de emergência visava a diminuição das repetências no 1.º ciclo. No mesmo âmbito, dois anos depois é publicado o Despacho n.º 68/SERE/9062 na linha de adaptação curricular e programática dos currículos do ensino regular do 2.º ciclo do ensino básico. É aprovado a título experimental um projeto de programa alternativo no âmbito do PIPSE63, o qual se destinava a alunos provenientes do projeto anterior (no âmbito do 1.º ciclo) com dificuldades de aprendizagem e insucesso escolar repetido. Visava a realização pessoal dos alunos, o seu sucesso educativo, bem como a sua integração escolar e social64. Ou seja, foi constituído com o objetivo de reverter o grave problema do insucesso escolar através da anulação das taxas de abandono e de desistências, bem como a redução das taxas de reprovação e repetência. O curso proposto tinha a duração de dois anos letivos, cujo currículo incluía duas áreas de formação: a formação geral e a formação pré-profissional. As disciplinas da formação geral e programas são estabelecidos no documento. Quanto à área de formação 60

Um desenho curricular global para o ensino básico «pode coexistir com percursos alternativos que respeitem globalmente os grandes componentes e finalidades do currículo mas que lhe introduzam modificações significativas, em determinadas situações devidamente justificadas» (Abrantes, 2001, p. 45). 61 Este programa PIPSE, publicado no D.R., 2ª série, de 21/01/88, embora tenha divulgado números que indiciavam um aumento do sucesso escolar, foi alvo de algumas críticas pois considerou-se que esse número não era real (Leite, 2000). 62 Despacho n.º 68/SERE/90, de 16 de Novembro, in Diário da República – II Série N.º 265, pp. 12598 – 12 600 63 Este programa incluía não só uma vertente pedagógica mas também ações de carácter sócio educativo, como a prestação de cuidados de saúde e alimentação. Destinava-se a alunos deficientes, alunos em situação de insucesso escolar e alunos no limite da faixa etária abrangida pela escolaridade obrigatória. 64 É aprovado o projeto de programa alternativo ao curso regulado do 2.º ciclo para promoção do sucesso escolar, nas escolas do Bombarral e C+S de Josefa de Óbidos, em Óbidos.

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pré-profissional, seria definida com base nas motivações e apetências dos alunos e em conformidade com as carências e aberturas profissionais na região. Preconizava-se que a programação deveria ser adaptada ao perfil dos alunos e que a avaliação destes teria um carácter qualitativo. No final do curso os alunos que concluíssem com aproveitamento teriam um diploma de 6.º ano de escolaridade. Deste modo, foram assim criadas as escolas de Intervenção Prioritária, onde se incluíam as escolas do PIPSE que determinava que para ser classificada de escola de intervenção prioritária esta devia situar-se numa zona degradada ou isolada, com grande instabilidade do corpo docente, número significativo de crianças com dificuldade de aprendizagem e insucesso escolar sistemático. Já na sequência das Recomendações da Conferência Mundial sobre “Educação Para Todos” (realizada em março de 1990 em Jomtien sobre os auspícios da UNESCO, UNICEF, PNUD, Banco Mundial e da Conferência dos Ministros da Educação da OCDE, que decorreu em novembro de 1990, em Paris) e da Resolução n.º 29/91 do Conselho de Ministros, criou-se o Programa de Educação para Todos (PEPT)65, a partir de 1991, em que se propõe assegurar o pleno cumprimento da escolaridade obrigatória de nove anos com sucesso, com recurso a uma estratégia de valorização da escola como comunidade educativa. O Programa tinha como objetivos «promover a igualdade de oportunidades no espaço nacional, criando as condições de acesso a uma escolarização para todos, e cuidando, em simultâneo, das condições de frequência e seus resultados…»; «criar uma cultura de escolaridade prolongada…»; «promover a melhoria da qualidade da educação e do ensino…» e «criar as condições de base que permitam a qualificação pessoal e profissional da juventude portuguesa, de modo a garantir uma real mobilidade geográfica e profissional e uma efetiva liberdade de circulação, no seio da Comunidade Europeia»66 (ME/Secretaria de Estado da Reforma Educativa, 1991). Comparado com o PIPSE, o PEPT representa uma abordagem mais integrada da diferença que encara o currículo como instrumento de diferenciação pedagógica, através do desenvolvimento de componentes curriculares regionais e locais. A resolução do Conselho de Ministros n.º 29/91, através da qual o programa foi lançado, refere que um dos objetivos 65

O PEPT foi criado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 29/91, publicada no Diário da República n.º 128, 1ª Série B, de 9/5/91, sendo a coordenação das medidas a desenvolver no âmbito do programa submetida a uma Comissão Interministerial, nomeada pelo representante do Ministro da Educação. Os outros ministérios envolvidos eram: Saúde, Justiça, Emprego e Segurança Social, Juventude, Agricultura, Planeamento e Administração do Território. 66 In ME/Secretaria de Estado da Reforma Educativa (1991). “Programa Educação Para Todos”. Reforma Educativa, Julho/91, desdobrável policopiado.

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do programa é «promover a adoção de medidas de intervenção orientadas para o sucesso de alunos com necessidades educativas especiais, designadamente os pertencentes a minorias étnicas e linguísticas e a grupos portadores de deficiências profundas» (alínea f). A estratégia do programa consistia no favorecimento e fortalecimento da capacidade das escolas para agir localmente (Trigo, 1993, p. 3) na promoção do sucesso e na prevenção do abandono escolar, através do apoio técnico e financeiro a projetos de intervenção educativa, centrados na invenção e construção de uma Escola para Todos, onde a diferença adquira não apenas estatuto de cidadania, mas também pedagógico e organizacional, operacionalizados na construção de itinerários escolares e de formação diferenciados e diversificados. A Educação Para Todos constitui no quadro atual de desenvolvimento e enquadramento europeu da sociedade portuguesa, «o melhor e mais credível seguro de vida para o exercício de uma cidadania assente na diversidade e perspetivada para um futuro onde não haja lugar a exclusão social, económica e escolar» (Trigo, 1994, p. 105). O programa PEPT67 colocou a sua ênfase na ação dos professores, em particular na criação de condições que permitissem a conclusão da escolaridade obrigatória de nove anos a outras camadas da população, e no estabelecimento de redes de parceria “escola/comunidade”, “escola/emprego” ou “escola/sistema produtivo”, mais do que em práticas de educação intercultural (Leite, 2000). No entanto, ao promover a reestruturação de práticas propiciadoras do sucesso educativo e bloqueadoras da exclusão social, o PEPT permitiu um outro olhar sobre as especificidades locais e as caraterísticas da população escolar, apesar de a multiculturalidade não ser à partida um objetivo prioritário. Mas, apesar da retórica expressa nos discursos de intenção que acompanharam as medidas tomadas pela administração central, a prática desenvolvida denunciava um grande desfasamento, isto apesar de em 1990 ao nível dos discursos políticos se falar da situação culturalmente diferenciada dos alunos, mas ao nível das práticas continuar a imperar, de 67

O Programa de Educação para Todos prossegue com a principal finalidade de assegurar o pleno cumprimento da escolaridade obrigatória e contempla de entre as ações a desenvolver a curto prazo, a valorização das componentes intrínsecas do processo ensino-aprendizagem, destacando a frequência de ações de iniciação profissional ou préprofissionalizante, à imagem, aliás, do que já havia sido feito no PIPSE e estava consagrado no Despacho n.º 68/SERE/90. Este programa criou igualmente um “Observatório da Qualidade da Escola” que tem por base quatro linhas de política e de estratégia educativa: «1 – a promoção da qualidade da escola, traduzida na… universalização do acesso com sucesso à educação…; 2 – a promoção da autonomia das escolas, traduzida na capacidade de elaboração de um projeto educativo em benefício dos alunos…; 3 – a introdução de uma reforma cultural na gestão das escolas, situando-as numa nova dimensão de liberdade e responsabilidade e explicitando a sua orientação por princípios de democratização e eficácia; a produção de informação sistemática sobre as escolas».

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um modo geral, a ideia da cultura única e da inquestionabilidade do que era considerado como válido para o saber escolar. Ou seja, o currículo na sua organização e desenvolvimento não tinha sofrido qualquer alteração (Leite, 2000). Este tipo de discurso desfasado das práticas decorre do facto de Portugal ser membro do Conselho da Europa e viver um processo de adesão à então Comunidade Económica Europeia, participando por isso ao nível das decisões e das políticas da educação. Em consequência, e segundo Perotti (1992), muitas das orientações do Conselho da Europa que recomendavam currículos construídos em leituras menos etnocêntricas dos saberes e no aprofundamento de «novas significações e papéis que a pertença nacional deveria ter numa sociedade pluriétnica contemporânea» (p. 59, cit. por Leite, 2000) induziram à apropriação deste discurso, quase desconhecido no nosso país. De forma gradual, estas orientações europeias, associadas ao movimento de reforma que caracterizou o sistema educativo português sobretudo na década de 90, começaram a difundir conceções curriculares que apontavam para a aceitação das especificidades dos alunos em oposição aos mecanismos de seleção de elites. «Apesar disso, este sentido do pluriculturalismo nem sempre conseguiu desenvolver-se de forma adequada, quer por falta, muitas vezes, de uma alfabetização cultural dos professores, quer por inexistência de condições que alterassem a organização tradicional e monocultural do sistema escolar» (Leite, 2000, p. 140). Está claro que é mais fácil mudar os discursos do que as práticas. Também Benavente (1991) reforça que não se muda uma instituição sem mudar as práticas e que «a mudança de práticas é de ordem e de uma lógica diferente da mudança legislativa; é um processo complexo que envolve os professores e não resulta nem da simples vontade destes, nem decorre mecanicamente de qualquer intervenção exterior» (p. 178). Por isso, esta mudança de práticas curriculares tem de passar por uma (re) estruturação dos “universos simbólicos dos professores” e das condições estruturais para o exercício dessa atividade (Leite, 2000, p. 140). Já enquadrado no PEPT é aprovado um outro projeto de programa alternativo – regulamentado pelo Despacho n.º 32/SERE/91. Introduzem-se algumas alterações ao projeto de programa alternativo aprovado pelo despacho anterior (Despacho n.º 68/SERE/90), em que é reconhecida a necessidade de existirem currículos alternativos orientados para a satisfação das necessidades e para o desenvolvimento de potencialidades

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locais e pessoais. O curso passa a estar integrado no âmbito dos cursos do ensino básico recorrente e destina-se, apenas a alunos maiores de 14 anos. O novo plano de estudos passa a ter a duração de apenas um ano letivo, em vez de dois. A programação tem de ser adaptada ao perfil dos alunos, a avaliação mantém as mesmas caraterísticas e a conclusão com aproveitamento também confere aos alunos um diploma do 6.º ano de escolaridade. Sintetizando, o projeto de programa alternativo regulamentado pelo Despacho n.º 68/SERE/90 reconhece a necessidade de, em certas circunstâncias, existirem alternativas ao currículo nacional único (propondo alterações na área de formação geral e criando a área de formação pré-profissional) de forma a responder à satisfação das necessidades e ao desenvolvimento das potencialidades locais e pessoais. Quanto ao Despacho n.º 32/SERE/91, reduz o âmbito de aplicação dos currículos alternativos, que passam a integrar somente o ensino recorrente, e configura uma certa desvalorização desta medida educativa ao determinar que o professor coordenador do curso deixa de ter assento no Conselho Pedagógico e passa a beneficiar de uma menor redução da componente letiva para o desempenho das suas funções. Também em 1991 é publicado o Despacho n.º 38/SERE/91, de 9 de Outubro, na linha de adaptação curricular e programática dos currículos do ensino regular e recorrente ao nível do 2.º ciclo do ensino básico. Ainda no decurso do mesmo ano, a aprovação do Decreto-Lei n.º 319/91, de 23 de Agosto, acabaria por definir um regime educativo especial. As disposições constantes do referido diploma aplicam-se aos alunos com necessidades educativas especiais que frequentavam os estabelecimentos públicos de ensino dos níveis básico e secundário (Artigo 1.º). Este decreto ao definir um regime educativo especial, procura enunciar um conjunto de adaptações68 das condições em que se processa o ensino-aprendizagem dos alunos com necessidades educativas especiais (Artigo 2.º, ponto 1). A auscultação das dificuldades dos alunos, bem como a definição de um quadro sobre as suas caraterísticas, vão permitir a conceção de um novo currículo mais adaptado às necessidades e motivações do públicoalvo. 68

Estas adaptações podem traduzir-se nas seguintes medidas: Equipamentos especiais de compensação; Adaptações materiais; Adaptações curriculares; Condições especiais de matrícula; Condições especiais de frequência; Condições especiais de avaliação; Adequação na organização de classes ou turmas; Apoio pedagógico acrescido; Ensino Especial.

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São considerados um conjunto de procedimentos pedagógicos importantes ao reforço da autonomia individual do aluno com necessidades educativas especiais que podem seguir dois tipos de currículo: currículos escolares próprios e currículos alternativos. Os primeiros têm como padrão os currículos do regime educativo comum, e têm em vista a adaptação ao grau e tipo de deficiência. Quanto aos currículos alternativos69 substituem os currículos do regime educativo comum e procuram promover a aprendizagem de conteúdos específicos (Artigo 11.º, pontos 1, 2 e 3). Em matéria de certificação, para efeitos de formação profissional e emprego, a frequência de um currículo alternativo permite a obtenção, no termo da escolaridade, de um certificado que especifique as competências alcançadas. Conforme previa o diploma anterior as condições e os procedimentos necessários à sua aplicação seriam alvo de regulamentação por despacho do Ministro da Educação – o Despacho n.º 173/ME/91. Assim previa-se que «as medidas constantes do regime educativo especial aplicam-se aos alunos com necessidades educativas especiais, optandose pelas medidas mais integradoras e menos restritivas, de forma que as condições de frequência se aproximem das existentes no regime educativo comum» (Artigo 1). «As medidas são de aplicação individualizada, podendo o mesmo aluno beneficiar de uma ou mais medidas em simultâneo» (Artigo 2). Entretanto, o novo modelo de avaliação dos alunos do ensino básico, regulamentado pelo Despacho Normativo n.º 98-A/92, de 20 de Junho, introduziu a possibilidade de serem aplicadas medidas de compensação educativa, expressas no desenvolvimento de programas específicos e ou alternativos destinados a superar dificuldades detetadas no decurso da aprendizagem. No ano seguinte, o Despacho n.º 178-A/ME/93, de 30 de Julho, aplicável aos alunos do ensino básico que cumprem a escolaridade obrigatória e que revelem dificuldades ou carências de aprendizagem em qualquer área curricular, previa entre as diversas modalidades e estratégias gerais de apoio pedagógico a existência de “currículos alternativos” e de “programas alternativos” (Capítulo III, ponto 8, alíneas d e h).

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Um projeto de currículo alternativo visa substituir toda uma organização curricular, implicando alteração do elenco disciplinar e eventualmente uma redistribuição das cargas horárias, arrastando, por consequência, a aplicação de novos programas com objetivos específicos, temas e estratégias adaptadas. Consequentemente, a duração total do curso original pode vir a ser afetada (ME/DEB, 1997a – Currículos alternativos no ensino básico).

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Em 1994, realiza-se a Conferência Mundial da UNESCO sobre Necessidades Educativas Especiais, onde emergiu o conceito de escola inclusiva70. Foram aprovados dois documentos essenciais para a clarificação do conceito: a Declaração de Salamanca sobre princípios, política e prática na área das Necessidade Educativas Especiais (NEE) e o enquadramento da ação sobre NEE. Inicia-se uma profunda alteração da postura da escola perante “os alunos diferentes”. Conceitos como pedagogia diferenciada ou diferenciação pedagógica começam a integrar-se de forma gradual na vida da escola. Mas a luta contra o insucesso e abandono escolar levou à adoção, em 1996, de um conjunto de medidas contra a exclusão, nomeadamente a criação dos Territórios Educativos de Intervenção Prioritária (TEIP), através do Despacho 147-B/ME/96, de 1 de Agosto. Este normativo consagra portanto, a possibilidade de associação de estabelecimentos de educação e de ensino com vista à constituição de Territórios Educativos de Intervenção Prioritária também designados por TEIP, nos quais serão desenvolvidos projetos plurianuais que visem a melhoria da qualidade educativa e a promoção da inovação. Estabelecem-se quatro objetivos centrais dos territórios: 1 – Melhoria do ambiente educativo e da qualidade das aprendizagens dos alunos; 2 – Uma visão integrada e articulada da escolaridade obrigatória que favoreça a aproximação dos seus vários ciclos, bem como da educação pré-escolar; 3 – A criação de condições que favoreçam a ligação escola-vida ativa; 4 – A progressiva coordenação das políticas educativas e a articulação de vivências das escolas de uma determinada área geográfica com as comunidades em que se inserem (Preâmbulo do Despacho n.º 147-B/ME/96). A criação dos TEIP decorre do reconhecimento das dificuldades com que se deparavam as escolas71. Em resposta, as escolas agruparam-se por zonas e abriram-se a novos projetos com objetivos comuns. Os docentes passaram a dispor de horas para esses projetos e foram distribuídos pelas escolas recursos acrescidos e meios materiais, reduziuse o número de alunos por turma, criaram-se mecanismos para uma maior continuidade do corpo docente, formaram-se e recrutaram-se jovens mediadores, flexibilizaram-se currículos de modo a elaborar projetos efetivos em prol da inclusão e das aprendizagens. 70

A conferência realizou-se em Salamanca, de 7 a 10 de junho de 1994. A criação dos “territórios educativos de intervenção prioritária” foi uma medida inspirada nas “zones d’action prioritaires” em França, tal como nos Estados Unidos, com base em experiências já realizadas em zonas suburbanas e de forte presença de imigrantes. Estas experiências evidenciaram que era possível articular recursos, mobilizar todos os parceiros educativos e levar as escolas a ter em conta as necessidades específicas dos alunos, motivando-os para as aprendizagens, abrindo o espaço escolar a novas atividades (nomeadamente no domínio artístico e desportivo) e atenuar deste modo os fenómenos de exclusão. 71

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As entidades e serviços locais, pais e autarcas formaram um conselho pedagógico de cada “território” (Benavente, 2001). O principal objetivo desta medida educativa «é a promoção da igualdade no acesso e no sucesso educativo da população escolar em idade de frequência do ensino básico, universal e gratuito, em particular das crianças e dos jovens em situação de risco de exclusão (social e escolar)» (Costa, Sousa & Neto-Mendes, 2000, p. 83)72. O Despacho n.º 147-B/ME/96 estabelece ainda que o projeto educativo do agrupamento de escolas que venha a constituir cada um dos TEIP deverá contemplar obrigatoriamente a formulação das seguintes prioridades de desenvolvimento pedagógico: «Criação de condições para a promoção do sucesso educativo e escolar das crianças e dos jovens, prevenindo, do mesmo modo, o absentismo e o abandono escolar, através da diversificação das ofertas formativas, designadamente do recurso a currículos alternativos que, sem prejuízo de um núcleo de aprendizagens fundamentais, tomem em consideração as caraterísticas específicas da população Escolar e do desenvolvimento de componentes inovadoras nos domínios da educação ambiental, artística e tecnológica e do ensino experimental das ciências» (n.º 3, al. a).

O número de territórios aumentou exponencialmente e, entretanto, prepararam-se medidas estruturais relativas à autonomia e gestão das escolas, projetando-se os agrupamentos de escolas da educação pré-escolar e dos três ciclos do ensino básico e a criação de órgãos de participação social na vida educativa. Apesar da pertinência do programa, e como sugerem Sarmento, Parente, Matos e Silva (2000), uma das lacunas desta medida foi a concentração da intervenção prioritária em áreas onde determinados problemas eram mais visíveis ou estatisticamente mais significativos, não abrangendo portanto outros alunos que necessitariam também de intervenção prioritária, mas que se encontram no exterior das áreas cobertas pelos TEIP. Várias investigações realizadas a estes territórios verificaram que havia uma grande resistência na intervenção ao nível dos aspetos nucleares do currículo, com a correspondente tendência para remeter a abordagem à diferença para sectores periféricos, como as atividades de complemento curricular, os apoios educativos e a ocupação dos 72

É possível desdobrar este objetivo geral em quatro mais específicos: a) a melhoria do ambiente educativo, da qualidade das aprendizagens e do sucesso dos alunos; b) uma visão integrada e articulada da escolaridade que favoreça a aproximação dos três ciclos do ensino básico obrigatório, inclusive a educação pré-escolar, favorecendo o desenvolvimento e integração das múltiplas dimensões educativas; c) a criação de condições que favoreçam a ligação da escola à comunidade e à vida ativa, nomeadamente através do ajustamento da oferta educativa aos projetos da comunidade; d) a coordenação das políticas educativas e a articulação da vivência das escolas de determinadas áreas geográficas com as comunidades locais (Costa, Sousa & Neto-Mendes, 2000).

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tempos livres. A diferença era deste modo perspetivada como anormalidade e, consequentemente, abordada através de algumas diversões lúdico-pedagógicas, enquanto a parte “normal” escola continua o seu trabalho curricular tradicional (Sousa, 2005b). Também Benavente (2001) descreve a evidência de algumas dificuldades nomeadamente a nível da coordenação entre serviços, os recursos que eram insuficientes e outras dificuldades decorrentes de meios muito carenciados. Em oposição destacam-se alguns efeitos positivos, nomeadamente a solidariedade e atenção a contextos difíceis, a articulação de recursos entre escolas próximas, o acompanhamento dos alunos na transição entre ciclos, o desenvolvimento de respostas originais (algumas das quais viriam a ser integradas na reorganização curricular do ensino básico) e a mobilização dos parceiros educativos para a melhoria educativa. Para além dos efeitos positivos dos TEIP, estes foram ainda precursores de um vasto processo de reordenamento da rede escolar, de autonomia e gestão das escolas e de participação social. Assim, uma medida contra a exclusão proporcionou a construção de soluções que vieram a ser consagradas para todas as escolas (Decreto-Lei n.º 115-A/98). Segundo Canário, Alves e Rolo (2001), a experiência dos TEIP pode também ser interpretada segundo três lógicas: a lógica administrativa - em que a criação dos TEIP é vista como uma maneira de favorecer a otimização dos recursos, de articular diferentes níveis de ensino e de reorganizar a rede escolar; a lógica paliativa, em que as medidas adotadas no quadro das políticas de intervenção educativa reportam-se a três níveis de preocupações – as necessidades essenciais, os problemas relacionados com a violência e a garantia a todos de um nível de certificação; e por último a lógica de promoção de igualdade de oportunidades. Apesar de os TEIP73 terem surgido sob o princípio da 73

Atualmente o Programa TEIP já entrou na 2ª geração (TEIP2). Foi retomado pelo Ministério da Educação a partir do ano letivo de 2006/2007 e visava a apropriação, por parte das comunidades educativas mais desfavorecidas de instrumentos e recursos que lhes permitissem orientar a sua ação para a reinserção escolar dos alunos. Numa primeira fase foi dada prioridade às escolas ou Agrupamentos de escolas localizadas nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto com elevado número de alunos em risco de exclusão social e escolar. Foram portanto selecionados 35 Agrupamentos, de forma a beneficiarem, a partir desse ano letivo e até 2009, de medidas excecionais para combater a insegurança, a indisciplina, o insucesso e o abandono escolares. A partir do ano letivo 2008/2009 foi relançado o TEIP2 pelo Despacho Normativo n.º 55/2008, de 23 de Outubro materializado no alargamento do Programa a mais agrupamentos de escolas. Os objetivos centrais do Programa TEIP2 são melhorar a qualidade das aprendizagens traduzida no sucesso educativo dos alunos, combater o abandono escolar e as saídas precoces do sistema educativo, criar condições para a orientação educativa e a transição qualificada da escola para a vida ativa, promover a articulação entre a escola, os parceiros sociais e as instituições de formação presentes no território educativo, e constituir-se como recurso de desenvolvimento comunitário - qualificação, reconhecimento, certificação de competências e ainda animação cultural, etc. (Preâmbulo do Despacho Normativo n.º 55/2008).

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igualdade de oportunidades e da melhoria da qualidade do ensino escolar do ensino básico, o que se verifica, na realidade, é que estes materializam a luta contra a exclusão social. Consequência das múltiplas experiências, quer em número quer na forma de organização, [que] veio confirmar o carácter inovador e criativo do processo, é definido ainda em 1996 um novo quadro legal «suficientemente flexível para não coartar a liberdade de cada escola ou entidade organizadora na oferta das respostas mais adequadas às necessidades dos alunos» (Preâmbulo do Despacho n.º 22/SEEI/96)74. Assim, ao abrigo dos artigos 2.º e 7.º da Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro, «é permitida a criação de turmas com currículos alternativos aos do ensino básico regular ou recorrente», de acordo com o regulamento anexo ao referido despacho. Consagra-se legalmente a criação de turmas com currículos alternativos no ensino básico que poderão integrar alunos em situação de «insucesso escolar repetido, problemas de integração na comunidade escolar, risco de abandono da escolaridade básica e dificuldades condicionantes da aprendizagem» (Despacho n.º 22/SEEI/96)75. Pretende-se evitar que os jovens abandonem a escola sem certificação. Trata-se de uma medida de flexibilização do sistema que, sem abdicar de um denominador comum característico no ensino básico (aquele que assegura a definição de um perfil terminal de competências), reconhece situações extremas de insucesso escolar em que as respostas típicas de apoio à aprendizagem se manifestam insuficientes. «A criação de currículos alternativos aparece assim como uma via inovadora e com inúmeras potencialidades na procura de soluções alternativas ajustadas à diversidade de casos que não se enquadram quer no ensino regular quer no ensino recorrente» (Preâmbulo do Despacho n.º 22/SEEI/96). Este normativo legal delimita o público-alvo, estabelece as diretrizes da organização do curso, define o regime de avaliação dos alunos, bem como as estruturas responsáveis pelo acompanhamento do próprio curso. À escola competirá a decisão de criar uma turma 74

O Despacho n.º 22/SEEI/96, de 20 de Abril de 1996 (D.R., II Série, n.º 140, de 19.06.96) permite a criação de turmas com currículos alternativos aos do ensino básico regular ou recorrente, de acordo com o regulamento em anexo. Este despacho é publicado ao abrigo dos artigos 2.º e 7.º da LBSE. As principais diferenças entre os dois diplomas legais - Decreto-Lei n.º 319/91, de 23 de Agosto e o Despacho n.º 22/SEEI/96 – residem no facto de o primeiro ter uma aplicação individual (para um aluno com necessidades específicas) e o segundo consagrar uma aplicação coletiva, prevendo a criação de uma turma com caraterísticas comuns. 75 Em traços gerais, o Despacho considerava que «numa escola caracterizada pelo elevado grau de heterogeneidade sociocultural, em que as motivações, os interesses e as capacidades de aprendizagem dos alunos são muito diferenciados, os estabelecimentos de ensino deverão ter condições para o desenvolvimento de pedagogias diferenciadas, adequando a estratégia pedagógica às necessidades de cada aluno ou grupo de alunos, procurando, desse modo, equilibrar as diferenças através da diversificação das ofertas educativas e de formação» (Preâmbulo do Despacho n.º 22/SEEI/96).

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com currículo alternativo, assim como a sua constituição, a estrutura do currículo, e a(s) área(s) de formação não escolar. Mas a criação de uma turma com currículo alternativo deverá ser encarada como uma medida de recurso e de excecionalidade, que só deverá ser implementada depois de esgotadas todas as outras formas de apoio a alunos com dificuldades escolares. Como medida de exceção que é, a criação de uma turma com currículo alternativo deverá ser devidamente fundamentada e perspetivada como a resposta mais adequada às dificuldades encontradas devendo integrar ainda o PEE. Pretende-se evitar que os jovens abandonem a escola sem um diploma de certificação da escolaridade obrigatória. Esta nova proposta concretiza-se num novo currículo, mais adaptado às necessidades e motivações do público-alvo, cujas finalidades e organização conceptual se encontram definidas no regulamento dos currículos alternativos (anexo ao Despacho n.º 22/SEEI/96). «Um currículo alternativo é uma proposta diferente de frequência do ensino básico, concebida na escola especialmente para grupos de crianças ou jovens em que foram detetadas caraterísticas comportamentais e de aprendizagem muito problemáticas e que correm o risco de abandono da escolaridade obrigatória por várias razões (familiares, económicas, psicológicas – falta de motivação pessoal, etc.)» (ME/DEB, 1997a, p. 9).

O currículo alternativo consolida uma estrutura bipolar formada por uma componente escolar e uma componente não escolar, de carácter artístico, vocacional, préprofissional ou profissional. A componente escolar deve ser organizada de acordo com as áreas de formação definidas na LBSE (Artigo 8.º da Lei n.º 46/86) e os objetivos essenciais do ciclo a que se refere, salvaguardando o perfil terminal do aluno. Quanto à componente não escolar, deverá considerar-se os interesses, as necessidades e as capacidades dos alunos a que se destina. Um curso com currículo alternativo é elaborado por ciclo de escolaridade. O Despacho n.º 22/SEEI/96 foi uma medida lançada pelos responsáveis políticos para combater a exclusão social e criar a possibilidade de elaboração de currículos que, «com o mesmo nível escolar e assegurando as aprendizagens fundamentais», garantissem a resposta a alunos em situação de insucesso escolar repetido e em risco de abandono escolar. As propostas das escolas eram apresentadas e aprovadas pelos serviços centrais e regionais do Ministério da Educação. Muitas escolas aderiram apresentando projetos de sucesso, soluções originais e formações profissionais integradas. Muitos jovens se

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reconciliaram então com a escola. Em 1999/2000, formaram-se 497 turmas no todo nacional, frequentadas por 6.000 jovens, cujo sucesso educativo foi de 82% (Benavente, 2001, p. 114-115). A existência de um quadro legal de grande flexibilidade permitiu o aparecimento de uma grande diversidade de currículos alternativos que se traduziram em propostas educativas diferenciadas e adequadas às necessidades dos alunos. No primeiro ano acabaram por surgir «uma multiplicidade de experiências, quer em número, quer na forma de organização»76 (ME/DEB, 1997b, p. 4). As escolas estabeleceram protocolos com diversas empresas/entidades e ofereceram aos seus alunos formação em contexto de trabalho, cujas aquisições se revelaram motivadoras para a concretização da escolaridade obrigatória, o desenvolvimento de competências fundamentais para a educação ao longo da vida e em certos casos para o prosseguimento de estudos em áreas profissionais específicas. Registaram-se melhorias da autoestima, aumento da autonomia pessoal e em consequência uma maior integração social. Com a implementação dos currículos alternativos pretendia-se responder a situações extremas de insucesso escolar, assumindo uma dimensão social que não se confina à comunidade escolar. Os currículos alternativos visavam, portanto, encontrar soluções ajustadas à diversidade de casos que não se enquadrassem quer no ensino regular quer no ensino recorrente, procurando, através do desenvolvimento de competências de base e áreas de interesse, motivar os alunos para aprendizagens cognitivas e de desenvolvimento pessoal. Com efeito, na formação vocacional constata-se uma diversidade de oferta, de modo a despertar/motivar os alunos para as atividades de carácter mais prático, respondendo deste modo às caraterísticas e aos interesses do público-alvo. A institucionalização dos currículos alternativos e a importância atribuída às componentes locais do currículo conduziram a espaços de hom*ogeneização que permitiram o “tratamento cirúrgico” das diferenças e inibiram o desenvolvimento da conflitualidade no interior do sistema. Apresentando-se como alternativa aos currículos escolares e à 76

Em setembro de 1997, o Departamento de Educação Básica (DEB), publica o primeiro relatório anual elaborado pelo Conselho de Acompanhamento dos Currículos Alternativos, previsto nos pontos 4 e 18 do Despacho n.º 22/SEEI/96. O referido relatório foi organizado com base nos dados referidos nas exposições elaboradas pelas diferentes Direções Regionais de Educação. Funcionaram currículos alternativos em 74 escolas, uma do 1.º ciclo, sessenta e quatro dos 2.º e 3.º ciclos, nove secundárias e 24 projetos em Institutos de Reinserção Social. O número de alunos envolvidos totalizou 1646, agrupados em 135 turmas.

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desescolarização dos saberes locais, os currículos alternativos permitem a redução da diferenciação interna dos espaços pedagógicos de intervenção dos professores para níveis que não inviabilizem a possibilidade da sua gestão (Correia, 2000). Segundo o autor, esta engenharia curricular, apesar de se procurar legitimar numa ética de respeito pela diferença ao deixar intactas as componentes nobres do currículo e o papel que elas desempenham, tanto na avaliação dos alunos, bem como na hierarquização social dos saberes escolares, contribui para a legitimação de dualismos educativos que naturalmente reinstituem dualismos sociais promotores de uma desigualdade social perante a escolarização. Embora a publicação do Despacho n.º 22/SEEI/96 tenha sido anunciada como uma forma de enquadrar legalmente as múltiplas experiências que estavam a decorrer nas escolas, não tardaram as reações vindas de vários sectores da sociedade. A criação dos currículos alternativos ficou assim marcada pela polémica. Criticou-se a “simplificação” dos conteúdos e matérias escolares, e alguns “viram” nestes currículos o estado preocupante que a escola havia atingido77 (Benavente, 2001). Muitas personalidades da área da educação sustentaram que a forma de a escola lidar com a heterogeneidade não podia passar pela separação dos alunos ditos diferentes, dado os riscos de estigmatização e de discriminação que tal medida poderia representar e também por serem contraditórios ao espírito que a LBSE atribui à escolaridade básica. Outros, defensores da criação de turmas de currículos alternativos, insistiam na ideia de que o atendimento à diversidade dos alunos passava pela criação de turmas ou grupos que permitam à escola um atendimento mais personalizado e em que lhes era oferecido um currículo mais consentâneo com os seus interesses e necessidades. Defendiam que esta solução não era segregadora, na medida em que sem ela estes alunos seriam excluídos da escola, o que seria a medida mais segregadora de todas (Brandão, Barbosa, Silva & Macedo, 1997).

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Sindicatos de professores e especialistas em Ciências da Educação reagiram contra o que designaram de uma “escola de 2ª categoria”, contra a desigualdade de tratamento e a discriminação temendo o fim da “educação para todos”. Questionaram a simplificação de conteúdos e de matérias escolares. Curiosamente, os que mais criticaram a escola tradicional e que revelaram preocupação extrema com a exclusão foram os que mais atacaram os currículos alternativos (Benavente, 2001, p. 115).

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Apesar de tudo, esta controvérsia não afetou as escolas, empenhadas que estavam em encontrar respostas e em combater o insucesso e abandono escolar. Gradualmente foi-se verificando que: «os currículos alternativos foram sendo esquecidos pela opinião pública; ou porque as escolas os integraram e não fizeram eco das críticas, ou porque se reconheceu que, entre uma situação de exclusão e as aprendizagens fundamentais com obtenção do diploma de escolaridade obrigatória, não havia que hesitar, ou ainda porque os críticos se tranquilizaram face à reorganização curricular que, na sua flexibilidade, assegura às escolas maior liberdade de organização e evita medidas de exceção» (Benavente, 2001, p. 115).

Por uma questão de justiça social, era necessário garantir a todos os alunos a possibilidade de concluírem com sucesso a escolaridade básica, evitando-se a saída precoce da escola. Neste sentido, tratou-se de uma importante medida de combate à exclusão escolar. Não obstante toda a legislação produzida e as boas intenções políticas, as medidas implementadas não foram suficientes para mudar a escola, precisamente porque, e como reconhece Sousa (2000b), é essencial chamar a atenção para a necessidade de que estas medidas sejam acompanhadas de uma conceção crítica do próprio currículo por parte dos professores, atores no campo. «É que a democratização, no acesso à educação fundamental, não significa necessariamente democratização no sucesso da mesma. A verdadeira democratização da educação tem mais a ver com a capacidade que a Escola tem em acolher no seu seio, sem gerar exclusão ou discriminação por insucesso escolar, a enorme diversidade social e cultural, que a lei passou a determinar» (p. 107-108).

As escolas terão de comprometer-se a acolher visões e problemas que sejam do profundo interesse para os alunos no seu dia a dia. Deverão cultivar um espírito de crítica e respeito pela dignidade humana capazes de associar questões pessoais e sociais ao projeto pedagógico dos alunos, ajudando-os a se tornarem cidadãos críticos.

3.3 – Percursos Curriculares Alternativos O Despacho n.º 22/SEEI/96 vigorou até 2006, ano da publicação do Despacho Normativo n.º 1/2006, de 6 de Janeiro78. Este último inspirado no anterior, introduziu no 78

É revogado o Despacho n.º 22/SEEI/96, de 20 de Abril, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 120, de 19 de Junho de 1996. Com o novo normativo são aprovados os Percursos Curriculares Alternativos, que anteriormente se chamavam de Currículos Alternativos. Pretende-se combater a ocorrência de insucesso escolar repetido; existência de

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entanto, pequenos ajustamentos79 a começar pela designação que passou a denominar-se “Percursos Curriculares Alternativos”. O Despacho Normativo n.º 1/2006 tinha por finalidade vincar a importância da educação, consagrada como um bem universal, obrigatório e gratuito do ensino básico, para além de ser um direito de igualdade de oportunidades no acesso e sucesso escolares em conformidade com o consignado na LBSE. Em consonância com esta perspetiva, o artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 6/2001, diploma que aprova a reorganização curricular do ensino básico, já assinalava «a necessidade de se implementarem percursos curriculares diversificados, que tivessem em consideração as necessidades dos alunos, de forma a assegurar o cumprimento da escolaridade obrigatória e a combater a exclusão». Nesse sentido, «compete às escolas, no desenvolvimento da sua autonomia e no âmbito do seu projeto educativo, conceber propor e gerir outras medidas específicas de diversificação da oferta curricular, devidamente enquadrada por diplomas próprios» (Preâmbulo do Despacho Normativo n.º 1/2006). A escola tem, portanto, a responsabilidade de garantir e flexibilizar dispositivos de organização e gestão do currículo. Esta possibilidade de criar e propor percursos curriculares alternativos reconhece às escolas novas competências no domínio do desenvolvimento curricular. Emerge uma nova lógica de implementação da mudança, centrada nos contextos escolares, acompanhada de um esforço para circunscrever as decisões tomadas a nível central a uma função mais reguladora e menos regulamentadora. Os níveis da autonomia curricular dos professores e da escola saem reforçados com esta medida pedagógica. Estes percursos curriculares alternativos agora previstos destinam-se a grupos específicos de alunos até aos 15 anos de idade, inclusive, que se apresentem em qualquer das seguintes condições: «a) Ocorrência de insucesso escolar repetido; b) Existência de problemas de integração na comunidade escolar; c) Ameaça de risco de marginalização, de exclusão social ou abandono escolar; d) Registo de dificuldades condicionantes da aprendizagem – forte desmotivação, elevado índice de abstenção, baixa autoestima e falta problemas de integração na comunidade escolar; ameaça de risco de marginalização, de exclusão social ou abandono escolar e ainda registo de dificuldades condicionantes de aprendizagem, como forte desmotivação, elevado índice de abstenção, baixa autoestima e falta de expectativas relativamente à aprendizagem e ao futuro, bem como o desencontro entre a cultura escolar e a sua cultura de origem. 79 Passa a restringir a idade dos alunos para a frequência destas turmas aos 15 anos de idade e fixa um mínimo de 10 alunos para a formação destas turmas (a legislação anterior fixava apenas um máximo de 15 alunos).

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de expectativas relativamente à aprendizagem e ao futuro, bem como o desencontro entre a cultura escolar e a sua cultura de origem» (Despacho Normativo n.º 1/2006, Anexo, ponto 1 - Âmbito). O PCA é concebido com base nos seguintes elementos: a) caraterização dos alunos que o vão frequentar; b) diagnóstico das competências essenciais a desenvolver para o cumprimento do ciclo de escolaridade do ensino básico; c) habilitações de ingresso (Despacho Normativo n.º 1/2006, Anexo II – Organização do percurso). O percurso curricular alternativo rege-se por uma estrutura curricular própria de cada ciclo apoiando-se nos planos curriculares constantes do Decreto-Lei n.º 6/2001, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 209/2002, aos quais se inclui uma formação artística, vocacional, pré-profissional ou profissional, permitindo a aquisição de competências para a vida ativa. A aplicação de uma proposta de PCA consiste em adaptações do desenho curricular ao nível da metodologia, estratégias, materiais curriculares e avaliação. Estas adaptações curriculares, atualmente designadas por adequações curriculares individuais, «(…) têm como padrão o currículo comum, (…) as que respeitem as orientações curriculares, no ensino básico, as que não põem em causa a aquisição das competências terminais de ciclo (…)» (Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de Janeiro, art.º 18, ponto 1, p. 158). A matriz correspondente a cada ciclo deverá garantir a aquisição das competências essenciais consagradas na lei para o ciclo de ensino a que se reporta o percurso alternativo, concretamente em Língua Portuguesa e Matemática, permitindo a permeabilidade entre percursos, como também a consequente transição para outras modalidades de formação, bem como a continuidade de estudos. A legislação prevê portanto a transição de um aluno com um percurso curricular alternativo para um curso de educação e formação, mas só durante o 1.º período ou no final do ano letivo. Já a mudança de um aluno com percurso curricular alternativo para o currículo regular pode ocorrer em qualquer altura do ano letivo. A carga horária semanal deve respeitar os limites fixados, por ano de escolaridade e ciclo de ensino, em conformidade com o Decreto-Lei n.º 6/2001, com as alterações constantes no Decreto-Lei n.º 209/2002, considerando as caraterísticas dos grupos de alunos, não podendo contudo exceder os quatro blocos de noventa minutos diários.

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Atendendo à especificidade do público-alvo dos percursos curriculares alternativos e à necessidade de promover um processo de aprendizagem mais individualizado, as turmas podem ter um número mínimo de 10 alunos. Ainda de acordo com o normativo regulador dos PCAs (Despacho Normativo n.º 1/2006), os docentes da turma devem reunir quinzenalmente para programação de estratégias de ensino e aprendizagem e acompanhamento da evolução dos alunos. Os projetos a apresentar pelas escolas devem por norma ser organizados por ciclo de ensino, podendo no entanto considerar-se projetos com duração inferior ao ciclo respetivo, no caso em que as habilitações de entrada dos alunos assim o justifiquem. Os alunos com percurso curricular alternativo estão sujeitos ao regime de assiduidade constante na Lei n.º 30/2002, de 20 de Dezembro – Estatuto do Aluno do Ensino não Superior. Quanto à avaliação, deve reger-se pelo regime definido no Despacho Normativo n.º 1/2005 e realizar-se por disciplina ou área curricular, revestindo um carácter descritivo e quantitativo. Esta proposta permite que os alunos concluam a escolaridade, os 2.º ou 3.º ciclos, conforme o caso, com a atribuição de um certificado de final de ano, do qual constarão as disciplinas e áreas curriculares frequentadas e/ou um diploma de final de ciclo, com certificação do aproveitamento. A obtenção de certificação escolar do 9.º ano através de um PCA permite ao aluno prosseguir os seus estudos num curso de nível secundário, desde que o aluno realize os exames nacionais de Língua Portuguesa e Matemática (Despacho Normativo n.º 1/2006), razão pela qual deverá assegurar-se a aquisição das competências finais de ciclo em relação às referidas disciplinas. A construção de um percurso curricular alternativo tem por base a vontade expressa de proporcionar uma educação para todos que favoreça a equidade nas oportunidades de acesso e sucesso (Ainscow & César, 2006). Estes percursos visam o combate do problema do insucesso e abandono escolares na sua origem, na prevenção, uma vez que podem aplicar-se preferencialmente nos 1.º e 2.º ciclos, evitando o arrastar de situações problema. Procura-se responder às necessidades de “alunos em risco”, estudantes muitas vezes provenientes de camadas sociais, económica e culturalmente desfavorecidas. Poderão integrar, no entanto, outros alunos provenientes de culturas diferentes (cigana, africana,

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etc.) Muitas vezes, as expectativas em relação ao seu desempenho não são muito favoráveis e a escola acaba por intimidá-los ao não criar espaços para que possam manifestar as suas vivências sociais e culturais, não valorizando os seus saberes e as suas experiências ao longo do seu percurso escolar. Estes alunos vão interiorizando a ideia de serem incapazes, sentem que os seus saberes não são valorizados e assim destroem a sua autoestima e a confiança em si próprios. Neste contexto, alguns preferem abandonar/desistir ao sentirem-se constantemente confrontados com o insucesso e as suas incapacidades. Outros mantêm-se na escola, mas acabam por desenvolver atitudes de passividade, desmotivação, alheamento e vão acumulando repetências. Outros alunos ainda decidem destacar-se pela negativa, adotando atitudes de indisciplina, transferindo para a escola códigos de sobrevivência do meio social duro e hostil em que vivem (Macedo, 1999, p. 21). Na perspetiva do autor, é possível fundamentar uma prática escolar baseada num currículo alternativo em termos de conteúdos culturais e não propriamente em função de níveis de conhecimentos ou de métodos pedagógicos, dado que a diversificação curricular não pode ser utilizada para dividir os alunos em dois polos: de um lado, os bons alunos, orientados para aspetos cognitivos; do outro, os maus alunos, os menos capazes, orientados para aspetos do saber-fazer, das realidades sociais. A diversificação não pode ser perspetivada como mecanismo de discriminação negativa. Muito embora não cumpra totalmente o ideal de uniformização cultural, a escola deve promover a discriminação positiva, propondo a diversificação curricular de acordo com as situações dos alunos. Para isso é fundamental «deixar de entender-se o currículo como um mero plano, para ser analisado e organizado como um projeto, portador de identidades» (Pacheco, 2008, p. 181).

3.4 – Relatórios e estudos realizados Apresentamos uma síntese dos relatórios de acompanhamento à implementação dos currículos alternativos, em conformidade com o Despacho n.º 22/SEEI/96 que previa a sua elaboração. O primeiro relatório sobre a implementação dos currículos alternativos, elaborado pelo Conselho de Acompanhamento, de acordo com o previsto no n.º 4 do Despacho supracitado referente ao ano letivo de 1996/1997, foi publicado pelo Departamento de Educação Básica em setembro de 1997.

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Destacamos ainda uma revisão da literatura, uma abordagem ao estado em que se encontra a investigação no âmbito dos Currículos Alternativos e mais recentemente sobre os Percursos Curriculares Alternativos, campo central desta investigação. Esta revisão apresenta vários estudos realizados e incidiu fundamentalmente na identificação do problema de investigação, na sua organização em termos de processos metodológicos, nos resultados obtidos, bem como nas suas principais conclusões.

3.4.1 – Relatórios de avaliação da implementação dos currículos alternativos O relatório de avaliação da implementação dos currículos alternativos, referente ao ano letivo 1996/1997, apresentava uma síntese dos resultados respeitantes ao processo de acompanhamento e avaliação dos cursos com currículo alternativo e foi organizado com base nos dados disponibilizados pelas Direções Regionais de Educação. Relativamente ao abandono escolar foram indicadas as taxas de abandono, mas não se explicitou em que medida os currículos alternativos contribuíram ou não para a redução desses valores. O sucesso educativo, expresso nas taxas de aprovação dos alunos das turmas com currículo alternativo aproximavam-se das taxas nacionais de sucesso obtidas pelos alunos do ensino regular. Foram divulgadas ainda as ofertas de formação relativas à componente artística, pré-profissional ou profissional que constituem, por enquanto, uma das áreas menos conseguidas da experiência. Quanto aos reflexos positivos desta medida na vida da escola destacam-se “o crescimento social” dos alunos, as alterações nos comportamentos e atitudes face à escola, a diminuição do abandono escolar, a melhoria do sucesso educativo, a promoção da recetividade à diferença, uma melhor coordenação das atividades desenvolvidas nas escolas, a utilização das estratégias diferenciadas nas turmas do ensino regular, e a intervenção de outros elementos da comunidade. Os aspetos negativos destacados são a falta de articulação entre os projetos de currículo alternativo e os projetos educativos das escolas, uma certa resistência à aceitação das turmas com currículo alternativo, a sobrevalorização da possibilidade de se individualizar o ensino, um isolamento dos conselhos de turma, a reduzida partilha de experiências com os outros professores (que não integram as turmas com currículo alternativo) e a continuidade de alguns problemas de natureza disciplinar a nível da escola (ME/DEB, 1997b).

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Os aspetos facilitadores do processo incluem a constituição das equipas pedagógicas com base no voluntariado, a existência de duas horas em comum no horário letivo dos professores para a organização das atividades, o número reduzido de alunos por turma, e a conceção do projeto curricular em termos de ciclo de escolaridade, permitindo olhar o aluno numa perspetiva de desenvolvimento e não de aproveitamento. As maiores dificuldades situam-se a nível da formação de professores associada à elevada mobilidade dos docentes e à mudança nas equipas pedagógicas. Apostou-se no reforço da relação escola/família através da organização de reuniões, envolvimento dos encarregados de educação em atividades promovidas pela escola e da visita dos diretores de turma à casa dos alunos. Estas estratégias resultaram nalguns casos num maior interesse e envolvimento dos encarregados de educação pelo percurso escolar dos seus educandos e a um certo reconhecimento pelo trabalho desenvolvido pelos professores. No entanto, nalguns casos as estratégias revelaram-se pouco eficazes, sendo que permanecem os constrangimentos no envolvimento das famílias. Já no ano letivo 1997/98, a DREL (1997) apresentou um relatório síntese de avaliação dos currículos alternativos referente ao funcionamento do 1.º período. Apresenta o levantamento dos principais aspetos positivos e negativos e das principais dificuldades encontradas. Tal como no ano anterior, os professores envolvidos nos currículos alternativos relatam a melhoria significativa da assiduidade dos alunos, maior motivação pela escola. Quanto às aprendizagens do domínio cognitivo não foram assinaladas melhorias significativas, o que segundo os professores ficou a dever-se ao facto de se terem estabelecido como objetivos prioritários a socialização, a mudança de atitudes e comportamentos bem como a integração da comunidade escolar. Os aspetos negativos evidenciados foram a falta de interesse demonstrado pelos pais/encarregados de educação e à falta de materiais didáticos adequados, o que obriga os professores a produzirem diariamente os materiais necessários, com implicações no aumento do volume de trabalho. Propõem por isso uma redução superior da componente letiva, já que as duas horas previstas são insuficientes para planificar, discutir casos e construir materiais. Salientam ainda a necessidade de um reforço financeiro para a aquisição de materiais e equipamentos de apoio aos projetos. Os fatores de sucesso assinalados foram a qualidade, a coesão, a estabilidade e o empenho da equipa pedagógica. Nesse sentido, intensifica-se a ideia de ser indispensável a

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participação voluntária da equipa de professores, que deverá manter-se durante o período de vigência do projeto. É referida a necessidade de reforço da equipa pedagógica com um psicólogo, uma assistente social e um professor do 1.º ciclo (DREL, 1997). Ainda segundo o mesmo relatório, a avaliação destes alunos tem revelado alguns problemas. Alguns encarregados de educação manifestam o seu desacordo com o carácter descritivo e qualitativo que esta assume durante o 2.º ciclo. A inexistência de uma nota quantitativa é considerada um fator de segregação. Outra questão prende-se com o que fazer aos alunos que não atinjam o aproveitamento necessário. A finalizar destacam-se as dificuldades ao nível da falta de estruturas (instalações adequadas, oficinas e equipamentos) e ao nível das necessidades de formação – organização curricular, a gestão da sala de aula e a formação de diretores de turma, na vertente do apoio às famílias. Este relatório final de atividades e resultados apresentados pela DREL (1998) destaca o crescente número de alunos integrados em turmas com currículo alternativo. Estes alunos provêm, na sua maioria, de meios socioeconómicos muito desfavorecidos, revelam uma baixa autoestima, apresentam comportamentos disruptivos e têm um percurso marcado pela fraca assiduidade e retenções sucessivas. Os resultados apontam para uma melhoria expressiva da assiduidade dos alunos e uma redução da taxa de abandono escolar precoce. Os encarregados de educação continuam a manifestar um fraco envolvimento na vida escolar dos seus educandos, apesar do trabalho promovido pela escola. Os resultados em termos de sucesso educativo são muito favoráveis com uma taxa de aprovações de 80%. A diversificação e a flexibilização curriculares adequadas às necessidades dos alunos estão na origem deste balanço positivo. As atividades da componente não curricular dos cursos têm uma grande aceitação dos alunos, embora por parte dos serviços oficiais e das empresas ainda não se tenha conseguido a colaboração necessária. Os resultados obtidos encorajam a continuidade desta medida de apoio. Mais recentemente (maio de 2012) foi apresentado um relatório de avaliação de um estudo sobre o impacto das turmas com percursos curriculares alternativos no ensino básico e dos planos de recuperação, de acompanhamento e de desenvolvimento no sucesso escolar promovido pela Direção-Geral de Educação. Esse relatório de avaliação externa dos normativos - Despacho Normativo n.º 50/2005, de 9 de Novembro, e o Despacho Normativo n.º 1/2006, procurou avaliar o impacto das turmas com Percursos Curriculares Alternativos (PCA) e dos Planos de

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Acompanhamento (PA), de Desenvolvimento (PD) e de Recuperação (PR) no ensino básico no sucesso escolar dos alunos abrangidos por estas medidas. No concerne à aplicação do Despacho Normativo n.º 1/2006 foi possível apurar que: i) As turmas de PCA representam cerca de 1,2% do total de turmas do ensino básico e recobre perto de 1% dos alunos deste nível de ensino; ii) Houve uma crescente implementação destas turmas até ao ano letivo de 2008/09 registando-se um decréscimo a partir daí. Globalmente reduziu-se o contingente das escolas envolvidas, de turmas e alunos abrangidos; iii) Nestas turmas há uma predominância de alunos do sexo masculino, apresentando nalgumas regiões uma taxa de 70% dos alunos envolvidos; iv) as turmas de PCA são predominantemente turmas de 5.º, 6.º e 7.º anos de escolaridade. Através dos estudos de caso, foi possível apurar que o trajeto escolar dos alunos que integram as turmas de PCA não é marcado pela retenção, pois 30% dos alunos nunca tinham reprovado, 35% apresentavam uma retenção e os restantes 35% tinham repetências múltiplas. Destacamos a lógica de continuidade na formação das turmas de PCA que atravessa os vários ciclos da escolaridade. Isto significa que um aluno, depois de ingressar numa destas turmas, raramente regressa ao ensino regular. Cerca de metade dos alunos inseridos nas turmas de PCA usufruíam da aplicação dos planos previstos no Despacho Normativo n.º 50/2005, de 9 de Novembro. A avaliação realizada permitiu o inventário dos pontos fortes e fracos do Despacho Normativo n.º 1/2006 apresentada na tabela que se segue.

Fontes Discursos

Pontos fortes - Transitam alunos que, na ausência da medida, ficavam retidos; - É mais produtivo o trabalho realizado nas turmas do que o do ensino regular;

Pontos fracos - Agravamento dos comportamentos de indisciplina; - Medida associada à ideia de facilitismo (transição indevida).

- É possível responder aos interesses dos alunos que integram as turmas PCA. Informação - Melhoram os resultados das restantes turmas (regular). Estatística

- Elevada taxa de insucesso escolar (reprovações ou abandono); - Elevada percentagem de alunos com “baixa assiduidade”; - Não se traduz em recuperação das aprendizagens (residual o reingresso no ensino regular).

Tabela 1 - Pontos fortes e pontos fracos do Despacho Normativo n.º 1/2006 (Fonte: Relatório de avaliação sobre o impacto das turmas de PCA no ensino básico)

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O relatório agora publicado recomenda a clarificação do principal objetivo da medida: se é criar uma fileira alternativa dentro do ensino básico, é possível concluir que a sua implementação está a ter êxito relativo, pois 44,7% dos estudantes destas turmas seguiram uma via profissionalizante (CEF ou cursos profissionais). Se por outro lado, a ideia é criar condições especiais (adaptação curricular, turmas mais pequenas, menor número de disciplinas e docentes…) para que alunos em dificuldades atinjam os objetivos mínimos do respetivo ciclo de escolaridade, a implementação da medida está fracassar. Tanto os discursos dos entrevistados como os dados estatísticos convergem no sentido do insucesso. Com efeito, é residual a proporção de alunos que consegue reingressar no ensino regular (foram descritos relatos de experiências em que esta passagem não foi bem sucedida, tendo o aluno que regressar a uma turma de PCA) e são poucos os alunos que prestam Provas de Aferição (quando as realizam raramente obtêm classificações positivas). A aplicação do Despacho Normativo n.º 1/2006 materializa uma forma de tornar possível a criação de uma fileira alternativa precoce dentro do ensino básico, com a agravante de os alunos a poderem integrar desde que entram na escola. Deste modo, pode considerar-se que o despacho em análise tal como está a ser implementado, corresponde a uma antecipação da inclusão nos CEF, razão pela qual os entrevistados se interrogaram quanto ao sentido da proibição dos CEF antes dos 15 anos. Verificou-se ainda, a sobreposição de medidas tendentes à redução do insucesso e abandono escolares, através da inclusão de medidas previstas no Despacho Normativo n.º 50/2005, de 9 de Novembro, e do Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de Janeiro. A avaliação agora reportada recomenda dois cenários: Cenário A – Manter a medida, melhorando as condições da sua aplicação. Deverão ser definidos com precisão os objetivos primordiais da medida, que deverá ser mantida se assumidamente tratar-se da criação de uma fileira precoce alternativa ao ensino regular. Neste caso, propõe-se a alteração dos seguintes aspetos previstos no Normativo em análise: i) O aluno não deve prestar Provas de Aferição, exceto se quiser regressar ao ensino regular (tal como está previsto nos exames nacionais de 9.º ano; ii) As turmas de PCA deverão integrar exclusivamente alunos com repetência múltipla, pois só faz sentido a opção por uma via alternativa de ensino quando se esgotaram as possibilidades de aprendizagem na via regular; iii) Pelo insucesso que têm experimentado as turmas que integram alunos com problemas de comportamento estes tendem a agravar-se; iv) Não se permitir a formação de

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turmas de PCA durante o 1.º ciclo do ensino básico, por tratar-se de um momento demasiado precoce de exclusão da via regular de ensino, tendo este nível de escolaridade melhores condições para implementar outras medidas de recuperação; v) Poder comportar um contingente maior de alunos. Caso o alvo da medida seja a recuperação de conhecimentos e o desenvolvimento de competências essenciais à conclusão de um determinado ciclo de escolaridade foi recomendado o cenário B - Revogar a medida e concentrar as medidas tendentes a reduzir o insucesso e abandono escolares. Tendo por base o “Programa Mais Sucesso Escolar” a comissão de avaliação recomenda que esta filosofia se generalize ao território nacional.

3.4.2 – Os estudos realizados em Portugal Os Percursos Curriculares Alternativos têm-se revelado um campo ainda pouco investigado em Portugal. No entanto, de forma gradual tem-se se assistido a uma preocupação crescente por parte das escolas em proporcionar uma resposta educativa adequada a uma população com caraterísticas específicas que a retórica recente e o enquadramento legislativo sobre o insucesso e abandono escolar, a igualdade de oportunidades e a Escola Para Todos vieram dar uma grande visibilidade. Ao proceder ao levantamento dos estudos relativos ao Percurso Curricular Alternativo no contexto português verificámos uma maior incidência de investigações anteriores a 2006 e como tal centrados nos currículos alternativos80. Num estudo sobre currículos alternativos realizado por Brandão, Barbosa, Silva e Macedo (1997), que consistiu no acompanhamento e avaliação de um projeto de currículo alternativo para o 3.º ciclo do ensino básico numa escola C+S dos arredores do Porto, verificámos que a nível metodológico foi adotada uma conceção de avaliação de projetos fundamentada na perspetiva crítica. Desenvolveram uma «avaliação implicada, em que os atores procuraram coletivamente fomentar a reflexão crítica» sobre os processos, dinâmicas, ações, práticas e representações, «de forma a conduzir à tomada de decisões pertinentes» (p. 4).

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A legislação aprovada sobre o PCA data de 2006 – Despacho Normativo n.º 1/2006, de 6 de Janeiro de 2006, que regulamenta a constituição de turmas com Percursos Curriculares Alternativos no âmbito do ensino básico.

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As conclusões do estudo evidenciam um tom crítico em relação ao projeto em estudo e aos currículos alternativos como verdadeira alternativa pedagógica. A constituição da turma é questionada visto estarem integrados alunos cujo perfil não se ajusta ao estipulado no despacho regulamentar, nomeadamente em relação à idade e ao seu percurso escolar. Receia-se que pelo facto de todos os alunos pertencerem a meios sociais desfavorecidos a escola possa estar a promover a hom*ogeneização social e cultural. As razões do sucesso obtido são questionadas, sendo atribuídas à simplificação dos conteúdos das disciplinas e o apoio ao estudo. Destacam a existência de um maior apoio por parte dos professores e uma preocupação acrescida com os seus ritmos de aprendizagem, que se relacionam com pressões exteriores/interiores sobre os professores, no sentido de “assegurar o sucesso” da turma. Questionam a eficácia dos currículos alternativos como medida de prevenção ao abandono escolar, salientando que apenas dois alunos referiram que abandonariam a escola se não estivessem integrados na turma. Apenas um aluno que se encontrava já fora da escolaridade obrigatória saiu da escola. Foi referido que os alunos da turma não se sentem discriminados, mas os outros alunos da escola têm representações negativas sobre os colegas que integram as turmas de currículos alternativos. A ausência de representações positivas é também atribuída aos professores da turma, o que poderá representar uma atitude de estigmatização, havendo o risco de estes cursos se tornarem “estigmatizantes”. Para os autores do estudo, estas conclusões demonstram falhas processuais na constituição da turma com currículo alternativo que deverão ser evitadas futuramente. Não foram explanados os critérios de constituição da turma, nem a forma como foram adequados os currículos aos alunos. Não há referências às aprendizagens realizadas, não foram apresentados os indicadores de sucesso dos alunos, nem as representações que os professores e alunos têm sobre o sucesso. Não foi possível perceber o enquadramento do currículo alternativo no PEE. Branquinho (1999) realizou um estudo numa escola da periferia de Lisboa, envolvendo sete professores que lecionaram o programa especial designado por currículo alternativo, durante quatro anos. Esta investigação focalizou-se no processo de implementação de um currículo alternativo em que se pretendeu caracterizar a estrutura organizacional e pedagógica do currículo alternativo, bem como o seu funcionamento numa escola preparatória. Procurouse conhecer as conceções dos professores envolvidos na conceptualização e realização do

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currículo alternativo nas seguintes dimensões: a) (in)sucesso escolar e relação com as caraterísticas dos alunos e com os meios sociais de origem; b) articulação do currículo alternativo com os objetivos do ensino básico; c) papel do professor na construção do sucesso dos alunos; d) efeitos do currículo alternativo na diminuição do insucesso e do abandono escolar dos alunos envolvidos Foi adotada uma abordagem qualitativa e a entrevista em profundidade como técnica de recolha de dados. Para a autora, este trabalho pretendeu ser um contributo na linha de investigação das conceções dos professores relacionadas com determinadas variáveis do contexto escolar. Procurou-se estabelecer uma ligação entre dois campos de conhecimentos, o das conceções dos professores e o das práticas escolares quanto ao currículo alternativo, cuja finalidade era reduzir o insucesso e prevenir o abandono escolar. Os resultados evidenciaram (1) o papel da escola e da sua estrutura organizacional na diminuição do abandono escolar; (2) a influência da equipa de professores, das práticas pedagógicas diversificadas, das reuniões sistemáticas do conselho de turma, dos professores com as famílias, dos professores com os alunos, bem como o número reduzido de alunos por turma, no resultado obtido pelo projeto de currículos alternativos; (3) a influência preponderante das práticas pedagógicas dos professores, bem como do seu empenhamento e desempenho nos resultados dos alunos; (4) os efeitos positivos do currículo alternativo na diminuição do insucesso e do abandono escolar; (5) a aprendizagem e a formação conjugada de todos os intervenientes (professores, pais e alunos); (6) a participação da comunidade educativa na conceção e na implementação do currículo alternativo. Numa outra investigação que decorreu no ano da implementação do Despacho n.º 22/SEEI/96, de 19 de Junho, Santos (1999) desenvolveu um estudo sobre a implementação das turmas com currículos alternativos. Esta dissertação de mestrado com o tema Contributo para o estudo da implementação das turmas com Currículos Alternativos foi apresentada à Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Lisboa. O estudo realizado numa turma com currículos alternativos, criadas ao abrigo do Despacho n.º 22/SEEI/96, procurou conhecer como é que uma das escolas aderentes ao projeto interpretou as instruções do Ministério da Educação e como é que as transformou em “alterações a introduzir” (propostas a considerar) no seu quotidiano, ou seja, como é que as operacionalizou na prática através da elaboração de currículos alternativos.

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Contribuir para a construção do conhecimento acerca da implementação das turmas com currículos alternativos assumia-se como a grande finalidade do trabalho. O objetivo era o de procurar saber se havia correspondência entre os objetivos propostos pelo Ministério da Educação com a publicação do referido Despacho, e os objetivos percebidos e executados quer pela escola, quer pelos professores da turma com currículos alternativos. Através da realização de seis entrevistas (quatro a professores da escola em estudo e duas que envolveram representantes do ME) foi possível concluir que a escola procurou adaptar-se às modificações que eram sugeridas superiormente e criar as condições necessárias para a formação da turma de CA, assim como também motivar os alunos da turma. O objetivo do Ministério foi entendido pela escola e pelos professores, que procuraram criar condições para que os alunos da turma com currículo alternativo progredissem positivamente na socialização, na motivação para estarem na escola e concluírem com êxito, a escolaridade. Apesar de todos os esforços registou-se uma taxa de abandono escolar de 29%. A proposta de adequação do currículo dos alunos, que integrou uma vertente de “formação artística, vocacional, pré-profissional ou profissional” caracterizada pelo próprio Ministério como “a inovação maior na criação dos currículos alternativos”, ficouse apenas pelo acerto do conteúdo programático de uma disciplina já existente – Educação Visual e Tecnológica – e a junção de uma nova disciplina – Introdução à Informática. Os docentes reconheceram que tiveram em consideração o perfil e os interesses dos alunos, aquando da elaboração do currículo da disciplina e quando procuraram adequarlhes as suas práticas letivas habituais. Salientaram ainda que se preocuparam mais com os aspetos de índole prática, ligados à interiorização das regras de convivência social e de desenvolvimento de pré-requisitos básicos, indispensáveis às aprendizagens escolares, do que com os aspetos mais teóricos ligados aos conteúdos das disciplinas. Os professores, através de uma estratégia muito direcionada para a satisfação dos interesses de cada aluno, procuraram promover o conceito de pedagogia diferenciada, tentando minimizar as consequências da heterogeneidade da turma. A direção da escola e os professores manifestaram o seu descontentamento perante algumas atitudes do ME. A escola reconheceu que não se concretizaram as expectativas

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geradas aquando da aceitação em participar no projeto de criação de uma turma com CA, concretamente em relação ao reforço de verbas para financiamento de atividades. Os professores assinalaram como maiores dificuldades a falta de formação, a falta de apoio financeiro e a ausência de reconhecimento por parte do Conselho de Acompanhamento de implementação dos currículos alternativos. Sammer (2000) realizou um estudo que incidiu na análise de um projeto de currículos alternativos no primeiro ano da sua concretização. A autora procurou estudar em que medida os currículos alternativos podiam constituir-se uma resposta ao problema do insucesso e abandono escolar precoce na escolaridade obrigatória. Esta investigação tinha como objetivos compreender as razões que justificam a criação de uma turma com currículo alternativo, conhecer as dificuldades e os constrangimentos inerentes à constituição do currículo alternativo e à sua concretização, identificar as soluções que se foram gerando, caracterizar os processos de ensino e aprendizagem que se desenvolveram e analisar a adequação do currículo às necessidades, capacidades e motivações dos alunos, inferindo as potencialidades e fragilidades desta medida como resposta ao problema do insucesso e abandono escolar precoce. O estudo incidiu sobre um projeto de currículo alternativo para uma turma do 3.º ciclo do ensino básico e foi adotada uma abordagem qualitativa, tendo-se realizado um estudo de caso. A escolha dos participantes na investigação foi feita através da “amostragem da variação máxima” e foram escolhidos três professores da turma cuja experiência profissional, cargos desempenhados na escola e disciplinas lecionadas no Currículo Alternativo, eram distintos. Foram também selecionados três alunos. Quanto à recolha de dados, realizaram-se entrevistas em profundidade, abertas e com um guião, aos participantes do estudo e ainda uma entrevista em grupo com todos os professores da turma, e outra com os alunos. Para além disso, foram feitas observações diretas a aulas dos três professores participantes na investigação e procedeu-se à análise de documentos produzidos no âmbito do projeto. A análise dos dados assentou num processo de codificação, que combinou a existência de categorias expressas à priori com outras que emergiram durante a análise. As principais conclusões do estudo foram sistematizadas em duas grandes vertentes: potencialidades e fragilidades do projeto de currículo alternativo. Quanto às

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potencialidades destacam-se a conclusão da escolaridade obrigatória – proporcionar aos alunos que estão em vias de abandonar a escola um currículo alternativo é trazê-los de volta ao sistema e facultar-lhes um direito que de outra forma não teriam acesso –, o acesso efetivo ao currículo – ao criar novas condições psicossociológicas para a aprendizagem e ao promover o desenvolvimento das competências cognitivas e sociocognitivas envolvidas na construção de conhecimento, os alunos com currículo alternativo não se limitam a cumprir mais tempo na escola, como também realizam aprendizagens reais –, a equidade educativa – ao permitir que alunos com necessidades, capacidades e motivações muito distintas façam as suas aquisições e realizem os seus progressos, os currículos alternativos consubstanciam uma mudança conceptual e estrutural na forma como a escola responde à diversidade dos alunos –, a emergência de novas motivações vocacionais – ao serem recuperados para a escola surgem novas aspirações profissionais, equilibrando as suas capacidades com as suas expectativas –, e os benefícios para todos os alunos – a emergência de novas práticas podem ser investidas em respostas pedagógicas que visem todos os alunos. Como fragilidades o estudo pôs em evidência determinadas situações. A saber: as condições de trabalho, em que a inexistência de uma política de valorização profissional pode condicionar negativamente o envolvimento dos professores em projetos de inovação; a exceção e não a regra – se os currículos alternativos consubstanciam práticas que proporcionam aos alunos oportunidades acrescidas para aprender, deveriam ser reconcetualizados no sentido de prever a sua generalização; o carácter marginal – foi possível detetar, ao nível da escola, alguma desconfiança e oposição relativamente às dinâmicas inerentes ao currículo alternativo principalmente quando estas implicam uma discriminação positiva dos alunos envolvidos. Um outro estudo promovido por Oliveira (2006) incidiu sobre os processos de desenvolvimento de uma alternativa curricular em que o currículo era perspetivado como uma ferramenta mediadora de participação inclusiva. Esta investigação centrou-se na forma como um grupo de professores de uma escola dos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico se mobilizou no sentido de abordar o problema do abandono e exclusão escolar. Analisou a forma como o grupo se organizou para dar resposta a 15 jovens alunos com um historial de retenções e em risco de abandono escolar. Neste cenário, o projeto de alternativa curricular emergiu como um meio mediacional para

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o desenvolvimento de conceitos e práticas inclusivas. O currículo constitui-se como uma ótima ferramenta para a mediação social entre a cultura e o conhecimento dos jovens alunos e a cultura académica, configurando as interações entre os participantes, as ferramentas culturais e o conhecimento. Tornou-se fundamental uma reflexão sobre as competências a desenvolver de forma a capacitar os jovens para a gestão de situações complexas do mundo onde vivem. Para responder às questões de investigação optou-se por uma abordagem de investigação-ação colaborativa de inspiração etnográfica no desenvolvimento do projeto curricular. O estudo de caso em investigação-ação colaborativa desenvolveu-se em três fases complementares abarcando os conhecimentos que antecederam a concretização do projeto curricular, o desenrolar desse processo educativo durante os dois anos consecutivos correspondentes ao 2.º ciclo do ensino básico e o follow-up em dois momentos distintos, no final dessa concretização (três anos depois). Este estudo pôs em evidência as potencialidades de uma alternativa curricular enquanto ferramenta mediacional no desenvolvimento de práticas inclusivas, alternativa negociada entre os participantes de uma comunidade de aprendizagem. A aprendizagem foi perspetivada como um processo comunicativo, dialógico no qual existia uma polifonia de vozes. A alternativa curricular é pois vista como mediadora de práticas inclusivas e baseada numa abordagem dialógica, poderá assumir-se como um instrumento poderoso na transformação do conhecimento, emoções e ações, permitindo a estes jovens elaborar planos de vida viáveis, imprescindíveis à sua inclusão escolar e social. Já em 2009, a investigação realizada por Brilha incidiu sobre o processo de implementação de um projeto de Percurso Alternativo numa turma de 6º ano, numa escola do distrito de Lisboa. Partindo da problemática da igualdade de oportunidades, insucesso, exclusão e abandono escolar, a autora propôs-se conhecer como estão as escolas a conceptualizar possíveis alternativas ao currículo, no sentido de o flexibilizar, contextualizar e reconstruir face à diversidade dos alunos e abandono precoce da escola. Nesta investigação, a autora procurou compreender e analisar os processos decisórios subjacentes às dinâmicas organizacionais no combate ao insucesso e abandono escolar. Especificamente pretendeu-se conhecer como, face ao currículo nacional, estão a ser operacionalizados os projetos de turmas de percursos curriculares alternativos, ao abrigo do Despacho Normativo n.º 1/2006.

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O estudo de caso envolveu três professores que estiveram envolvidas na elaboração, implementação e desenvolvimento do projeto e seis alunos da turma alvo do estudo. A recolha de dados foi feita através da análise de documentos importantes à vida da escola, bem como através da realização de entrevistas a todos os participantes. O tratamento dos dados foi feito através de uma análise de conteúdo. Os resultados agruparam-se em função das dimensões do problema e com base nas questões de investigação, que se enquadram nos seguintes aspetos: noção de inclusão no discurso dos atores das escolas; a escola; a inclusão e a igualdade de oportunidades; a importância da liderança da escola na prática da inclusão; a flexibilidade curricular na promoção do sucesso e prevenção do abandono escolar e os projetos curriculares alternativos e o sucesso. Os resultados indiciam que o insucesso e o abandono decorrem dos quadros estruturantes da família, das comunidades onde as crianças se inserem, dos padrões e dos valores assumidos por estas. Outro aspeto tem a ver com a falta de expectativas das famílias face à escola ou com a falta de empenhamento, trabalho e motivação dos alunos. Pouco tinha a ver com as conceções e formas de intervenção dos professores. Estes resultados corroboram outras investigações já realizadas há décadas (Benavente & Correia, 1980), pois as professoras participantes neste estudo atribuíram o insucesso e o abandono escolar a fatores ligados aos meios sociais, familiares e em consequência às caraterísticas intrínsecas dos alunos. Quanto ao discurso dos alunos, revelou a diferença que sentiram entre o ensino regular e o percurso curricular alternativo, diferenças nas estratégias de atuação dos professores, na organização dos trabalhos, como no próprio relacionamento interpessoal. Estes alunos eram etiquetados como “burros” e indisciplinados, o que os conduziu ao insucesso, ano após ano. No programa de percurso alternativo, os professores mudaram as práticas, utilizaram estratégias e métodos diferenciados o que possibilitou aos alunos desempenharem um papel mais ativo na construção das suas aprendizagens. O estudo permitiu ainda aferir que as mudanças políticas e mudanças legislativas de combate ao abandono, de inclusão e da promoção da igualdade de oportunidades podem surgir, mas nem sempre significam mudanças de práticas. Construir na escola uma política de inclusão requer uma liderança comprometida com este propósito, que difunda e articule com a restante comunidade a visão de que é possível promover o sucesso e a plena integração de todos os alunos independentemente das suas caraterísticas físicas, psíquicas e

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sociais. Trata-se de acreditar que todos os alunos têm a possibilidade de aprender e se desenvolver, de modos diferentes e que cabe às escolas encontrar as vias mais apropriadas. As conclusões apontam ainda para uma perspetiva de flexibilização no sentido da adequação das componentes mais teóricas às necessidades dos alunos. Na relação Escola/Família os resultados sugerem que não se registaram grandes alterações ao que já era habitual no regular. O envolvimento dos pais não se alterou com o projeto, continuando-se a registar um distanciamento dos pais em relação à escola. Em síntese, na investigação que descrevemos de Brilha (2009), recomenda-se que se repense a escola, em concreto os seus métodos de ensino e organização. É indispensável que os alunos adquiram competências básicas de comunicação, atitudes de reflexão crítica e capacidades para se integrarem na sociedade e no mundo do trabalho. A investigação de Valverde (2009) centrou-se nas temáticas/conceitos de educação inclusiva, insucesso e abandono escolar, mudança e inovação nas práticas letivas. A autora procurou conhecer as perspetivas dos EE, professores e alunos em relação aos projetos de Percurso Curricular Alternativo. O conhecimento de como esses projetos contribuíram para a inclusão destes jovens na escola e que mudanças aconteceram na prática letiva, quer nas atitudes, dos professores e alunos constituíram-se como objetivos centrais deste estudo. Procurou-se clarificar ainda as perspetivas de futuro dos alunos. Adotou-se uma metodologia qualitativa com orientação interpretativa. Participaram no estudo alunos e professores que integravam turmas de PCA e os encarregados de educação respetivos, bem como a psicóloga do SPO. Os instrumentos utilizados para a recolha de dados foram documentos da escola e questionários de resposta fechada e aberta, conversas informais e entrevistas a seis alunos. Os resultados apontam para uma visão positiva dos EE, alunos e professores relativamente aos projetos de PCA. Esta visão positiva está sistematicamente associada à forma como os alunos se apropriam destes projetos e ao sucesso por eles alcançado, permitindo combater o abandono escolar. Foi possível inferir que estes alunos manifestam o desejo de prosseguirem os estudos. O estudo aponta ainda para a necessidade de mudança da escola, que deverá organizar-se em torno do paradigma da Educação Inclusiva, em conformidade com um conjunto de valores de respeito, solidariedade, responsabilidade e qualidade para todos os alunos.

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Também Moreira (2009) estudou uma turma de PCA que integrava jovens portadores de deficiência mental ligeira com problemas de integração. Pretendeu verificar se os alunos continuavam a vivenciar o processo de inclusão ou se simplesmente este processo não se encontrava em desenvolvimento. O estudo procurou descrever a função da escola e a importância da mesma na vida dos alunos em estudo. Identificou ainda as adaptações curriculares individualizadas e propostas. Outra questão diz respeito aos docentes, em que se procurou perceber se, independentemente da sua área de formação, estavam aptos e disponíveis para operacionalizar uma das medidas do Sistema Educativo. A recolha de dados incidiu na utilização de levantamento bibliográfico, inquéritos por questionário aos docentes e aos alunos de duas turmas de Percursos Curriculares Alternativos e uma turma padrão. As conclusões do estudo dão conta da existência de diferenças mínimas nos horários dos alunos de PCA em comparação com os horários do regular. Os professores não possuem formação necessária sobre as dificuldades apresentadas pelos alunos, daí que revelaram dificuldades em aplicar, corretamente, métodos e estratégias de ensino de modo a minimizar e/ou colmatar as mesmas. Os docentes querem e sentem necessidade de mais formação. Quanto às adaptações curriculares são da responsabilidade dos professores, pelo que todos deverão adotar uma atitude aberta e inovadora face ao currículo escolar, especialmente quando se trata de jovens com NEE. Em relação aos conteúdos e competências específicas verificou-se que não se encontram, ao nível de aprendizagens, ao alcance do ritmo de compreensão, assimilação e aplicação dos alunos em causa. O programa das diversas áreas curriculares disciplinares é igual para as turmas de PCA como para as restantes turmas regulares. Estes alunos apesar de serem portadores de deficiência mental ligeira têm, no fim do ano letivo, de realizar Prova de Aferição a Língua Portuguesa e a Matemática.

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PARTE II – O ESTUDO

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Capítulo IV – Olhar o PCA através da Etnografia: a proposta de investigação Conforme já referido anteriormente, o trabalho de campo teve como unidade de estudo uma turma de 5.º ano com proposta de Percurso Curricular Alternativo, de uma escola de 2.º e 3.º ciclos do concelho do Funchal. O objetivo deste capítulo é, portanto, apresentar e descrever a investigação empírica realizada. Trata-se de uma fase relevante em qualquer processo investigativo, momento único de reflexão, análise, e descrição de metodologias, opções, procedimentos e decisões. Este registo apresenta a clarificação de todas as opções tomadas, designadamente o tipo de estudo adotado, a caraterização do contexto de investigação, os participantes no estudo, os métodos e instrumentos utilizados na recolha de dados, os procedimentos adotados na sua análise, a apresentação dos dados e as conclusões finais. O objetivo central foi conhecer a cultura de uma turma de 5º ano com proposta de PCA e avaliar o impacto desta proposta, na vida dos alunos, abrangidos por estas medidas, o que nos motivou para o conhecimento das representações de todos os envolvidos sobre o projeto, identificação das práticas pedagógicas – inovação ou contínuo de práticas tradicionais e a classificação dos ambientes emergentes da utilização das TIC. O enquadramento destes projetos surge da necessidade de se encontrar respostas educativas satisfatórias e de qualidade para os estudantes que, por circunstâncias diversas do seu percurso escolar, correm sérios riscos de abandono da escola antes de terminarem a sua escolaridade, ou seja, antes de obterem uma certificação escolar. O propósito de incidir a investigação sobre os padrões culturais da turma de PCA a partir dos quais docentes e alunos se regem determinou a nossa opção por um estudo que configura uma abordagem metodológica qualitativa de natureza etnográfica. A opção pela etnografia como metodologia de investigação também emergiu da nossa postura investigativa e da forte convicção da sua relevância para alcançar um profundo conhecimento sobre o projeto que decidimos estudar. Nesse sentido, apresentamos neste capítulo um levantamento das “perspetivas epistemológicas e metodológicas” escolhidas, congruentes com as abordagens da investigação em educação que privilegia a «descrição pormenorizada e ricamente facetada de vida de um grupo, que nos permite entendê-lo nos seus próprios termos, isto é, a partir dos significados vividos no interior desse grupo» (Vasconcelos, 2006, p. 87).

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4.1 – As questões e objetivos de investigação No âmbito desta investigação, emergiram algumas questões, pois toda a pesquisa se traduz no ato de perguntar. A investigação não é, portanto, tarefa do acaso. Ela começa com perguntas que podem mudar depois da entrada no campo da investigação. Poderão até surgir novas questões a partir das antigas. «As perguntas são o motor da investigação» (Graue & Walsh, 2003, p. 116). Por isso, as regras metodológicas procuram o esclarecimento, o apuramento das questões de investigação que acabam por estruturar a própria investigação, bem como os dados recolhidos. Como refere Ferreira (1987), «tudo se resume a saber fazer perguntas e identificar os elementos constituintes da resposta. E isto não é nada pouco, contrariamente ao que possa parecer à primeira vista. Em primeiro lugar, obriga ao controle da inteligibilidade da pergunta em toda a sua extensão e multiplicidade de dimensões e, em segundo lugar, exige a fixação de critérios para distinguir o que é o ruído do que é sinal de resposta à pergunta formulada. Assim, a ‘arte de bem perguntar’ reside na capacidade de controlar as implicações dos enunciados das perguntas e das condições por estas criadas, no seio das quais emergem os enunciados classificados de respostas» (p. 165).

Para Denzin (2002), as questões de investigação devem ser formuladas a partir de um como e não de um porquê, o que se adapta a esta investigação, em que procurámos descrever os padrões culturais da turma de PCA, a partir dos quais professores e alunos se organizavam. Segundo Maehr e Midgley (1996), a reconstituição da cultura de uma escola pode ser feita a partir da obtenção de respostas a perguntas pertinentes, agrupadas em cinco grandes classes: a) Questões sobre estilo e preferência, relacionadas com a satisfação de necessidades humanas básicas dos indivíduos; b) Questões sobre tarefas a serem desempenhadas pelo grupo e sobre a tecnologia disponível para o desempenho; c) Questões sobre a organização social, sobre o modo como as interações são facilitadas e controladas, e como o poder é distribuído e partilhado; d) Questões sobre a vida simbólica do grupo, rituais, mitos, artefactos, que simbolizam e objetivam um propósito partilhado; e) Questões de valor, no âmbito do que vale a pena fazer e porquê (Fino, 2003, p. 111).

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No nosso caso, desde o início da investigação e em convergência com a análise teórica e conceptual realizada sobre a escola, a sua cultura e a inovação, o desenvolvimento, a aprendizagem e a tecnologia, a flexibilização do currículo e o Percurso Curricular Alternativo este último definido como o cerne da investigação, que nos procurámos orientar para a seguinte questão: De que forma é que a proposta de PCA constitui um desafio à Inovação Pedagógica? A partir da questão central e perante a necessidade de dar resposta ao problema, formulámos outras questões de investigação que se constituíram elementos de referência e orientação, fundamentais ao desenvolvimento do próprio estudo e que permitiriam sondar, interpretar e compreender a cultura da turma de PCA em conformidade com a perspetiva dos autores (Maehr & Midgley, 1996, cit. Fino, 2003). Na verdade, o enunciado de algumas interrogações a partir do problema inicial enquadrava o propósito global de se conhecer as representações dos docentes da turma sobre o projeto de PCA. Pretendíamos igualmente caraterizar as práticas emergentes da implementação deste projeto alternativo, as metodologias, estratégias e lógicas de ação dinamizadas no âmbito da Inovação Pedagógica. Por fim, procurámos apurar os ambientes emergentes da utilização das TIC. As questões que regularam toda a investigação em momentos distintos são:  Que representações têm os professores sobre o projeto de PCA?  As práticas, metodologias, estratégias e lógicas de ação da proposta de PCA – um desafio à Inovação Pedagógica ou a imutabilidade de práticas tradicionais?  Que ambientes emergiram da utilização das tecnologias na disciplina de ITIC no âmbito do PCA? Para obter as respostas a estas questões foi adotada uma metodologia de investigação conformada por estas e pelos objetivos do estudo. A utilização de determinados instrumentos que mais adiante descreveremos com exatidão foi de vital importância para o conhecimento aprofundado e imersão total na realidade da turma. Formuladas as questões de investigação o exercício interrogativo prosseguia, de modo a definir os objetivos de investigação fundamentais à clarificação das questões centrais ao estudo. À medida que fomos avançando na investigação, muitas dúvidas se foram dissipando e as dificuldades iniciais de definição de objetivos verdadeiramente

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correlacionados com as questões de investigação também foram sendo progressivamente ultrapassadas. Ou seja, o próprio desenvolvimento do estudo foi limitando e clarificando as temáticas a considerar, aspeto documentado por Ludke e André (1986), que também reconhecem a grande amplitude das questões e focos de interesse iniciais que gradualmente se tornam mais diretos e específicos. O investigador vai focalizando-se nas diversas temáticas à medida que a investigação se desenrola. Deste modo, e na sequência das questões formuladas constituímos objetivos da nossa investigação: 

Conhecer as conceções dos professores sobre o PCA.

Aferir as conceções dos alunos sobre a escola, a turma e o PCA.

Descrever as suas expetativas e aspirações em relação ao futuro.

Recolher dados da natureza das interações entre alunos e professores.

Explicitar as representações de professores e alunos acerca da eficácia e sucesso do PCA.

Identificar conceções e decisões adotadas no âmbito de alguns componentes do currículo: organização e gestão do currículo; planificação; avaliação das aprendizagens e organização do tempo na prática letiva.

Obter elementos de caraterização das práticas, metodologias, estratégias e lógicas de ação dinamizadas pelos professores.

Caraterizar as práticas pedagógicas desenvolvidas - inovação ou contínuo de práticas tradicionais?

Identificar os ambientes emergentes da utilização do computador na disciplina de ITIC.

Identificar os artefactos produzidos – elementos de um reportório partilhado

4.2 – As opções metodológicas 4.2.1 – Uma investigação qualitativa A palavra qualitativa implica uma ênfase sobre as qualidades das entidades e sobre os processos e sentidos que não são examinados ou medidos experimentalmente quanto à quantidade, volume, intensidade ou frequência. Os investigadores qualitativos ressaltam a

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natureza socialmente construída da realidade, a relação íntima entre o pesquisador e o que é estudado, e as limitações situacionais que influenciam a investigação. Procuram soluções para as questões que realçam o modo como a experiência social é criada e adquire significado. Por outro lado, os estudos quantitativos enfatizam o ato de medir e analisar as relações causais entre variáveis. Os seguidores deste tipo de estudos defendem que todo o trabalho assenta num esquema livre de valores (Denzin & Lincoln, 2006). A investigação qualitativa em educação surgiu no final do século XIX e início do século XX, mas só nas décadas de 60 e 70 é que atingiu o seu auge, por via do desenvolvimento e da divulgação de novos estudos. Mais recentemente, sobretudo nas duas últimas décadas, assistiu-se a uma utilização crescente de abordagens de natureza qualitativa na investigação em Educação. A abordagem qualitativa agrupa diversas estratégias de investigação que partilham determinadas caraterísticas. Os dados designamse de qualitativos, significando ricos em pormenores descritivos de pessoas, locais e conversações. As questões de investigação são formuladas com o intuito de investigar os fenómenos em toda a sua complexidade e em contexto natural. «A abordagem à investigação não é feita com o objetivo de responder a questões prévias ou de testar hipóteses» (Bogdan & Biklen, 1994, p. 16), mas privilegia sobretudo a compreensão de comportamentos a partir da ótica dos sujeitos. Quanto à recolha de dados ocorre nos contextos naturais a partir do contacto com os indivíduos. Representa, portanto, e segundo Doyle (1977), uma das principais tendências da investigação atual, ocupando cada vez mais um lugar de destaque nas Ciências Sociais, isto apesar de ainda subsistirem algumas dúvidas relativamente às suas caraterísticas. A investigação qualitativa apresenta cinco caraterísticas essenciais: (1) a fonte direta dos dados é o ambiente natural e o investigador é o principal agente na recolha desses mesmos dados; (2) os dados que o investigador recolhe são essencialmente de carácter descritivo; (3) os investigadores que utilizam metodologias qualitativas interessam-se mais pelo processo em si do que propriamente pelos resultados; (4) a análise dos dados é feita de forma indutiva; (5) o investigador interessa-se, acima de tudo, por tentar compreender o significado que os participantes atribuem às suas experiências (Bogdan & Biklen, 1994, p. 47-51). Também Bogdan e Taylor (1986) sublinham o carácter indutivo da investigação qualitativa e consideram que a partir dos dados disponíveis os investigadores desenvolvem

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conceitos, raciocínios e perceções. Este tipo de investigação parte de interrogações vagamente reformuladas em que a recolha de dados não visa a análise de hipóteses, modelos ou teorias preconcebidas, sendo o desempenho de investigação bastante flexível. Neste sentido, Goetz e LeCompte (1988) destacam o carácter aberto e fluído de todo este processo, mediante o qual são selecionados os métodos de recolha de dados. Estas caraterísticas vão influenciar, orientar e determinar os procedimentos adotados pelo investigador no trabalho de campo, nomeadamente a permanência alargada no contexto de investigação, a recolha exaustiva e sistemática de dados, uma atenção redobrada ao processo e um estudo pormenorizado dos dados. Só assim é que será possível aceder à compreensão das experiências dos sujeitos, à interpretação que dão a esses ensaios quotidianos e ao processo, ou seja, à forma como constroem e descrevem os seus significados. Os intervenientes da investigação não são reduzíveis a variáveis isoladas por comparação às metodologias de pendor quantitativo, sendo estes perspetivados como parte de um todo no seu contexto natural (Merriam, 1988). A investigação qualitativa é geralmente considerada como um método que visa uma melhor compreensão de um fenómeno natural (não controlado). Há lugar a descrições narrativas para compreender as populações ou situações estudadas. Pode ainda assumir várias formas, destacando-se a pesquisa etnográfica e o estudo de caso que têm angariado grande aceitação e credibilidade pela crescente utilização de abordagens de natureza qualitativa na investigação em educação (Ludke & André, 1986). A atividade básica do investigador é do tipo exploratório, valorizando a interdisciplinaridade e a triangulação como sistemas que possibilitam a convergência de fontes de dados distintas, de observadores variados e de múltiplos processos metodológicos. Esta pluralidade conduz à abundância de informações que requerem o desenvolvimento de esquemas de interpretação de toda a informação. O conhecimento de todas estas caraterísticas determinou a nossa decisão por uma abordagem de natureza qualitativa e etnográfica, por ser a que melhor se ajustava aos nossos objetivos de investigação, pela riqueza e possibilidade de descrição do contexto do estudo, bem como, pela compreensão dos comportamentos a partir da perspetiva dos próprios sujeitos de investigação. Ou seja, para responder às questões colocadas, pareceunos fundamental descrever a cultura emergente da turma com proposta de PCA.

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Para estudos em contexto escolar, como a investigação que aqui apresentamos, as metodologias de investigação qualitativa são as mais adequadas à compreensão e descrição dos fenómenos que se desenvolvem no interior das escolas (Sousa & Fino, 2007). No essencial, a investigação qualitativa é um método de estudo da sociedade que se concentra na forma como as pessoas interpretam e dão sentido às suas experiências e ao mundo em que vivem. Para um conhecimento mais profundo do pensamento dos seres humanos deverá propor-se a utilização de abordagens qualitativas que permitem explorar o comportamento, as perspetivas e as experiências das pessoas estudadas. À investigação qualitativa associam-se outras expressões como: interacionismo simbólico, perspetiva interior, Escola de Chicago, fenomenologia, estudo de caso, etnometodologia, ecologia e método descritivo. A utilização e definição destas expressões têm variado conforme a época e os utilizadores (Bogdan & Biklen, 1994). Existem, portanto, diferentes abordagens que se consideram no âmbito deste tipo de investigação, mas a maioria tem o mesmo objetivo: compreender a realidade social das pessoas, grupos e culturas. Confirma-se, deste modo, a relevância da pesquisa qualitativa nas ciências sociais, na obtenção de resposta a questões particulares. Visto que nem todos os estudos qualitativos podem ser designados de etnográficos, torna-se portanto necessário clarificar o que se entende por pesquisa etnográfica.

4.2.2 – Porquê a abordagem etnográfica? A etnografia é uma descrição pormenorizada e facetada de vida de um grupo que nos permite entendê-lo nos seus próprios termos, ou seja, a partir dos significados vividos no interior desse grupo. O investigador vive e participa na vida quotidiana, observando e registando histórias e acontecimentos, documentando rigorosamente a vida do grupo. Ao olhar para essas vidas com toda a riqueza e dimensão multifacetada, o investigador afastase dos pressupostos pessoais e procura entender as situações do ponto de vista daqueles que investiga (Vasconcelos, 2006). A investigação etnográfica tem sido reconhecida como uma metodologia relevante na investigação em educação. Os trabalhos de natureza etnográfica proporcionam uma grande riqueza descritiva e pormenor na voz dos atores. As pessoas tornam-se os sujeitos da investigação e deixam de ser meras quantidades estatísticas. O “instrumento” de

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investigação passa a ser o próprio investigador que ouve, escuta, vê, pergunta e se deixa envolver pelo contexto da pesquisa. A etnografia pode ajudar a compreender melhor o fenómeno educativo. A riqueza da abordagem etnográfica assenta nas possibilidades que dá ao investigador/observador de compreender as realidades culturais a partir de dentro e por possibilitar a compreensão do significado profundo e oculto das interações que ocorrem, as quais, segundo Sousa (2007), dificilmente seriam captáveis em situação formal de sala de aula. Por isso é que a abordagem etnográfica nos pareceu a opção mais indicada, um meio, a possibilidade de imergir na vida da turma e desta forma descrever e ouvir com profundidade as vozes, os sentimentos, as ações e os significados dos indivíduos em interação. Para Fino (2003), quando o objetivo de investigação é a descrição de uma cultura considera-se adequada a adoção de uma metodologia etnográfica. Os seus argumentos são os seguintes: o comportamento das pessoas é estudado no seu contexto habitual; os dados são recolhidos através de diversas fontes, com destaque para a observação e conversação informal; a recolha de dados não é antecipada de um plano detalhado, não existindo categorias pré-estabelecidas para interpretar o comportamento das pessoas; estuda-se apenas um grupo restrito de pessoas; a análise dos dados envolve interpretação de significado e um formato descritivo e interpretativo. Revisitando as suas origens, e segundo Lapassade (1991), a expressão etnografia começou a ser utilizada pelos antropólogos para designarem o trabalho de campo (fieldwork), no decorrer do qual são recolhidas informações e materiais que servirão de objeto de uma elaboração teórica posterior. Ainda segundo este autor, o termo etnografia é utilizado, hoje em dia, por alguns sociólogos, não apenas para designarem o trabalho de campo, mas também para aludirem, de uma forma mais ampla, a uma conceção de sociologia que se opõe a uma visão positivista e quantitativa (cit. Fino, 2003, p. 107). Com ligações à antropologia e à sociologia qualitativa, a etnografia surge como uma forma distinta de investigação educacional, em oposição aos paradigmas positivistas emergentes da psicologia experimental e da sociologia quantitativa. Já nos anos 60 do século XX, a etnometodologia de Garfinkel, ao valorizar o raciocínio sociológico profano dos atores, admitia uma sociedade construída pelo indivíduo ou grupo de indivíduos, ao invés de os considerar macro determinados e produtos da sociedade (Sousa, 2007). Deste

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modo, se cada grupo constrói as suas próprias realidades culturais «para as compreender é necessário atravessar as suas fronteiras e observá-las do interior» (Woods, 1990, cit. Sousa, 2007, p. 241). Tratando-se da escola, cabe ao professor aceder ao significado profundo e intenso dessas interações através de um trabalho de campo predomínio da etnografia. Na sua aceção etimológica, etnos (do grego ethnos) indica o povo, o outro, o diferente; grafia (grego: graphein) significa um sistema de escrever as palavras, de descrever. Etnografia é assim etimologicamente a escrita sobre o outro, sobre aquele que é (necessariamente) diferente. Assim, um primeiro princípio do trabalho etnográfico reside na descentração de nós próprios para entender o Outro no seu contexto e modo de ser e estar (Vasconcelos, 2006). Etnografia é também genericamente entendida como «um método de investigação assente no contacto direto e prolongado com os atores sociais, cuja interação constitui o objeto de estudo» (Silva, 2003, p. 28). É um método que procura entender o sentido que os sujeitos conferem à sua própria ação, enquadrando esse sentido e essa ação nas suas condições sociais e materiais de existência. É uma forma de descrever uma cultura, cujo objetivo central é, segundo Malinowski (1970), apanhar o ponto de vista do participante, a sua relação com a vida, para perceber a sua visão do seu mundo (Matos, 1995). A etnografia e todas as variantes dentro da investigação qualitativa têm como objetivo o estudo de dados descritivos dos contextos, atividades e crenças dos participantes nos ambientes educativos. Mais do que confirmar e generalizar dados, o investigador capta a perspetiva, a subjetividade de uma ação e não propriamente uma conduta, tentando aferir a intenção dos próprios participantes. Neste sentido, e porque os dados se reportam a um mundo particular, fala-se de uma ciência do singular em que o investigador tenta compreender, por uma via indutiva, os acontecimentos tal como eles são perspetivados pelos sujeitos (Pacheco, 1995). Sousa e Fino (2007) reforçam mesmo que a metodologia de investigação etnográfica é a mais apta para se sondarem as dinâmicas de natureza social e cultural que perpassam, quer as turmas, consideradas como célula essencial da organização escolar, quer as escolas no seu todo, como locais onde se movimentam grupos com caraterísticas próprias (p. 7).

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Este reconhecimento permitiu a consagração da etnografia como método importante nas ciências sociais em geral e à sociologia em particular, constituindo-se como método científico (Silva, 2003). Neste sentido, assumem cada vez mais relevo as potencialidades da etnografia como metodologia de investigação no domínio da educação. Como refere Fino (2008b), «… a etnografia da educação, sobretudo por recusar qualquer possibilidade de arranjo de natureza experimental, e por, ao invés, estudar os sujeitos nos seus ambientes naturais, pode constituir uma ferramenta poderosíssima para a compreensão desses intensos e complexos diálogos inter-subjectivos que são as práticas pedagógicas. Um diálogo inter-subjectivo, o que decorre entre os atores que povoam um contexto escolar, e narrado “de dentro”, como se fosse por alguém que se torna também ator para falar como um deles» (p. 47).

Atkinson e Hammersley (1994) definem o estudo etnográfico com referência a diversas formas de investigação social caracterizadas por centrarem o foco da investigação na exploração (da natureza social e cultural) de um fenómeno particular (seguindo uma via indutiva e generativa) em vez de procurarem testar hipóteses acerca desse fenómeno. Por outro lado, o material empírico tende a ser constituído maioritariamente por dados não estruturados, isto é, que não foram codificados através de um sistema de categorias definido previamente. É uma investigação de um grupo mais pequeno de casos ou até mesmo de um só caso, se por exemplo a investigação incidir sobre uma história de vida. A análise de dados envolve a interpretação explícita dos significados e funções das ações das pessoas e assume uma forma descritiva e narrativa, sendo que a quantificação e a análise estatística são secundárias (p. 248). Estas caraterísticas, apontadas para os estudos etnográficos pelos autores, são partilhadas no entanto por outros tipos de estudo, como os estudos de caso ou outros designados de qualitativos. O que é característico dos objetivos dos estudos etnográficos é a compreensão das coisas do ponto de vista dos participantes, isto é, “da sua cultura”. (Spradley, 1979, p.3). Trata-se de uma abordagem aberta, não determinada, de carácter mais indutivo do que dedutivo, com a teoria construída e baseada nos dados. Os etnógrafos não sabem o que irão encontrar. O trabalho inicial é geralmente confuso e caótico, até que os temas comecem a surgir. «A etnografia é um ato de fé, exigindo um comprometimento inicial muito forte» (Woods, 1999, p. 17).

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Todas estas premissas fundamentam a nossa opção por uma metodologia etnográfica, cujo objetivo primordial é precisamente a descrição da cultura da turma de PCA, tendo sido a experiência direta no terreno crucial para a compreensão, conhecimento e descrição dos fenómenos que se desenvolveram no interior da turma. Ou seja, a integração plena na complexa realidade social que constitui uma turma é sem dúvida a melhor forma para aceder ao sistema de significados culturais do grupo em estudo. É um colocar-se no papel do outro… (Woods, 1999): «Se queremos compreender a vida social, o que motiva as pessoas, quais os seus interesses, o que as liga a certas pessoas e as distingue de outras, quais os valores e as crenças que valorizam, por que agem como agem e como se percecionam a si próprios e aos outros, precisamos de nos colocar na sua posição e olhar para o mundo segundo a sua perspetiva. A sua realidade pode não ser a nossa ou aquela que pensamos ser a delas» (p. 54).

Precisamente, colocar-se no papel do outro permite obter conhecimento “interno” da vida social em estudo, através da proximidade crescente que o investigador vai estabelecendo com o grupo. Ao pretender compreender a perspetiva das pessoas e as suas experiências, os investigadores deverão estar próximos do grupo, viver com eles, observalos em múltiplas situações, apreciar as inconsistências, ambiguidades e contradições dos seus comportamentos, explorar a natureza e dimensão dos seus interesses e compreender as relações entre os vários membros e entre eles e outros grupos. Resumindo, adotar, se for possível, os seus papéis. O reforço desta opção metodológica decorreu da consciencialização de que de facto esta metodologia de investigação era a mais adequada aos nossos propósitos. «A etnografia, ao enfatizar o respeito pelo mundo empírico, penetrando diversas camadas de significados, facilitando o “tomar o papel do outro” e ao definir as situações mediante uma perspetiva processual, constitui a metodologia ideal para uma tal abordagem (…)» (Woods, 1999, p. 17). Neste caso, e em consonância com as caraterísticas do método etnográfico defendidas por Hammersley, as pessoas foram estudadas no seu contexto habitual, uma vez que este tipo de abordagem permite o contacto com o ambiente no qual os atores se encontram envolvidos. Os dados foram recolhidos a partir de fontes diversas, com particular ênfase para a observação, e a recolha pautou-se por uma grande flexibilidade tendo sido recolhidos os dados em bruto. Foi estudado um grupo restrito de pessoas e a

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análise dos dados envolveu interpretação de significado e assumiu uma forma descritiva e interpretativa (1990, cit. Fino, 2000, p. 158). A etnografia, ao conferir a perspetiva microssociológica e fragmentária à educação, valoriza as “pequenas coisas”, os “pequenos mundos”, as conversas banais, o raciocínio “profano” dos atores (Garfinkel, 1967), ou seja, a dimensão quotidiana, terrena, da vida dos alunos em concreto. E tudo isto transforma-se no objeto de investigação para o que se requer uma atenção, um olhar já não de alguém superiormente estranho, que vem de fora para observar, mas um interessado, envolvido, um olhar etnográfico (cit. Sousa, 2007, p. 242).

4.3 – Processos de investigação A investigação qualitativa, por permitir a subjetividade do investigador na procura do conhecimento, permite uma maior diversificação nos procedimentos metodológicos utilizados na investigação. Por isso, no trabalho de campo podem utilizar-se diversas estratégias para a recolha de dados (Bogdan & Taylor, 1986). Por ser descritiva, os dados da investigação qualitativa podem assumir diversos formatos, nomeadamente «transcrições de entrevistas, notas de campo, fotografias, vídeos, documentos pessoais, memorandos e outros registos oficiais» (Bogdan & Biklen, 1994, p. 48). São materiais diversos e em bruto, recolhidos no campo para posterior análise e tratamento, em consonância com o objetivo da investigação. O investigador tenta analisar os dados em toda a sua riqueza, respeitando, tanto quanto possível, a forma em que foram registados ou transcritos. Mas a recolha de dados constitui apenas a fase inicial do trabalho empírico. (…) No quadro da investigação naturalista, as técnicas de recolha de dados mais frequentemente adotadas são a pesquisa arquivística ou documental, a observação, a entrevista e o inquérito por questionário (Afonso, 2005). Estes dados são recolhidos durante a permanência do investigador no campo a partir de fontes diversas, nomeadamente através da observação participante, de entrevistas etnográficas, que são as conversas ocasionais no terreno, portanto não estruturadas, e mediante o estudo, quer de documentos oficiais, quer de documentos pessoais. Estes

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documentos poderão ser diários, cartas ou autobiografias nos quais os nativos revelam os seus pontos de vista pessoais sobre a sua vida ou sobre eles próprios (Fino, 2008b). Também de acordo com Michael Genzuk (1993), a etnografia, enquanto método de olhar próximo da realidade, baseia-se em experiência pessoal e em participação, envolvendo três formas de recolher dados: entrevistas, observação e documentos, que por sua vez, originam três tipos de dados – citações, descrições e excertos de documentos –, os quais resultam na descrição narrativa (cit. Fino, 2008b). Às fontes anteriores de recolha de dados, Eisenhart (1988) acrescenta a análise de artefactos e a própria introspeção/reflexão do investigador, para além da observação participante e da entrevista. Apesar da possibilidade de diversificação nos procedimentos metodológicos, Hammersley (1992) e Spradley (1979, 1987) acreditam que o método fundamental de recolha de dados nos estudos etnográficos é a observação participante, perspetivada como estratégia para ouvir e ver as pessoas no seu ambiente natural. As entrevistas que ocorrem muitas vezes acontecem no quadro da participação do investigador nas atividades dos participantes na investigação e visam o levantamento exaustivo de informação, que permite ao investigador um envolvimento total, acedendo assim ao fenómeno em estudo à luz da perspetiva dos participantes. «A tarefa da etnografia é, por vezes, entendida como “pintar imagens com palavras”, “capturar uma semelhança”, recrear o “sentimento autêntico” de um acontecimento, evocar uma imagem, acordar o espírito ou reconstruir um estado de espírito ou um ambiente» (Woods, 1999, p. 157). Nesse sentido, o enfoque no contexto e a opção por uma investigação de natureza qualitativa de cariz etnográfico determinou a nossa escolha em termos de procedimentos metodológicos. Foram utilizadas diversas formas de recolha de informação, nomeadamente a observação participante, o diário de campo, a entrevista em profundidade e a análise documental, que constituíram os principais recursos da investigação empírica, ainda que complementada com registos de cariz etnográfico, notas de campo, conversas informais e dados de opinião, recolhidos durante a nossa permanência na escola. A recolha de todos estes elementos revelou-se essencial e proporcionou um conhecimento aprofundado da cultura da turma pois, tal como refere Spradley (1979), todo o trabalho do etnógrafo visa a produção de uma “descrição cultural” do fenómeno em estudo (p. 25). Para o autor, mais do que estudar pessoas trata-se de aprender com as pessoas.

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Toda a recolha de dados foi então organizada no sentido de desvendar alguns elementos culturais relevantes para a investigação, em conformidade com a perspetiva de (Fino, 2003). Apostámos no conhecimento profundo dos intervenientes do projeto de PCA (presidente da escola, professores, e estudantes). Procurámos apreender com detalhe as suas representações sobre o projeto em análise, perceber como é que desenvolviam os seus quadros de referência, conhecer os seus papéis sociais, a organização e as rotinas de funcionamento, as tarefas desempenhadas (pelos alunos e pelos professores), as aprendizagens propostas e os seus pressupostos curriculares, os tipos de interação aceites ou estimulados pelos membros da turma, as crenças e as convicções que partilhavam, bem como o modo como o conhecimento era negociado e partilhado, os artefactos produzidos e a permeabilidade da cultura local à circundante. Destacamos neste processo de recolha dois momentos muito importantes do ponto de vista da investigação: a nossa permanência na turma, durante largos meses, o que permitiu a nossa imersão na sua cultura, possibilitando a compreensão dos fenómenos em estudo a partir da perspetiva de todos os envolvidos no projeto, e as entrevistas em profundidade realizadas à Presidente do Conselho Executivo, aos professores e ainda a seis alunos da turma. No âmbito da análise documental, recorremos ao estudo de documentos essenciais e reguladores da vida da escola e da turma, como os PEE, PCE, PCT, PAE, RI e PACE, fontes de informação úteis ao conhecimento da realidade em estudo. A recolha de dados decorreu em conformidade, com uma sequência cronológica por nós traçada, o que permitiu uma estruturação sólida de todo o processo investigativo e uma reformulação consistente de alguns procedimentos, sempre que tal nos pareceu conveniente. Aconteceu entre outubro de 2009 e fevereiro de 2011 e iniciou-se com a observação participante à turma escolhida, tendo a nossa inserção no contexto de investigação ocorrido de forma regular. Entre os meses de fevereiro de 2010 e junho do mesmo ano realizámos as entrevistas em profundidade à presidente, bem como a todos os professores titulares da turma. Estas entrevistas ocorreram em simultâneo com as observações das aulas, o que representou um grande esforço para nós que, no regresso a casa, tentávamos transcrever diariamente todas as observações para o diário de campo, e ainda proceder às transcrições dos registos áudio efetuados. Em janeiro e fevereiro de 2011, realizámos as entrevistas aos seis alunos da

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turma onde decorreu esta investigação. Procedemos ao registo áudio das entrevistas, técnica que veio a revelar-se de grande utilidade na fase de tratamento da informação. As dificuldades surgidas aquando da realização do trabalho de campo reportam-se especificamente a condicionalismos na gestão de tempo, criados pela dispersão em termos de horário das disciplinas que pretendíamos observar. De forma bastante regular, acompanhámos aulas às 8h da manhã e ao fim do dia, o que nos obrigava a duas deslocações diárias à escola, com o desgaste natural que tal situação acarretava. Em simultâneo, e após alguns meses de permanência na escola, realizámos as entrevistas, o que representou para nós um grande esforço para conseguir organizar os dados que recolhíamos em tempo útil.

4.3.1 – A negociação e o acesso ao terreno A entrada no campo é um momento crucial em que o investigador põe à prova as suas capacidades de empatia e de negociação determinantes para a sua aceitação pelo grupo. Apesar de conhecermos a escola, a presidente (e a sua abertura e atitude empreendedora) e alguns professores, a primeira abordagem foi um momento caracterizado por alguma ansiedade e expectativa rapidamente dissipadas pela hospitalidade e simpatia demonstradas por todos. Tratou-se de uma experiência positiva, mas nem sempre é isso que acontece, pois em muitos casos a conquista do acesso à situação e às pessoas do estudo representa um dos momentos mais difíceis da investigação social (Moreira, 2007). No entanto, são raros os investigadores que se referem a essa dificuldade. Para ultrapassar esse tipo de dificuldade, o investigador recorre muitas vezes ao que Lee (1993) designa de corredores de acesso (a partir de pessoas influentes ou que gozam de confiança junto da população a estudar) e desenvolve estratégias multifásicas e progressivas e sobretudo procura criar resistência à rejeição, ou seja, torna-se persistente e insiste até conseguir uma autorização (Moreira, 2007, p. 139). Logo no primeiro contato ficámos convencidas de que tínhamos feito a escolha acertada, pelo acolhimento, incentivo e adesão imediata ao projeto. Por tratar-se de uma investigação a realizar numa escola, foi necessária a formalização de um pedido à tutela, nomeadamente à Secretaria Regional de Educação e Recursos Humanos (SRERH), a solicitar autorização para o desenvolvimento do trabalho

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de campo, a decorrer numa turma de 5º ano com proposta de PCA na Escola Básica de 2.º e 3.º Ciclos dos Louros no Funchal, durante o ano letivo de 2009/2010. Pouco tempo depois era concedida a autorização pedida, pelo que procedemos à entrega formal do projeto de tese à Presidente do Conselho Executivo a fim de ser apresentado ao Conselho Pedagógico da escola. Após a anuência dos órgãos competentes e obtido o consentimento pleno de todos os professores entrámos na escola e na sala de aula. Não foi difícil a negociação da nossa entrada no terreno, pois conquistámos prontamente a adesão de todos os professores da turma. Aos professores da turma de PCA foi dado conhecimento do estudo a desenvolver, através da apresentação do projeto de tese em conselho de turma, tendo-se solicitado a necessária e indispensável colaboração. Inicialmente os professores manifestaram alguma surpresa: primeiro, pela escolha da escola e, segundo, pela turma. Explicados os motivos colocámo-nos ainda ao dispor para qualquer esclarecimento sobre a investigação. Estavam assim lançadas as bases para a investigação principal que se iria seguir, aspeto fundamental conforme reconhece (Woods, 1999). Todos estes procedimentos iniciais foram de extrema importância e determinaram a anuência à proposta de investigação, enfim, à nossa presença nos diversos contextos de interação da turma. Tratou-se de um processo de negociação cuidado que, de acordo com Lapassade (1993), não deverá ocorrer em exclusivo na fase inicial da investigação, mas ao longo de toda a investigação. Nesta fase inicial poderão ocorrer diversas dificuldades, pelo que o investigador deverá antecipadamente prevenir-se, planeando com rigor todas as etapas. O estabelecimento de relações privilegiadas com os membros da escola favorece uma boa introdução à entrada no terreno. É, sem dúvida, uma oportunidade para o estreitar de laços de colaboração e desmistificar o receio de avaliação e a desconfiança que possa existir em alguns docentes relativamente ao estudo. Por isso, é importante que o investigador assegure que o estudo vai incidir na análise de grupos e culturas, para além do destaque dos contributos reais da investigação em curso, para que o ambiente do campo de observação não apresente hostilizações (Lapassade, 1993). Nesta investigação, os encarregados de educação dos alunos da turma foram também contactados numa fase posterior, no sentido de nos ser concedida autorização para entrevistar os educandos, o que considerávamos significativo para que fosse possível 186

envolvê-los de uma forma direta no nosso estudo. Todos os encarregados de educação deram a sua permissão para a realização da entrevista aos seus educandos. Numa fase inicial, a nossa presença no terreno ocorreu sem grandes interações com os atores. No entanto, e de forma gradual, fomos interagindo com os professores e alunos com o objetivo de nos integrarmos à medida que recolhíamos informação. A empatia natural com todos levou ao aprofundamento das relações interpessoais estabelecidas por via da nossa permanência e envolvimento direto no dia a dia da turma. Desdobramo-nos em contactos informais variados com vista à nossa integração total. A atitude de abertura adotada veio a tornar-se determinante para o estabelecimento gradual de uma certa afinidade. A recetividade foi grande e a integração no terreno foi-se tornando cada vez mais profunda. Rapidamente vimo-nos envolvidas na vida da turma e o nosso relacionamento com todos tornou-se forte. Depressa nos sentimos membros efetivos do grupo, com envolvimento e participação total em todas as tarefas. Estávamos expectantes e sentimo-nos “adotados” pelo grupo. Um verdadeiro turbilhão de acontecimentos e emoções tomou parte do nosso quotidiano, tão bem representado nas palavras de Woods (1999): (…) A excitação da descoberta, a síndrome do aborrecimento quando “nada acontece”, o prazer de conhecer e de interagir com as pessoas, os problemas que afetam o acesso e o “abrir caminho contra paredes de tijolo”, os erros, bem como a descoberta de novos processos ou o desenvolvimento de novas ideias numa determinada técnica, integram toda a situação de investigação (p. 67). Os textos emergiram da experiência no mundo real e nesse sentido, a metodologia e o estudo fundamentaram-se no mundo empírico. A facilidade da aceitação por parte do grupo contrastava em certa medida com as dúvidas e incertezas relativamente à gestão de certos episódios e incidentes que foram surgindo no quotidiano do grupo. Tudo era novo, a experiência revelava-se estimulante, o papel de etnógrafo principiante trazia uma amálgama de emoções – também preocupações –, colmatadas pelas leituras e diálogos profícuos com o nosso orientador, e pelo ensejo da descoberta de uma realidade que passava também a ser nossa. Com este trabalho, desenvolvemos competências de investigação in situ e de sintonização do self (Woods, 1999). Aperfeiçoámos competências interpessoais que facilitaram a negociação do acesso aos contextos e aos pensamentos pessoais. A promoção e o desenvolvimento da confiança e o estreitar de laços de relação encorajou a

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descontração tão importante para a transparência e autenticidade, o que levou as pessoas a fazerem o que habitualmente costumavam fazer, mesmo na presença do investigador, e a não omitirem nada nas entrevistas. De etapa em etapa seguimos em frente, cada vez mais confiantes. A imersão no terreno envolveu diversos estádios descritos pelo autor, como o «acesso negociado, desenvolvimento da relação, confiança, e amizade, sociabilidade, inclusão, identificação com os outros envolvidos na situação, sensibilidade face às suas preocupações e capacidade para apreciar os seus sentimentos bem como as suas orientações cognitivas» (p. 77). No entanto, apesar da estabilidade alcançada, corremos riscos, pois apesar da proximidade necessária que permitiu que acedêssemos aos significados dos participantes, a capacidade de se colocar no lugar do outro envolve o risco da perspetiva do investigador passar a ser a dos sujeitos, síndrome do “tornar-se nativo” (Paul, 1953) ou “passar-se para o outro lado” (Thomas, 1995). Para nos protegermos do risco de nos tornarmos nativos, foi necessário observar alguma distância social (cit. Woods, 1999, p. 77).

4.3.2– A observação participante e o papel do observador A observação participante é uma das técnicas mais comuns da investigação etnográfica para aceder à realidade educativa e social. A permanência do investigador no contexto com o objetivo de melhor compreendê-lo é a principal característica e virtude desta técnica. Constitui-se, portanto, como uma modalidade especial de observação, na qual o investigador assume uma variedade de funções, participando nos eventos que estão a ser estudados (Yin, 2005). A ideia de que a inserção total do investigador na comunidade em estudo é fundamental para a compreensão do fenómeno da investigação tem reunido cada vez mais evidências. No entanto, torna-se essencial definir com clareza o papel do observador e o seu grau de envolvimento na realidade em estudo, evitando-se problemas de natureza metodológica e ética. O investigador, ao participar nos contextos de interação social que observa, vai captar o modo como os protagonistas constroem, atuam e interpretam a sua realidade (Bogdan & Taylor, 1986; Goetz & LeCompte, 1988; Spradley, 1979). Isto, apesar de não existir, segundo Denzin e Lincoln (2006), nenhum olhar objetivo e neutro, nem no

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observador nem nos observados, pois todas as perceções e representações se encontram contaminadas pelo filtro da linguagem, do género, da classe social, da raça; enfim pela posição que cada um ocupa no seu mundo relacional e na estrutura social da comunidade. Segundo Bogdan e Taylor (1975), «L’observation participante est présentée comme un dispositif de recherche caractérisé par une période d’interactions sociales intenses entre le chercheur et les sujets, dans le milieu de ces derniers. Au cours de cette période, des données sont systématiquement collectées (…). Les observateurs s’immergent personnellement dans la vie des gens. Ils partagent leurs expériences» (cit. Lapassade, 2001, p. 9).

Trata-se de um dispositivo de investigação caracterizado por um período de intensa interação social entre o investigador e os sujeitos e de recolha sistemática de dados em que o investigador acede e compartilha as experiências com os sujeitos de investigação. É por isso reconhecida como um meio de auscultação dos diversos mundos culturais que deverá ocorrer nos diversos contextos, como o pátio do recreio, nos intervalos, nos “feriados”, nos jogos de bola, no café (…) (Sousa, 2007). A observação participante supõe, portanto, a permanência prolongada do investigador na comunidade em estudo, observando, participando, (de forma direta ou não), na vida de uma determinada realidade social para registar os acontecimentos, as redes de condutas, a forma de atuação comuns ou singulares, habituais ou insólitos. É imprescindível por isso «ir um pouco além das meras verbalizações sobre o pensamento ou a conduta, descobrir a descontinuidade entre palavras e os fatos, indagar os pensamentos e as teorias implícitas e detetar o reflexo na prática das representações subjetivas» (Pérez Gómez, 2001, p. 73). É um importante instrumento ao dispor do investigador, que poderá permitir a sua inclusão total na comunidade em estudo, pois: «…habilita o investigador a um contacto muito estreito e prolongado com a realidade que se propõe estudar, e a circunstância de poder vir a ser “adotado” pelo grupo social que estuda como uma espécie de novo membro abre-lhe portas para o interior desse grupo onde, afinal, a cultura se gera e partilha. Daí que se possa considerar a observação participante, incluindo o expediente de formulação de perguntas, obviamente nem todas previsíveis no início da investigação, como um instrumento poderoso e relativamente manejável para a análise e interpretação dos fenómenos de natureza sóciocultural que ocorrem nas escolas» (Fino, 2003, p. 115).

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Deste modo, a observação participante transforma o investigador num membro do grupo estudado, envolvendo-o nos acontecimentos, de modo que a realidade passa a ser observada do seu interior, facilitando o acesso à informação que dificilmente seria atingível a um observador externo. É por isso uma técnica de investigação qualitativa adequada ao investigador que pretende compreender um fenómeno exterior a si, num determinado meio social. Parece-nos então a mais adequada à nossa investigação. A investigação social em geral tem sido utilizada com dois objetivos: a) estudar todos os seus aspetos, microcosmos sociais autónomos, situados em ambientes específicos de um universo cultural próprio que influencia a vida quotidiana; b) estudar subculturas desenvolvidas no seio de segmentos sociais de sociedades complexas, que podem representar aspetos da cultura dominante ou não, podendo originar conflitos parciais ou abertos (Moreira, 2007). Numa classificação à observação participante, Adler e Adler (1987) reconhecem a existência de três tipos: Observação participante periférica – quando os investigadores consideram ser indispensável um determinado grau de implicação para captarem a visão do mundo dos observados e uma participação apenas suficiente para serem admitidos como “membros”. Não assumem, portanto, um papel muito importante na situação em estudo, presumindo que demasiada implicação pode redundar em bloqueio da capacidade de análise; Observação participante ativa – a que é adotada pelos investigadores que tentam adquirir um determinado estatuto no seio do grupo ou da instituição em estudo. Esse estatuto é o que lhes permitirá participar em todas as atividades como membro, mas ao mesmo tempo mantendo um certo distanciamento; Observação participante completa – que se divide em duas subcategorias: por oportunidade, caso o investigador seja membro da situação em estudo, e por conversão, como forma de cumprir uma recomendação etnometodológica, segundo a qual o investigador deve tornar-se o fenómeno que estuda (cit. Lapassade, 2001, p. 13). Em suma, a observação participante permite ao investigador penetrar no quotidiano da sala de aula e observar os acontecimentos a partir da perspetiva dos indivíduos que estão a ser estudados. De modo que, ao nos colocarmos no lugar do sujeito, poderíamos certamente captar a realidade tal como ela é e ainda aceder a uma maior compreensão do ambiente natural em que decorre a investigação.

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Optámos assim pela observação participante, seguindo as etapas descritas por Henri Peretz (1996) a partir da sistematização do trabalho de Whyte (1955), que são respetivamente: a escolha do terreno; a entrada no campo; os papéis assumidos; as condições de observação e de trabalho de equipa; a tomada de notas; a descoberta do esquema principal; a relação com a comunidade estudada e por último a redação e publicação (cit. Lapassade, 2001, p. 11). Apesar da relevância desta opção, a nossa implicação no contexto da turma foi sempre regulada por mecanismos de participação e distanciação, pois, como refere o autor, vestir a pele de nativo pode levar à adoção de uma linguagem menos científica. A nossa participação na vida do grupo decorreu de forma gradual, num processo de crescente envolvimento. Numa primeira fase, o nosso olhar centrou-se particularmente nos aspetos do “contexto físico” (Moreira, 2007), estruturação espacial onde se desenrolou a ação social estudada, para depois procedermos à observação de aulas e à recolha de dados em contexto pedagógico. No papel de investigador registámos as observações, anotando as situações e os acontecimentos do dia a dia da sala de aula, nomeadamente atitudes e reações manifestadas por docentes e alunos, procurando focalizar os aspetos considerados relevantes ao estudo, conformados pelas questões de investigação. As observações realizadas por nós no ambiente natural da turma (contexto sala de aula) de forma bastante regular contribuíram para a compreensão das ações levadas a cabo por professores e alunos aquando da realização das tarefas, ou seja, permitiram uma apropriação do conhecimento e a construção de significados. Segundo Goetz e LeCompte81 (1988), «(…) um investigador participante observa a atividade dos indivíduos, escuta as suas conversações e interage com estes, de modo a converter-se num aprendiz que deve socializar-se no grupo que está investigando» (p. 128). Foram realizadas observações a diversas aulas, inicialmente Português, Matemática e TIC. A partir de janeiro de 2010 decidimo-nos pelo alargamento das nossas observações a outras disciplinas. Assim fizemos observações a aulas de menor pendor teórico e que pela sua natureza mais prática poderiam representar uma oportunidade de observação de estratégias e práticas diversificadas. São elas: Expressões, Área de Projeto, Educação Visual e Tecnológica.

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Tradução feita pelo investigador.

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A observação participante foi então utilizada como um dos processos de recolha de informação ocorrida nos diferentes contextos de interação. Privilegiámos a observação das atividades da sala de aula, em todas as disciplinas, com maior ou menor pendor teórico e em diferentes contextos, desde o campo de jogos ao laboratório de Ciências. A observação decorreu de forma sistemática durante o ano letivo em que estivemos no terreno.

4.3.3 – O diário de campo O diário etnográfico é um instrumento utilizado pelo investigador etnógrafo para registo do seu trabalho de campo. Desde o início do século tem vindo a assumir um estatuto de instrumento de pesquisa, uma técnica com especificidades diversas ao serviço dos investigadores. Numa apropriação mais geral, o diário pode também ser usado como instrumento de coleta de dados, de descrição dos processos e estratégias da própria pesquisa e análise das implicações subjetivas do pesquisador. Assume-se ainda como método de formação dos docentes, do ponto de vista da análise de práticas pedagógicas e do desenvolvimento pessoal. Constitui também um método de intervenção ou de investigação-ação (Brazão, 2007). Mas o diário que hoje é conhecido como uma técnica metodológica rigorosa de coleta de dados, familiar aos antropólogos e sociólogos de campo, já era uma tradição dos viajantes, navegadores e exploradores. Na Idade Média e na Renascença, era mesmo considerado um género da literatura (Hammouti, 2002). Nele contavam-se histórias reais ou imaginárias desde a época da colonização, dos “descobrimentos”, dos “novos” mundos, de outros povos ou culturas exóticas e era conhecido por “Diário de Viagem” ou “Diário de Bordo”. Mais tarde, já no século XX, surgiu o Diário de Campo, considerado um instrumento específico, utilizado pelos antropólogos sociais/culturais modernos em pesquisas empíricas. Tratava-se de um caderno de anotações de campo, com registos de observações, informações sobre o método de pesquisa, pensamentos catárticos em forma de diário no sentido restrito ou ainda anotações retratando o papel do investigador de campo (Brazão, 2007). O diário tem, portanto, diferentes definições e objetos e é perspetivado com frequência como “o documento pessoal por excelência” (Moreira, 2007), que tem adotado

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aspetos convergentes e divergentes ao longo dos tempos, como reconhecem Hammouti (2002) e Brazão (2007):  No “diário de bordo” ou “diário de viagem”, as aventuras e as histórias eram escritas pelos diaristas em forma de romance literário e baseadas muitas vezes em informações de outros informantes-chave. Relatavam aspetos semelhantes e divergentes da cultura de origem do diarista;  Já o “Diário de Campo” contém as anotações do pesquisador etnógrafo que são feitas dia a dia, implicando uma observação participante junto dos membros da comunidade estudada, em que o investigador procura relatar em pormenor o que Malinowski e Taylor designam de “complexo cultural”, o “todo integral” – o sistema “funcional”, social/cultural/económico e político. Todos estes dados e outros, obtidos através de outras técnicas de trabalho de campo, vão permitir posteriormente a teorização científica, a análise antropológica da comparação dessas culturas de pequenas sociedades com as das sociedades ocidentais. Após a segunda guerra, os antropólogos sociais/culturais e sociólogos de campo já não faziam a separação entre uma etapa inicial de pesquisa chamada “Etnografia” e outra ulterior designada de “Antropologia/Etnologia”. Estes dois momentos interpenetram-se e a descrição e a análise passaram a formar um mesmo processo de pesquisa, designando, na linguagem da sociologia etnográfica, a “Teoria enraizada” ou “Teoria emergente”;  No “diário institucional”, tradição do movimento de análise institucional da Universidade de Paris VIII, fundado por G. Lapassade e R. Lourau e continuado por P. Boumard e R. Hess, ganharam relevo pesquisas microssociológicas de campo em instituições e organizações escolares, grupos de formação, igrejas, empresas, etc. R. Hess (1977) inventou o “diário institucional etnográfico” numa pesquisa com trabalhadores sociais e professores;  O “diário de classe” de Zabalza e colaboradores funciona como instrumento de desenvolvimento profissional de docentes, tendo-se estudado os dilemas da prática do ensino;  O “diário associado a entrevistas” – “Diary-Interview Method”, desenvolvido por D. H. Zimmerman e D. L. Wieder, é um método que funciona como estratégia de

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pesquisa quando não é possível desenvolver a observação participante e baseia-se em diários e entrevistas a informantes-chave. A investigação tem como objetivo estudar os estilos de vida contraculturais de jovens;  Por fim, o “Diário de Campo”, o “Trabalho” ou “Pesquisa de Campo” e a “Observação

Participante”

foram

conceitos-chave

da

Etnografia

e

da

Antropologia Social moderna, tendo em Malinowski um dos principais fundadores. A prática do diário pode ser conceptualizada em quatro correntes teóricas: a tradição da Antropologia social/cultural, cujos fundadores são B. Malinowski e F. Boas, a Escola de Chicago e do interacionismo simbólico, dedicada à sócio-etnografia urbana, que vai influenciar a etnografia interaccionista inglesa, cujos representantes são D. Hargreaves, S. Delamont, MN. Hammersley e P. Woods, a Análise institucional de Paris VIII, integrando particularmente as tendências chamadas de “Análise institucional interna”, de “etnografia institucional” ou “etnografia participante”(R. Hess, 1985, 1989; P. Boumard, 1985, 1989) e ainda a “etnosociologia institucional” (G. Lapassade, 1991) e a “Análise da implicação” (R. Lourau, 1988) e, por fim, a corrente espanhola de Santiago de Compostela com Zabalza, Beraza e seus colaboradores (1986, 1988). Aqui utiliza-se o diário como instrumento fundamental da formação docente (Hammouti, 2002, p. 11-12). Os métodos do diário etnográfico, do diário institucional e o “método das histórias de vida” são abordagens qualitativas de pesquisa educacional/social que não deixam de fora a subjetividade, como fazem as abordagens quantitativa e positivista, e impulsionam fortemente processos de autoformação dos docentes. Permitem reexaminar a prática destes e refletir sobre a resolução de problemas e incidentes críticos, ensaiar estratégias de antecipação, possibilitar a análise mais profunda da construção do “eu” – self – fazendo-os desempenhar um papel social ativo (Brazão, 2007). O conceito de “diário etnográfico profano”, escrito por atores/praticantes sociais que não sendo profissionais (cientistas sociais) foram treinados na utilização desse instrumento de trabalho, foi introduzido por Hammouti (2002). Esta técnica começou a ser desenvolvida com estudantes universitários de pedagogia que exerciam a função docente e com educadores alfabetizadores rurais de jovens e adultos (em formação permanente). O “diário etnográfico profano” é um registo de acontecimentos e eventos quotidianos, ordinários e extraordinários. É construído a partir da observação participante da vida social

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dos grupos e instituições, das quais os “diaristas” fazem parte. Escrever num diário deste tipo implica usar uma técnica de narração em diário íntimo para o próprio ou para outro, real ou imaginado. O método requer alguma disciplina diária pois a escrita deve ser prolongada no tempo, de acordo com o problema em estudo. O diário escrito individualmente pode ainda transformar-se em diário coletivo de intervenção. Este tipo de diário visa a introdução de reformas na organização e favorece a mudança no coletivo social. Pode admitir uma ajuda externa de outros pesquisadores e permite a acumulação de diário etnográfico e diário coletivo. Esta reflexão conjunta apresenta múltiplas vantagens, nomeadamente melhorias na comunicação, aumento da circulação da informação, criação de compromisso social e uma maior dinâmica nos processos de interação (Brazão, 2008a). Neste tipo de prática, a contextualização permanente dos relatos dos acontecimentos leva o autor a adotar uma perspetiva “interpretativa” contínua das relações e ações sociais e simbólicas – paradigma interpretativo. A extração do sentido desses registos ocorre gradualmente, na medida em que se vão criando relações com a pesquisa em causa. O autor procede à reinterpretação da realidade em redor, definindo situações, reformulando regras e normas significativas, apresentando uma imagem do mundo exterior. Quando partilha essas reflexões com os parceiros está a construir coletivamente a realidade social (Brazão, 2007). O diário tem sido reconhecido, como instrumento privilegiado de pesquisa, uma excelente técnica ao serviço do investigador, que passa a dispor de uma panóplia de possibilidades de registo e sistematização de toda a informação, constituindo-se uma excelente ajuda a todo o processo investigativo. Conscientes de todas estas potencialidades, não hesitámos em recorrer a um diário para registo dos dados recolhidos no campo. A opção recaiu no Diário Etnográfico Eletrónico (que descreveremos de forma pormenorizada no ponto seguinte) da autoria de (Brazão, 2008a). O primeiro contacto com o Diário Etnográfico Eletrónico aconteceu durante uma sessão teórica da componente curricular do doutoramento (etapa precedente à realização desta investigação), orientada pelo autor do software, sendo que, imediatamente nos sentimos fascinadas com as potencialidades daquela ferramentaNo início do trabalho de campo formalizámos o pedido de autorização para a utilização do diário Etnográfico Eletrónico, tendo sido concedida autorização imediata.

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4.3.3.1 - O diário etnográfico eletrónico e o registo dos dados

Figura 1 - Interface de apresentação do software Diário Etnográfico

O diário etnográfico eletrónico foi construído por Brazão (2008a) com o auxílio de Fike Maker Pro 5.5., com a adição posterior de um módulo autoexecutável do Fiker Maker Developer Tool. O autor decidiu-se pela construção deste software aquando da realização de uma investigação no âmbito da sua tese de doutoramento, com vista à satisfação dos seguintes aspetos:  O registo imediato dos dados durante o tempo em que o investigador se encontra no terreno;  A reunião do maior número de dados possível no mesmo suporte eletrónico;  A apresentação simultânea de todos os dados;  O acesso, arquivo e mobilidade facilitados, ao utilizar equipamento informático portátil (Brazão, 2011). De acordo com o autor, e situando-o em duas fases da investigação, fase descritiva e fase interpretativa (Sabirón, 2001), este software torna-se importante na primeira fase quando se procede ao registo descritivo das informações obtidas. O esforço descritivo inicial para explicar a realidade observada é o ponto de partida para a credibilidade dos

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resultados e do processo de investigação. Na fase interpretativa, e com base no rigor da descrição, o investigador e outros protagonistas fazem uso de referentes explícitos que consideram oportunos, analisam, interpretam-nos e apreendem os fenómenos em estudo. São, em última análise, processos progressivos de triangulação de fontes, instrumentos e informações para assegurar a pertinência da informação elaborada. Já na fase descritiva, o software foi atualizado com melhoramentos gráficos, tendo em conta o seguinte:  Maximizar a ficha de observação para cada sessão de trabalho, nomeadamente nas áreas de descrição dos registos de observação;  Maximizar a utilização de hiperligações para os registos áudio em MP3 e para os artefactos em suporte digital;  Maximizar a interface de triagem de observações de fenómenos evidenciados em forma de listagem. O resultado pode ser observado nas figuras 2 e 3 seguintes:

Figura 2 - Interface de registo de observações / reflexões

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Figura 3 - Interface de triagem de observações de fenómenos evidenciados

Por ser complexa e dinâmica, esta investigação implicou a necessidade da estruturação e registo da informação. Durante as observações das aulas, foram elaborados diversos registos dos fenómenos mais relevantes, informações recolhidas no terreno e registadas num formato tradicional, ou seja, em papel – bloco de notas. Posteriormente, mas ainda no próprio dia, como salvaguarda da retenção do essencial e para uma melhor organização e sistematização de toda a informação, todas as descrições eram transcritas para Diário Etnográfico Eletrónico, apresentado anteriormente, onde se incluíam anotações e reflexões pessoais, explicações de pormenores relacionados, transcrição de diálogos, enfim, aspetos relevantes numa investigação, como reconhece Fino (2003). Tratava-se de notas descritivas da realidade, guardadas por ordem cronológica. Das reflexões sobre as observações foram emergindo notas de interpretação de uma realidade social que procurávamos conhecer. Durante as observações e na transcrição das notas de campo foram adotados alguns códigos para facilitar o registo das mesmas: professora titular da disciplina – PTD; professora de apoio – PA; professora especializada – PE; professora investigadora – PI e diretora de turma – DT.

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Este dispositivo colocado ao nosso dispor foi verdadeiramente importante e trouxe uma certa segurança e facilitação de todo o trabalho de registo sistemático e detalhado dos factos observados, organização e esquematização de toda a informação útil, para além de possibilitar a consulta simultânea e rápida de todos os dados, devido à facilidade no acesso à informação arquivada.

4.3.4 – As entrevistas A entrevista representa um dos instrumentos principais na recolha de dados de natureza qualitativa e constitui uma das principais técnicas de trabalho em quase todos os tipos de pesquisa utilizados nas ciências sociais. «(…) A grande vantagem da entrevista sobre outras técnicas é que ela permite a captação imediata e corrente da informação desejada, praticamente com qualquer tipo de informante e sobre os mais variados tópicos» (Lüdke & André, 1986, p. 33-34). Conceptualmente, uma entrevista consiste numa conversa intencional, geralmente entre duas pessoas (Morgan, 1988), dirigida por uma delas, com o objetivo de obter informações sobre a outra. Ao permitir um contacto direto entre entrevistador e entrevistado, a entrevista contribui para a criação de um clima de proximidade e de confiança que favorece o fornecimento de informações (Quivy & Campenhoudt, 1992). «São encontros reiterados, cara a cara, entre o investigador e os entrevistados (…) dirigidos à compreensão das perspetivas que estes têm relativamente às suas vidas, experiências e situações, tal e qual como o exprimem com as suas próprias palavras» (Bogdan & Taylor, 1986, p. 101). A entrevista facilita a descoberta do significado que permanece implícito no pensamento do entrevistado, permitindo ao entrevistador compreender as conceções da realidade, o sentido e o significado que o entrevistado atribui às suas ações. É utilizada para recolher dados descritivos na linguagem do próprio sujeito, permitindo ainda ao investigador desenvolver conceitos de forma intuitiva sobre o modo como os sujeitos interpretam aspetos do mundo (Bogdan & Biklen, 1994). Efetivamente, o objetivo prioritário da entrevista é «captar as representações e as impressões subjetivas, relativamente elaboradas dos participantes, a partir de sua própria perspetiva, com a intenção de esclarecer a inevitável polissemia das manifestações

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observáveis» (Pérez Gómez, 2001, p. 73). Os diferentes modos e tipos de entrevista, relativamente estruturados e elaborados, procuram averiguar nas diferentes representações, no pensamento e nas atitudes, os pontos críticos, as teorias implícitas, as proposições latentes, contradições, crenças e esquemas mentais, assim como as relações entre o pensamento e os modos de sentir e de agir. Mas a entrevista não é apenas uma técnica, é também um instrumento para recolher informação. Um momento único na construção compartilhada do conhecimento através do diálogo e do contraste, estimulado pela interação entre as ideias dos participantes e o investigador. Trata-se de «um processo de construção da realidade no qual ambas as partes contribuem e pelo qual são afetados» (Woods, 1999, p. 68). Enfim, uma “escuta ativa” que deve ser o mais aberta possível. Na investigação etnográfica, a entrevista faz parte integrante do trabalho de campo. O investigador recorre à entrevista como forma de completar os dados recolhidos na observação participante, de modo a registar nas palavras do próprio sujeito, informação relevante para o tema em estudo. Dada a profunda imersão do etnógrafo no trabalho de campo, a entrevista surge, na opinião de alguns autores, como uma conversa informal, não separando o ato de entrevistar dos outros momentos de investigação (Vasconcelos, 2006). É neste contexto de escuta que se valoriza a reflexão e a partilha de experiências, formando uma cooperação entre os seus atores. Diante deste diálogo e comunicação entre os sujeitos, poderá existir a produção de novas ideias e significados partilhados que possam dar sentido à realização e análise dos dados necessários para o desenvolvimento da investigação. Alguns investigadores destacam a existência de diferentes tipos de entrevistas qualitativas e que se distinguem pelo seu grau de estruturação: entrevista estruturada, semiestruturada e não estruturada (Bogdan & Biklen, 1994; Wragg, 1984). Ghiglione e Matalon (1993) distinguem três tipos de entrevista: não-diretivas (ou livres); semi-diretivas e diretivas ou estandardizadas. Ainda reconhecendo a existência de três tipos de entrevistas, Patton (1990) afirma que variam entre as que são totalmente informais, ou de conversação, e as que são altamente estruturadas e fechadas. O tipo escolhido depende do contexto de estudo e das questões a fazer. Por seu turno, Bisquerra

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(1989) apresenta cinco tipos: a entrevista formal; a entrevista menos formal; a entrevista informal; a entrevista não diretiva e por fim a entrevista focalizada82. Por todas estas considerações preconizadas por diversos investigadores acerca do papel e importância da entrevista e também por tratar-se de uma investigação qualitativa, adotámo-la como um dos métodos e instrumentos de recolha de dados. Recorremos à entrevista em profundidade, aberta, mas centrada em determinados tópicos ou questões gerais, pois como reconhecem Bogdan e Biklen (1994), «(…) quando se utiliza um guião, as entrevistas qualitativas oferecem ao entrevistador uma amplitude de temas considerável, que lhe permite levantar uma série de tópicos e oferecem ao sujeito a oportunidade de moldar o seu conteúdo» (p. 135). Pela necessidade de aprofundamento de alguns tópicos necessários à constituição de um quadro suficientemente rico de pormenor, que nos possibilitasse a reconstituição da cultura da turma de PCA a partir do ponto de vista dos “de dentro” (Matos, 1995), procedemos à elaboração de uma matriz de tópicos, um guião/sumário orientado para a recolha de determinados aspetos de acordo com as questões e objetivos de investigação. Neste caso, os assuntos foram pensados previamente, muito embora a ordem e a formulação das perguntas tenha surgido no decurso da conversa. Recorde-se que quando iniciámos as entrevistas já conhecíamos o grupo de professores, alunos e diretor da escola, pois já tínhamos iniciado as observações participantes há uns meses atrás. Todavia, e apesar da existência de um guião de questões gerais, a flexibilidade adotada permitiu que os participantes respondessem de acordo com a sua perspetiva pessoal. Procurávamos aceder e compreender as diferentes perspetivas, os motivos de certas opções e detalhes da experiência vivida. Tratou-se de uma entrevista flexível e aberta pela forma como se foram colocando as questões e pela sequencialidade perfilhada pelos entrevistados, o que permitiu estabelecer com os interlocutores uma relação aberta, dinâmica, não diretiva, holística, profunda,

82

Entrevista formal - estandardizada, estruturada ou fechada, em que se segue um esquema prévio; a entrevista menos formal - em que o entrevistador pode alterar a sequência das questões, acrescentar informação nova a partir das respostas do entrevistado; a entrevista informal - aberta não estruturada, sem guião, conversa informal; a entrevista não diretiva em que o entrevistador assume um papel de subordinado, principalmente no domínio da psiquiatria e da psicoterapia; e a entrevista focalizada entrevista não diretiva especial que apresenta uma determinada direção ou controle.

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interativa, de acordo com a perspetiva de Gómez e Cartea (1995). Este tipo de entrevista tem a vantagem de as informações que se pretende obter refletirem as representações do entrevistado, na medida em que este pode exprimir-se livremente (De Ketele & Roegiers, 1996). Apesar da hesitação inicial, conformada pelo ensejo de dar aos protagonistas desta investigação a expressão livre das suas ideias, sentimentos e representações, já antes do fim da investigação empírica considerávamos a decisão de elaboração de uma matriz de tópicos, ou questões de orientação da entrevista, de grande utilidade para o aprofundamento dos temas em análise, organização e sequencialidade. Esta focalização em alguns tópicos importantes do estudo impediu alguma desorganização nesta fase de recolha de dados, etapa tão importante da investigação, além de nos permitir ainda aceder a determinados esclarecimentos adjacentes sobre certos aspetos que queríamos ver esclarecidos. As entrevistas decorreram em diversos espaços da escola conforme a disponibilidade dos mesmos (salas de aula, biblioteca e gabinetes) em que, de forma aberta e flexível, numa atitude pouco diretiva procurámos conhecer como é que os docentes da turma se posicionavam em relação ao PCA e à Inovação Pedagógica. Com efeito, o clima de confiança e interação instituído permitiu a todos os professores a expressão livre, fluente e espontânea das suas opiniões e apontamentos sobre este projeto. Procurámos apreender as conceções dos docentes da turma sobre o projeto de PCA, enunciando algumas interrogações a partir do problema inicial, nomeadamente conceitos, objetivos, significados, pressupostos curriculares, constrangimentos e facilidades na construção e operacionalização de um projeto desta natureza. A organização social, em concreto o tipo de interação aceite ou estimulada entre alunos e professores, era para nós outro dos aspetos a considerar. Pretendíamos igualmente caraterizar as práticas emergentes da implementação deste projeto alternativo, as metodologias, estratégias e lógicas de ação dinamizadas no âmbito da Inovação Pedagógica. Por fim, procurámos apurar os ambientes emergentes da utilização das TIC. A complementar, toda a informação recolhida sobre o projeto de PCA e respetiva turma quisemos aceder ao universo das representações dos alunos, crenças e convicções sobre a proposta alternativa em análise. Assim, entrevistámos seis alunos (três do sexo feminino e três do sexo masculino) representantes dos grupos de trabalho e que foram

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designados na investigação pelos códigos: A1, A2, A3, A4, A5 e A6. Este critério de seleção dos alunos a entrevistar foi a forma encontrada para ultrapassar os constrangimentos de tempo, visto que já não era possível permanecer muito mais em campo. Num ambiente de grande cordialidade estabelecemos com todos os docentes a calendarização para a realização das entrevistas, consoante a sua disponibilidade. Todos os entrevistados foram informados dos objetivos da investigação, tendo manifestado apoio total e uma grande recetividade para com a investigação. Todas as entrevistas se desenrolaram num clima agradável, estratégia muito importante em estudos de natureza etnográfica. Apesar da existência de um guião com questões gerais, estas foram sendo exploradas em função das respostas dadas pelos participantes na investigação. Procurámos não influenciar ou condicionar os entrevistados nas suas respostas, apesar de os levarmos a esclarecer conceitos e elementos, sempre que considerámos necessário. Foram registadas no sistema áudio, com o prévio consentimento de todos os envolvidos e com uma duração global que variou entre os 50 e 70 minutos. Os encontros decorreram num período de quatro meses, ou seja, entre os meses de fevereiro a junho (tabela 2). A Presidente do Conselho Executivo foi a primeira pessoa a ser entrevistada, opção deliberada por nós, que pretendíamos inteirar-nos de situações e aspetos de natureza organizacional, dada a importância que estas assumiam na compreensão e apreensão de determinados significados relativamente à vida da turma. Seguiram-se os docentes e um a um fomos realizando as entrevistas que nos permitiram acumular uma série de descrições exaustivas e detalhadas, levando-nos ao conhecimento do objeto de estudo. Foi possível aceder à compreensão de certos detalhes, significados e experiências vividas pelos diversos intervenientes na turma de PCA.

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Entrevistas

Data

Local

Observações

Entrevista 1 (Presidente do Conselho Executivo)

10 fev./2010 16:30

Gabinete da Presidente do Conselho Executivo Sala de aula

Duração de 70m

Entrevista 2 (Diretora de Turma) Entrevista 3 (Professora de Educação Especial) Entrevista 4 (Professora de Matemática) Entrevista 5 (Professor de Educação Física) Entrevista 6 (Professora de Português) Entrevista 7 (Professora de Ciências da Natureza) Entrevista 8 (Professor de Expressões) Entrevista 9 (Professor de EVT) Entrevista 10 (Professora de EVT) Entrevista 11 (Professora de História e Geografia)

10 mar./2010 16:30 22 mar./2010 14:30 24 mar./2010 9:30 16 abril/2010 16:15 21 abril/2010 16:15 28 abril/2010 8:30 3 maio/2010 12:00 8 junho/2010 16:30 7 junho/2010 11:00 22 junho/2010 10:00

Sala de aula Gabinete de Apoio Gabinete dos Diretores de turma Sala de Aula Sala de Informática Gabinete de Apoio Biblioteca da Escola Sala de Aula Biblioteca da Escola

Duração de 70m Duração de 60m. Duração de 60m Duração de 60m Duração de 60m Duração de 60m Duração de 50m Duração de 50m Duração de 50m Duração de 50m

Tabela 2 - Datas e locais de realização das entrevistas

Os alunos da turma foram entrevistados no ano letivo seguinte, (2010/2011) entre janeiro e fevereiro, conforme já tivemos oportunidade de referir, pela necessidade de se garantir um período de tempo “significativo” e de razoável experiência na turma de PCA, para depois os entrevistarmos. Estas entrevistas foram também registadas em sistema áudio. Após a realização das entrevistas, foi necessário transcrevê-las. Trabalho “gigantesco”, moroso, de difícil execução. Apesar de tudo fizemos questão de efetuá-lo, conscientes da importância desta fase de transcrição dos dados, visando a sua otimização e fidelização e sobretudo para que não se perdesse nenhuma informação. A transcrição efetuada permitiu a compilação de um elevado número de páginas, distribuídas por protocolos, dos quais remetemos vários exemplares para apêndice. Todos os entrevistados, bem como o próprio investigador, são identificados nos protocolos de uma forma codificada, metodologia já apresentada anteriormente. Agrupados e organizados os dados, estava facilitada a tarefa de descrição da realidade em estudo.

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4.3.5 – A recolha documental Apesar de pouco explorada, não só na área da educação como também em outras áreas, a análise documental pode constituir-se como uma técnica valiosa de abordagem de dados qualitativos, em complemento com outras técnicas de recolha de informação (Lüdke & André, 1986). A pesquisa arquivística ou documental consiste, segundo Afonso (2005), na utilização de informação existente em documentos anteriormente elaborados, com a finalidade de obter dados relevantes para responder às questões de investigação. Essa recolha pode ser feita a partir de documentos anteriormente organizados com outros fins. Guba e Lincoln (1981) reforçam a importância da análise documental, afirmando que uma fonte tão repleta de informações sobre a natureza do contexto nunca deve ser ignorada, quaisquer que sejam os outros métodos de investigação escolhidos. Além disso, pode complementar as informações obtidas por outras técnicas de recolha de dados. Também Yin (2005) faz alusão ao importante papel atribuído à análise de documentos. «Devido ao seu valor global, os documentos desempenham um papel explícito em qualquer coleta de dados…». (p. 114). A utilização recorrente de documentos apresenta, para Moreira (2007), algumas vantagens: a) A grande utilidade nas investigações primárias (a revisão bibliográfica ajuda à formulação do problema, definição de hipóteses e da população de estudo e seleção da metodologia a usar); b) Grande utilidade nos estudos comparativos (nacionais e internacionais) e de tendências; c) Baixo custo, de uma grande quantidade de material informativo; d) A não reatividade, em que não há preocupações com a reação que poderão provocar nas pessoas quando se sabem investigadas; e) Exclusividade na medida em que o conteúdo informativo proporcionado por alguns documentos tem um certo carácter único, pois difere do que pode ser obtido através da observação, entrevista ou inquérito; f) Historicidade pois os escritos, as imagens e as vozes gravadas permanecem no tempo. Todavia, apesar das vantagens assinaladas, o autor realça igualmente alguns aspetos que designa de inconvenientes: a) Seletividade na produção ou registo e na conservação ou arquivo do material documental; b) A natureza secundária do material documental (numérico, escrito e visual), o que representa um grande inconveniente, pelo que é aconselhável que os dados secundários sejam um complemento aos dados primários; c) A

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interpretabilidade múltipla e mutável do material documental, dependendo do contexto e do tempo. O material documental pode pois ser manipulado e alterado em novos contextos ao longo do tempo; d) A crítica etnometodológica referente à utilização de fontes documentais oficiais: estatísticas e informações públicas. Em suma, para o investigador etnográfico é importante a recolha de cópias dos documentos relevantes e portadores de informação complementar. Neste estudo a análise documental recaiu sobre o PEE, o PCE, o PCT, o RI, e o PAE, dada a importância que estes documentos assumem na estruturação de toda a atividade pedagógica. Procedeu-se igualmente à reunião de outros documentos, tais como PEI(s), CEI(s), planificações, fichas de trabalho, atas de reuniões de avaliação, avaliações dos alunos, etc., que foram posteriormente alvo de uma leitura atenta e de análise, tendo contribuído para um conhecimento de algumas caraterísticas dos alunos que compõem a turma.

4.4 – A ética O termo ética deriva de “ethos”, que designa a palavra grega “carácter”, sendo a ética o estudo sistemático dos conceitos de valor “bom/mau”, “certo/errado” e dos princípios gerais que enquadram a sua aplicação (Sieber, 1992). A ética é, portanto, um ramo da filosofia … Na investigação, a ética «(…) consiste nas normas relativas aos procedimentos considerados corretos e incorretos por determinado grupo» (Bogdan & Biklen, 1994, p. 75). Sobretudo nas últimas décadas, o tema da ética na investigação social tem suscitado alguma atenção, a partir de estudos realizados em certas comunidades, em que a identificação de localidades e indivíduos não foi devidamente preservada. Muitas vezes a investigação social é controversa, suscitando problemas de natureza ética que deverão ser analisados e devidamente acautelados (Moreira, 2007). Foi o conhecimento de práticas de investigação consideradas socialmente questionáveis que conduziu à necessidade de regulação e à emergência de códigos de conduta e comportamento, passo importante, desencadeando o alerta para os problemas que a investigação pode comportar (Lima, 2006). Existem dois tipos de estruturas formais que regulam a pesquisa segundo (Lee, 1993): as pró-ativas, em que são estabelecidas previamente certas regras às quais os

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investigadores devem conformar-se, antes de iniciarem a investigação, e as reativas, em que existe uma autoridade que analisa as práticas do investigador e as avalia com o intuito de verificar se estiveram em conformidade com os padrões adequados, do ponto de vista profissional e legal. Os primeiros suscitam no entanto algumas dificuldades aos investigadores, sobretudo os que optam por estudar tópicos particularmente sensíveis no âmbito das pesquisas qualitativas. Desde o final da década de 80 que se verifica um crescendo de elaboração de documentos orientadores da conduta ética, no âmbito de muitas associações profissionais, de instituições financiadoras da investigação e das instituições com vínculo aos investigadores. A maioria das especialidades académicas e profissões têm códigos deontológicos que determinam tais normas. Trata-se portanto de uma matéria que o investigador terá de dar especial atenção. Alguns dos códigos recentes mais relevantes reconhecem a complexidade que envolve o processo de tomada de decisões morais, admitindo nomeadamente que pode aplicar-se mais do que um princípio a uma mesma situação concreta e que princípios distintos podem sugerir cursos de ação diferentes (Lima, 2006). Por outro lado, estes códigos contemplam uma visão menos individualista dos participantes, acentuando o seu carácter social numa perspetiva social e coletiva do princípio clássico do respeito pelas pessoas, conferindo às comunidades direitos que anteriormente eram reconhecidos aos indivíduos. Não será de menosprezar a importância dos códigos de ética, já que oferecem pontos de referência no âmbito dos quais determinados procedimentos poderão ser desenvolvidos e aceites. Para o autor, as questões éticas colocam-se nas diversas fases de uma investigação, desde a escolha do tema à seleção dos participantes, ao modo de acesso ao terreno, às opções na recolha de dados. No entanto, quatro aspetos merecem uma reflexão particular por parte dos investigadores: o modo de acesso ao local de pesquisa, a obtenção do consentimento informado dos participantes, a garantia da confidencialidade da informação obtida e a forma de redação e publicação dos resultados da investigação. Em qualquer investigação impõe-se naturalmente por parte do investigador a observância rígida e um cumprimento fiel de determinados princípios éticos, no respeito pelos participantes na investigação, que confiaram ao investigador os seus sentimentos e pontos de vista, a partilha da sua cultura, da sua maneira de viver, pensar e estar. Seja qual

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for o quadro ético em que o investigador se enquadre, o importante é que honre os seus compromissos de uma forma séria e respeitosa para com as pessoas envolvidas na pesquisa. Consideram-se obrigações éticas essenciais do investigador a proteção da privacidade dos participantes, a garantia da confidencialidade da informação e o anonimato das suas respostas (Lima, 2006). Sieber (1992) distingue estes três conceitos: a privacidade refere-se ao interesse das pessoas em controlar o acesso de terceiros a informações que lhes diga respeito; a confidencialidade implica o estabelecimento de um acordo entre o investigador e o investigado relativamente ao acesso de terceiros aos dados; e o anonimato descreve a existência de dados que não incluem caraterísticas de identificação da pessoa que os forneceu. Por isso é que a pesquisa efetuada se pautou pelo princípio ético de assegurar a integridade, privacidade e anonimato dos participantes do estudo e a garantia da confidencialidade da informação transmitida. Tanto Vasconcelos (2006) como Sábiron (2001) e Cohen e Manion (1994) consideram que em qualquer investigação deverá ser garantida a proteção das pessoas através do anonimato83 e do consentimento informado, que exige uma preparação cuidadosa, de que fazem parte a consulta e uma explicação acerca da investigação antes que se inicie a recolha de dados Foram portanto ajustados alguns procedimentos, de modo a tornar possível, a privacidade dos participantes e a confidencialidade da informação fornecida. A preservação do anonimato levou-nos a apresentar de forma codificada a identificação de todos os participantes. Aos docentes foi atribuída a inicial E de entrevistado: E1, E2, E3, E4, E5, E6, E7, E8, E9, E10, tal como já tivemos oportunidade de referir. Quanto à presidente optámos pelo código PE que significa presidente da escola, apesar de a indicação prevista no RI ser outra, designadamente Presidente do Conselho Executivo. Esta opção deve-se ao facto de a sigla PCE ser coincidente com a determinada para designar Projeto Curricular de Escola também referida inúmeras vezes nesta descrição de investigação, pelo que quando nos referirmos à presidente da escola adotaremos as siglas PE. No caso dos alunos foram consideradas as iniciais do respetivo nome. O investigador

83

O anonimato reporta-se à proteção da privacidade dos participantes no estudo, assegurada pela alteração de identidade e pela limitação de informação que conduza à identificação dos sujeitos. Quanto ao consentimento informado reporta-se ao acordo explícito para participar. Informado significa que o participante é esclarecido antes de consentir em participar.

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assume a inicial I em todos os protocolos estabelecidos. Na tabela 9 em que se apresenta a caraterização socioeconómica dos alunos da turma, acrescentámos às iniciais dos nomes dos alunos entrevistados a designação A1, A2, A3 e assim sucessivamente pela ordem da realização das entrevistas. Os excertos das observações participantes apresentadas na tese integram referências aos alunos que serão igualmente designados pelas respetivas iniciais dos nomes de cada um. Quanto à identificação do contexto do estudo, obtivemos autorização por parte da responsável pela escola em questão para revelar o seu nome, no reconhecimento claro da importância desta investigação, cuja descrição da prática educativa poderá contribuir para a valorização e visibilidade de um trabalho importantíssimo que decorre no âmbito dos PCAs promovidos pela escola. A longa permanência no campo permitiu-nos a construção de uma relação continuada, que se foi desenvolvendo ao longo do tempo, baseada em valores de respeito, honestidade e autenticidade.

4.5 – A análise de dados, técnicas e procedimentos adotados na construção de significados Na investigação qualitativa o processo de análise e interpretação dos dados é uma condição primordial, com vista à descoberta das respostas às questões de investigação. Todo este processo constitui portanto um grande desafio, pois trata-se de «(…) dar sentido a quantidades massivas de dados, reduzir o volume da informação, identificar padrões significativos, e construir uma estrutura para comunicar a essência do que os dados revelam» (Patton, 1990, p. 371-372). Neste processo interativo destaca-se o papel central da análise dos dados na construção de significados e conhecimento do real. Como reforçam Bogdan e Biklen (1994), «a análise de dados é o processo de busca e organização sistemático de transcrições de entrevistas, de notas de campo e de outros materiais que foram sendo acumulados, com o objetivo de aumentar a sua própria compreensão desses mesmos materiais e de lhe permitir apresentar aos outros aquilo que encontrou. A análise envolve o trabalho com os dados, a sua organização, divisão em unidades

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manipuláveis, síntese, procura de padrões, descoberta dos aspetos importantes e do que deve ser aprendido e a decisão sobre o que vai ser transmitido aos outros» (p. 205).

Para os autores, a tarefa de interpretar e tornar compreensíveis os materiais recolhidos é gigantesca, geradora de “medos” e “ansiedades”, sobretudo para os investigadores principiantes, emoções também vivenciadas por nós e tão típicas desta etapa de investigação. Apesar de ser reconhecidamente um processo complicado é possível aligeirar alguns procedimentos e sentimentos no sentido de transformar esta tarefa em algo agradável, de descoberta e construção de conhecimento e significados. Nesta investigação não se procedeu à elaboração prévia do desenho de investigação, pelo contrário, fomos projetando o processo investigativo à medida que a investigação decorria, numa permanente dialética entre o que se passava no terreno e o processo reflexivo e interpretativo. O corpus extensivo emergente das entrevistas foi organizado em protocolos que integraram os dados recolhidos através dessa técnica de recolha de dados. Cada um dos protocolos foi considerado unidade de análise. Não partimos de uma grelha pré-existente para definir as categorias da nossa análise. Estas emergiram das questões de investigação considerando-se como categorias os grandes temas emergentes da matriz/guião de tópicos, ou questões de orientação das entrevistas. A apresentação ordenada dos temas e organização dos dados facilitou a busca de respostas às perguntas de investigação. As observações das 72 aulas integram o Diário Etnográfico Eletrónico, apresentado anteriormente, sendo que o registo destas aulas resultou em muitas páginas de informação e dados. Durante o trabalho de campo procurámos observar as várias disciplinas que compõem as áreas curriculares disciplinares e as não disciplinares, na tentativa de aferir as metodologias e procedimentos postos em prática. As observações realizadas foram assim distribuídas.

POR

HGP

IN1

MAT

CNT

EVT

EXP

ITIC

DPS

EDF

5

7

8

6

7

8

6

12

5

1

Tabela 3 - Distribuição das observações por áreas disciplinares

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Todos os registos das observações efetuadas foram alvo de análise, apesar de termos destacado as aulas que duma forma direta respondiam às questões de investigação. Procedemos com efeito, a uma análise circunstanciada de 12 aulas, cujos excertos destacamos no corpus desta investigação e que poderão ser consultadas integralmente no Apêndice O que integra esta investigação. Para o estudo dos dados recolhidos, recorremos à análise de conteúdo descrita por Ludke e André (1986) como «uma técnica de pesquisa para fazer inferências válidas e replicáveis dos dados para o seu contexto» (p. 41). A análise de conteúdo é a expressão genérica utilizada para designar um conjunto de técnicas possíveis para tratamento da informação recolhida (Esteves, 2006). No essencial, a análise de conteúdo procede à análise de material não estruturado de forma sistemática por meio de um sistema de categorias teoricamente orientadas. É uma forma de estudo da sociedade que se centra no modo como as pessoas interpretam e dão sentido às suas experiências e ao mundo em que vivem. A história da análise de conteúdo remonta os tempos da 1ª Grande Guerra, utilizada então como instrumento de propaganda política. Na 2ª Grande Guerra foi usada na análise de jornais, com a finalidade de detetar indícios de propaganda nazi nos meios de comunicação norte-americanos (Amado, 2000). Com mais ou menos hesitações de carácter epistemológico e metodológico a análise de conteúdo tem vindo a ser aplicada em muitos domínios das Ciências Humanas, adquirindo progressivamente alguma relevância, sendo rara a investigação que, de modo exclusivo ou combinado com outras técnicas, não a utilize. Em 1952, Berelson e Lazarsfeld definiram a análise de conteúdo como uma técnica de investigação que visava a descrição objetiva, sistemática e quantitativa do conteúdo manifesto da comunicação. Esta definição, que viria a tornar-se célebre, espelha bem um período de tempo de predominância do paradigma positivista em investigação em que a preocupação de objetividade estava ligada à quantificação (Bardin, 1995). Apesar da prevalência inicial do paradigma positivista, outros autores têm vindo a enfatizar uma perspetiva qualitativa da análise dos dados, considerando o tratamento estatístico uma possibilidade e não uma obrigatoriedade. A análise de conteúdo deixa de ser apreendida como um processo simplesmente descritivo, podendo mesmo incluir inferências e, portanto, interpretações. 211

Posteriormente, Bardin (1995) vai referir-se à análise de conteúdo como um «conjunto de técnicas de análise das comunicações, que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens» (p. 38). É assim destacada a finalidade (implícita ou explícita) de qualquer análise de conteúdo, cuja intenção «(…) é a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção (ou eventualmente de receção), inferência que recorre a indicadores (quantitativos ou não)». Trata-se de uma técnica e não um método como descreve Guerra (2006) que, com uma dimensão descritiva, visa dar conta do que foi narrado e uma dimensão interpretativa que decorre das interrogações do investigador face a um objeto de estudo, com recurso a um sistema de conceitos teóricos-analíticos cuja articulação permite formular as regras de inferência. A escolha da técnica mais adequada para analisar o material recolhido depende dos objetivos e do estatuto da pesquisa, bem como do posicionamento paradigmático e epistemológico do investigador. O tratamento do conteúdo é portanto variável de pesquisa para pesquisa e de investigador para investigador e pode adotar os seguintes formatos: análise categorial, análise de avaliação, análise da enunciação, análise da expressão, análise das relações e análise do discurso (Bardin, 1995). Os trabalhos de investigação em educação utilizam com maior incidência a análise de conteúdo categorial. Todas as considerações conceptuais acerca desta técnica de análise (análise de conteúdo) determinaram que a utilizássemos no tratamento dos dados recolhidos, ou seja, para descrever e classificar toda a informação recolhida durante as observações e entrevistas e posteriormente formularmos inferências. Numa primeira fase foram adotados alguns procedimentos relativos à organização e classificação dos dados recolhidos. Iniciámos o processo de leitura de cada uma das setenta e duas aulas observadas e das entrevistas já transcritas e configuradas em textos designados de protocolos, com vista à familiarização com os conteúdos e descoberta das respostas às questões de investigação. Esteves (2006) sintetiza os procedimentos que deverão ser seguidos na análise de conteúdo e apresenta-os sob a forma de etapas, muito embora faça referência que estas constituem basicamente um esforço para conferir uma certa linearidade ao processo. O primeiro momento reporta-se à constituição do corpus documental para análise, que pode ser constituído por documentos já existentes ou por documentos criados pelo investigador. No caso da nossa investigação esses documentos são os protocolos das entrevistas e os registos da observação participante. Todo o trabalho de pré-análise, exploração do

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material e interpretação foi moroso e difícil. Exigiu muita paciência, tendo sido feito de avanços e recuos, em que testámos os limites da nossa resistência física e psíquica. Todavia, com muita persistência, o reconhecimento e compreensão da cultura da turma de PCA em estudo foram possíveis. Procedemos à análise de toda a informação reunida, organizando-a e classificando-a de acordo com determinados domínios e temas que foram emergindo no decurso da investigação.

4.5.1 – Enriquecimento das interpretações através da triangulação A crescente convicção da comunidade científica acerca da pluralidade de vias para aceder à realidade social, numa perspetiva de complementaridade, levou à emergência do conceito de triangulação ou utilização de diferentes aproximações teóricas e metodológicas numa mesma investigação. Nas ciências sociais, o termo triangulação adquire um significado de aplicação de diferentes metodologias na análise de uma mesma realidade social (Moreira, 2007). Para o autor, esta estratégia não é nova, remontando às origens da própria investigação social. A triangulação, ou seja, o confronto plural de fontes, métodos, informações, recursos (Pérez Gómez, 2001), tem como objetivo provocar o intercâmbio de pareceres ou o contraste de registos ou informações. Comparar as diferentes perspetivas dos diversos agentes com as quais se interpretam os acontecimentos é pois um procedimento indispensável à compreensão do fenómeno em estudo. «A triangulação oferece a possibilidade a todos os participantes de relativizar suas próprias conceções, admitir a possibilidade de interpretações distintas e inclusive estranhas, enriquecer e ampliar o âmbito da representação subjetiva e construir mais criticamente seu pensamento e sua ação» (Pérez Gómez, 2001, p. 74).

Já em 1970, Dexter defendia que nenhuma investigação deveria prosseguir apenas com dados recolhidos de uma só fonte. Mas é a Denzin que é atribuída a grande divulgação da ideia de triangulação na investigação social, sendo que os seus argumentos a favor da triangulação acabaram por repercutir-se em diversos campos do conhecimento. O autor descreve quatro tipos diferentes de triangulação: a. Triangulação das fontes de dados – Reporta-se à recolha de dados por recurso a diferentes fontes. Distinguindo subtipos de triangulação, o autor propõe que se

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estude o fenómeno em tempos (datas – explorando as diferenças temporais), espaços (locais – assumindo a forma de investigação comparativa) e com indivíduos diferentes; b. Triangulações de investigadores – Os investigadores recolhem dados sobre um determinado fenómeno e comparam os resultados. Trata-se de comparar a influência dos vários investigadores sobre os problemas e resultados da pesquisa; c. Triangulação teórica – São utilizadas diferentes teorias para interpretar os dados de um estudo; d. Triangulação metodológica – Utilizam-se múltiplos métodos para estudar um determinado problema de investigação. O autor distingue dois subtipos: a triangulação intramétodo, que envolve a utilização do mesmo método em diferentes ocasiões, e a triangulação intermétodos, em que se utilizam diferentes métodos relativamente ao mesmo objeto de estudo (Denzin, 1989). Estas quatro modalidades genéricas de triangulação poderão permitir uma grande variedade de combinações. O autor defende mesmo que o ideal é a prática da triangulação multimétodo, que consiste na articulação, num mesmo método, dos quatro tipos de triangulação: de dados, investigadores, teórica e metodológica. É consensual que a triangulação apresenta diversas vantagens pois, ao permitir uma informação mais profunda e diversificada, faz com que os resultados adquiram um maior grau de validade. A teoria sai reforçada se for confirmada. Caso isso não aconteça, proporciona um maior fundamento à sua modificação. A triangulação de metodologias e de dados torna o plano de investigação mais “sólido”, visto que combinando metodologias diversas permite uma diversidade de recolha de dados no aprofundamento dos fenómenos em estudo (Patton, 1990). É por isso que na investigação qualitativa os investigadores recorrem à triangulação como uma estratégia que permite identificar, explorar e compreender as diferentes dimensões do estudo, reforçando deste modo as suas descobertas e enriquecendo as suas interpretações (Yin, 2005). A triangulação no campo da investigação qualitativa baseia-se, portanto, na comparação entre diferentes fontes e análises de dados e visa assegurar a validade das confirmações interpretativas. Após a fase de comparação das diferentes fontes de dados,

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comparam-se os resultados da análise dos mesmos de acordo com os objetivos de investigação e enquadramento teórico, também por um processo de triangulação (Afonso, 2005). Adotámos portanto uma abordagem multidimensional na recolha e análise de dados, na perspetiva de que a nossa problemática seria melhor compreendida se abordada de múltiplas formas. Neste sentido, procedemos ao cruzamento de dados obtidos provenientes de diversas fontes: observação participante, entrevistas e análise documental, procedimento que se revelou bastante útil, já que nos permitiu chegar a um aprofundamento e melhor conhecimento da proposta, práticas e cultura da turma de PCA. Para além da diversidade das fontes utilizadas, recorremos à triangulação de perspetivas com recurso a entrevistas realizadas a diversos indivíduos.

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Capítulo V – O contexto do estudo 5.1 – O meio e o contexto socioeconómico e cultural O propósito de dar a conhecer o contexto do estudo, designadamente o meio e a escola em que decorreu a investigação, emerge da convicção de que essa descrição é fundamental à compreensão de toda a ação, ou seja, ao entendimento desta proposta curricular alternativa. Deste modo, procurámos situar a escola no tempo, no contexto geográfico em que foi instalada, na respetiva situação social, económica e cultural da comunidade local, através do recurso à descrição de realidades sociais, espaços físicos e materiais onde decorreram as aprendizagens. A Escola Básica dos 2.º e 3.º Ciclos dos Louros situa-se numa das freguesias do concelho do Funchal – Santa Maria Maior. Esta freguesia estende-se do mar à serra, confinado a ocidente com as freguesias da Sé, Santa Luzia e Monte e a oriente com as freguesias de São Gonçalo e da Camacha (concelho de Santa Cruz). Ocupa uma área estimada de 490 hectares e o seu perímetro é de 14.430 metros. Sendo a mais populosa das freguesias de cariz mais vincadamente urbano, destacam-se as suas caraterísticas rurais existentes, sobretudo a norte. Na freguesia de Santa Maria Maior, onde se situa a escola que acolheu a investigação84 , a população residente é heterogénea dos pontos de vista socioeconómico e cultural. O comércio é uma das principais fontes de emprego. São diversos os empreendimentos de habitação social edificados que albergam agregados familiares com muitas carências, de baixo rendimentos e baixa escolaridade, o que envolve uma grande necessidade de acompanhamento por parte de organizações e serviços de solidariedade e apoio, tanto particulares como oficiais, com incidência para o acompanhamento de crianças, jovens e idosos. Em termos de serviços públicos, há a salientar a existência de uma boa rede de transportes coletivos e de saneamento básico. A freguesia é ainda servida por algumas creches, jardins de infância e escolas: São Filipe, Escola do Faial, Ribeiro Domingos Dias, Visconde Cacongo, Escola Básica do 2.º e 3.º Ciclos dos Louros, Escola Profissional Atlântico, Escola Salesiana de Artes e Ofícios (Particular), Estabelecimento Vila Mar e

84

In PEE

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Escola Secundária Jaime Moniz. Estão sediados na freguesia vários lares de apoio à população mais idosa. A oferta cultural, segundo o projeto educativo, não é abundante, sendo no entanto digna de interesse considerável. A freguesia possui um vasto património histórico e arquitetónico85. Na área museológica, conta com seis museus: Museu da Eletricidade – Casa da Luz, Madeira Story Centre e Museu de Arte Contemporânea, situado na Fortaleza de São Tiago, monumento nacional, eleito uma das sete maravilhas da Madeira. Menção para o Museu do Club Sport Marítimo, a maior coletividade desportiva do arquipélago da Madeira, para o Museu Edmundo Bettencourt e ainda para a casa do pintor Danilo Gouveia. Representando a fé e devoção da sua população, Santa Maria Maior possui muitas igrejas de elevado valor patrimonial. Os jardins estendem-se por toda a freguesia, dos quais há a assinalar o Jardim Botânico, único na Região. Destaque para o Miradouro/Jardim de Vila Guida, Largo do Miranda e ainda a Quinta do Bom Sucesso, que acolhe o Parque Natural da Madeira. O Mercado dos Lavradores, um ex-líbris da capital madeirense, de notável construção arquitetónica, destaca-se pelo pátio interior. Nas horas de maior movimento é possível desfrutar de uma autêntica explosão de cores, movimento e ruído. Santa Maria Maior possui um rico património no âmbito dos fontenários86, que muito recentemente foram alvo de recuperação. O Centro Cívico de Santa Maria Maior integra a Junta de Freguesia que gere toda a infraestrutura, o centro de dia das Murteiras da Associação Comunitária do Funchal, a sede do grupo de Folclore e Etnográfico da Boa Nova, uma área museológica e a biblioteca. Serve ainda de sede ao grupo Columbófilo de Santa Maria Maior. Este centro dispõe de salas de convívio, cozinha, ginásio, auditório, ateliers de pintura e escultura, parque infantil com anfiteatro, instalações que estão ao dispor de toda a comunidade para a realização de conferências, espetáculos musicais, projeção de filmes e outras atividades. No domínio do desporto e do lazer, a freguesia conta com pequenas coletividades e outras de maior expressão e representatividade. São diversos os parques desportivos 85

http://www.jf-stamariamaior.pt/ Um património que é único na Ilha, na diversidade da edificação, a que não é alheio o facto de a zona baixa da freguesia ter sido, durante séculos, a mais povoada do Funchal. Recentemente foram recuperados, contribuindo-se para a preservação de um património histórico e cultural. Recomenda-se uma visita ao circuito dos fontenários de Santa Maria Maior representantes de um passado intrínseco à cultura e ao património da freguesia. 86

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disponíveis para a prática do desporto, com destaque para o campo de futebol Adelino Rodrigues, o pavilhão do Funchal, o campo de futebol do Pomar e o estádio da Madeira. No complexo balnear da Barreirinha, espaço muito frequentado pela população da freguesia e áreas limítrofes, funciona um ginásio de apoio à prática da atividade física especialmente direcionada para a população sénior. Promovidas pela Câmara Municipal do Funchal e pela Junta de Freguesia, a população menos jovem usufrui de atividades de manutenção da saúde e da forma física, principalmente nas áreas da Educação Física, hidroginástica e passeios a pé, para além de outras atividades de âmbito cultural. A oferta cultural disponível tem registado nos últimos tempos um acentuado incremento.

5.2 – A Escola dos Louros Os graus de ensino que leciona, a história do estabelecimento escolar (tradição), o seu contexto social de inserção e enquadramento geográfico, as condições materiais, as caraterísticas do corpo docente, marcam a identidade da escola onde realizámos esta pesquisa. Esta identidade influi na vida quotidiana de professores e alunos, reforçando ou anulando determinados comportamentos, tal como refere (Benavente, et al. 1993). Com o propósito de conhecer para compreender e numa perspetiva de contextualização do real, procedemos detalhadamente à caraterização do contexto escolar, à descrição da sua dinâmica e funcionamento e à explanação da oferta educativa disponibilizada.

5.2.1 – Caraterização do contexto escolar A Escola Básica dos 2.º e 3.º Ciclos dos Louros, onde decorreu a investigação, tem origem no ano de 1990, mas as suas raízes remontam a 1983. Criada devido às necessidades de acolher alunos de diversas zonas circundantes da área do Funchal, começou a funcionar inicialmente como anexo à Escola das Artes, implantada numa escola secundária do concelho do Funchal87. As primeiras instalações eram do tipo pré-fabricado, onde eram ministradas aulas a alunos de 2.º ciclo. Três anos depois, em 1986, passou a funcionar como anexo de uma outra escola básica do Funchal. Só no ano de 1989, e devido ao aumento da sua população discente, é que a escola se tornou independente. Rapidamente as suas instalações começaram a apresentar indícios de 87

In PEE

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precariedade, tornando-se impróprias e insuficientes para o bom desempenho das funções docentes e aprendizagens dos seus alunos. Na verdade, o crescente número de alunos, a evidência da exiguidade dos espaços e dos recursos materiais e técnicos foram acentuando a clara necessidade da construção de uma nova escola, levando à edificação da escola atual – A Escola Básica dos 2.º e 3.º Ciclos dos Louros, situada na Rua dos Louros no Funchal. Instalada num edifício construído de raiz, a escola foi inaugurada em outubro de 2000. A partir de então passou a lecionar os 2.º e 3.º ciclos do ensino básico e assumiu a designação por que é conhecida na atualidade. Estruturalmente, a escola está implantada num único edifício constituído por cinco pisos, de aspeto novo, asseado, cuidado e agradável à vista. O recinto escolar é circundado por uma ampla zona descoberta com pátios e áreas ajardinadas. Os diversos serviços de apoio e as salas de aula distribuem-se por quatro dos cinco andares, cuja comunicação interna se faz através de duas amplas escadarias situadas em polos opostos do edifício. O edifício está adaptado a pessoas com mobilidades reduzida, sendo frequentado por alunos com deficiência motora. Regista-se a existência de um elevador que é utilizado por esses alunos. No piso -1 situa-se uma ampla área de estacionamento de viaturas, com acesso ao interior da escola, pelo piso 0, que por sua vez inclui uma sala de convívio para funcionários, duas arrecadações de material e balneários de apoio ao campo de jogos. O piso 1 integra seis salas para aulas específicas, duas para a lecionação das disciplinas de Educação Visual e Tecnológica, duas de Educação Visual, uma de Técnicas de Madeira, equipada com materiais diversos e uma outra de Educação Musical, todas consideradas fundamentais ao desenvolvimento de projetos e atividades diversificadas, adequadas às necessidades dos alunos. O segundo piso dispõe de treze salas de aula, sendo que quatro se destinam a turmas com um número reduzido de alunos pelas dimensões exíguas que apresentam. O aproveitamento destas salas resulta da excelente rentabilização/adaptação de todo o espaço escolar. Ainda neste piso situam-se as infraestruturas desportivas, que correspondem a um ginásio com cerca de cento e sessenta metros quadrados e um campo desportivo polivalente, no exterior. Existem ainda quatro balneários para alunos, dois femininos e dois masculinos; um balneário para professores e três arrecadações para armazenamento do material desportivo. 219

No piso superior situa-se a entrada principal da escola que corresponde ao terceiro piso e enquadra uma área de serviços: a Biblioteca, o Gabinete de Apoio ao Aluno, o Gabinete de Mediação, o Gabinete de Diretores de Turma, o Gabinete do Conselho Executivo, a Reprografia, o Gabinete da Chefe de Pessoal Auxiliar, o Gabinete da Psicóloga, o Gabinete da Chefe dos Serviços Administrativos e do Pessoal Auxiliar, a Reprografia, a Papelaria, os Serviços Administrativos. Ainda neste piso ficam a cantina e o bar/bufete, ocupando uma área aproximada de duzentos e dez metros quadrados. No quarto piso localizam-se quatro salas de aula e três laboratórios: o de Ciências da Natureza, o de Ciências Físico-Químicas e de Informática. Integra igualmente a sala dos professores e respetivo bar. Existem ainda cinco gabinetes de trabalho do Departamento das Línguas, do Departamento das Ciências Humanas e do Departamento de Ciências e ainda duas pequenas salas para apoio pedagógico acrescido. Nos segundo, terceiro e quarto pisos encontram-se as arrecadações e os WC para alunos sendo que um WC está adaptado a alunos portadores de deficiência motora. Os WC para professores situam-se no último piso. Nos diversos pisos localizam-se ainda diversos gabinetes de trabalho e salas de apoio pedagógico. Foram distribuídos pelos diversos pisos, concretamente por seis salas de aula, quadros interativos disponibilizados pela Secretaria Regional de Educação e Recursos Humanos. As disciplinas de natureza prática funcionam em salas fixas e preparadas para o efeito e são respetivamente Ciências da Natureza e Naturais; Ciências Físico-Química; Educação Tecnológica; Informática; Educação Musical e Educação Física – Pavilhão Desportivo e Campo de Jogos. A opinião generalizada e que se encontra expressa no PEE é a de que a escola atualmente se tornou pequena para o número de alunos inscritos, o que acentua as carências de salas de aula e gabinetes de trabalho. A falta de um polidesportivo condiciona a prática desportiva dos alunos, carência reconhecida por toda a comunidade escolar e também pela presidente da escola, que reforçou a necessidade de um espaço coberto para a aula de Educação Física: «(…) Essencialmente, falta-nos um espaço coberto para Educação Física. Já foi referido re correntemente e já pedimos…É, sem dúvida, a nossa maior dificuldade sobretudo quando chove. Esse espaço coberto possibilitaria a realização de outros eventos e comemorações. É preciso entender que as atividades no 2.º e 3.º ciclos ainda vivem muito dos momentos festivos, que também são

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importantes espaços de reunião e de crescimento da comunidade. Faz-nos falta um auditório para formações, reuniões de grande grupo, enfim, um espaço multiusos. Quanto aos equipamentos, estou satisfeita com a colocação dos quadros interativos em sete salas, decorrente do facto de sermos Escola de referência».

Regista-se igualmente um défice no material audiovisual (rádios, gravadores, leitores de CD, televisores, leitores de vídeo, DVDs), material multimédia e novas tecnologias (computadores, videoprojectores, etc.), situação que obriga à procura/invenção de soluções que se querem o menos penalizantes possível para a qualidade do trabalho de todos. Esta carência de materiais, a par das fortes restrições orçamentais, acaba por dificultar a implementação de práticas pedagógicas “alternativas”. De acordo com o expresso no PCE, a caraterização do contexto escolar, emergente da análise aos inquéritos realizados à comunidade educativa, aquando da elaboração do PEE, permitiu a identificação de algumas caraterísticas e problemas desta comunidade. A escola serve uma população residente em alguns bairros sociais, que apresenta algumas dificuldades familiares e de integração social. Alguns revelam mesmo algumas incompatibilidades com a escola devido à discrepância entre a sua cultura de origem e a da escola. Assim, prioritariamente toda a intervenção educativa tem como propósito o tratamento dos problemas detetados. Os docentes envolvidos reconheceram a existência de constrangimentos ligados à gestão dos comportamentos desviantes dos alunos, a falta de motivação para o desempenho da atividade pedagógica e a desarticulação no desenvolvimento das ações educativas. Relativamente aos alunos, diagnosticaram-se alguns problemas também comuns a outras instituições educativas, essencialmente ligados à indisciplina, falta de expectativas e de motivação para a aprendizagem, baixo nível de consciência cívica, insucesso escolar, abandono escolar, falta de assiduidade e dificuldades de integração destes alunos no meio escolar. Pela dimensão assumida dos problemas referidos anteriormente a escola reconheceu a necessidade de intervir. Os contextos familiares e as suas histórias de vida contribuem para a falta de ligação destes jovens à escola, que a encaram como um local onde são obrigados a permanecer, frequentam aulas, ouvem falar de conteúdos e não percebem a sua finalidade, não há lugar a aprendizagens significativas e o fosso vai-se acentuando. Não há lugar à construção de

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um projeto de vida e lá vão deambulando indiferentes pela escola e não raras vezes adotam comportamentos desviantes e condutas socialmente desadequadas. Quanto aos encarregados de educação, as maiores dificuldades registadas decorrem da baixa escolaridade e nível sociocultural, associado à fraca expectativa que demonstraram em relação à escola, ao seu papel e ao dos professores. A falta de tempo e de motivação para participar na vida escolar acentuam o fraco empenho na vida dos educandos. Regista-se uma grande convergência nos problemas/dificuldades encontradas resultantes da análise aos inquéritos realizados pela equipa de elaboração do PEE, e o que foi salientado pelos professores da turma de PCA nas entrevistas realizadas pelo investigador. Os professores da turma de PCA assinalaram os mesmos problemas e constrangimentos relativamente aos alunos, professores e encarregados de educação. A partir dos problemas detetados foram definidas as prioridades educativas que levaram à implementação de diversas propostas consubstanciadas na oferta educativa disponibilizada pela escola e que será alvo de análise e descrição posterior. O inventário desses problemas e das prioridades educativas estabelecidas poderão ser consultados no PEE da escola que apresentamos em anexo.

5.2.2 – Dinâmica e funcionamento da escola A dinâmica e funcionamento de qualquer escola expressam aspetos da sua natureza e estrutura organizacional identitários da sua cultura, importantes para o conhecimento da realidade da escola. Neste sentido, a referência a estes elementos era inevitável no âmbito desta pesquisa. O acesso à escola faz-se pelo lado Norte do edifício, exceto em situações devidamente autorizadas. As entradas e saídas dos alunos e funcionários são reguladas por um cartão eletrónico. O início de cada turno letivo é assinalado por um primeiro toque de campainha, seguido de um outro, passados 10 minutos. Ao segundo toque e em situação de falta do professor titular da disciplina, os alunos deverão aguardar pela chegada do professor de substituição. As atividades letivas funcionam em blocos de 45minutos e 90 minutos.

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À quarta-feira não há atividade letiva depois das 16:30, sendo este período destinado a reuniões do Conselho Pedagógico, Departamentos Curriculares, Conselho de Diretores de Turma ou outras. O calendário escolar para o ano letivo é dado a conhecer no início do mesmo aos alunos, aos encarregados de educação e a todos os elementos da comunidade educativa. A escola funciona em regime duplo. A atividade letiva88 funciona em dois turnos com início às 08:00 e encerramento às 18:05 (tabela 7). O turno da manhã funciona das 08:00 às 13:00 com intervalos de 20m e de 10m respetivamente. Na parte da tarde as aulas iniciam-se às 13:05 às 18:05 com intervalos de 10m e de 20m.

Manhã

Tarde

08:00 - 09:30

13:05 - 14:35

Intervalo de 20 minutos

Intervalo de 10 minutos

09:50 - 11:20

14:45 - 16:15

Intervalo de 10 minutos

Intervalo de 20 minutos

11:30 – 13:00

16:35 – 18:05

Tabela 4 - Horário de funcionamento da escola

A escola tem uma página na Internet, onde coloca ao dispor de toda a comunidade educativa, informações úteis, relativas à vida da escola, distribuídas por oito links. Através do site é possível aceder a diversos documentos e informações úteis, designadamente um breve apontamento histórico, PEE, PCE, RI, PAE, calendário escolar, distribuição de horários e turmas, etc. Apresenta igualmente os diversos projetos dinamizados pela escola.89 O RI da escola orienta o regime de funcionamento, de cada um dos seus órgãos de direção, administração e gestão, das estruturas de gestão intermédia e dos apoios educativos, assim como os direitos e os deveres dos membros da comunidade escolar. É portanto um instrumento indispensável, juntamente com o PEE e o PAE, para a nova 88 89

In PCE A título de exemplo, no projeto da Matemática é possível encontrar o problema do mês, curiosidades e atividades diversas.

223

organização da administração educacional no âmbito da autonomia e administração das escolas90. Em termos de equipamento informático, seis salas de aula dispõem já de quadro interativo, o que constitui uma excelente ferramenta colocada ao serviço de professores e alunos. A generalidade das salas apresenta uma organização formatada na escola tradicional quanto à organização do espaço (carteiras em fila). Até as salas de disciplinas mais práticas apresentam uma disposição tradicional. A exceção é mesmo uma das salas de informática, que apresenta outra configuração, em que as mesas estão colocadas junto às paredes da sala com os respetivos computadores, obrigando os alunos a permanecerem de costas voltadas para os colegas, disposição que dificulta a própria interação entre alunos e professores. Esta sala não é utilizada pelos alunos da turma de PCA, a quem foi destinada a sala contígua a esta e que apresenta também uma organização tradicional (posteriormente aquando das respostas às questões de investigação voltaremos à análise da organização apresentada), ou seja, às carteiras que se apresentavam arrumadas em filas. Em algumas disciplinas de cariz mais prático (Educação Visual e Tecnológica, Educação Musical, Área de Projeto)91, apesar da organização convencional quanto à distribuição das mesas e cadeiras, no início de cada aula os alunos alteram rapidamente a disposição das mesas, agrupando no máximo 4 mesas e sentando-se ao seu redor. No fim de cada aula as mesas e cadeiras voltam à sua disposição anterior. Nestas disciplinas, por privilegiarem metodologias de projeto e de resolução de problemas, os alunos são incentivados no sentido da promoção de novas formas de organização do trabalho, nomeadamente o trabalho de grupo. Assim, a questão da organização da sala de aula não é uma questão secundária e isso foi possível verificar nas observações realizadas ao longo de um ano letivo. Carteiras “arrumadinhas”, umas atrás das outras não propiciam dinâmicas de participação mais ativa dos alunos nas aulas. Na turma de PCA onde decorreu o estudo, particularmente em algumas aulas, os professores fomentam já algumas alterações à organização do espaço, mas no fim das aulas tudo volta à organização anterior. Uma alteração a este nível implica a implementação de novas dinâmicas pedagógicas, divergentes com a prática tradicional ainda muito enraizada na

90 91

In RI Este registo reporta-se à turma de 5º A com proposta de PCA. Na generalidade das disciplinas a organização estabelecida é a do modelo tradicional.

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escola. Ou seja, apesar de ser uma escola de construção recente92, podemos concluir que apresenta uma organização física que configura elementos de organização da escola tradicional, sobretudo a nível da organização das salas de aula. Não obstante, e apesar da organização física configurar marcadamente elementos de organização da escola tradicional, são óbvios alguns aspetos mais divergentes com o modelo atrás referido. Com efeito, foram realizados alguns investimentos na área das tecnologias que aos poucos começam a alterar e agilizar procedimentos. A adesão aos cartões eletrónicos tem permitido um funcionamento mais fácil e eficaz. A aposta no apetrechamento da escola com equipamento tecnológico, com a colocação de quadros interativos em algumas salas de aula, laboratório móvel de computadores portáteis, ligação à Internet através do Wireless, equipamento audiovisual, retroprojetores, e a sua colocação à disposição de docentes e alunos, revela um reconhecimento do potencial das Tecnologias de Informação e Comunicação. Mas, como refere Fino (2007), a incorporação de mais tecnologia não resulta necessariamente em mudança e inovação, mas neste caso, a simples existência de um laboratório móvel de computadores portáteis disponível em algumas aulas possibilitava a implementação de outras dinâmicas de funcionamento organizacional (aprendizagem pela descoberta) e das práticas pedagógicas, constituindo uma rutura com as práticas mais tradicionais. No capítulo referente à apresentação dos resultados da investigação, veremos que apesar de tudo, estes materiais revelaram-se insuficientes para uma escola tão grande, ficando portanto, a sua utilização bastante condicionada. Analisaremos igualmente as condições específicas, em que a tecnologia permitiu instituir novos contextos de aprendizagem, crucial para a emergência de uma intervenção pedagógica verdadeiramente inovadora. A existência de duas salas de informática de acesso livre aos alunos, com horário pré-estabelecido, representa uma abertura importante que vai permitir o acesso de todos os alunos às TIC e à Internet. A criação de uma plataforma de e-learning – “Moodle” – onde os professores podem colocar conteúdos e tarefas para os alunos93 representa uma aposta na promoção e

92

Inaugurada em Outubro de 2000. Os alunos podem realizar diferentes tarefas: trabalhos, remediação e/ou reforço das aprendizagens, tirar dúvidas, etc., através de atividades diversificadas. Os professores são incentivados a desenvolverem conteúdos, em formato digital, e a estarem disponíveis para, através desta plataforma de ensino on-line apoiarem os seus alunos. 93

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integração das TIC no quotidiano escolar, em continuidade ao programa de aplicação informática que decorre na escola. A escola tem nos seus quadros largas dezenas de professores do Quadro de Escola, do Quadro de Zona Pedagógica e Contratados. Conta também com quatro docentes de apoio educativo especializado – Educação Especial – que apoiam e orientam os alunos com NEE e prestam apoio em regime de consultoria nas diversas áreas a quem precisar. Quanto ao pessoal auxiliar, distribuem-se por funcionários administrativos e auxiliares de ação educativa. A escola conta igualmente com um jardineiro responsável pela manutenção dos espaços ajardinados. A equipa multidisciplinar, que se ocupa das diferentes áreas de apoio psicopedagógico, integra, para além dos docentes de diversas áreas, docentes especializados em Educação Especial, os serviços de psicologia e de orientação escolar. O serviço de psicologia presta apoio psicopedagógico aos alunos que dele necessitam. No 3.º ciclo do ensino básico este serviço presta aconselhamento no domínio da orientação escolar e profissional e dá apoio psicopedagógico e orientação vocacional/profissional aos alunos dos PCAs. A equipa inclui ainda uma técnica superior de educação e uma assistente social. A gestão da escola é assegurada por órgãos competentes (Conselho da Comunidade Educativa, Conselho Executivo, Conselho Pedagógico, Conselho Administrativo e Estruturas de Gestão Intermédia) que, não obstante as competências específicas, são o garante da autonomia e da administração educativa da Escola, em conformidade com o Decreto Legislativo Regional n.º 21/2006/M. O Conselho da Comunidade Educativa é composto por treze elementos assim distribuídos: cinco docentes, um representante do pessoal não docente, um representante dos encarregados de educação, um representante da autarquia local, um representante da segurança social, dois discentes, o Presidente do Conselho Executivo e o Presidente do Conselho Pedagógico. A este órgão compete traçar as linhas de orientação da escola no global. Das reuniões periódicas trimestrais resultam recomendações/avaliações a toda a política educativa com base nas informações recolhidas. Quanto ao Conselho Executivo é composto por três elementos, a presidente e dois vice-presidentes. Esta equipa tem formação e larga experiência na área da gestão escolar, sendo que a presidente desempenha essas funções há catorze anos, o que é revelador da 226

grande estabilidade que se vive neste órgão de gestão. Dos contactos efetuados foi possível perceber que este órgão detinha um bom nível de aceitação por parte da maioria dos docentes, pessoal auxiliar e alunos. Ao Conselho Pedagógico, cuja ação abrange a coordenação e orientação educativa e por isso tem um cariz pedagógico-didático, compete a orientação e acompanhamento escolar do aluno, bem como a formação contínua dos professores e do pessoal não docente. É composta por uma equipa de doze elementos: quatro coordenadores de departamento, dois coordenadores dos diretores de turma dos 2.º e 3.º ciclos, um coordenador dos CEF, um representante da educação especial, a coordenadora das atividades extracurriculares, a psicóloga, a Presidente do Conselho Pedagógico e a Presidente do Conselho Executivo. O Conselho Administrativo é o órgão que tem a seu cargo a política administrativa e financeira da escola. Integra a Presidente do Conselho Executivo, um vice-presidente do mesmo conselho e a chefe dos serviços administrativos. Reúnem-se uma vez por mês ou sempre que necessário. E, por fim, as estruturas de gestão intermédia que funcionam como suporte aos Conselhos Executivo e Pedagógico. São os coordenadores de departamento, as coordenadoras dos 2.º e 3.º ciclos, os delegados de grupo, os diretores de turma, os coordenadores dos cursos de Educação e Formação e os coordenadores dos PCAs. Quanto à relação da escola com a comunidade, regista-se um grande incremento de intercâmbios com entidades do meio, nomeadamente escolas de todos os níveis de ensino, empresas, junta de freguesia e associação de pais. A presidente reforça mesmo a importância deste último organismo: «(…) A muito custo, temos a nossa Associação de Pais, formalizada e com estatutos. Ainda não trabalha como eu acho que deveria trabalhar, no sentido de elaborar um plano de atividades e de trabalhar numa relação mais próxima com a Escola, mas temos um representante da Associação de Pais no Conselho da Comunidade. Reforçar a participação dos pais na dinâmica escolar é uma área prioritária, no sentido de fazerem o seu papel em casa de acompanhamento aos filhos, que é o que falha. Fazemos reuniões e temos insistido nessa estratégia: chamam-se assembleias de turma e consistem em juntar pais, alunos e professores para debater os problemas dos filhos. O único problema é a fraca adesão».

Apesar do envolvimento interno ser bastante grande, regista-se a vontade de professores e direção da escola no sentido da maior participação dos pais dos alunos. No caso dos pais dos alunos integrados em PCAs a interação é maior registando uma tendência 227

decrescente ao nível do 7º ano. Reconhece-se que é preciso continuar a trabalhar para trazer os pais à escola, para que se envolvam e se interessem, embora seja muito difícil.

5.2.3 – A oferta educativa Fomentar a formação integral do aluno, tendo em conta a sua individualidade, no respeito pela sua especificidade e singularidade e pelo seu sucesso escolar, é o mandato da escola. Neste sentido, o confronto com a realidade do meio e com as necessidades da sua população escolar levou a escola a promover respostas educativas diversificadas na tentativa de superar e combater problemas e dificuldades de natureza diversa. Assim, a oferta educativa disponibilizada é vasta e tem representado um dos fatores de maior sucesso na resposta aos problemas diagnosticados. São ainda proporcionadas diversas atividades e experiências no âmbito dos clubes e projetos em desenvolvimento a que os alunos poderão aceder livremente: Atelier Didático (recuperação de equipamento); Atelier Artístico (construção de artigos para venda na feira); Criarte (criatividade e domínio técnico); Clube Europeu (promover o conhecimento da União Europeia); Clube dos Nutricionistas (sensibilizar para a alimentação saudável); Clube Caça Cigarros; DRAC – Património Arquitetónico; Feira da Amizade; Baú da Leitura; Rede de Bufetes Escolares Saudáveis; Educação Rodoviária; Projeto CEL94 e Projeto Atlante. O facto de a escola se situar num meio socioeconómico desfavorecido enquadra algumas das carências evidenciadas pelos alunos, nomeadamente a nível da integração escolar e das competências sociais e culturais. Pelo que a diversificação da oferta educativa tem sido preocupação permanente dos órgãos de gestão da escola, preocupação partilhada por todo o corpo docente que tem acedido positivamente e de forma colaborante e adequada às diversas solicitações e desafios lançados. Deste modo, toda a oferta disponibilizada visa a minimização das assimetrias resultantes da falta de apoio familiar e das dificuldades económicas e socioculturais, de modo a proporcionar uma efetiva igualdade de oportunidades95e sucesso educativo.

94

O projeto CEL – Cooperar, Empreender e Liderar surge no âmbito de uma parceria entre a SRERH e AJEM através do projeto INTERREG III B e visa a preparação dos alunos na área do empreendedorismo tanto a nível empresarial, como científica e social. 95 In PEE

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A escola cobre as necessidades educativas a nível dos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico diurno da área a que está circunscrita. integra portanto alunos até ao 9º ano de escolaridade. Oferece uma diversidade de propostas que permitem um ajustamento às necessidades reais dos seus alunos. Esta instituição educativa tem em funcionamento diversas turmas de PCA ao nível dos 2.º e 3.º ciclos96. É numa destas turmas de 5º ano (turma A) que decorreu a investigação que aqui descrevemos. Este tipo de projetos fundamentam-se na necessidade de diversificar ofertas que respondam às necessidades dos alunos, de forma a assegurar o cumprimento da escolaridade obrigatória, combater os problemas de integração e de exclusão, garantindo aos alunos o direito a uma justa e efetiva igualdade de oportunidades no acesso e sucesso escolares. Os alunos com percursos curriculares alternativos que tenham atingido os 15 anos de idade e não tenham ainda concluído a escolaridade obrigatória podem ser integrados em cursos de educação e formação, nos termos do Despacho conjunto n.º 453/2004, de 27 de Julho, muito embora, se registe alguns casos em que a escola permite que esses alunos concluam a sua certificação no PCA, mesmo com idade superior aos 15 anos. Os Percursos Curriculares Alternativos integram portanto um tipo de resposta da escola a alunos em risco que se encontram dentro da escolaridade obrigatória e representam uma oportunidade de conclusão dos 2.º e 3.º ciclos97. Segundo a responsável pela escola, trata-se de uma solução que decorre da realidade do estabelecimento de ensino, cujas respostas não podem ser adiadas. De forma bastante regular a transição de um PCA dá-se para um Curso de Educação e Formação (CEF) – oferta educativa alternativa para a conclusão do 9º ano de escolaridade, que será abordada de forma mais exaustiva posteriormente. Na voz da presidente da escola: «(…) a diversidade de opções educativas tem sido uma política seguida desde há muito, pelo facto de a nossa escola se situar num meio sócio-económico pouco favorável. Em função disso, os nossos alunos evidenciam algumas carências a nível da integração escolar e algumas deficiências a nível das competências sociais e culturais».

96

O PCE apresenta como justificação para a existência desta proposta educativa, a heterogeneidade a nível económico, social e cultural da população escolar. 97 O aluno que frequenta este tipo de projeto obtém a certificação no final do ano e do ciclo, em que constarão as disciplinas e áreas curriculares frequentadas e respetivo aproveitamento.

229

A abertura de turmas de Currículos Alternativos remonta ao ano 2000/2001 em que foram criadas duas turmas de 3.º ciclo com uma vertente profissional do curso de Assistente Comercial ao abrigo do Despacho n.º 22/SEEI/96, de 20 de Abril de 1996. Desde então a escola tem acolhido este tipo de projetos, permitindo assim que alguns alunos concluam a escolaridade básica e obtenham sucesso no seu percurso escolar. O Despacho Normativo n.º 1/2006 cria as turmas de Percursos Curriculares Alternativos e define os princípios orientadores e os critérios gerais de aplicação desta medida e de seleção dos alunos que devem integrar uma turma PCA. A criação destas turmas é precedida de um processo de auscultação da comunidade educativa, com vista ao levantamento e subsequente encaminhamento de alunos candidatos à integração neste tipo de projeto. Posteriormente é elaborado um projeto que integra as linhas orientadoras de ação previstas, devidamente fundamentadas, no âmbito da formação pessoal e social do indivíduo, o qual é remetido à Direção Regional Educação (DRE) para aprovação, depois da anuência do Conselho Pedagógico. A diretora reconhece que cada vez mais cedo iniciam todo o processo de inquirição, isto é, o contacto com os docentes do 1.º ciclo com vista à caraterização prévia dos alunos e planeamento das turmas necessárias. Normalmente os alunos são referenciados no final do ano letivo anterior em conselho de turma para integrarem uma turma PCA. «As turmas de 5º ano também já são formadas através deste trabalho prévio de auscultação e parceria com as escolas do 1.º ciclo. É uma tarefa de preparação, de relação e de diálogo que deveria estender-se igualmente a nível dos conteúdos para uma maior sintonia entre os ciclos»

As caraterísticas destes alunos determinam uma estrutura organizacional específica a nível do currículo que deverá ser flexível e adaptado às necessidades dos alunos, bem como ao nível das metodologias de trabalho, que deverão constituir-se uma alternativa, promovendo-se a cooperação e a diferenciação de estratégias, e ainda ao nível da avaliação que deverá apresentar uma vertente formativa. A legislação enquadra a permeabilidade entre percursos e a consequente transição para outras modalidades de formação, bem como a continuidade de estudos, devendo a matriz curricular apresentada por ciclo de ensino assegurar a aquisição de competências essenciais definidas para o ciclo de ensino a que se reporta o percurso alternativo, nomeadamente na Língua Portuguesa e na Matemática, de modo a que os alunos possam realizar os exames nacionais.

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Para os alunos do 3.º ciclo a escola disponibiliza diversas opções, especificadamente as disciplinas de Educação Musical, Dança e Teatro. Desde 2006/2007 e sempre que se justifique, a escola faculta aos seus alunos Cursos de Educação e Formação (CEF) 98. Esta oferta educativa resulta da necessidade de garantir alternativas promotoras do sucesso educativo a um determinado grupo de alunos que por circunstâncias específicas e variadas correm o risco de deixar a escola antes de terminarem a sua escolaridade obrigatória. De acordo com o Decreto Legislativo Regional n.º 17/2005/M, os CEFs têm por base os seguintes princípios orientadores:  Destinam-se preferencialmente a jovens com idade igual ou superior a 15 anos, em risco de abandono escolar ou que já abandonaram antes da conclusão da escolaridade de 12 anos, bem como àqueles que, após a conclusão da escolaridade obrigatória e não possuindo uma qualificação profissional, pretendam adquiri-la para ingresso no mundo do trabalho;  A organização dos cursos é determinada por um conjunto de competências de índole pessoal e técnica exigíveis para acesso à respetiva qualificação, considerando as caraterísticas e condições de ingresso dos formandos e as exigências do mercado de trabalho;  A utilização de estratégias pedagógicas diferenciadas com vista à promoção do sucesso educativo e, através de um plano de transição para a vida ativa, uma adequada transição para o mundo do trabalho. Os cursos promovidos são Bar e Mesa; Manutenção Hoteleira; Instalador/Reparador Informático e Ajudante de Cabeleireiro, todos do tipo II. Quanto ao tipo I, a oferta incidiu nos cursos de Pastelaria/Panificação e Jardinagem e resultam de uma parceria estabelecida com a Escola de Hotelaria da Madeira. Do caminho percorrido na implementação e operacionalização destes projetos emergem evidências acerca da positividade e importância destas medidas, reconhecidas por todos e expresso nas palavras da presidente: «(…) Estes cursos surgiram da necessidade de a Escola responder às aspirações dos alunos e das suas famílias no que respeita à formação dos jovens. Os nossos alunos têm determinadas necessidades que precisam ser atendidas e, dada a nossa própria cultura de Escola, não podemos voltar-lhes as costas. (…) São opções educativas que nos dão muita gratificação pelos resultados que 98

No ano letivo (2010/2011) funcionaram dois CEFs, tipo II: o Curso de Bar e Mesa e o Curso de Empregado Comercial. No próximo ano, por questões orçamentais será concluído o curso de Empregado Comercial e não abrirá nenhum outro CEF.

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temos atingido, porque são alunos que no regular nos davam muitos problemas… Nos CEF conseguem mais facilmente, devido ao grande acompanhamento por parte dos docentes, mudar até muitos comportamentos. Tínhamos alunos com comportamentos irreverentes no regular, ao ponto de bloquearem uma aula, e que na turma de PCA conseguiram acabar e concluir os seus cursos. São casos que nos dão muita satisfação. As próprias colegas poderão confirmá-lo. A princípio, são muitas as dificuldades e os problemas de indisciplina. Depois de acertar dão-nos muita satisfação por cumprirmos a missão, que é fazer com que os alunos encontrem o seu próprio caminho e se sintam mais felizes». (PE)

Por ser ainda uma escola de referência para alunos surdos, são igualmente disponibilizadas aos alunos adequações curriculares individuais como o ensino bilingue99, com a introdução de áreas curriculares específicas para a primeira língua – L1 (Língua Gestual Portuguesa), disciplina que faz parte do currículo dos alunos surdos, segunda língua – L2 (Português segunda língua) e a terceira língua – L3 (Língua Estrangeira Escrita). A escola disponibiliza ainda formadores de Língua Gestual ou docente de LGP. Está apetrechada com equipamentos essenciais às necessidades específicas dos alunos surdos, como computadores com câmaras com ligação à Internet, máquinas fotográficas digitais, projetor multimédia, quadro interativo, diverso software educativo, dicionários e livros de apoio ao ensino do português escrito. A escola também acolhe, desde a sua abertura, alunos com NEE. Nas palavras da presidente, «(…) temos a cultura de atender a alunos com dificuldades e que precisam de carinho, de atenção. O essencial é que os alunos se sintam bem e queiram estar e ser cidadãos plenos, porque não é só ter a parte da formação técnica, mas a parte humana é também importante. Acho que os alunos reconhecem isso. Como é que vamos criar o clima de aprendizagem se os alunos não estão bem? Há, de facto, uma diversidade e uma flexibilidade no tratamento das coisas, que revelam experiência, por um lado, e também conhecimento e empenho em fazer com que as coisas corram bem e aconteçam. Para atingir este objetivo, temos de fazer força e criar uma onda positiva. Por isso, é que dou o meu melhor quando entro aqui, para que as pessoas também se sintam valorizadas». (PE)

Distingue-se uma clara predisposição para a aceitação de novos desafios e mesmo uma certa proatividade no domínio da inclusão e inovação, expressas nos diversos projetos que a escola promove em prol dos seus alunos, o que é reconhecido pela sua presidente como uma das grandes prioridades da escola:

99

In PEE

232

«(…) A nossa resposta tem promovido a criação de turmas de PCA e de CEF, assim como, de subturmas no regular para os deficientes auditivos. (…) Estes cursos surgiram da necessidade de a escola responder às aspirações dos alunos e das suas famílias no que respeita à formação dos jovens. Os nossos alunos têm determinadas necessidades que precisam ser atendidas e, dada a nossa própria cultura de Escola, não podemos voltar-lhes as costas». (PE)

Relativamente ao número total de alunos, desde o ano letivo 2006/2007 que tem vindo gradualmente a decrescer, bem como o número de turmas, exceção para o ano 2010/2011 em que se registou um ligeiro aumento do número de alunos.

N.º de alunos e turmas Ano letivo

Regime normal

Percurso Curricular Alternativo/CEF

N.º de alunos N.º de turmas

N.º de alunos

Total

N.º de turmas

2006-2007

673

30

18

1

691

2007-2008

611

27

72

5

683

2008-2009

555

25

106

8

661

2009-2010

564

26

94

7

658

2010-2011

560

25

114

8

674

Tabela 5 - Evolução do n.º total de alunos e turmas

A tabela anterior representa a evolução do número total de alunos e de turmas dos últimos anos. Apesar da tendência registada da descida do número total de alunos, o número de propostas de PCAs e CEFs tem aumento significativamente, documentando a preocupação expressa da escola em corresponder positivamente às necessidades dos seus alunos. «(…) A diversidade de alunos que nos chegam leva a termos de dar uma resposta. Apesar da diminuição do número de alunos, a diversidade e as necessidades continuam a acentuar-se, obrigando-nos a ter de responder a essas necessidades». (PE)

5.3 – O Percurso Curricular Alternativo, a descrição de uma cultura… A história do Percurso Curricular Alternativo que agora descrevemos é também a narrativa deste estudo, realizado no âmbito de um doutoramento que decorreu na Universidade da Madeira. A designação de Percurso Curricular Alternativo foi difundida

233

pelo Despacho Normativo n.º 1/2006 e surgiu com a finalidade de assegurar o cumprimento da escolaridade obrigatória e combater a exclusão, no reconhecimento claro da importância da educação, consagrada como um bem universal, obrigatório e gratuito no ensino básico. Confere também o direito à igualdade de oportunidades no acesso e sucesso escolares em conformidade com o consignado na LBSE. Feita a triagem dos alunos candidatos à frequência de um PCA (alunos que manifestamente revelaram dificuldades de progressão escolar e/ou se encontram em risco de abandono da escolaridade básica) pelos diretores de turma ou por outros docentes das escolas do 1.º ciclo do meio, no caso dos alunos propostos para o 5º ano e tendo como referência o elevado número de alunos candidatos, o órgão de gestão da Escola Básica dos 2.º e 3.º Ciclos dos Louros apresentou uma candidatura à DRE para a constituição de duas turmas com aplicação de percursos curriculares alternativos, em que uma se destinava a alunos com NEE e que revelavam insucesso escolar e uma outra turma para alunos em risco de abandono escolar, com falta de expectativas a nível pessoal e profissional e com comportamentos sociais desviantes. Concedida a autorização da tutela, criaram-se duas turmas de PCA, o 5º A e o 5º B, e deu-se início a dois projetos que haveriam de marcar o início de uma viragem na vida destes alunos. Decidimo-nos pela participação e envolvimento no percurso e história do 5º A e partimos à descoberta... Uma vivência verdadeiramente enriquecedora que nos permitiu a descrição e interpretação da cultura emergente do grupo. Com a imersão no campo começou a descrição exaustiva de tudo o que a nossa “lente” (Brazão, 2008a) de investigadora principiante, neste tipo de abordagem, nos permitiu ver do mundo, da realidade experienciada. Aqui iniciamos o reconto desta experiência no terreno.

5.3.1 – Um projeto em alternativa Este projeto de PCA apresentado para dois anos letivos, correspondendo aos 5º e 6º anos, iniciou-se no ano letivo de 2009/2010 e nasceu da necessidade da escola em encontrar uma solução para um problema de integração de um grupo de alunos na comunidade escolar. Com um historial escolar caracterizado por algum insucesso, expresso no número de retenções descritas na tabela 10 (Trajetórias escolares) estes jovens apresentavam uma inadaptação à vida escolar, desmotivação para as aprendizagens

234

académicas, falta de confiança e autoestima, enfim, era grande a distância entre a sua cultura de origem e a cultura escolar. Havia o risco de abandono escolar e eram evidentes as dificuldades de aprendizagem e cinco alunos revelavam graves lacunas ao nível das competências básicas da leitura e escrita, razão pela qual se criou um pequeno grupo de trabalho para apoio direto especializado da prof.ª de Educação Especial. Metade da turma apresentava NEE e beneficiavam de acompanhamento por parte dos serviços de Educação Especial. A turma integrava ainda uma aluna com diagnóstico de trissomia 21. A inclusão destes alunos com NEE no projeto está em conformidade com o Despacho Normativo n.º 1/2006 que estabelece que as turmas com percursos curriculares alternativos se destinam a diversos grupos específicos, nomeadamente os casos de registo de dificuldades condicionantes de aprendizagem. Neste sentido, integram a turma alunos com NEE, que devido ao funcionamento intelectual abaixo da média, não podem seguir um currículo comum, mas sim um percurso alternativo com proposta de adequação das competências essenciais de ciclo e ajustamento de conteúdos, metodologias e estratégias, constituindo deste modo uma alternativa para estes alunos. Procedeu-se à elaboração do projeto de PCA a partir do inventário das dificuldades de aprendizagem, identificação das competências essenciais a promover no 2.º ciclo, definição dos objetivos mínimos do 2.º ciclo de escolaridade e respetivas disciplinas, tendo em conta as caraterísticas especiais dos alunos e fundamentado na necessidade de se implementar percursos curriculares diversificados com o objectivo de

assegurar o

cumprimento da escolaridade obrigatória, combater os problemas de integração e de exclusão. Assim sendo, garante-se a estes alunos o direito a uma justa e efectiva igualdade de oportunidades no acesso e sucesso escolares100. Refira-se que as aprendizagens não foram reduzidas aos objetivos mínimos para todos os alunos, realidade apenas reportada aos alunos com dificuldades de aprendizagem mais acentuadas. O PCA organizou-se nos seguintes eixos de intervenção que, no essencial, correspondem aos objetivos que regem toda a ação educativa: trabalho colaborativo; gestão articulada do currículo; educação cívica e integração escolar dos alunos. Consagra por isso, na sua essência, experiências de aprendizagem muito diversificadas e acima de tudo adequadas à realidade dos alunos da turma, dinamizadas através de novas práticas de gestão curricular de acordo com a articulação entre as várias áreas curriculares. 100

In PCT

235

Sendo o PCA uma resposta alternativa a um currículo determinado centralmente em que os professores eram apenas meros executores, aceita-se para esta nova proposta a flexibilização e contextualização do currículo, ajustado às necessidades dos alunos e enquadrado nos domínios de decisão das escolas e dos professores. Neste contexto, os professores tornam-se decisores do processo educativo, reflectindo as suas práticas com vista à ação, no sentido da superação das dificuldades reveladas pelos alunos no decurso do seu processo de aprendizagem. Assume-se a necessidade de flexibilização dos percursos individuais, dos ritmos, metodologias e modos de organização do trabalho escolar, incidindo-se na cooperação, diferenciação e adequação de estratégias e na avaliação de carácter formativo. Este programa, ao pretender consolidar uma perspetiva de escola – espaço temporal de reconstrução dos conhecimentos, das relações e interações entre alunos/professores e comunidade educativa – destaca que toda a intervenção pedagógica deverá centrar-se na aprendizagem dos alunos e reconhece a necessidade da adequação de estratégias de ensino às suas caraterísticas, bem como a exploração das suas motivações e interesses. Nesse sentido, defende a articulação horizontal dos conteúdos, integração dos saberes e definição de uma linha de atuação comum a todos os professores da turma nos diversos domínios da sua ação. Impõe-se portanto alterações nos modos de conceção e organização escolar/curricular. As caraterísticas dos alunos da turma deverão determinar as escolhas e decisões a nível do currículo. Contudo, apesar da necessidade de adaptação do currículo ao contexto e aos seus destinatários, estabelece a legislação (Despacho Normativo n.º 1/2006), que a estrutura curricular do projeto tenha como referência os planos curriculares constantes no DecretoLei n.º 6/2001, acrescida de uma formação artística, vocacional, pré-profissional ou profissional que permita uma abordagem no domínio das artes e ofícios, das técnicas ou das tecnologias. Assim, a matriz curricular apresentada deverá assegurar a aquisição de competências essenciais definidas para o ciclo de ensino a que se reporta o percurso alternativo, nomeadamente em Língua Portuguesa e Matemática.

236

5.3.1.1 – O design curricular Em conformidade com o disposto no Despacho Normativo n.º 1/2006 (legislação em vigor para a organização do Percurso Curricular Alternativo) procedeu-se à definição do design curricular ligeiramente modificado pela distribuição e reajustamento da carga horária semanal das diferentes componentes do currículo, de forma a não sobrecarregar os alunos. A elaboração desta proposta foi da responsabilidade do Conselho Executivo da Escola, do gabinete de psicologia e da equipa de Educação Especial, a partir da sugestão dos professores do 1.º ciclo que conheciam os alunos. «(…) Foi da responsabilidade da presidente da escola e da psicóloga, a partir da sugestão dos professores do 1.º ciclo que conheciam os alunos, e enquadrada na legislação». (E3)

Esta falta de envolvimento dos docentes da turma na construção do design curricular é referida por estes como um constrangimento que deverá ser ultrapassado no futuro. Assinalaram igualmente a desmotivação dos alunos como uma grande dificuldade. Concluído o design curricular convocaram-se os encarregados de educação a fim de lhes ser apresentada a nova proposta, tendo-lhes sido solicitada a respetiva autorização para que os seus educandos pudessem integrar o referido projeto. Profundamente conhecedores das caraterísticas destes alunos houve unanimidade na aprovação desta proposta, ultrapassando-se assim mais uma etapa deste percurso. A proposta apresentada e respetiva distribuição de horas estão descritas na tabela que se segue (Tabela 6 - Design Curricular Alternativo da turma de 5º A de PCA). Como podemos verificar mantém o núcleo duro em termos de disciplinas convencionadas pela tutela ME para os planos curriculares regulares. Procedendo à sua leitura, verificamos que na área curricular disciplinar de Línguas e Estudos Sociais ocorreu uma redução de um bloco de 90 minutos, uma diminuição também verificada na área de Matemática e Ciências (menos 45 minutos). Nas disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática não se registaram alterações, em convergência com a legislação em vigor (Despacho Normativo n.º 1/2006), que define que a matriz curricular apresentada deve assegurar a aquisição de competências essenciais definidas para o ciclo a que se reporta o currículo alternativo, em concreto, nestas duas disciplinas, permitindo a permeabilidade entre percursos, a transição para outras modalidades de formação e ainda a continuidade de estudos.

237

A disciplina de Inglês reduziu a sua carga horária para um bloco de 90 minutos, visto tratar-se de uma área que será abordada de forma transversal por outras disciplinas nomeadamente as ITIC.

2.º ciclo Componentes do currículo

Educação para a cidadania

Carga horária semanal alternativa (x 90 min.)

Áreas curriculares disciplinares: Línguas e Estudos Sociais

(4 x 90)

Língua Portuguesa Língua inglesa

90

História Geografia de Portugal

90 (3 x 90)

Matemática

(3 x 90 + 45)

90+90

Ciências da Natureza

90

Educação Artística e Tecnológica

(4 x 90 + 45)

Educação Visual e Tecnológica

90+90+45

Educação Musical/Expressões

90+90

Educação Física

(6 horas)

(5 x 90)

90+90

Matemática e Ciências

Experiências préprofissionais

Carga horária semanal regular

Áreas curriculares não disciplinares:

(3 x 90)

90+45

(1 x 90 + 45)

(3 x 90)

(3 x 90)

Área de Projeto Desenvolvimento Pessoal e Social Tecnologias de Informação e Comunicação

90 + 90 90 90

Tabela 6 - Design Curricular Alternativo da turma de 5º A de PCA

Destaca-se a ênfase nas componentes Educação Artística e Tecnológica, Educação Musical/Expressões e nas experiências pré-profissionais, conforme podemos constatar pelo peso na distribuição da carga horária. A área das expressões acumula 2 blocos de 90 minutos, decisão que resultou da perspetiva transmitida pelos professores anteriores do grupo (professores do 1.º ciclo), que assinalaram a apetência e motivação destes alunos pela vertente artística e expressões.

238

«(…) Era pura expressão. Iam viver o fenómeno musical, a colega ia orientar a dança, teatro, e íamos tentar abordar as expressões como se de pequenas obras se tratasse, em que eles arranjariam um tema de uma peça qualquer e depois trabalhariam os cenários, as coreografias, os diálogos e as partes musicais». (E7)

O conselho de turma considerou pertinente a inclusão de experiências préprofissionais a serem dinamizadas em diversos locais e oficinas com vista ao desenvolvimento integral destes alunos. Duas manhãs, num total de 6h, estão destinadas a essas experiências (tabela 6) que não abrangem, no entanto, todos os alunos, pois só se avança para uma proposta desta natureza quando estes estão devidamente preparados (apenas cinco alunos estão envolvidos neste tipo de práticas). Regista-se a manutenção da carga horária de Educação Física e das áreas curriculares não disciplinares. A Educação Cívica passou a designar-se de Desenvolvimento Pessoal e Social, sendo lecionada pela diretora de turma com o acompanhamento do par pedagógico – o professor da área das expressões. É uma componente transversal a todo o currículo que visa a promoção de comportamentos assertivos nos alunos, tendente à sua integração na vida ativa. Como competências a desenvolver nesta área curricular (não) disciplinar e tendo em conta as dificuldades/necessidades da turma, o conselho de turma decidiu enfatizar a sensibilização para o cumprimento de normas, regras e critérios de atuação, definidas pela Comunidade Escolar, nos seus vários contextos, a começar pela sala de aula; valorização do diálogo, como meio privilegiado de ultrapassar dificuldades e mal entendidos; responsabilização pelas suas ações/decisões; promoção da defesa dos Direitos Humanos, através de atitudes de solidariedade, em relação a outros povos e culturas; desenvolvimento do raciocínio moral a partir da análise de situações do quotidiano e desenvolvimento e aquisição de hábitos de discussão e posicionamento crítico. Foi também apresentada uma proposta de abordagem aos conteúdos básicos do currículo nacional na disciplina de Educação Visual e Tecnológica, com vista ao desenvolvimento de competências basilares no âmbito das vertentes tecnológica e profissionalizante. Na Área de Projeto foi proposto o desenvolvimento de competências sociais de comunicação, trabalho em equipa, gestão de conflitos, tomada de decisões e avaliação de processos; capacidade de resolução de problemas partindo de situações e dos recursos existentes; promoção da integração de saberes através da sua aplicação contextualizada;

239

valorização das vertentes de pesquisa, trabalho de projeto e desenvolvimento de atividades significativas numa vertente de interdisciplinaridade, para além de uma proposta de aprofundamento do significado social das aprendizagens disciplinares. A disciplina de ITIC, que assume no regular um estatuto facultativo ou opcional, adquire neste currículo alternativo um carácter de disciplina obrigatória, com a finalidade de completar a formação integral dos alunos. Esta decisão decorre da necessidade de garantir a estes alunos o acesso ao computador e o desenvolvimento e consolidação de competências de utilização do Word e do ambiente Windows enquanto ferramenta de trabalho fundamental para a produção de texto, criação e gestão de pastas, introdução ao MS Publisher, com vista à elaboração de cartazes, folhetos e convites e ainda a exploração do PowerPoint, ferramenta de grande utilidade para a apresentação de trabalhos. Na Internet deverão ser adquiridas competências de comunicação por email e/ou Messenger e a implementação de competências de realização de investigações diversas. Em suma, o novo design curricular apresentado na tabela 6 não evidencia diferenças tão significativas comparativamente a outras propostas regulares. Na opinião dos docentes da turma, mudanças mais significativas precisariam de hom*ologação superior. A par de algumas alterações propostas, a planificação e gestão do currículo foram ajustadas pelo conselho de turma que, no âmbito da flexibilidade consignada por lei, elaborou e aprovou o Projeto Curricular de Turma a partir da reflexão do grupo de trabalho sobre os conteúdos a abordar em cada disciplina, as estratégias, as metodologias e atividades a desenvolver. A partir do design estabelecido foi organizado o horário semanal dos alunos, tabela 7 que apresentamos seguidamente. O horário apresenta uma maior distribuição no turno da tarde e durante os cinco dias da semana. As atividades letivas têm início todas as tardes às 13:05 e prolongam-se até às 18:05 em três dias da semana, excetuando a quarta-feira – 14:35 e a sexta-feira 16:15, que terminam mais cedo. Nestes dois dias, as atividades iniciam-se às 8:00 com um intervalo de 50 minutos para o almoço. As manhãs de 2ª feira e 3ª feira destinam-se às experiências pré-profissionais dos alunos propostos para esse tipo de práticas.

240

Horas

2ª feira

3ª feira

4ª feira

8:00 – 8:45

CNT S404

8:45 – 9:30 9:50 – 10:35 10:35 – 11:20

5ª feira

EXP. PRÉPROFISSIONAIS

EXP. PRÉPROFISSIONAIS

EVT S104

M S207 EVT S104

11:30 – 12:15

EDF Campo

12:15 – 13:05 13:05 – 13:50 13:50 – 14:35 14:45 – 15:30 15:30 – 16:15 16:35 – 17:20 17:20 – 18:05

6 feira

ALMOÇO HGP S207

POR S207

EDF Campo

EXP. S102

EXP. S102

POR S207

AP S207

IN1 2 211

M S207

ITIC S405

DPS S207

AP S207

Tabela 7 - Horário semanal dos alunos

5.3.1.2 – Organização e gestão do currículo A organização e gestão do currículo das áreas disciplinares são da responsabilidade dos departamentos curriculares. No entanto, e relativamente à turma de PCA coube aos seus professores, a responsabilidade pela elaboração/ajustamento dos programas das várias disciplinas e ao conselho de turma a sua aprovação, submetida igualmente à anuência dos órgãos competentes. Manifestamente houve uma certa flexibilidade, apontada pelos docentes das várias disciplinas, que reconheceram a autonomia que tiveram na determinação desses programas e definição dos conteúdos programáticos adaptados à turma e a cada aluno individualmente. «(…) Sim. Tivemos as reuniões de grupo e todos nós sabemos os conteúdos e competências de cada ciclo. No 2.º ciclo têm de ser trabalhadas determinadas áreas e competências e a partir daí fizemos a nossa opção em função dos alunos que tínhamos». (E1) «(…) Sim, tivemos a liberdade de definir um currículo adaptado às necessidades dos alunos. Há uma adaptação para todos». (E5) «(…) Cada professor titular da disciplina definiu um currículo adaptado às necessidades da turma e a cada aluno individualmente». (E8)

Declararam que não houve uma rigidez, pelo contrário, existia de facto, uma certa flexibilidade na elaboração curricular dos programas, tendo cada professor realizado as

241

adaptações que considerou necessárias. No caso dos alunos com NEE, foram elaborados os PEIs e CEIs com a supervisão da professora especializada. «(…) Foram definidos os CEIs para os alunos com NEE e os PEIs para os restantes alunos com dificuldades de aprendizagem. Estes alunos com CEI não farão a prova de aferição». (E3)

De um modo geral, os professores confirmam a simplificação dos conteúdos, a adaptação e articulação dos programas disciplinares. Esta é, de facto, uma das potencialidades do PCA. «(…) Foi tudo muito simplificado. No Português e na Matemática é que se procura trabalhar todos os conteúdos, embora de forma muito simplificada». (E1) «(…) Quando foi feito o programa para a disciplina de Português eu destaquei o que está no programa geral e as competências que lá estão todas, só que difere, nos conteúdos porque nem utilizo manual. A nível do cumprimento daquela planificação, enfim, eu não posso fazer o mesmo que os outros. Depois, o programa que eu tinha pensado dar, é constantemente alterado». (E5)

No exercício da autonomia concedida aos docentes da turma, na elaboração dos programas para cada disciplina, planificação e definição dos conteúdos programáticos foilhes pedida a respetiva colaboração, que deveria enquadrar uma vertente mais prática, o que resultou na valorização da área das expressões. «(…) Houve uma indicação para se enfatizar a componente mais prática do currículo, tentando aplicar a teoria». (E9) «(…) Foi pedido que privilegiássemos a componente prática do currículo». (E10) «(…) A ideia era aligeirar a carga horária das disciplinas mais teóricas e aumentar a prática como a Área de Projeto. Mas essa disciplina é uma área que exige muito de quem a tem de lecionar». (E6)

Apesar, de ser esta, uma proposta lógica os docentes envolvidos consideram, no entanto, que é difícil pô-la em prática. Confirmam a ênfase no processo, a atenção ao comportamento, à assiduidade e ao empenho, sem descurar a realização, o fazer… «(…) olho mais para o aspeto do comportamento, da assiduidade e também do desempenho, da realização da aula. Mas, digamos, que não coloco num patamar superior, não dou mais importância ao desempenho, porque julgo que não estaria a ser totalmente justo com os alunos. (…) Para mim, é muito importante que estes alunos estejam nas aulas, estejam na Escola, valorizando depois os que fazem sempre a aula». (E4)

Destacam igualmente o esforço na consolidação da aprendizagem da leitura e escrita. Todas estas preocupações e enfoques integram o PCT que, neste contexto, assume a forma de como se reconstrói e se apropria o currículo face à situação da turma, clarificando-se

242

opções e intencionalidade próprias, e construindo modos específicos de organização e gestão curricular, adequados à consecução das aprendizagens que integram o currículo. Estamos perante mudanças na representação e prática da profissionalidade docente, ao nível da relação do professor com o currículo. «Trata-se de equacionar os saberes específicos em função de finalidades curriculares e articulá-las num projeto coerente que se corporize na eficácia das aprendizagens conseguidas» (Roldão, 1999b, p. 39). Nesta nova relação com o currículo, o professor assume o papel de decisor e gestor do processo curricular, o que implica uma nova forma de entender e perspetivar o currículo compreendido como unidade integradora dos diversos saberes colocados ao dispor do aluno e necessários à sua integração social num mundo cada vez mais complexo e mutável. Não obstante, o currículo do PCA apresenta, segundo os professores envolvidos nesta investigação, um modelo muito ligado ao currículo regular pela determinação legislativa. «(…) O programa de um PCA ainda está muito colado ao currículo nacional. Os professores ainda se sentem muitos presos ao programa». (E2)

Dessa ligação resulta um modelo muito teórico, embora reconheçam como vimos alguma possibilidade de flexibilização do currículo. «(…) O PCA está muito colado ao currículo regular. Na lei, é isso que é pedido. Aliás, eu não consigo entender como é que se faz um PCT e, no final do ano, exigem que cumpramos o programa. Temos de adaptar à nossa turma. Para mim o programa deveria ser uma orientação e não uma condição». (E3) «(…) uma proposta alternativa terá que ser verdadeiramente alternativa em tudo, não apenas na definição e na planificação. É que nem aí o é sequer, porque o desenho curricular é mais ou menos o mesmo. (…) Não há nada de novo no desenho curricular proposto que nos permita dizer que é um percurso curricular alternativo. Estar a dar Música com o nome de expressões, é que nem Música se está a dar». (E7)

Estudos recentes puseram em evidência que a aposta na componente prática com a respetiva diminuição da carga horária de disciplinas teóricas é considerada a melhor “arma” contra o abandono escolar. Como refere Seabra et. al. (2012) vários projetos de constituição de turmas de PCA

estudados demonstraram que “o baixo nível de

desempenho destes alunos em risco de abandono escolar e a constatação de que revelam uma maior apetência para a vertente prática do currículo justificam uma diminuição da

243

carga horária de algumas disciplinas de Formação dita Escolar em benefício da Formação Vocacional ou Pré-Profissional. Face a estas perspetivas e decorrente da experiência acumulada, a análise e reflexão ao modelo em vigor facilitaram a construção de novas propostas de reorganização curricular para o ano letivo seguinte. «(…) Nós até já colocámos a hipótese de direcionar noventa minutos das expressões para o Estudo Acompanhado, visto que é uma área que não têm no currículo e está a fazer-lhes muita falta. São alunos de 5º ano e não têm os cadernos organizados nem sabem como fazê-lo. (…) Temos de repensar, no próximo ano, uma nova orientação para o currículo, propondo essa alteração». (E1)

Esta decisão do conselho de turma será implementada no próximo ano letivo uma vez que os alunos não demonstraram grande interesse pela área das Expressões, apesar dos esforços efetuados por parte dos responsáveis pela disciplina, no sentido da diversificação de atividades na sala de aula.

5.3.2 - Os jovens alunos Integram a turma 15 alunos, oito raparigas e sete rapazes, com idades que oscilam entre os 13 e os 17 anos.

AC AS AA AL CD CV CP JM JC LR PA PN RT DL CS 16 15 16 14 13 16 16 17 16 13 15 14 16 14 14 Tabela 8 - Idades dos alunos

Logo no início do ano um dos alunos, um rapaz de 14 anos desistiu completamente do projeto deixando de frequentar a escola desde então, apesar de todos os esforços encetados pela diretora de turma e direção da escola junto do encarregado de educação. Durante o ano foram ainda referenciados outros dois alunos, dois rapazes de 14 anos que se encontravam em situação de grande absentismo escolar e por isso em risco de abandono do projeto101.

101

In PCT

244

Relativamente ao fator idade verifica-se que o aluno mais velho tem 17 anos e o mais novo apenas 13 anos (dois alunos). A maioria dos alunos situa-se nos 16 anos, seis no total. Apesar da determinação do Despacho Normativo n.º 1/2006, ser clara, relativamente à idade limite – 15anos –, mais de metade dos alunos têm idades superiores.

Figura 4 - Distribuição dos alunos segundo a idade

No início do ano letivo realizaram-se duas reuniões com os encarregados de educação, tendo sido elaborado um inquérito com vista à obtenção de algumas informações sobre os alunos que permitisse a sua caraterização. Com o propósito de aprofundar os conhecimentos sobre a turma, foi também pedido aos docentes que compõem o conselho de turma a expressão dos seus pontos de vista sobre a turma quanto ao número, género e idade. Apesar de a legislação prever o número máximo de 15 alunos, neste tipo de turmas os professores envolvidos consideram tratar-se de um limite excessivo. «(…) Esta turma é numerosa (…)». (E5)

E avançam como número ideal a variação entre seis a dez elementos. «(…) Quinze alunos é um número muito grande. Os grupos deveriam ter entre seis a dez elementos, no máximo». (E1) «(…) Acho que são muitos. Toda a gente diz que temos poucos alunos, que são só doze, mas tendo em conta as caraterísticas de cada um e as suas dificuldades, são muitos para uma turma». (E10)

Reconhecem que sentem muitas dificuldades e que não é possível trabalhar com um grupo tão numeroso, por isso defendem a redução imediata do número de alunos ou o

245

aumento do número de professores. Dada a heterogeneidade dos alunos, sublinham que a turma deveria ter dez alunos no máximo para poder funcionar nas melhores condições. «(…) são poucos quando comparados com as outras turmas, mas são muitos tendo em conta as suas caraterísticas». (E10)

Ou seja, a redução do número de alunos por turma é consensual e seria muito benéfica, na opinião de alguns docentes, que consideram que o trabalho com pequenos grupos é altamente vantajoso. Durante o desenvolvimento do projeto decorreu uma experiência de criação de um subgrupo, apenas no caso das disciplinas de Matemática e de Língua Portuguesa, pela necessidade de enfatização de algumas competências essenciais no domínio da Leitura e Escrita e do Cálculo. Assinala-se um facto curioso nas aulas de Educação Física. Devido ao número de alunos torna-se difícil a concretização de alguns jogos de pendor mais coletivo, como por exemplo o futebol, muito apreciado por todos. Recorrentemente e sempre que possível dáse a junção da turma com outra, permitindo assim a realização de determinados jogos. Quanto ao género foi destacado o equilíbrio existente, não sendo notória nenhuma discrepância nem domínio de nenhum dos géneros, apesar de as raparigas estarem em maior número. «(…) Está equilibrado, não interfere no funcionamento da turma». (E8)

Já no que respeita à idade, alguns docentes constatam a existência de alguma disparidade muito embora, em termos de maturidade, não haja grande divergência, não constituindo por isso um problema. «(…) Não acho que seja um fator muito prejudicial. Há alunos mais velhos do que outros, mas não noto grande disparidade… está equilibrado. O fator idade não é problema (…)». (E6)

A longa estada no terreno permitiu-nos identificar as principais dificuldades da turma e dos seus dos alunos, diagnóstico convergente ao apresentado na caraterização do contexto escolar, expresso no PCE, e que resultou da análise efetuada aos inquéritos realizados à comunidade educativa aquando da elaboração do PEE. Dos constrangimentos imputados à turma destaca-se o reconhecimento da sua heterogeneidade e o fraco envolvimento das famílias, que culmina na total falta de interesse em relação à escola. Os docentes identificam uma falta de comprometimento das famílias.

246

«(…) Há alunos que precisam mais de orientação e do apoio por parte da família…. Constato que os meus alunos não têm nada disto, não têm acompanhamento, estão sós». (E3)

Regista-se a negligência/instabilidade familiar como expressão do desencontro com a cultura escolar. Em relação aos alunos avultam os problemas de comportamento que regularmente ocorrem na turma, sobretudo quando em presença de alguns alunos mais problemáticos. Estes problemas de indisciplina, anómalos e desajustados, representam uma grande preocupação para o conselho de turma. «(…) O comportamento é outra área problemática desta turma, nomeadamente, nos casos do DL e do AL que até não é assíduo». (E6) «(…) Há alunos que têm determinados comportamentos muito problemáticos». (E9)

A imaturidade constitui também um fator a ter em conta. «(…) a nível do comportamento, o que eu noto é que são mesmo infantis». (E10)

Em alguns casos, «(…) a idade biológica não corresponde à idade mental. Alguns são muito imaturos, sobretudo as meninas». (E5)

Os comportamentos mais disruptivos estão sujeitos à aplicação de medidas disciplinares, como a advertência ao aluno e respetiva comunicação ao encarregado de educação, o registo de faltas de comportamento e ainda nos casos mais gravosos como a agressão física, atitude intolerável no espaço escolar, é aplicada a medida de suspensão da atividade letiva. As dificuldades de aprendizagem reveladas pelos alunos representam para a generalidade dos professores da turma um grande obstáculo. «(…) Outro problema são as dificuldades de aprendizagem. Quando vimos que tínhamos cinco ou seis alunos que não sabiam ler, nem escrever, foi assim um “balde de água fria”, não estávamos à espera de tantas dificuldades». (E1)

O reconhecimento destes constrangimentos levou ao emergente reajustamento das propostas curriculares. «(…) As dificuldades de aprendizagem são claramente muito grandes. Há um défice de aprendizagem em todos os alunos. Uns têm NEE acentuadas, pelo que é violento estar a forçar e a exigir para que tenham respostas a determinadas atividades. Temos de lhes dar espaço, embora seja muito difícil fazer o que quer que seja». (E7)

247

Nalguns casos as dificuldades de aprendizagem reportavam-se a lacunas significativas nas aquisições básicas da leitura, escrita, vocabulário, código sociolinguístico e cálculo. «(…) São as que são comuns aos outros alunos. É o raciocínio e a falta de competências de leitura e escrita. Eles não conseguem fazer um raciocínio, têm muitas dificuldades em abstrair-se e pensar em algo que não seja tão concreto». (E2)

No geral são alunos pouco aplicados, sendo que apenas dois contrariam essa tendência. A perturbação da linguagem e comunicação é muito evidente. Ao nível das competências básicas da leitura e da escrita, cinco alunos revelaram-se incapazes de ler ou escrever, razão pela qual se criou um pequeno grupo de trabalho para apoio acrescido nessa área, que decorria na sala da Educação Especial, no horário destinado à disciplina de Português. Estes obstáculos e ainda a forte desmotivação pelas aprendizagens, associada às dificuldades de atenção/concentração e ausência de hábitos de trabalho, estão na origem do insucesso escolar repetido vivenciado pela grande maioria dos alunos da turma. «(…) Têm problemas de atenção/concentração, não conseguem memorizar as coisas, tudo o que é ensinado, tem de ser reduzido ao mínimo dos mínimos e, no dia seguinte, já não se lembram». (E1) «(…) É mais na resistência ao trabalho… Quando propomos alguma atividade há muita resistência ao trabalho. O não conseguir fazer leva-os também à desmotivação». (E7) «(…) Têm uma grande falta de concentração e também de hábitos de trabalho». (E8)

A manifestação de interesses divergentes dos escolares acarreta sérios riscos de marginalização, de exclusão social e abandono escolar e a consequente ausência de expetativas futuras e adoção de comportamentos sociais desviantes. Em alguns casos são ainda reportadas algumas dificuldades no relacionamento interpessoal. «(…) A relação interpessoal para eles é muito difícil». (E2)

Expressão da agressividade, os comportamentos explosivo e reativo são atitudes assumidas em contexto escolar. «(…) São muito agressivos, agem por impulso. Reagem, explodem no momento, mas depois passa. E muito do problema deles é não controlarem os impulsos que têm e rebentam com qualquer coisa e depois prejudicam o bom ambiente da sala, prejudicam a relação com o professor, prejudicam a relação com o outro par com quem se aborreceram…». (E2)

248

É o não saber estar que se manifesta em comportamentos agressivos que exprimem problemas

de

socialização,

nomeadamente

dificuldades

de

relacionamento

e

constrangimentos no desenvolvimento psicológico e afetivo. A abordagem reflexiva às dificuldades dos alunos, particularmente o comportamento, as dificuldades no relacionamento interpessoal e a desmotivação, aconteceu na aula de Desenvolvimento Pessoal e Social onde os alunos eram convidados a analisar e a refletir sobre os comportamentos adotados como meio de desenvolvimento e promoção de comportamentos assertivos. A complexidade dos problemas da turma justifica as adaptações propostas na organização de um design alternativo e no desenvolvimento e gestão curricular. Os alunos são provenientes de meios familiares com fracos recursos económicos. A maioria beneficia de Ação Social Escolar (ASE), distribuídos pelos escalões 1, 2 e 3, com particular incidência no escalão 1. Pertencem, portanto, a um grupo socioeconómico baixo. Como ocupação de tempos livres costumam ver televisão, ouvir música, conversar com os amigos e “jogar à bola”. Quanto às preferências televisivas são sobretudo as telenovelas e/ou séries televisivas como “Morangos com Açúcar” que mais prendem a atenção destes alunos. Q Quando questionados sobre o que mais gostavam de fazer no presente, metade dos entrevistados destacou o gosto em estudar, aprender, em estar na escola. «(…) Gosto de estar na escola». (A1) «(…) Estudar, ver televisão… ». (A3) «(…) É aprender a Língua Portuguesa e a Matemática». (A6)

Outros, porém, salientaram algumas predileções mais pessoais. «(…) Gosto muito de participar em desfiles de moda. Já desfilei em várias situações: no Madeira Shopping, em Santa Maria Maior. Também gosto muito de ouvir música, estar no meu cantinho. É o que faço mais». (A2) «(…) Gosto de desenhar». (A4)

As preferências assinaladas ao nível das disciplinas recaíram na Educação Física, EVT e Área de Projeto, numa clara alusão que são as matérias com uma forte componente prática as que mais agradam a estes alunos. Pelo contrário, o Inglês, a História e Geografia

249

de Portugal e a Matemática foram assinaladas como as disciplinas em que se registam as maiores dificuldades. A tabela 9 apresenta uma síntese de informações úteis de âmbito familiar, referente aos alunos da turma, considerados relevantes para a sua caraterização socioeconómica.

Alunos

AC/A1

16

Pedreiro

AS/A2

15

Falecido

CD/A3

13

Jardineiro

LR/A4

13

Sapateiro

PA/A5

16

Emp. Hotelaria Carpinteiro

RT/A6

16

Profissão

4º 4º -

3

8

Pais desempregados Pai desempregado; Subdelegado

Pais e irmãos

5

Emp. de Limpeza Doméstica

Pais e irmãos

5

Doméstica

Tia e irmãos

4

12º

Empregada de Escritório Doméstica

Avó

2

São gémeas

Pais e irmão

5

É a aluna mais velha da turma

Mãe e irmãos

5

Pais e irmãos Pais e irmão

6 4

Instituição Vila Mar Pais e irmã

4

16 14

? ?

Pedreiro -

DL

14

?

-

?

CS

14

4º 4º

Vendedor

Padrasto e mãe

Pais, avó e irmãos

JC PN

-

5

Pai desempregado

16 16 17

-

Pais, irmãos

Doméstica

CV CP JM

(Inválido)

Delegada de turma

Auxiliar de ação Educativa

N.º de p. agregado familiar

6

14

Agregado familiar

Pais, irmãos e avó

AL

-

Emp. de Limpeza

Observações

Pais desempregados

16

?

Profissão

Emp. de Limpeza

AA

Pedreiro

Nível de Escolarid ade

Mãe

Idades

Nível de Escolaridade

Pai

Emp. de Limpeza Doméstica Emp. de Limpeza Doméstica Empregada de Escritório

Abandonou a escola Vive numa instituição Tem trissomia 21

Tabela 9 - Caraterização socioeconómica dos alunos da turma

A sua análise permite constatar que o nível de escolaridade dos pais dos alunos se situa entre o 4º e o 6º anos de escolaridade, havendo no entanto uma exceção para a mãe de um aluno que tem o 12º ano. Duas mães e um pai não têm escolaridade, o que configura um nível muito baixo de instrução.

250

O desemprego também afeta algumas destas famílias, registando-se até situações em que os dois progenitores estão desempregados – duas famílias. Quanto à figura paterna, quatro estão desempregados sendo que apenas um dos pais se encontra a trabalhar. Duas das mães também estão desempregadas. Continuando a análise podemos concluir que todos os alunos vivem num agregado familiar com mais de três pessoas. Há mesmo uma aluna, cujo agregado é composto por oito pessoas. Em dois agregados coabitam os avós. Há também um aluno institucionalizado devido às problemáticas familiares. Na sua grande maioria, os pais dos alunos da turma trabalham por conta de outrem, em serviços não especializados. Olhando à figura 5 verificamos que os pais apresentam várias profissões: um vendedor, um carpinteiro, um empregado de hotelaria, um sapateiro, um jardineiro, três pedreiros. Um dos pais vive uma situação de invalidez permanente.

Figura 5 - Profissões dos pais

Quanto às mães distribuem-se pelas seguintes profissões: cinco empregadas de limpeza, duas empregadas de escritório, um auxiliar de ação educativa e seis domésticas. As mães são as principais detentoras da responsabilidade da educação dos filhos, uma vez que são elas que na sua grande maioria assumem o papel de encarregados de educação.

251

Em síntese, são diversas as caraterísticas comuns apresentadas por estes alunos: meio socioeconómico e cultural baixo, cujas famílias revelam alguma desestruturação e desemprego;

dificuldades

de

aprendizagem

acentuadas,

ameaça

de

risco

de

marginalização, de exclusão social e abandono escolar; insucesso escolar repetido; elevado grau de absentismo; comportamentos disruptivos e irregulares; cultura divergente da cultura escolar; baixa autoestima e fracas expetativas em relação à aprendizagem e ao estudo. Esta caraterização converge para a realidade apresentada no Relatório dos Currículos Alternativos (1996/1997) noutros estudos nacionais (Abrantes, 2003; Branquinho, 1999; Costa, 2001; Vieira, 2001) ou até internacionais (Munn, Llyod & Cullen, 2000). Nesse sentido, procurou-se centralizar toda a ação educativa no desenvolvimento e aquisição das aprendizagens, articulando os ciclos de escolaridade, incrementando e desenvolvendo competências transversais através da promoção de dispositivos de acompanhamento escolar dos alunos.

Figura 6 – N.º de reprovações

Todos os alunos da turma passaram pela experiência da reprovação. A figura 6 apresenta o número de retenções que marcam o percurso escolar destes jovens. Trajeto escolar marcado por insucesso em que apenas uma minoria de três elementos esteve retida apenas uma única vez. Também são três os alunos que ficaram retidos 4 vezes.

252

A listagem de reprovações evidencia portanto um grave problema dos alunos da turma e, ao nível macro, do próprio sistema educativo, sobretudo pelas dificuldades pessoais que poderão desencadear: fraca autoestima, desmotivação e fraco empenhamento na realização das tarefas. Face a este cenário, a escola assumiu prontamente a urgência de uma intervenção neste âmbito. Como podemos observar na tabela 10, o maior número de retenções situa-se nos primeiros anos de escolaridade, havendo casos de três reprovações no 1º ano, indicativo de uma certa precocidade que acaba por marcar os itinerários escolares destes alunos. Alguns alunos passaram igualmente por um adiamento de matrícula no Pré-Escolar.

Alunos

1ºano

2ºano

AC/A1 AS/A2 CD/A3 LR/A4 PA/A5 RT/A6 AA

3 1

2

1 1 3 2

1 1 1 1

AL CV

1 1

CP JM JC PN DL CS

1

3ºano

4ºano

5ºano

1 2

1

2 1 1

2 1 1

Retenções N.º de reprovações 3 3 1 2 4 4 3

2

1 1

3 1

2 3 3 4

Observações

Um adiamento de matrícula no Préescolar Abandono/desinteresse pela escola Três anos nos Currículos Diferenciados (CD) Três anos nos CD Percurso inconclusivo Um ano no STEDI; Dois anos nos CD Abandono escolar Abandono/desinteresse pela escola Um adiamento de matrícula no Préescolar

Tabela 10 - Trajetórias escolares

Algumas retenções ocorreram com elevado número de níveis negativos nas diferentes disciplinas do currículo e com elevado absentismo.. A estes constrangimentos juntam-se outras lacunas ao nível do interesse/empenho na realização das atividades, métodos e hábitos de trabalho, atenção/concentração, ausência de pré-requisitos, dificuldade no relacionamento entre pares e manifestação de situações de indisciplina, com a adoção de comportamentos sociais impróprios para a sala de aula por parte de alguns alunos.

253

As taxas de insucesso escolar são muito elevadas. Quando questionados acerca do seu percurso escolar, os alunos demonstraram que tinham consciência do seu trajeto e falaram sem reservas. «(…) Quando era pequena não conseguia aprender a ler. Tive três retenções no 1º ano. Até que me encaminharam para a escola dos Currículos Diferenciados». (A1) «(…) Chumbei o 1º ano uma vez e duas vezes o 2º ano». (A2) «(…) Andei sempre na escola de S. Gonçalo. Não passei de ano uma vez no 3º ano». (A3) «(…) Tinha algumas dificuldades e chumbei mesmo uma vez o no 1º ano e uma no 2º ano. Mas as coisas melhoraram quando vim para esta escola». (A4) «(…) Tive muitas retenções. Acho que foi uma no 1º ano e no 2º ano e duas no 5º ano». (A5) «(…) Tive três retenções no 1º ano e uma no 2º ano». (A6)

5.3.3 – Os(as) professores(as) O conselho de turma é composto por dez professores, sendo sete do sexo feminino e três elementos do sexo masculino. Estes números apontam para uma clara predominância do género feminino e reforçam a visão de que a profissão docente é exercida predominantemente por mulheres.

Professores entrevistados

Sexo

Idade

Tempo de Serviço

E1

F

37

12 anos

E2

F

32

9 anos

E3

F

40

13 anos

E4

M

41

9 anos

E5

38

13 anos

E6

F F

44

22 anos

E7

M

42

19 anos

E8

F

52

33 anos

E9

M

59

31 anos

E10

F

28

7 anos

Tabela 11 - Caraterísticas dos professores entrevistados

Com idades a oscilar entre os 28 e os 59 anos (tabela 11), apenas dois são principiantes neste tipo de projeto. Os restantes docentes têm experiência anterior de

254

lecionação em turmas de PCA e estão envolvidos neste tipo de projetos há largos anos, ou seja, desde que estes se iniciaram na escola sob a designação de currículos alternativos. Todos estes docentes da turma estiveram envolvidos de forma direta nesta investigação. Para além dos membros do conselho de turma logramos com o envolvimento da Presidente do Conselho Executivo da escola dada a importância assumida para o conhecimento aprofundado e detalhado do projeto em estudo e ainda porque tínhamos como propósito compreender as razões da implementação, objetivos, e recetividade ao PCA. A Presidente do Conselho Executivo, com larga experiência de gestão, desempenha funções executivas há quinze anos. É professora do Quadro de Nomeação Definitiva e está na escola há vinte anos. Este percurso é revelador de um sentido de pertença àquela comunidade educativa. O líder é simultaneamente a diretora de turma que assume um papel de coordenação e liderança do grupo de professores e alunos, sendo um elemento estruturante no dia a dia da turma. Este papel é aceite por todo o grupo que reconhece na colega competências e qualidades para o desempenho das tarefas decorrentes dos papéis por si assumidos. A experiência como docente e coordenadora de projetos de PCA de 2.º ciclo concede-lhe um certo prestígio dentro do grupo e a legitimidade necessária para gestão da vida da turma. Tem doze anos de serviço e o seu percurso profissional é muito rico. Fala com muito entusiasmo da sua experiência com este tipo de turmas considerando-a muito positiva. Em relação à formação e respetiva área científica, todos os professores são licenciados, com exceção de um que é detentor de um Bacharelato, mas que atualmente se encontra a fazer mestrado. De referir que um dos professores, após a conclusão da sua licenciatura, fez ainda uma especialização em Educação Especial. Esta docente é um elemento muito importante para a interdisciplinaridade que se exige neste tipo de percursos. Um importante recurso para a turma pela sua vasta experiência e conhecimento dos programas de 1.º ciclo adquiridos ao longo da sua prática de lecionação numa escola de primária. Esta professora de Educação Especial pertence ao Quadro de Zona Pedagógica do Funchal da Direção Regional de Educação e este ano está afeta à escola. É docente há nove anos e exerce na Educação Especial há cinco. Foi convidada a integrar o projeto pela Presidente do Conselho Executivo. É o primeiro ano que leciona a turmas de

255

PCA e é responsável por todos os apoios acrescidos disponibilizados sobretudo aos alunos que revelam maiores dificuldades de aprendizagem. Os professores da turma provêm de áreas científicas distintas e, para além de lecionarem disciplinas relacionadas com a sua área de formação, acumulam outras funções inerentes à prática docente como por exemplo coordenação de ciclo, apoio pedagógico, acompanhamento em situação de par pedagógico e desempenho de outras funções nas estruturas pedagógicas da escola. «(…) Na Escola, para além de lecionar a disciplina de Inglês, de Formação Cívica (agora com outra nomenclatura, que é Desenvolvimento Pessoal e Social), sou diretora da turma A de 5º ano. Leciono ITIC (Introdução às Tecnologias de Informação e Comunicação) e ainda exerço o cargo de coordenadora do 2.º ciclo». (E1) «(…) Neste momento, sou Professora de Ciências da Natureza e de Matemática. Dou apoio de Matemática, no Gabinete de Apoio ao Aluno e acompanho a professora titular da disciplina de Matemática. Também pertenço ao Conselho da Comunidade Educativa». (E6)

Quanto à situação profissional, cinco docentes pertencem ao Quadro de Nomeação Definitiva (QND) e quatro ao Quadro de Zona Pedagógica (QZP). Esta distribuição é reveladora de uma certa estabilidade e um vínculo à profissão e à escola onde exercem funções. Apenas uma docente é contratada e é simultaneamente a professora mais nova. São docentes com alguma experiência profissional, sendo que apenas três estão na profissão há menos de dez anos. Para a maioria (oito), o convite para lecionar a turmas de PCA partiu da direção da escola. «(…) Fui colocada na Escola e, quando me vim apresentar, a professora Gilberta, a diretora, pediume para ficar com as turmas de 5º ano de PCA, dada a minha experiência e conhecimento dos programas de 1.º ciclo, adquiridos aquando do período de lecionação na Escola do 1.º ciclo de S. Filipe». (E2)

Um professor foi ainda convidado pela coordenadora do projeto. «(…) Fui por convidado pela coordenadora do projeto, a professora Paula Santos». (E7)

Há ainda outra docente que se ofereceu para integrar a equipa. «(…) Como não havia nenhum colega disponível, eu ofereci-me para ficar com as duas disciplinas, mais a direção de turma». (E5)

Regista-se um grande envolvimento dos docentes, indiciando um sentimento de pertença à instituição. Não se registaram resistências ao trabalho com a turma por parte dos

256

docentes que, sem grandes reservas aceitaram prontamente o desafio para abraçarem mais este projeto. De uma maneira geral, os professores já tinham tido experiências bem sucedidas, com este tipo de projetos, razão pela qual não revelaram representações negativas face a estas turmas. No que concerne aos recursos humanos, designadamente a sua adequabilidade numérica, as opiniões não são consensuais. Alguns entrevistados consideram o número de docentes destacados para o acompanhamento à turma adequado. «(…) Os recursos humanos são suficientes». (E9)

Outros, sensivelmente metade dos docentes, consideram, porém, esse número insuficiente. «(…) acho até que deveriam estar três professores, tendo em conta que a turma tem uma aluna com trissomia 21» (E1)

O reforço na equipa docente justifica-se sobretudo em determinadas disciplinas de maior pendor teórico, de modo a proporcionar um maior acompanhamento dos alunos. «(…) Nunca são suficientes. Quanto mais ajuda melhor. É sempre difícil. Não é pelo facto de nalgumas disciplinas estarem dois ou mais colegas que é suficiente». (E5)

Estas dificuldades sentidas pelos professores decorrem da heterogeneidade que marca a turma, potenciadora de sentimentos de frustração por parte dos docentes, pela impossibilidade de acompanharem todos os alunos e cada caso em particular, à medida das suas necessidades. A professora de História e Geografia de Portugal expressa assim o seu sentir: «(…) Tendo em conta os alunos que temos, dois professores na sala não são suficientes. O ideal até seriam três docentes, porque juntávamos os alunos em grupos e cada colega ficava a acompanhar um deles. (…) Por exemplo, na turma do 5º A, somos dois docentes, mas eu sinto muita dificuldade e alguma frustração quando acabo a aula. Tenho a noção que não cheguei onde deveria, a cada um dos alunos. Há casos tão diferentes naquela turma... Todos têm dificuldades de aprendizagem, mas umas são mais acentuadas e eu não consigo estar com cada um deles como deveria, não dá». (E10)

Este anseio dos professores da turma no sentido da disponibilização do maior número de docentes para o acompanhamento dos alunos parece razoável, muito embora a pressão da tutela vá no sentido da sua redução. A manutenção de um número aceitável de docentes para acompanhamento aos projetos de PCA decorre de um processo de negociação com a SRERH.

257

5.3.4 – A organização da sala de aula: os espaços e os materiais educativos Após a apresentação da escola, do meio envolvente e da descrição da turma, consideramos conveniente a caraterização dos espaços físicos e materiais didáticos disponíveis para o trabalho pedagógico, pela importância assumida para a compreensão do tipo de ambientes de aprendizagem proporcionado e pela influência na própria operacionalização do currículo escolar. A sala de aula (espaço físico), pela importância reconhecida e influência na estruturação e dinâmica dos ambientes de aprendizagem, é um aspeto a considerar no momento da planificação, conceção e implementação de um projeto desta natureza. Subjacente à organização do espaço, encontramos conceções e perspetivas de ensino que vão determinar todas as propostas da sua disposição. Assim, uma sala de aula tradicional é um espaço rigidamente limitado, cujo poder de decisão é unilateral cabendo apenas ao professor a decisão do que ensinar, quando, como e em que ritmo, para além de decidir os critérios através dos quais se reconhece se o aluno aprendeu ou não. Pelo contrário, numa sala de aula construtivista a organização do espaço é muito mais livre. Nesta proposta, os estudantes têm um grau de maior controlo sobre o tempo e o ritmo da aprendizagem. Ou seja, a forma como as várias propostas metodológicas apresentam a distribuição do espaço depende do tipo de atividades propostas e da necessidade de agrupar os alunos em relação a essas tarefas. Deste modo, os diversos espaços da escola, como oficinas, biblioteca, laboratórios, sala de informática, terão interesse como espaços fixos da turma ou da escola, de acordo com a importância que as propostas metodológicas lhes conferem, enquanto estruturas de desenvolvimento das atividades (Zabala, 2001). A turma não tinha sala fixa para o desenvolvimento das atividades letivas e para armazenamento dos materiais, aspeto considerado por todos como muito negativo. Nas palavras da professora E6, «(…)estas turmas deveriam ter a sua sala e os seus armários com os materiais necessários sempre disponíveis para não andarem de um lado para o outro, causando instabilidade e perturbação. Mas isso, não é possível porque não temos espaço disponível».

De acordo com alguns intervenientes, as condições de trabalho estão aquém do inicialmente previsto.

258

«(…) Há três anos, quando começamos com o PCA de 5º ano, a proposta englobava uma sala onde os alunos poderiam deixar os materiais». (E3) «(…) No nosso projeto inicial (primeiro projeto dos PCA) planeámos para o universo de uma turma um espaço físico próprio, ou seja, uma sala para as disciplinas teóricas e ao lado uma sala para as práticas. Éramos uns novatos sonhadores (…). A ideia era bonita, era o ideal, mas a escola não dispõe de salas suficientes ao ponto de disponibilizar uma única sala para as turmas de PCA. A Presidente do Executivo tem consciência de que realmente é fundamental um espaço próprio com armários, onde os alunos pudessem colocar os seus materiais, e que se pudesse alterar a própria disposição dos equipamentos. (…) No ano seguinte fomos enfiados na sala mais pequenina da escola. Eram nove alunos na sala 204 e aí é que não havia hipótese nenhuma de nos mexermos. Mesmo que houvesse maus comportamentos e quiséssemos afastar os alunos, não havia alternativa». (E5) «(…) A falta de uma sala apropriada é uma dificuldade que acaba por condicionar todo o trabalho. Os alunos querem muitas coisas práticas, e às vezes, é necessário mudar, porque não está a funcionar. No 1.º ciclo, tinha uma sala e mudava-a, podia mudar. Pode ser um trabalho de conjunto, os próprios alunos também podem dar ideias. Era importante que pudéssemos fazer essa experiência com estes nossos alunos. Para isso, as salas teriam de ser completamente modificadas. Por enquanto, é um entrave». (E4)

É consensual a ideia de que com uma sala fixa poderia ser dada outra organização à atividade letiva. «(…) A própria disposição do espaço poderia ser diferente, mas a verdade é que continuamos com o modelo de sempre. No fundo, os alunos não veem diferença». (E3)

A itinerância por diversas salas de aula foi extremamente negativa e não permitiu a colocação de armários para colocação e organização de materiais didáticos. Durante a nossa permanência no terreno verificámos que alguns alunos não traziam os materiais necessários para as aulas, facto que reforçava exatamente a importância e a urgência da atribuição de uma sala de aula fixa e a respetiva disponibilização de armários, onde os livros e os materiais diversos pudessem ser guardados. Organizadas, conforme já tivemos oportunidade de referir, as carteiras arrumadinhas em filas, as salas tornavam-se espaços impessoais que personalizavam uma escola que hoje já não queremos, uma escola que transforma muitos num só. Todavia, em algumas aulas em que também participámos, apesar do constrangimento organizacional, as mesas e as cadeiras individuais rapidamente ganhavam outra configuração, mais compatível com a implementação de novas estratégias.

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Quando as propostas implicavam a constituição de grupos de trabalho, as cadeiras e mesas eram rapidamente reorganizadas formando-se uma mesa maior à volta das quais se posicionavam os alunos. As tarefas e dinâmicas adotadas deixavam claro a positividade destas alternativas, que envolviam o trabalho de projeto, a manipulação de materiais, a construção de objetos e uma outra direccionalidade na circulação do conhecimento. Outras salas eram utilizadas com regularidade pela turma, designadamente a sala de informática, a sala de música e a de Educação Visual e Tecnológica, sendo que nesta última os alunos tinham um espaço num armário onde podiam guardar os seus materiais. Outros espaços eram igualmente utilizados, como o campo de jogos e a área da horta pedagógica, cultivada pelos alunos sob a orientação do professor da disciplina de EVT. Algumas aulas, nomeadamente de História, Matemática, Língua Portuguesa, Desenvolvimento Pessoal e Social e Expressões, decorriam em salas apetrechadas com quadro interativo, que eram sempre aproveitados para a implementação de estratégias diversificadas facilitadoras do processo de aprendizagem. Em relação aos meios e equipamentos, a convicção de carência extrema estava presente na generalidade dos docentes, marcada por vários domínios: espaços físicos, materiais didáticos, multimédia e acessórios para os equipamentos elétricos. É consensual que, neste âmbito, a escola não oferecia as condições ideais… e os docentes debatiam-se com a falta de verbas e espaços físicos. Segundo a diretora de turma, tal situação configurava uma situação muito complicada. «(…) O maior problema é a falta de espaço. As escolas são desenhadas para X alunos e passados 2 anos têm o dobro dos alunos relativamente ao número projetado inicialmente. E depois temos estas faltas de espaço gritantes. Nós, se quisermos fazer uma atividade mais prática que estes alunos até beneficiariam, não temos espaço, pois estamos sujeitos a uma sala de aula. (…) É que de ano para ano nós crescemos. Porque como temos turmas com menos elementos, cada vez há mais turmas e depois já não há espaço. Às vezes querem dinamizar ações de formação e não há uma sala vaga, é complicado. E isto apesar de sermos uma escola recente». (E1)

Os recursos materiais também não eram suficientes. A disponibilidade de materiais didáticos e multimédia era manifestamente insuficiente para o trabalho com esta turma. Para a diretora de turma, são escassos os recursos disponibilizados e os materiais são igualmente muito pobres.

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«(…) Precisamos de muitos materiais didáticos, ter uma sala com armários onde pudéssemos partilhar, por exemplo, livros, outros materiais e coisas que recolhêssemos. Mas não temos salas nenhumas disponíveis. (…) Como é que se faz uma escola tão pequena na área do Funchal? Não cabe na cabeça de ninguém que se projete uma escola com tão poucas salas e tão poucos espaços exteriores. Os alunos não têm muitos sítios por onde estar». (E1)

Também a docente especializada em Educação Especial chama a atenção para a carência de material didático: «(…) Acho que deveria haver um investimento da Escola no material». (E2)

Manifestamente os recursos materiais didáticos e multimédia não são suficientes, obrigando até a uma contribuição monetária por parte dos docentes para a compra de material diversificado. «(…) O material que existe é muito básico. Este ano, a aposta é na recuperação, reciclagem e reutilização de materiais, no sentido de os formar também. Mas de vez em quando é bom fazer uma coisa diferente e somos nós que pagamos esses materiais porque não há verba. Ainda há poucos dias, cada professor desembolsou cinco euros. Isto porque queríamos umas pedrinhas giras, uns tecidos diferentes, uns fios, porque senão também não era possível fazer alguma coisa mais aliciante». (E8)

A acompanhar o quadro de carência, é frequente haver indisponibilidade de materiais multimédia para o trabalho com a turma. «(…) Eu pesquisava na Internet, arranjava pequenos vídeos, mas muitas vezes quando chegava à escola, às vezes não era possível requisitar o projetor». (E10) «(…) era importantíssimo haver quadros interativos para estes alunos nas salas. Para os PCAs devia haver quadros interativos, porque pode-se trabalhar muita coisa». (E4)

Apesar do esforço documentado por toda a comunidade educativa, não deixa de ser contraditório que se invista na criação de turmas com proposta de PCA e não se proporcione as condições necessárias para a sua plena concretização, justificado pela falta de meios, uma realidade cada vez mais presente nas escolas. Os materiais deverão ser diversificáveis, ao “jeito de peças de construção” Zabala (2001), permitindo a cada professor a elaboração do seu projeto de intervenção, adaptado às necessidades da realidade educativa. ´

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5.3.5 – A organização social da cultura Um dos princípios estratégicos da organização social e cultural da turma é a proposta de colocação dos professores em regime de par pedagógico, modelo de cariz colaborativo, de extrema importância, pelas vantagens proporcionadas aos alunos no acompanhamento das suas aprendizagens. Este modelo de intervenção é apontado pelo conselho executivo da escola como muito benéfico sobretudo para os alunos que veem assim otimizadas as suas possibilidades de desenvolvimento e aprendizagem. Para a presidente da escola, é muito positivo este modelo de acompanhamento de dois docentes por disciplina na medida em que: «é impossível um professor sozinho trabalhar em média com 14 alunos, com a diversidade contextual existente».

Esta forma de estar, esta crença que sustenta a prática, clarifica o que se faz na escola e como se faz. Mesmo na presença de vários docentes na sala de aula, a responsabilidade pela orientação e condução da aula cabe ao professor titular que decide que estratégias deverão ser implementadas. Os outros docentes assumem um papel colaborativo na distribuição, organização e acompanhamento das atividades e na gestão de comportamentos. Para os docentes do conselho de turma este é um modelo salutar para os alunos porque: «como têm muitas dificuldades de aprendizagem quantos mais professores estiverem a trabalhar com os alunos, melhor apoio terão. (…) É muito importante, principalmente porque o apoio tem que ser constante e eles estão sempre a pedir ajuda. Eu às vezes estou na aula e não tenho “mãos a medir”. Eles estão sempre a chamar e se fossem mais professores, também estariam ocupados. (…) Por isso, acho que é importantíssimo para se dar resposta às necessidades e aos pedidos dos alunos, acho que é bom que estejam dois professores no mínimo». (E4)

Com efeito, a presença de dois docentes permite um acompanhamento mais direto e individualizado para além de produzir um efeito inibidor de alguma ansiedade e desmotivação que podem surgir em situações de maiores dificuldades. «(…) Muitos alunos até conseguem minimamente realizar as tarefas propostas, mas a partir do momento em que encontram um obstáculo desistem logo, daí que seja fundamental a presença de um professor disponível para ir dando esse apoio aos alunos. Dois professores ou mais». (E5)

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A generalidade dos professores admite igualmente que a presença de um professor de apoio condiciona a adoção de determinados comportamentos disruptivos por parte dos alunos, pelo acompanhamento e gestão das diversas situações de aula que é proporcionado pelos docentes. «(…) Às vezes, na minha aula, o professor de apoio consegue inibir comportamentos indesejados só com o olhar. É um elemento que ajuda a apaziguar… que se focaliza na gestão dos comportamentos». (E6)

Os recursos humanos nunca são demasiados porque: «(…)só com o apoio individualizado é que se consegue o sucesso (…)». (E8)

Realçam os desafios pessoais e profissionais que a gestão individual de uma turma com estas caraterísticas acarreta. «(…) Estar sozinho com os alunos seria muito complicado no sentido de atender às necessidades de todos. Não aguentava muito tempo». (E9) «(…) É muito benéfico. Mesmo com o colega é tão difícil chegar a todos, se estivesse sozinha era impossível, não dava mesmo». (E10)

Conforme previsto no regulamento da constituição, funcionamento e avaliação de turmas de PCA, o conselho de turma reuniu quinzenalmente (quarta-feira) para definição de estratégias de ensino e aprendizagem e acompanhamento da evolução dos alunos. Estas reuniões, destinadas às planificações, debates, avaliações sistemáticas dos alunos e do próprio projeto, estimularam o estabelecimento de novas dinâmicas e relações colegiais entre todos, constituindo um excelente momento de partilha dos problemas, um apoio na superação das dificuldades emergentes da implementação do projeto. A frequência destes encontros de trabalho foi considerada uma das condições promotora do sucesso das turmas de PCA. Estas sessões de trabalho, que tivemos oportunidade de acompanhar de forma regular, eram moderadas pela diretora de turma, coadjuvada por um secretário, também professor membro do conselho de turma e a quem competia a redação da ata. Registamos a evidência de uma empatia entre todos os membros do grupo cujo relacionamento extravasava a componente profissional. As reuniões começavam normalmente com a apresentação, por parte da diretora de turma, de uma síntese/reflexão às atividades desenvolvidas no período mediado entre os encontros, bem como uma avaliação ao comportamento, assiduidade e pontualidade dos

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alunos. Seguia-se a transmissão ao conselho de turma das ações promovidas e respetiva avaliação por cada titular de disciplina. A reunião prosseguia com a preparação e organização das atividades letivas para o período subsequente. Do que vimos e acompanhámos, reconhecemos um exercício de planificação rigoroso a longo, médio e curto prazo, com a integração coerente e inovadora de propostas de atividades, meios, recursos e tipos de avaliação das aprendizagens. Estes momentos representavam ocasiões únicas e vitais de parceria e intercâmbio com os pares. Neste contexto, toda a informação útil era alvo de partilha, culminando num processo de regulação da planificação. «(…) Nas reuniões, falamos e acabo por relatar aquilo que estou a fazer, porque acho importante partilhar. Pode até ser útil no sentido de concertar estratégias e recursos». Acabo por transmitir aquilo que estamos a trabalhar, para eles poderem opinar e para eu poder também receber o feedback. Normalmente faço isso, embora a planificação seja individual». (E4)

Cabe ao conselho de turma a responsabilidade pela organização, aprovação e gestão do currículo. A planificação em termos globais é definida pelo mesmo conselho, muito embora cada docente proceda ao seu ajustamento em função do grupo de alunos. A autonomia estabelecida é real, o que permite a cada docente o desenvolvimento de estratégias diversificadas (apresentaremos posteriormente uma exposição detalhada das estratégias utilizadas no contexto da sala de aula), com particular destaque para a promoção de ambientes de trabalho e aprendizagem colaborativos. Os docentes do conselho de turma assinalaram as preocupações emergentes com a seleção de materiais adequados à aprendizagem e reconheceram o recurso frequente a imagens, a partir de pesquisas realizadas na Internet e a procura de materiais verdadeiramente atrativos. A diretora de turma confirma a preocupação com a preparação das aulas e com a adequabilidade dos materiais. «(…) Eu preparo as minhas aulas pensando sobretudo que material melhor se adequa ao conteúdo. Por exemplo, se tenho de apresentar as bandeiras e os países, começo por analisar que material é que vou usar. A imagem é mais importante do que as palavras que se escrevem no quadro. É mais fácil apresentar uma matéria a partir de uma imagem, do que ler um texto sobre o mesmo assunto. É mais simples partir da imagem que é global, que tem mais impacto e depois esmiuçar e encaminhar para aquilo que nós queremos». (E1)

A Internet é assumidamente um excelente recurso na pesquisa de material.

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«(…) Por isso, vejo o que tenho e procuro outras coisas na Internet. Vou muito à Internet, a minha bengala é a Internet». (E1) «(…) Faço muitas pesquisas na Internet e construo os materiais pedagógicos que necessito». (E10)

Relativamente à organização do tempo letivo, em que se passou a tomar como unidade padrão a aula de 90 minutos complementada com frações de 45minutos, esta opção não agrada a alguns docentes, pelas dificuldades de gestão pedagógica daí decorrentes. Com esta mudança, proposta pelo Decreto-Lei n.º 6/2001 pretende-se a promoção da alteração das práticas docentes, o estímulo à destaylorização da gestão do currículo associado ao abandono da tradicional cadência mecânica da sucessão linear de períodos de 50 minutos de aula seguidos de 10 minutos de descanso» (Costa, Dias & Ventura, 2005). «(…) Quarenta e cinco minutos não dão para nada, porque são alunos muito lentos e com pouca concentração. Enquanto abrem a lição, tiram as coisas e começamos a abordar o tema, a aula já terminou». (E2)

Os docentes aludem aos limites e às insuficiências temporais desta proposta. «(…) Os cinco minutos que antes existiam fazem diferença, ou seja, as aulas de cinquenta minutos eram muito boas. Acho que era o tempo ideal, porque a partir desse momento eles perdem a concentração». (E5)

Em alternativa, sugerem as aulas mais longas. «(…) Eu optaria pelos cinquenta minutos. Até eles se sentarem, nos organizarmos e começarmos a trabalhar e a fazer a autoavaliação diária, parte da aula já passou. Daí que aulas de quarenta e cinco minutos seria impensável». (E3)

Também a professora E5 considera que uma aula deveria ter no máximo 50 minutos. E explica: «(…) uma aula de 90 minutos é um massacre para os alunos e para os professores, porque (…) eles a partir dos 50 minutos perdem a concentração». (E5)

Apesar destas considerações, mais de metade dos docentes do conselho de turma consideram mais ajustadas as aulas de 90 minutos: «(…) Até faz mais sentido que sejam aulas de noventa minutos, porque quarenta e cinco minutos é muito pouco». (E4)

A definição de um período ideal é difícil, conforme se conclui das palavras da professora E6 e do professor de Educação Musical/Expressões:

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«(…) Eu gosto das aulas de noventa minutos, porque rendem. Agora, para estes alunos é muito, embora por outro lado 45 minutos sejam pouco. Demora-se muito a fazer um sumário, um registo e sobra pouco tempo». (E6) «(…) Se for uma aula prática, noventa minutos é o tempo certo (…) Depende muito. É uma aula prática, por isso, não é longa. Mesmo na aula de três horas não noto que fiquem cansados, pelo menos na turma A». (E7)

A professora E8, uma das titulares da disciplina de Educação Visual e Tecnológica, reforça que fazem um intervalo e que os alunos até não querem parar: «(…) Eu é que insisto com eles e digo que tenho de tomar um café. Somos três professores na aula, é muito produtivo. Foi uma mais valia ser três horas e termos o acompanhamento de outro professor da área científica». (E8)

Sintetizando, o que se verifica é que nas disciplinas teóricas os docentes concordam com a proposta de 45 minutos porque: «(…) para este tipo de alunos é muito difícil estarem sentados noventa minutos. É muito complicado mantê-los concentrados durante toda a aula». (E10)

Já no caso das aulas mais práticas, «(…) aulas de quarenta e cinco minutos representam muito pouco tempo». (E9)

Os argumentos apresentados, justificativos da discordância de alguns docentes relativamente às aulas de 90 minutos, enquadram o uso de determinadas metodologias nas respetivas salas de aulas, conformadas por um modelo expositivo, prática ainda muito enraizada nas nossas escolas. Ou seja, a crítica discordante em relação ao modelo de organização do tempo letivo (aulas de 90 minutos), que segundo alguns docentes da turma é impraticável, resulta em parte de constrangimentos criados por opções metodológicas assumidas. Com a regulamentação das aulas de 90 minutos, pelo Decreto-Lei n.º 6/2001 pretendeu-se fomentar o desenvolvimento de atividades práticas e de consolidação de conhecimentos, em oposição à aula magistral e expositiva que transforma os alunos em espectadores da representação do professor. Ainda no âmbito da organização do tempo letivo, mas no que concerne à gestão da aula, são observadas algumas fases, seguidas pela quase totalidade dos professores da turma, nomeadamente: retrospetiva do que foi dado, apresentação do tema a abordar, desenvolvimento das propostas de trabalho e autoavaliação:

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«(…) Vou dividindo a aula por diversos momentos em função do que quero explorar. Primeiro, a recuperação de tudo aquilo que foi dado até ao momento; Segundo, apresentação do tema, precedido de uma introdução que encaminha para o tema a abordar; Terceiro, exercícios de consolidação dos conhecimentos. O tempo é distribuído por estas fases». (E1) «(…) Normalmente, as minhas aulas têm quatro espaços: primeiro momento – chegada/apresentação, jogo de aquecimento; segundo momento – unidade didática; terceiro momento – jogo de futebol (atividade muito apreciada pelos alunos da turma A) e quarto momento – autoavaliação, conversação sobre a aula a nível de teoria da modalidade que estamos a dar e análise do comportamento». (E4) «(…) Gosto de começar por fazer o sumário. Faço-o sempre no princípio da aula. É um risco que se corre, porque às vezes não dá tempo para fazer tudo, é verdade. Mas eu gosto, porque os alunos gostam de sair logo que termina a aula. Tomo a frase que está no sumário para a introdução do tema. Começo por perguntar o que sabem sobre o assunto. Portanto, há um debate de ideias procurando sempre chegar ao que eles sabem. (…) Quando planifico as minhas aulas organizo-as primeiro com uma discussão, procuro ver que ideias os alunos já têm sobre o assunto, o que já conhecem, o que viram na televisão, o que têm em casa. Ou seja, abordo primeiro o tema com uma discussão. (…) Eles já sabem muita coisa, mas têm dificuldade em verbalizar. (…) Depois, há uma ilustração com um filme ou PowerPoint, apresento imagens e termino com a ficha de trabalho, que é uma conclusão, um complemento, um resumo das coisas e que vai ficar arquivado nos cadernos diários com a informação sobre o tema». (E6)

O conselho de turma procedeu igualmente à definição de uma estratégia educativa global descrita no PCT. As linhas orientadoras do trabalho pedagógico emergiram da avaliação diagnóstica realizada no início do projeto. São elas: privilegiar o ensino centrado no aluno, perspetivado como um construtor da sua aprendizagem; promover atividades interdisciplinares; impulsionar a aquisição de conhecimentos, abrindo pistas e dando ao aluno a oportunidade de descoberta; promover a realização de projetos; utilizar diferentes formas na apresentação da informação (oral, visual e demonstração); treinar competências de estudo, ensinar a estudar, a pensar e a resolver problemas; fomentar a participação e a cooperação dos alunos em atividades de grupo; contribuir para a formação integral dos alunos, através do desenvolvimento das suas capacidades e estimulando a sua autonomia e criatividade102. No âmbito da interdisciplinaridade de atitudes e atendendo às caraterísticas da turma, foram definidos alguns critérios de orientação e atuação pedagógica ao nível das relações interpessoais professor-aluno e aluno-aluno.

102

In PCT

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No domínio das relações professor-aluno, o conselho de turma reconheceu a importância do acompanhamento e atenção por parte do professor no cumprimento do RI pelos alunos, concretamente das regras de comportamento e disciplina na sala de aula; o respeito pelos toques de entrada e saída; o acompanhamento por parte do professor no cumprimento do estabelecido quanto a faltas de material e disciplinares; o entendimento das aprendizagens do aluno como um processo de reconstrução pessoal de cada uma das novas aprendizagens; a criação de um contexto de relações que possibilite a atividade interpessoal, na qual se inscreve a autoinstrução do aluno; uma formação integral (aquisição de capacidades cognitivas, psicomotoras, afetivas, e de inserção social) e em que as aprendizagens escolares sejam assimiladas e utilizadas na resolução de problemas. No relacionamento entre pares é defendida a promoção de relações de amizade, colaboração, respeito e cumprimento do RI. As avaliações periódicas realizadas permitiram o reajustamento e a adoção sempre que necessário de novas estratégias de atuação. O acompanhamento e avaliação do desenvolvimento do PCT realizaram-se no final de cada período de acordo com a auto e heteroavaliação dos alunos e dos professores, a partir das competências definidas e alcançadas. Consequência da avaliação ao projeto de PCA no final do seu primeiro ano de execução, foi proposta uma alteração pelo conselho de turma relativamente ao design curricular para o segundo ano de funcionamento do projeto. Previa-se a transferência de 90 minutos da área curricular de Expressões para a área curricular não disciplinar de Estudo Acompanhado. Esta decisão resultava da avaliação efetuada à estrutura curricular em vigor onde se verificou alguma inibição e a fraca adesão dos alunos às atividades promovidas na área das Expressões. Apesar das tentativas frequentes de motivação e envolvimento da turma, por parte dos docentes responsáveis pela lecionação desta área, os alunos não demonstraram motivação e empenho, com recusas permanentes de realização das tarefas, para além de que não se faziam acompanhar do material necessário e solicitado. Não foram adotados manuais escolares nem os respetivos livros de exercícios para cada uma das disciplinas do currículo, tendo-se optado pela utilização de fichas de trabalho adaptadas às necessidades e conhecimentos dos alunos103. 103

Os modelos mais tradicionais de ensino baseiam-se no manual como elemento configurador das programações e mediador das relações entre o professor e os alunos. Adequa-se a um ensino centrado em modelos de transmissão e fundamenta-se em conteúdos concetuais. Já a perspetiva construtivista da aprendizagem escolar vê o ensino como

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Na disciplina de Português foram utilizados textos elaborados e ilustrados pelos próprios alunos (Anexo E) e que depois eram utilizados para exercícios de vocabulário, narração, escrita, etc. De forma regular eram utilizados artigos de jornais e revistas. A adequação das atividades às necessidades dos alunos foi uma preocupação dos docentes, apesar dos constrangimentos decorrentes do comportamento inapropriado assumido por alguns alunos e as dificuldades de aprendizagem reveladas por outros. As questões disciplinares são muito importantes pela sua influência na organização social da cultura da turma. Decorrente dos comportamentos desviantes assumidos pelos alunos, essencialmente ligados à indisciplina e pela dimensão assumida dos problemas referidos, foi reconhecida a necessidade de intervir. Para o efeito foi proposta uma intervenção no âmbito das áreas curriculares não disciplinares Área de Projeto e Desenvolvimento Pessoal e Social, cujas competências, apresentadas anteriormente, visam o desenvolvimento e a promoção das regras básicas de convivência social. Simultaneamente foi proposta pelo conselho de turma a uniformização de critérios de atuação referente às regras da sala de aula, com destaque para as de natureza disciplinar.

potenciador de todas as capacidades da pessoa, implicando uma conceção de educação que tem em conta a diversidade dos alunos e em que a função docente consiste em colocar os desafios e prestar as ajudas adequadas às necessidades individuais dos alunos (Zabala, 2001).

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Capítulo VI – Resultados: as respostas às questões de investigação - a compreensão da cultura da turma de PCA 6.1 – Que representações têm os professores sobre o projeto de PCA? O trabalho de campo específico da etnografia que nos levou no papel de investigadora/observadora para o terreno permitir-nos-ia apreender a cultura do grupo – turma de PCA – e seus professores a partir “de dentro”. Por não ser possível captar esse mundo exclusivamente em situação formal de sala de aula (Sousa, 2007), decidimo-nos pela sua auscultação, através da observação participante em diversos contextos de intervenção, pela realização de entrevistas, de conversas informais e recolha de artefactos. Mas a captação da realidade assumiu a forma de perguntas de investigação, cujas respostas emergiram da informação recolhida, que haveria de possibilitar a construção e compreensão do fenómeno em estudo, na perspetiva dos participantes. O posicionamento adotado facilitou a descrição e um envolvimento a partir “de dentro”, e foi grande o esforço realizado de modo a neutralizar elementos e perspetivas de alguém exterior àquela realidade (investigadora) e que conformavam princípios de “um de fora”. Sendo a cultura o conhecimento que as pessoas utilizam para gerar novos conhecimentos e interpretar a sua experiência, procurámos aceder a toda a informação disponível sobre a turma e apreender os seus comportamentos e ideias para assim chegar ao conhecimento da cultura do grupo. Esta opção desencadeou uma interpretação a dois níveis: 1º - As experiências dos participantes foram descritas e interpretadas em torno dos elementos da cultura e respetivas relações sociais; 2º - Através das nossas experiências de investigadora, em que a descrição e interpretação dos fenómenos determinaram o aprofundamento de componentes da realidade estudada. A entrevista permitiu-nos aceder às emoções, sentimentos e representações dos professores da turma do projeto de PCA, mais concretamente às suas preocupações, frustrações, constrangimentos, anseios e motivações, aspetos que de outra forma não seriam atingíveis. Lográmos também com a participação de alguns alunos, seis no total, cujo envolvimento nas entrevistas nos permitiu aceder às suas imagens sobre o projeto, sobre a escola e a turma, bem como a relação estabelecida com a própria aprendizagem. Entrevistámos igualmente a presidente da escola, elemento-chave para a compreensão da dinâmica e funcionamento da instituição.

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Nesta fase de procura de respostas às questões de investigação e de compreensão da cultura da turma de PCA alvo deste estudo, apresentaremos de forma regular excertos das entrevistas realizadas aos participantes durante a investigação, ora precedidas de pequenas interpretações, outras vezes sucedidas de análises ao seu teor. Sempre que considerarmos pertinente ilustraremos as análises com extratos das aulas observadas, bem como com notas de campo recolhidas no decurso da investigação.

6.1.1 – Concetualização do PCA As perspetivas dos professores sobre o conceito de PCA são reveladoras de alguma convergência, pois a maioria considera que se trata de uma estratégia, uma alternativa curricular para os alunos que não se integram no sistema regular. A diretora de turma fala mesmo em estratégia da escola, uma solução para os alunos que “desestabilizam” as aulas, a turma e os outros alunos. Trata-se portanto de uma alternativa pensada pela escola para os alunos que não conseguem seguir um percurso regular e que revelam dificuldades de aprendizagem, de integração escolar e social. A analogia do PCA a uma ponte é apontada por um docente que entende este projeto como uma resposta alternativa oferecida aos alunos. Mas, conforme ressalva, o caminho só poderá ser percorrido pelos próprios. «(…) É um percurso, um caminho que se pretende que seja percorrido pelos alunos, evidentemente com o auxílio dos professores, que, neste tipo de projeto, se assemelham…a uma ponte». (E7)

Este projeto é também, segundo alguns professores da turma, uma resposta de sucesso para a conclusão da escolaridade obrigatória. «(…) para mim, é uma maneira de eles continuarem a frequentar a escolaridade obrigatória e com sucesso relativo conseguirem terminar, neste caso, o 2.º ciclo. (…) Se não fosse um PCA, muitos dos miúdos não conseguiam fazer o programa do regular». (E2)

É ainda uma oportunidade para os alunos com dificuldades que não encontram respostas adequadas aos seus problemas nas turmas regulares. «(…) aqui, neste projeto estão a tentar pelo menos obter uma escolaridade mínima». (E10) «(…) Foi para dar uma resposta ao tipo de alunos que foram surgindo com maior frequência. Eu acho que cada vez mais é necessário ter este tipo de turmas». (E5)

A imagem de currículo S.O.S. reforça o sentido de solução para quem não consegue cumprir um percurso regular, enfim, um meio de promoção do desenvolvimento. Todas as

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respostas dadas indicam a importância que os docentes atribuem ao PCA, destacando categoricamente inúmeros aspetos positivos deste projeto, documentados nesta análise. Positividade também corroborada pela presidente da escola, para quem o PCA é uma alternativa ao regular, criado à medida das necessidades dos alunos para que possam ter êxito: «(…)Pretende-se que os alunos tenham sucesso e que sigam o seu próprio percurso de vida. Que sejam capazes de construir de forma diferente dos outros o seu próprio percurso académico para depois se integrarem numa profissão e terem um futuro profissional como os demais, embora a outro nível». (PE)

As razões que sustentam a implementação de um PCA, e que se enquadram no Despacho Normativo n.º 1/2006, de 6 de Janeiro de 2006, decorreram da coexistência de dois fenómenos, conforme apontam os docentes envolvidos: o insucesso do sistema escolar e a heterogeneidade da população escolar. Tratou-se de uma solução para o problema do insucesso do sistema escolar. «(…) Este projeto nasceu na sequência de termos detetado que havia um problema ou lacuna nas turmas do regular, que tinham um número muito grande de alunos com retenções sucessivas e que, apesar da idade, ainda frequentavam o 5º ano de escolaridade». (E1)

Neste contexto, a taxa de repetência era elevada e, em consequência, o abandono escolar afigurava-se como a solução mais fácil para muitos. Como reconhece Macedo (1999) são muitas as situações em que os alunos preferem abandonar /desistir ao serem confrontados com o insucesso e as suas incapacidades. «(…) não tinham outras perspetivas de futuro e, se calhar, iam continuar a faltar e abandonar a escola com quinze anos sem o 2.º ciclo concluído». (E1) «(…) havia alunos que simplesmente desistiam da Escola. Não apareciam e o absentismo era muito grande». (E6)

Alguns iam ficando na escola, mas permaneciam pouco envolvidos, desmotivados, excluídos, num sistema distante da sua cultura de origem e que lhes era alheio. O desinteresse era visível pelo número de faltas e acumulação de repetências. Outros alunos destacavam-se pela negativa, adotando atitudes de indisciplina, transferindo para a escola códigos de sobrevivência do meio social duro e hostil em que viviam (Macedo, 1999). Os problemas de comportamento avolumavam-se e a pressão sobre a escola intensificava-se. Procuravam-se soluções alternativas de prevenção do insucesso e do

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abandono escolar. Era urgente motivá-los para a escola e sobretudo assegurar a conclusão da escolaridade obrigatória, conforme expresso nas palavras da professora E3: «(…) No fundo, acho que houve a necessidade de retirar esses alunos e tentar dar-lhes uma alternativa, de forma a agarrá-los à Escola de modo que conseguissem completar, pelo menos, o 9º ano, a escolaridade obrigatória. Foi a pensar sobretudo nesses alunos».

Foi assumida pela escola a necessidade de encontrar soluções para estes problemas, pelo que foram adotadas novas políticas de orientação a partir do PCE, no âmbito da gestão flexível do currículo, tendo em conta a comunidade escolar e o meio envolvente. A implementação de um PCA decorreu assim do reconhecimento da heterogeneidade da população escolar e enquadrou uma resposta à diversidade emergente que acentuou os problemas de integração na comunidade escolar e social: «(…) Cada vez mais, aparecem alunos heterogéneos e é difícil encontrar agora turmas muito hom*ogéneas. Esta necessidade dos PCA é a resposta a essa heterogeneidade». (E4)

Segundo o regulamento para a constituição, funcionamento e avaliação de turmas de PCA, estas turmas destinavam-se a grupos específicos de alunos até aos 15 anos de idade, inclusive, que se apresentavam em situação de insucesso escolar repetido, existência de problemas de integração na comunidade escolar, ameaça de risco de marginalização, de exclusão social ou abandono escolar e registo de dificuldades de aprendizagem, nomeadamente: forte desmotivação, elevado índice de abstenção, baixa autoestima e falta de expectativas relativamente à aprendizagem e ao futuro, bem como o desencontro entre a cultura escolar e a sua cultura de origem. Na prática, verificamos que preside à seleção dos alunos para as turmas de PCA um leque alargado de critérios. Apesar das linhas orientadoras do Despacho Normativo n.º 1/2006, guiarem as escolas, as situações selecionadas variam consoante a zona de inserção, o tecido social e a própria política interna da escola. Tratava-se de uma medida com enquadramento legislativo que, no âmbito do disposto no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 6/2001, atribuía competências às escolas no sentido de, no exercício da sua autonomia e no âmbito do respetivo projeto educativo, conceber, propor e gerir outras medidas específicas de diversificação da oferta curricular. Uma solução com vista à prevenção e diminuição do insucesso e abandono escolares, procurando ao mesmo tempo motivar os alunos para a escola e assegurar o cumprimento da escolaridade obrigatória. Neste sentido, o PCA,

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«(…) procura dar resposta aos alunos com muitas retenções, e cuja idade está desajustada a nível do ensino em que se encontram, configurando casos de exclusão social, de marginalização ou abandono escolar. Neste grupo, estão também alunos que apresentam grande falta de assiduidade e que têm algumas dificuldades de aprendizagem e necessidades educativas especiais». (E1)

Realçando a importância reconhecida ao PCA, uma das professoras entrevistadas entende que a não existência deste tipo de turmas configuraria uma situação mais gravosa em termos de abandono escolar. «(…) Julgo que se não tivéssemos estas turmas, se não tivéssemos estes projetos, os alunos abandonariam a Escola muito mais precocemente. (…) O objetivo dos PCA também passa por fazer com que ganhem algum gosto pela aprendizagem. Motivá-los para sentirem que é importante». (E4)

Numa perspetiva de transversalidade característica de qualquer proposta curricular, o PCA promove também a aquisição e desenvolvimento de competências sociais. «(…) Pretendemos facultar-lhes ferramentas e dar-lhes o melhor possível para que se integrem na sociedade e terem a sua vida normal, a sua profissão, constituírem família, não serem marginalizados…». (E1) «(…) Eles têm de aprender a estar em grupo, com a turma, a saber relacionar-se, ou mesmo falar com os colegas, e não estar constantemente a se agredirem, o que acontece verbalmente. É importante que os alunos aprendam na escola a comportar-se em sociedade. Saberem dizer obrigado, saber pedir por favor…». (E4)

A procura constante de sentido da proposta em análise levou-nos a indagar a sua recetividade junto dos professores da turma, que confirmaram a aceitação e valorização desta alternativa, apesar do reconhecimento da existência de perigos à volta deste tipo de projetos, sobretudo quando delineados numa perspetiva de empobrecimento dos objetivos e de conteúdos relativamente ao currículo-padrão e sem qualquer valorização positiva dos seus destinatários. Não obstante os riscos, na opinião destes, trata-se de uma proposta válida e importante que propicia a inclusão e a socialização e que lhes vai permitir dar uma resposta mais adequada às necessidades dos alunos, apresentando-se como uma oportunidade para alcançarem o sucesso. Em convergência total com os resultados publicados no Relatório de Avaliação – Estudo sobre o impacto das turmas com PCA no ensino básico promovido pela DGE e publicado recentemente, alguns professores apontam para uma maior exclusão dos alunos, quando estes integravam a turma regular, devido à discriminação e a diferença perante os outros. «(…) Acho importante, apesar de poderem contrapor depois, que há aqui, uma forma de não inclusão. Mas eles estão incluídos na Escola e a parte da socialização é importante». (E2)

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«(…) Esta proposta de PCA é válida e importante, porque estes miúdos têm dificuldades, vêm com dificuldades do 1.º ciclo. É importante porque se consegue trabalhar melhor, fazer um trabalho mais profundo e dar uma resposta mais adequada às necessidades dos alunos. (…)os objetivos são diferentes de um 5º ano regular, ou seja, são mais adequados às necessidades dos alunos. Aí, acho que é muito válido». (E4) «(…) estes alunos não encontram resposta no regular. A não ser que exista outra estrutura, mais virada para o profissional. O PCA acaba por ser importante para esta faixa etária ainda muito jovem. Aos treze anos os alunos não estão preparados para irem para uma oficina». (E8)

Perante a importância declarada deste tipo de projetos, defende-se a necessidade da sua continuidade no futuro. «(…) Sim, acho que deve ter continuidade, abrindo novos PCAs e continuando até ao 3.º ciclo». (E2) «(…) há alunos, como alguns que temos nesta turma de PCA, que não conseguem integrar uma turma regular. Por isso as turmas de PCAs têm que existir». (E5) «(…) Deve continuar apesar de não termos uma estrutura física adaptada de raiz». (E6) «(…)Este tipo de projeto tem de existir…». (E7) «(…) É fundamental que existam estes projetos, porque é difícil para os alunos estarem numa turma regular e ver que estão muito aquém daquilo que os outros colegas estão a fazer. Na turma de PCA estão todos em pé de igualdade». (E8) «(…) Acho que sim, desde que procurando mais espaços e melhorando algumas situações mais negativas que têm acontecido». (E9)

Continuidade, igualmente defendida pela presidente da escola: «Deverão continuar e vão ter tendência a aumentar, porque cada vez mais acontece ver alunos com interesses divergentes da Escola e com maiores dificuldades de integração. O projeto de 7º ano vai continuar no 8º. Os de 6º ano vão para o 7º e assim sucessivamente, porque até aos 15 anos não podem integrar um CEF. Portanto, temos de os manter na Escola, para evitar o tal abandono». (PE)

Depreende-se do testemunho dos docentes e da responsável pela escola a valorização da proposta de PCA, assumidamente encarada como um projeto determinante para o desenvolvimento e aquisição das aprendizagens destes alunos. Representa uma melhoria significativa da oferta disponibilizada, feita à medida das suas necessidades, havendo uma preocupação em adaptar o projeto. Conforme destaca a PE, a preocupação que norteia todo o trabalho é o sucesso do aluno no seu todo. «(…) Dentro do próprio projeto também há adaptações aos vários grupos de alunos. Por isso, separamos os alunos na Matemática e no Português. E acho que tudo isto é sempre em função do principal elemento que é o aluno». (PE)

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6.1.2 – A dinâmica das interações O comportamento dos alunos foi assinalado por todos os docentes como uma área problemática que criou, pelo menos inicialmente, sérios constrangimentos e dificuldades na relação pedagógica. Um historial de reprovações sucessivas, a rejeição e o desinvestimento crescentes pela escola e pela aprendizagem desencadearam nestes jovens imagens negativas de si e baixa autoestima. A adoção regular de comportamentos disruptivos e o estabelecimento de relações sociais desadequadas induziram sentimentos de insegurança nos docentes. «(…) No início, acho que os professores tiveram alguma dificuldade em se ajustar aos alunos, quer pelo comportamento, quer pelo nível de aquisições que eles traziam. Notava que não era uma relação muito fácil porque se sentiam inseguros. Não era por não gostarem dos miúdos, era por não estarem a conseguir transmitir aquilo que eles pretendiam». (E2) «(…) A nível de comportamento, no geral, no início estiveram instáveis, porque nós professores também andávamos instáveis.(…) No início do ano, há sempre aquele momento de estabelecimento de regras e que leva o seu tempo para a adaptação recíproca, podendo haver uma certa crispação. Com o passar do tempo, eles e nós já sabemos com que contar e a dinâmica torna-se mais leve. Noto que o final deste período, nada tem a ver com o final do primeiro período». (E3) «(…) O comportamento é outra área problemática desta turma, nomeadamente, nos casos do DL e do AL que até não é assíduo». (E6) «(…) há os comportamentos, as competências sociais, o saber aceitar uma ordem. É que há competências que deverão ser transversais e a Escola tem de ensiná-los a crescer. Não se pode substituir à família mas tem que se fazer alguma coisa». (E7)

Ao longo da observação participante conferimos que eram frequentes os problemas de comportamento o que dificultava o próprio relacionamento com os colegas da turma. Apresentamos um extrato de uma aula observada por nós e em que assistimos à adoção de comportamentos disruptivos em diversas fases da aula:

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Observação n.º 28

Data: 05-03-2010

Contexto: Aula de EVT Professores presentes: 2 Professores de EVT e Investigadora (PI) Descrição da situação/comportamentos

«Os alunos entram na sala e de forma ordeira, vão ocupando os seus lugares. O PA começa a aula falando de alguns comportamentos disruptivos adotados por alguns alunos no dia anterior. Depois fala da sua experiência de vida, das regras que sempre existirão na vida em sociedade. Regista-se um incidente com uma das alunas que “explode” ou reage com muita agressividade perante as provocações dos colegas. A PTD chama a atenção e pede-lhe que seja mais simpática com os colegas. (…) O DL interrompe a aula e a docente tenta negociar com o aluno um espaço de diálogo e partilha para o final da aula. A 15 minutos do final da aula o PA manda arrumar a sala. A JC pergunta: - Já é para arrumar? Enquanto a sala é arrumada, a PTD faz algumas recomendações acerca do compasso que deverão trazer para a aula no próximo dia. O PA distribui uma ficha de avaliação por todos os alunos. A JC chama-o e diz que não sabe ler. O docente ajuda-a de forma bastante rápida. A JC vai assinalando a avaliação que acha merecida e mostra-a à PI. Todos os alunos entregam a ficha de avaliação depois de preenchida. A PTD pede que se sentem pois quer definir o TPC. O DL envolve-se num pequeno conflito com duas colegas. Pega numa vassoura para intimidar as colegas, mas a PTD, que está atenta, corrige o seu comportamento. O aluno responde: - Mas profª, eu estou a varrer. O PA pergunta-lhe ainda: - DL como é que vai a tua vida lá na instituição onde vives? O DL responde que vai bem e aproxima-se do professor que está ao fundo da sala. Repentinamente, o aluno envolve-se numa troca de palavras com uma das colegas. Esta ameaça-o e gera-se um episódio de alguma agressividade, em que o DL agride a colega. A colega cai desprotegida no chão. O PA aproxima-se e impede a continuidade da agressão. Segura no aluno e convida-o a sair da sala. O aluno sai, mas mantém-se do lado de fora da porta a proferir ameaças. A PI aproxima-se da aluna e ajuda-a a recompor-se. Entretanto, a PTD pede aos alunos que saiam pois a aula já terminou. Estabelece-se um diálogo muito construtivo entre a PI, PTD e a aluna, em que se tenta “desmontar” toda aquela situação conflituosa, levando a aluna a perceber que a sua atitude de permanente agressividade, ameaça e provocação, desencadeia comportamentos inapropriados».

A imaturidade foi referida por alguns docentes como a causa de alguns comportamentos desadequados.

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«(…) O comportamento depende de alguns elementos. Mas é muito complicado, porque eles são sobretudo muito infantis. Não é uma questão de insolência, nem sequer de má educação, é mesmo infantilidade». (E10)

Não obstante as dificuldades iniciais, registou-se uma boa evolução na relação pedagógica estabelecida. Algum tempo depois a interação criada no contexto pedagógico entre professor e alunos foi considerada pela maioria dos docentes como muito próxima dos alunos. Manifestaram uma grande satisfação pelo que designaram de boa relação. «(…) Acho que é um bom relacionamento, positivo, mais do que o normal, porque somos menos, ou seja, somos mais professores na sala e menos alunos, o que permite mais contacto durante a aula. Há mais momentos em que o professor está com o aluno, naquela aula». (E1) «(…) Duma maneira geral, acho que o relacionamento é bom. Testemunho até muitas manifestações de carinho. Os alunos procuram-nos, quando passamos por eles, vêm até nós…». (E4) «(…) Mas a maioria, está a funcionar bem. Há uma partilha de experiências, de conhecimentos e de curiosidades. E vamos trocando materiais e experiências». (E5) «(…) Na turma A, considero que é excelente». (E9)

Quando pedimos aos professores que classificassem as relações pessoais e a interação estabelecida entre os alunos da turma e da escola fomos confrontados com uma diversidade de opiniões. No domínio das interações estabelecidas com os colegas da turma, três docentes destacaram a existência de um bom relacionamento. «(…) de uma maneira geral o relacionamento é bom. Há um aluno muito responsável dentro da sala de aula, que chama a atenção dos outros e diz mesmo: Já chega. Vê lá o que estás a fazer». (E5)

Outras referências caraterizaram o relacionamento dos alunos de razoável/estável, apesar de assinalarem alguma conflitualidade/agressividade. «(…) É razoável, mas visto de fora cheira a agressividade. Contudo, dá a impressão que para eles é perfeitamente normal, é a maneira que têm para interagir uns com os outros». (E7) «(…) Não se nota grande agressividade, não são alunos agressivos. Há sempre aquela “boca” normal, mas isso há em todas as turmas e esta não é diferente neste ponto. Até nós brincamos com certas “bocas” e eu penso que o relacionamento é bom». (E8)

Dando continuidade à análise, foram descritos alguns episódios de crispação, casos pontuais, sobretudo quando em presença de alguns alunos mais problemáticos que adotavam comportamentos de provocação desencadeando alguns conflitos, conforme se pode depreender da opinião de uma das docentes.

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«(…) Entre eles agridem-se mais. Mas não quer dizer que não sejam amigos. É a forma de falar ou de expressar sentimentos que é desastrosa». (E6)

Quanto ao relacionamento com os colegas da escola, a maioria dos professores consideraram positivo, pois estes jovens que integram a proposta de PCA são bem aceites por todos. «(…) Nesta escola, noto que os alunos se sentem completamente integrados e são aceites pelos colegas e por todos». (E3) «(…) Estão completamente integrados. O que vejo nos corredores é que há interação com os outros colegas». (E4) «(…) Não se sente discriminação, pelo contrário, são bem vistos. Como são grandes e mais adultos, vemo-los mais com os de 3.º ciclo do que com os colegas do próprio ciclo a que pertencem. Não os vejo menos integrados na Escola que os outros». (E8) «(…) não sinto que sejam discriminados por pertencerem a uma turma de PCA. Entre si, na turma, eles provocam-se, mas isso é normal. Estão bem integrados». (E10)

Todavia, apesar de bem aceites pelos seus pares da escola, ocorreram pontualmente algumas quezílias comuns entre jovens destas idades. Para os professores, a aceitação e o bom relacionamento entre todos deveu-se ao bom ambiente escolar e à cultura da escola de aceitação da diferença. «(…) Por vezes, almoço na nossa escola e noto que para o nosso tipo de alunos até temos um bom ambiente. Claro que há casos pontuais de agressões, mas não passam de brigas entre miúdos. (…) Acho que os nossos alunos dos PCA estão integrados e são aceites por todos. Têm já um círculo de amigos». (E6)

Numa alusão aos benefícios da inclusão para todos, um dos entrevistados afirmou: «(…)se este tipo de inclusão servir para que os miúdos consigam desenvolver um pouco mais algumas competências, por via do contacto com miúdos ditos normais, ou então pelo simples facto de cá estarem ajudar os outros a aceitarem a diferença, há uma simbiose, uma partilha, o que é benéfico para os dois lados». (E7)

6.1.3 – As expetativas A generalidade dos docentes da turma conserva perspetivas positivas, pelo menos em relação a alguns alunos. Esperam mesmo que venham a ter uma vida equilibrada, normal e que consigam entrar no mercado de trabalho através das experiências pré-profissionais.

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Desejam que sejam autónomos, que saibam orientar-se sozinhos na sociedade. A aquisição dessa autonomia é fundamental para estes alunos, como destacou a professora de Matemática. «(…) o meu desejo é que, pelo menos, saiam daqui e consigam, na vida prática, “desenvencilhar-se”, ir a um supermercado e fazer as compras, viver o dia-a-dia de uma forma autónoma. Isso é que é o importante». (E3)

Dois professores manifestaram a crença de que os alunos concluirão a escolaridade obrigatória e conseguirão integrar um CEF. As expetativas são portanto favoráveis, persistindo todavia algumas preocupações quanto ao sucesso do CEF, devido à pressão e a exigência de conhecimentos impostos. Quanto às competências essenciais para o desempenho de uma profissão, parece não haver dúvidas que estes alunos serão bons profissionais. «(…) Penso que alguns vão adquirir ferramentas para sobreviverem no futuro. Em especial na turma A, julgo que 90% dos alunos conseguirão obter formação para integrar uma vida profissional no futuro». (E8)

Apesar das convicções favoráveis em relação ao futuro, permanecem algumas dúvidas e incertezas sobretudo em relação ao grupo com maiores dificuldades de aprendizagem. «(…)sabemos perfeitamente que estes alunos, acabando o 6º ano enquanto alunos da Educação Especial, ou os conseguimos integrar numa escola profissional, o que é muito difícil, ou como não conseguem entrar num CEF, porque não conseguem fazer a prova de ingresso, (…) não sabemos muito bem o que é que lhes vai acontecer. (…) Eu espero e desejo o melhor para eles, mas a frio sei que não vão conseguir». (E2) «(…) Tenho receio que como já são, alunos mais velhos, que não consigam. O facto de serem oriundos de famílias um pouco desestruturadas potencia o abandono da escola». (E4) «(…) Há um grupo com grandes dificuldades que me preocupa. Não vejo perspetivas muito boas, porque tenho a sensação que não têm muita responsabilidade…». (E5) «(…) Não sei se quem lhes vai dar oportunidade de trabalho será alguém com consciência para respeitar o espaço e o ritmo de cada um deles. Se não estiverem ligados a uma instituição com emprego protegido, vai ser muito complicado estes alunos ingressarem no mercado de trabalho». (E7) «(…) Tendo em conta as suas atitudes, realmente não tenho grandes expectativas. Eles próprios não investem. Encontro frequentemente uma atitude de desistência e é isso que me assusta. (…) Não sei o que vai ser o seu futuro. (….) Falta-lhes o apoio para além da Escola». (E10)

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Em síntese, a generalidade dos docentes define o PCA como uma oferta educativa disponibilizada pela escola para os alunos que não conseguem seguir um percurso regular. As dificuldades de aprendizagem, de integração na escola e na sociedade desencadearam a necessidade de se promoverem alternativas adequadas às necessidades dos alunos. Segundo os docentes, o PCA é um projeto válido, uma resposta de sucesso para a conclusão da escolaridade obrigatória e um meio de promoção do desenvolvimento. As evidências apontam para o reconhecimento da importância do projeto por parte dos docentes da turma e alunos. Na mesma direção apontam ainda as perspetivas da presidente da escola, cujas opiniões, pela importância assumida, não poderíamos deixar de considerar e apresentar. Os alunos, público-alvo do projeto em análise, foram igualmente auscultados.

6.1.4 – Imagens da escola, da turma e do PCA: o ponto de vista dos alunos Que imagens têm os alunos da escola e da turma? O que nos dizem essas representações da relação que estabelecem com a aprendizagem? Porque vão à escola? Que significados atribuem ao projeto de PCA? Para responder a estas questões solicitámos a alguns alunos a colaboração para a realização de uma entrevista.

6.1.4.1 – Representações da escola e da turma As respostas dadas indiciam que estes alunos têm da escola imagens muito positivas. É um lugar de vivências afetivas. A generalidade dos alunos destacou o facto de gostar da escola, gostar de tudo, dos colegas, dos professores, das aulas, da turma, do horário, de aprender e das matérias. «(…) As aulas também são diferentes». (A1) «(…) Gosto muito de andar nesta escola. (…) O que mais gosto é de aprender». (A2) «(…) Gosto de tudo. Os amigos, a diretora, os professores e as funcionárias». (A3) «(…) Agrada-me muito a turma onde estou, os colegas, o horário que tenho, que é muito bom. Tenho aulas só durante a manhã». (A5)

Estas verbalizações traçam uma imagem de escola enquanto espaço de socialização, aprendizagem e convívio. A escola é também um lugar agradável onde os alunos se sentem bem, gostam de estar e onde têm amigos.

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«(…) Sinto-me bem nesta escola». (A4) «(…) é uma escola agradável. Gosto de estar nesta escola. Tenho amigos que também já estão aqui». (A6)

Para outros, a instituição escolar é um local onde se sentem compreendidos e seguros. «(…) tenho amigos e os professores são espetaculares (…) Os professores têm paciência. Quando não queremos fazer alguma coisa, eles vão sempre insistindo connosco até que acabamos por fazer. Eu gosto disso. (…) Os professores têm muita calma, são amigos». (A1)

Quanto às representações dos alunos acerca da turma de PCA, apesar da diversidade das respostas, foi possível agrupá-las em dois polos distintos: experiências positivas e experiências negativas. No primeiro caso, a maioria dos alunos destacou o quanto gostavam da turma. «Estou muito feliz por estar nesta turma». (A1)

Apontaram diversas razões para esta empatia, nomeadamente o facto de se sentirem bem na turma, de funcionarem e trabalharem muito bem em grupo e de serem unidos. Esta unidade assumida promove a coesão e favorece a interação, aspetos fundamentais à regulação da vida da turma, que possibilitam aprendizagens sociais importantes. «(…) Gosto da turma. É muito bom e trabalhamos bem. Fazemos bons trabalhos e em grupo. Somos uma turma unida. (…) É uma turma diferente das outras. É uma turma especial e é muito melhor para aprendermos». (A6) «(…) Gosto muito. Esta turma funciona como se fosse uma família, estou muito bem aqui…». (A1)

Para além de considerarem a turma como um bom local de aprendizagem, a generalidade dos alunos destacou o sentimento de bem-estar, decorrente da presença de amigos na turma e pelos bons professores que a integram. Um dos alunos admitiu mesmo que a turma de PCA é a razão da sua permanência na escola. «(…) Se não existisse a turma de PCA, não vinha para a escola. Ficava em casa, porque não tinha paciência para estar noutra turma. (…) Gosto muito mesmo. Estou muito satisfeito pelo facto de pertencer a esta turma. Estou muito satisfeito, não há nada de que goste menos». (A5) «(…) Sinto-me bem nesta turma e ninguém goza, todos são iguais, apesar das nossas diferenças.(…) Os professores explicam bem». (A2) «(…) Os professores são bonzinhos, ajudam-nos e ensinam muita coisa. (…) Também tenho amigos nesta turma que me ajudam quando tenho dificuldades. (A3)

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«(…) Gosto muito de estar nesta turma de PCA, porque tenho amigos. No dia-a-dia os colegas são bons amigos. (…) Se não estivesse nesta turma não ia conseguir acompanhar as matérias, não tinha evoluído tanto. Estaria triste». (A4)

Pelo registo da expressão dos alunos, constatamos que a maioria tem uma opinião muito positiva da turma e do projeto de PCA. Reconheceram que evoluíram nas aprendizagens, melhoraram comportamentos e aperfeiçoaram a sua relação com a escola. Contudo, e apesar da ênfase nos aspetos positivos e na evolução registada, alguns alunos admitiram também a existência de alguns problemas de natureza comportamental enquadrados nesta descrição por experiências negativas. São situações que se prendem sobretudo com o mau comportamento adotado por alguns alunos. «( …) Não gosto do comportamento de alguns colegas, porque se portam mal…têm os seus feitios». (A2) «(…) Não gosto do comportamento de alguns alunos, da forma como falam com os professores. Às vezes andam enervados e faltam ao respeito aos professores. (…) Nesta turma alguns alunos portamse mal». (A3) «(…) Não gosto das birras de alguns alunos que reclamam muito e estão sempre a dizer mal das coisas, especialmente um». (A4)

Estes problemas de natureza comportamental configuram a causa de alguma insatisfação em relação à escola, manifestada por alguns estudantes. No global, as afirmações expressas pelos alunos e aqui documentadas indiciam um vínculo bastante positivo com a instituição escolar, resultante das experiências favoráveis da participação e envolvimento no projeto de PCA. Perante convicções e crenças tão profundas acerca da importância do projeto em análise, questionámos os alunos acerca das razões de estarem a frequentar um PCA. Todos, sem exceção, apresentaram como principal razão as dificuldades de aprendizagem que marcaram todo o seu percurso escolar. «(…) Eu não sabia muitas coisas. Tinha dificuldades na escrita e na leitura e também aprendia duma forma mais lenta. (…) Sim, é verdade, tinha dificuldades. Porque tenho dificuldades de aprendizagem». (A1) «(…) Não conseguia perceber, nem aprender Matemática (…) tinha algumas dificuldades». (A2) «(…) Estou nesta turma porque tinha dificuldades…». (A3) «(…) A professora da escola onde andava propôs que viesse para esta turma. Perguntou-me se concordava e eu disse que sim. A minha mãe também assinou. É que eu tinha muitas dificuldades

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sobretudo no Português». É melhor para mim, estar aqui nesta turma, porque consigo acompanhar a matéria». (A4)

Uma das alunas admitiu mesmo que não tinha aptidão para frequentar uma turma regular. «(…) Não tenho capacidade para estar numa turma regular. Não ia conseguir aprender como aprendo nesta turma de PCA». (A5)

Outro estudante destacou que, por aprender de maneira diferente, foi benéfico ser aluno desta turma. «(…) É que nós aprendemos duma maneira diferente. Somos diferentes dos outros alunos, por isso é muito bom estar aqui nesta turma. Vim da Escola EB1 dos Louros - Currículos Diferenciados diretamente para esta turma. É uma boa turma». (A6)

Os problemas emocionais foram também destacados por uma das alunas que atribuiu à perda do pai o despoletar de um bloqueio emocional que acabaria por originar retenções sucessivas e acentuadas dificuldades emocionais e de aprendizagem. «(…) Quando o meu pai morreu …fiquei muito triste, andava pelos cantinhos a chorar. Então a mãe levou-me para casa e deixei de frequentar a escola. (…) Mas, no ano seguinte, regressei, fiz o 1º e 2º ano e a partir do 3º comecei a chumbar». (A2)

6.1.4.2 – Apreciação sobre o PCA O discurso dos estudantes deixa claro a importância que atribuem ao projeto, com referências sucessivas a fatores de valorização e reconhecimento da proposta de PCA. Elogios rasgados acerca de um projeto que junto desta população estudantil recolhe grande simpatia e interesse, indicativo de uma melhoria na relação com a própria aprendizagem. Em consequência, as imagens da escola e da própria turma são agora verdadeiramente muito positivas, contrapondo-se a representações menos abonatórias do passado, de uma escola que não tinha significado e que não respondia às suas necessidades. Um dos alunos descreveu uma turma e escola diferentes onde sentiu muita alegria. «(…) De manhã, quando acordo, venho contente para as aulas. (…) Na outra escola tive três retenções. Mas quando vim para esta escola as coisas melhoraram. Sinto diferença. É melhor estar nesta turma, tenho mais ajuda. Nesta escola, temos sempre alguém a ajudar, ou são os professores ou os colegas». (A1) «(…) É uma turma calma, é mais pequena e organizada». (A4)

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Registou-se uma melhoria dos resultados escolares, facto reconhecido pelos alunos. Destacaram que na turma de PCA deixaram de ter receio de reprovar o ano, aprenderam mais e tiveram mais sucesso, pois conseguiram acompanhar a matéria. Assinalaram as experiências de utilização da colaboração e do trabalho de pesquisa como estratégias muito importantes que promoveram o seu sucesso. Nesta turma havia sempre alguém a ajudar, professores ou colegas. «(…) Sinto diferença. Nesta turma aprendo, mais…as professoras ensinam devagar e, quando preciso de ajuda, elas ajudam-me». (A3) «(…) É muito melhor. Quando me engano os professores orientam e ajudam. Tenho mais sucesso nesta turma e quero continuar aqui». (A4) «(…) Nesta turma tenho sucesso». (A5) «(…) na turma de PCA aprendemos mais devagarinho. Mas aprende-se bem. (…) A turma de PCA é muito melhor do que a turma regular». (A6)

Uma das alunas fez referência às diferenças na avaliação, considerando-a mais fácil e mais acessível. A apreciação positiva sobre o PCA estendeu-se às disciplinas e respetivos conteúdos, agora do agrado de todos os alunos que os consideraram bastante acessíveis. Registaram-se melhorias nos índices motivacionais e na autoestima reconhecidas pelos próprios alunos. Estes progressos alcançados convergem para outros resultados de investigação já publicados (Johnson & Johnson, 1999) cujas evidências apontam para a existência de correlações positivas da cooperação com a autoestima.

6.1.4.3 – Relações pessoais com colegas e professores A realidade com que nos deparámos no início do trabalho de campo, em termos de comportamento adotado pelos alunos, é claramente divergente da situação do momento em que foram entrevistados alguns alunos da turma de PCA (18 meses depois do início do projeto). O acompanhamento sistemático da turma durante um ano letivo deixou algumas evidências de melhorias progressivas que foram ocorrendo neste domínio. Na altura, registámos episódios ocorridos e que integram as observações de aulas então realizadas. Muitas vezes o relacionamento interpessoal manifestado pelos alunos era conflituoso, expressão da dificuldade de interiorização das regras de conduta compatíveis com o bom funcionamento da sala de aula, situação que foi melhorando, no entanto, de forma gradual.

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O registo seguinte documenta uma ocorrência negativa em termos comportamentais ocorrida numa aula que acompanhámos:

Observação n.º 57

Data: 10-05-2010

Contexto: Aula de História Professores presentes: História (PTD), Educação Física (PA) e Investigadora (PI) Descrição da situação/comportamentos

« (…) O DL conversa com o colega do lado, a PTD pede-lhe atenção. Tira uma folha de papel e começa a pintar um desenho com guaches. Enquanto pinta fala alto, os colegas distraem-se e olham para o DL. O PA acompanha-o de perto e interpela-o a colocar menos tinta, porque está a gastá-la desnecessariamente. O aluno responde que não faz mal, pois as tintas são suas. O DL continua a perturbar a aula. A PTD adverte-o dizendo: - Se continuares assim vais ter que sair da aula. O aluno responde: - Mas eu só estou a desenhar e eles é que estão a rir, que culpa tenho eu? Um dos colegas observa: - Ele está é a pintar a mesa. A PTD diz-lhe: - Acaba já com isso pois não estás na aula de EVT. Vai buscar um pano para limpares a mesa. (…) O DL regressa à sala depois de ter sido obrigado por um dos professores do Conselho Executivo a limpar a parede do corredor que tinha sujado. Continua a perturbar a aula uma vez mais e a PTD convida-o a sair. O aluno pede desculpa, mas logo volta a adotar o mesmo comportamento disruptivo. A professora, que está aborrecida com toda a situação, sai da sala. O aluno levanta-se e dirige-se à porta, mas antes pega no comando e tenta desligar o quadro interativo. O PA impede-o de o fazer e o aluno sai da sala, perante a gargalhada de toda a turma. O PA aproveita e fala aos alunos do comportamento deplorável do colega e reforça que aquele aluno é um mau exemplo para todos».

Quando convidados a comentar a natureza das interações estabelecidas com os colegas, os alunos envolvidos tipificaram essa relação de normal, destacando também o facto de gostarem da generalidade dos colegas e de serem bons amigos, apesar das diferenças. «(…) Com os outros colegas tenho uma relação normal». (A1) «(…) Para mim são todos iguais, gosto de todos». (A2)

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«(…) Gosto de todos os colegas, mas há um que é especial. É o RT, que é muito direitinho e muito certinho». (A3) «(…) Gosto, tenho bons amigos». (A4) «(…) Gosto deles, são bons colegas. O meu colega preferido é o RT». (A5) «(…) Alguns são diferentes, mas gosto muito dos meus colegas de turma. Dou-me bem com todos». (A6)

Apenas um estudante mencionou uma experiência mais conflituosa com um dos colegas. «(…) Gosto, só há um que me irrita bastante… Está sempre a olhar para mim e não gosto de pessoas que estão sempre a olhar para mim». (A1)

Já no que concerne ao relacionamento com os professores, a maioria dos alunos admite a existência de um bom relacionamento pessoal. Identificam mesmo inúmeras qualidades, tais como o saber ouvir, o conversar, a prontidão na ajuda disponibilizada, o carinho, a amizade, a compreensão, a simpatia, etc., qualidades presentes na maioria dos docentes. Na opinião deste grupo de alunos, os professores dos PCAs dão mais atenção aos alunos que os professores do regular. «(…) O que mais gosto é do apoio que os professores dão. Quando temos problemas os professores ouvem-nos. (…) Os professores são muito melhores, conversam connosco, ajudam-nos mais, dão carinho. Eu gosto de carinho, toda a gente gosta. (…) É tudo mais fácil do que na outra escola. Os professores explicam muito bem e são muito amigos». (A1)

Estes alunos destacaram nos professores alguns atributos humanos considerados essenciais e facilitadores da interação estabelecida. As qualidades mais apreciadas pelos alunos assumiram os seguintes adjetivos: divertido, brincalhão, amigo e bom explicador. Centremo-nos em alguns testemunhos: «(…) Gostamos muito dos professores e eles ensinam-nos bem. Respeitam o ritmo dos alunos, porque nós não aprendemos muito rápido. Por isso, têm de andar mais devagar. (…) Gosto dos professores, porque se preocupam connosco quando estamos mal. (…) Preocupam-se com tudo, com a nossa alimentação, aprendizagem e ajudam-nos quando precisamos. (…) Os professores brigam às vezes mas por coisas certas, têm razão. Os professores gostam de mim e preocupam-se comigo». (A2)

O respeito pelo ritmo de cada aluno é particularmente reconhecido e valorizado pelo grupo que considera ser muito benéfico para a aquisição das aprendizagens. Estabelecem mesmo comparações com a turma regular anteriormente frequentada, assinalando grandes diferenças.

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«(…) Os professores dão as matérias devagar, vão com calma e isso é uma ajuda. Numa turma regular já não é assim. Os professores andam mais depressa porque os alunos sabem tudo». (A3) «(…) Percebem melhor a situação dos alunos. Nas aulas ajudam-nos muito a compreender as matérias. (…) Na turma de PCA, os professores são cuidadosos e repetem as matérias por causa dos alunos que não conseguem acompanhar muito bem. Os professores também são excecionais, pois compreendem a nossa situação». (A5) «(…) Trabalha-se mais aqui na turma de PCA. Os professores explicam melhor para nós percebermos… Os professores da nossa turma são mansos». (A6)

Para os alunos da turma, o PCA representa um ajustamento ao seu percurso escolar, uma adaptação aos seus estilos de aprendizagem e por isso uma mudança que passa pela supressão de experiências de insucesso. Pela possibilidade de conclusão e até alargamento da escolaridade obrigatória e posterior qualificação profissional, esta alternativa vai permitir uma abertura a novos horizontes, a construção de um projeto de vida.

6.1.4.4 – O futuro: confidências e expetativas Já no segundo ano de integração na turma de PCA, aquando da realização das entrevistas aos alunos, tentámos perceber o impacto que a frequência durante 18 meses de um projeto desta natureza teve nos projetos de vida destes jovens. As evidências apontaram para alterações substanciais relativamente às aprendizagens, agora mais significativas, o suficiente e necessário para a viragem, a mudança das suas trajetórias escolares, emergindo assim uma nova perspetiva de futuro… Quando lhes perguntámos o que gostariam de fazer no futuro, a totalidade dos alunos asseguraram que queriam continuar a estudar, continuar na escola. Esta perspetiva não deixa de ser curiosa pois, no início da projeto, era evidente a grande desmotivação e uma falta de interesse pela escola. Um ano e meio após a integração no projeto as expetativas destes jovens face ao futuro modificaram-se. Os testemunhos recolhidos durante as entrevistas documentaram já um interesse pela escola, que era inexistente anteriormente. «(…) Eu quero continuar a estudar, porque gosto de estudar. Não quero trabalhar, não gosto. (…) A mãe quer que eu arranje um trabalho. Quero continuar nesta escola». (A1) «(…) Sim quero continuar, aqui ou noutra escola». (A2) «(…) Sim, se for possível, quero continuar a estudar até ao 7º ano, nesta escola, mas numa turma de PCA». (A3)

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Para além da vontade expressa de concluir o 2.º ciclo, os alunos exteriorizaram uma motivação para prosseguir os seus estudos, fazer um CEF, o que configura já uma preocupação com a formação, componente fundamental de preparação para o futuro. Alteraram-se portanto as expetativas em relação ao futuro. «(…) gostaria de fazer um CEF para poder ir trabalhar. Eu tenho amigos nessa turma de CEF». (A4) «(…) Quero fazer um curso, um CEF, para ficar com o 7º, 8º e 9º ano, como o RT. A escola tem um CEF de Bar e Mesa e gostaria de fazer esse curso». (A5) «(…) Gostaria de fazer um curso de Bar e Mesa (…) Porque sei que é bom e depois já tenho idade para trabalhar e assim organizar a minha vida. (…) Este curso vai preparar-me para o futuro. Penso que vai ajudar-me imenso e é isso que eu quero e preciso. Vai preparar-me para que, futuramente possa exercer uma profissão». (A6)

Está claro nas palavras destes estudantes que o futuro passa agora pela escola, instituição que lhes pode facultar a preparação necessária para o exercício de uma profissão. Como qualquer jovem da sua idade expressaram desejos e vontades alicerçados nos seus gostos pessoais. «(…) Gostaria de ter uma profissão que desse para ganhar muito dinheiro. Quero ter uma casa». (A1) «(…) No futuro tenho de trabalhar. É essa a minha vida. Gostaria de ser manequim. E há pessoas que dizem que sou fotogénica. Quando participei nos desfiles de moda disseram-me que talvez teria sucesso. (…) Ou talvez seja cabeleireira. Como sou muito vaidosa e gosto de me arranjar, penso que poderia ser manequim ou cabeleireira. Quando era pequena e ia ao cabeleireiro com a minha mãe ajudava as cabeleireiras a limpar as escovas. (…) Também gosto de trabalhar com os idosos. Às vezes vou com a minha avó ao centro de dia e gosto de passear com as pessoas idosas». (A2) «(…) No futuro gostaria de ser jardineiro como o meu pai». (A3) «(…) Gostava de ter uma profissão que desse para desenhar. Não sei o quê, mas queria ganhar dinheiro. Penso em emigrar para fora, para Espanha. Sempre sonhei ir para a Espanha e ter uma vida nova lá. É tão bonito, já vi na televisão. (…) Sim, quero trabalhar, ter uma profissão e ganhar dinheiro». (A4) «(…) Em princípio, gostaria de trabalhar num bar a servir as pessoas». (A5) «(…) Se não conseguir fazer o curso, também já pensei em ser jogador de futebol ou trabalhar na construção civil. Eu tenho um colega que está a fazer esse curso e diz que é muito bom. Aprendemos muitas coisas. Estou muito interessado nesse curso. (…) No futuro também gostaria de ter uma casa. (…) e também ter as minhas coisas pessoais. Tirar carta de condução e trabalhar. Quero seguir a minha vida». (A6)

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Relativamente às representações acerca da preparação recebida na escola, todos os alunos manifestaram uma grande satisfação pelos conhecimentos obtidos e reconheceram a sua importância para o futuro. «(…) Aqui aprendemos muitas coisas». (A1) «(…) Aprendo muitas coisas importantes para o meu futuro. Vou continuar a estudar até onde conseguir». (A2) «(…) Sim, prepara. Nós agora temos uma pequena horta e faço muitas coisas, estou a aprender bem. Já é uma preparação». (A3) «(…) Sim, prepara». (A4) «(…) Penso que sim. Acho que nos prepara bem». (A5) «(…) Esta turma de PCA é muito importante para mim. Aqui estou bem e sinto-me feliz. Se não fosse o PCA eu não estaria na escola. Já tinha saído da escola há muito tempo. Nesta turma aprendemos bem e devagar». (A6)

Da conversação mantida com estes estudantes sobre o seu futuro, identificámos expetativas bastante positivas e um grande otimismo, cruciais para alcançarem o sucesso. A generalidade dos alunos declarou gostar de pertencer à turma de PCA, integração muito válida e vantajosa pela preparação auferida, pela possibilidade de integração plena na escola e pela preparação para o futuro proporcionada. Manifestaram um grande desejo de concluir o 2.º ciclo para prosseguirem os estudos.

6.1.5 – Eficácia e sucesso do PCA Emergem do discurso dos docentes conceções de eficácia e sucesso do PCA, enquanto projeto potenciador do desenvolvimento dos alunos e da evolução das suas aprendizagens. Sobressaem igualmente convicções profundas acerca dos efeitos positivos do PCA na diminuição do insucesso e abandono escolar. É assumida a importância da promoção do desenvolvimento e a aquisição de conhecimentos que vão permitir aos alunos enfrentar o mundo do trabalho. Pelo que se enfatiza a aquisição de competências úteis para a vida, em detrimento de outros conteúdos disciplinares. «(…) Eu acho que o fundamental é trabalharmos coisas que sejam proveitosas, que eles vão sentir necessidade de fazer». (E2)

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O PCA é, para a generalidade dos docentes, a resposta mais eficaz e adequada às necessidades dos alunos. «(…) Para este tipo de alunos a proposta de PCA é o melhor que se pode fazer por eles. Neste momento, é». (E6) «(…) Uma resposta alternativa é sempre uma forma diferente de abordagem e poderá eventualmente ser uma boa resposta e adequada, sendo que é uma alternativa e parte-se do princípio de que a norma não seria a melhor resposta. Parte-se para uma alternativa quando a norma não responde eficazmente». (E7) «(…) Para alguns o PCA é uma boa alternativa, uma vez que a adaptação feita ao currículo proposto leva o aluno ao sucesso, o que seria inatingível numa proposta regular». (E10)

Apontam o acompanhamento individualizado, a adequação do currículo e a simplificação das propostas como estratégias potenciadoras da evolução registada e do progresso alcançado. «(...) Ao serem trabalhados nas dificuldades que têm, de um modo mais direto, mais individual, estamos a dar a possibilidade de os alunos evoluírem um pouco mais». (E5) «(…) Basicamente é a possibilidade de adequação dos currículos, a possibilidade de gerir o currículo, sem a pressão do cumprimento obrigatório do programa. É, sem dúvida, uma vantagem muito grande, uma mais-valia. A grande virtude do PCA reside na flexibilidade. Consegue-se fazer um trabalho mais profundo e dar uma resposta mais adequada às necessidades dos alunos». (E4) «(…) através da adequação do currículo e da simplificação das propostas consegue-se que a proposta de PCA promova o desenvolvimento dos alunos». (E8)

Trata-se de uma resposta alternativa apresentada aos alunos, que lhes vai permitir concluir o 2.º ciclo e continuar os estudos num CEF. Ou seja, o PCA dá resposta aos que conseguem completar o 6.º ano e entrar num CEF… Esta opção confere uma mudança de estratégias e respetiva adaptação permanente, conforme reconhece uma docente da turma. «(…) O que é que muda? São as estratégias. São as estratégias e a sua adaptação, tendo em conta as caraterísticas dos alunos. (…) O PCA é a única forma de adaptar estratégias de uma maneira total e conseguir chegar aos alunos. Numa turma regular iria ser muito difícil e os outros alunos também ficariam prejudicados. O ritmo da aula é diferente em ambos os casos. Metê-los numa turma e não lhes dar uma resposta, como a que dá o PCA, não é inclusão. (…) Na aula, essa adaptação é constante, permanente». (E6)

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A eficácia e sucesso do PCA não decorrem unicamente das suas potencialidades no desenvolvimento dos alunos, mas também pela possibilidade de superação de algumas dificuldades assinaladas no início da investigação. Deste modo, para além da referência às melhorias registadas na aprendizagem, assinalaram-se progressos significativos no comportamento e competências sociais. Houve uma superação clara de algumas dificuldades de comportamento, que começou por ser muito mau, mas que registou um ano depois, um grande progresso. «(…) Em relação à turma, havia alguns problemas de comportamento pouco acentuados, mas que, com o decorrer do tempo, foram melhorando progressivamente e, neste momento, estão esbatidos. Há um elemento ou outro que é mais perturbador e, às vezes, geram-se focos de discórdia, mas eu noto que o relacionamento entre eles, neste momento, melhorou significativamente. Vê-se que gostam de estar uns com os outros e já conseguem relacionar-se sem estarem ali constantemente a agredir-se verbalmente. (…) Mesmo no campo, nos vários jogos, eles conseguem estar a dialogar e quando querem fazer outros jogos organizam-se e dividem-se em grupos sem atritos. O que, no início, era complicado, pois começavam logo a agredir-se, agora observa-se simplicidade e à-vontade, como deve ser. Portanto, é uma evolução». (E4)

A relação afetiva foi também aperfeiçoada, registando-se uma maior proximidade entre professores e alunos. «(…) Estes alunos têm um apego muito grande ao professor. Tanto assim, que o grupo do ano passado que transitou para o 7º ano queria que os professores continuassem a acompanhá-los. (…) E porquê? Porque são pessoas que os conhecem e que passaram dois anos a valorizar os seus aspetos positivos. Eles identificam-se com os professores e sentem-se bem». (E6)

Registou-se, segundo os professores entrevistados, um maior envolvimento e motivação dos alunos pela escola e aprendizagens, que são agora mais significativas. «(…) Esta turma do 5º A é o exemplo disso. Neste momento estão muito mais motivados para a escola e para aprender e isso é fruto do trabalho que tem sido feito». (E4) «(…) Eles gostam de vir à Escola e de trabalhar». (E6) «(…) Muitos deles sentem interesse Nesta turma, não tenho muitas dúvidas a maioria dos alunos demonstra interesse pela Escola». (E8) «(…) Têm interesse, porque vêm às aulas…Não chegam atrasados. Mesmo nas aulas teóricas, são assíduos». (E9)

Simultaneamente, assinalaram-se melhorias acentuadas na autoestima. «(…) Eles sentem-se mais à vontade num grupo de PCA do que numa turma regular, onde acabam por se inibir, porque são ridicularizados. Já tive casos de alunos com dificuldades de aprendizagem,

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que quando participavam e não tinham sucesso, os colegas chamavam-lhes nomes e gozavam-nos por não saberem nada. Na turma de PCA, como estão todos para o mesmo, sentem-se mais confiantes e até começam por participar e arriscar. Alguns deles já nem sequer participavam com medo de serem gozados. Começam a ver que não são só eles e que os outros colegas também têm dificuldades. Alguns alunos conseguem ver que atingem certos objetivos e isso dá-lhes uma certa confiança. Eles acabam por sentir que têm dificuldades e que são capazes de ultrapassá-las». (E10)

É interessante este testemunho sobre a melhoria da autoestima dos alunos. Na maioria dos casos, a integração no projeto representou uma viragem na vida destes estudantes em que melhoram as suas perceções pessoais, as perspetivas sobre as aprendizagens, os colegas e a escola. Estes alunos guardam do PCA uma imagem muito positiva, bem patente nos argumentos apresentados por todos relativamente às potencialidades do mesmo, no desenvolvimento e contributos para a inclusão na escola e na sociedade. Recordam a evolução no processo de aprendizagem e classificam-na de bastante positiva. Exteriorizam uma grande satisfação pelos progressos alcançados e reconhecem que neste projeto têm aprendido muitas coisas. «(…) Sim, tenho aprendido muitas coisas. Há uma grande diferença. Quando estava na outra escola tinha sempre “não satisfaz”. Aqui as minhas notas subiram. Tem sido muito positivo». (A1) «(…) Havia muitas coisas que eu não sabia e já aprendi e não tive dificuldades…. Melhorei bastante na Matemática». (A2) «(…) Tem sido muito positivo. Aprendi muitas coisas que não sabia. Agora já consigo ler mais ou menos e consigo escrever melhor. (…) Se não estivesse numa turma de PCA, não teria aprendido tantas coisas. Eu não aprendo rápido. Aprendo devagar, lentamente». (A3) «(…) Sim, tenho aprendido muitas coisas. Antes não conseguia aprender nada, porque não conseguia acompanhar a turma. Agora acompanho. (…) Na outra escola havia coisas que eu não sabia nem conseguia fazer». (A4) «(…) Tem sido muito positivo. Tenho aprendido muitas coisas e estou muito satisfeito». (A5) «(…) Tenho aprendido muito. Tem sido bastante positivo. (…) Já faço muitas coisas. Já aprendi coisas que o ano passado não conseguia aprender. Não, somos todos iguais». (A6)

Um dos elementos que também contribui para a eficácia e sucesso do PCA prende-se com a não segregação dos alunos. Nesse sentido, os jovens entrevistados reconhecem que são aceites por todos e que não se sentem discriminados por frequentarem uma turma de PCA. «(…)a turma de PCA, uma turma igual às outras, até é melhor para alguns alunos, porque as matérias são mais simples e os professores compreendem melhor as situações dos alunos». (A5)

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«(…) E a nível da inclusão na escola sinto-me mais envolvido. Sinto-me bem nesta escola como os alunos das outras turmas». (A6)

Pelo exposto, não restam dúvidas que estes alunos beneficiaram da frequência do projeto de PCA, havendo no entanto diversos aspetos a aperfeiçoar, concretamente no que se refere à escassez de recursos materiais e à reorganização curricular.

6.1.6 – Em síntese A análise das representações dos professores sobre o projeto de PCA e as imagens dos alunos sobre a escola, a turma e PCA permitem realçar que para a maioria dos docentes, o PCA é uma estratégia, uma alternativa curricular para os alunos que não se integram no sistema regular. É também reconhecida como uma estratégia da escola dirigida aos alunos que apresentam dificuldades de aprendizagem, de integração escolar e social. É igualmente considerado uma medida positiva e uma resposta de sucesso para a conclusão da escolaridade obrigatória que possibilita a continuidade de estudos num CEF. Esta proposta propicia a inclusão e a socialização e permite uma resposta mais adequada às necessidades dos alunos. A implementação do projeto de PCA, segundo os docentes envolvidos, decorre da coexistência de dois fenómenos: o insucesso escolar e a heterogeneidade da população escolar. Assume-se como uma solução que visa a redução do abandono e insucesso escolar. É defendida pelos docentes e presidente da escola a continuidade futura deste tipo de projetos, pela sua importância para o desenvolvimento e aquisição das aprendizagens dos alunos. A não existência deste tipo de turmas configuraria uma situação mais gravosa em termos de abandono escolar. Do discurso dos docentes e dos alunos emergem conceções de eficácia e sucesso do projeto de PCA enquanto projeto potenciador do desenvolvimento dos alunos e da evolução das suas aprendizagens. Sobressaem igualmente convicções profundas acerca dos efeitos positivos do PCA na diminuição do insucesso e abandono escolar. Registam-se melhorias nos índices motivacionais e na autoestima dos alunos. O acompanhamento individualizado, a adequação do currículo e a simplificação dos conteúdos são estratégias potenciadoras da evolução registada e do progresso alcançado.

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A relação pedagógica estabelecida inicialmente não foi fácil, pelos constrangimentos emergentes do comportamento disruptivo adotado por alguns alunos. Não obstante as dificuldades iniciais, registou-se uma boa evolução na relação pedagógica estabelecida. Para os docentes, a interação dos alunos com os pares é agora mais estável, apesar da ocorrência de alguns conflitos. Do ponto de vista dos alunos, a relação que têm com os colegas é normal e destacam o facto de gostarem da generalidade dos colegas e de serem bons amigos, apesar das diferenças. Também com os docentes há um bom relacionamento pessoal. Reconhecem inúmeras qualidades e atributos humanos que consideram essenciais num professor e que facilitam a interação, como o saber ouvir, a prontidão na resolução dos problemas, o carinho, a amizade e a ajuda disponibilizada. Quanto ao futuro, as perspetivas dos professores são positivas, pelo menos em relação a alguns alunos, que deverão conseguir obter um CEF. Quanto aos alunos com dificuldades de aprendizagem mais acentuadas, persistem algumas dúvidas e incertezas. Acredita-se no entanto que estes jovens serão bons profissionais. Os alunos manifestaram o desejo de concluir o 2.º ciclo e continuar a estudar, fazer um CEF o que demonstra uma preocupação com a formação, componente fundamental de preparação para o futuro. Esta vontade expressa é curiosa e contraditória aos sentimentos de desmotivação e falta de interesse pela escola manifestados no início do projeto. São muito positivas as imagens da escola e da turma verbalizadas pelos alunos. Trata-se de um lugar de aprendizagem e convívio, local agradável onde se sentem bem, têm amigos e gostam de estar. Sentem-se apoiados na superação das suas dificuldades. Para estes alunos, o PCA é um projeto muito importante que possibilitou a evolução das aprendizagens, a melhoria dos comportamentos e a alteração da relação estabelecida com a escola. Representa por isso um ajustamento ao seu percurso escolar e consequentemente uma mudança: a cessação de experiências de insucesso. Pela possibilidade de conclusão da escolaridade obrigatória e qualificação profissional, esta alternativa representa a edificação de um projeto de vida.

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6.2 – As práticas, metodologias, estratégias e lógicas de ação da proposta de PCA – um desafio à Inovação Pedagógica ou a imutabilidade de práticas tradicionais? A análise às práticas específicas dos professores da turma-alvo desta investigação remeteu-nos para o agrupamento de dados sobre a gestão da atividade educativa dos docentes. Aqui reportamo-nos às práticas, metodologias e estratégias aplicadas na sala de aula, a planificação, a dinamização das atividades, bem como às formas de organização e gestão dos processos de avaliação.

6.2.1 – Metodologias e estratégias aplicadas na sala de aula Ao longo das observações participantes que realizámos, constatámos que os ambientes de aprendizagem existentes nas salas de aulas eram muito voláteis. As metodologias utilizadas, as dinâmicas desenvolvidas variavam de professor para professor. Quando questionados acerca das metodologias e estratégias adotadas na sala de aula, os docentes reconheceram a utilização de diversas metodologias e não apenas uma única. Denominaram de metodologia diversificada, variável em função dos contextos e situações, e da própria área disciplinar, enfatizando-se na ação educativa os projetos, mas também as aulas expositivas tradicionais (onde o professor explica, expõe o saber e impõe). Em algumas salas de aula, o ambiente de aprendizagem existente enquadrava-se numa perspetiva de escola, local de desenvolvimento humano, ambiente sociocultural de mediação, em que professores e alunos negociavam entre si, de forma compartilhada, a significação das situações vivenciadas para, em cooperação, construir e conhecer coisas por si programadas (Niza, 2003, p. 3). Esta transferência do controle do processo de ensino do professor para o aluno impõe alterações ao papel do professor que segundo Papert (1985) deverá consistir na saturação do ambiente de aprendizagem com os “nutrientes cognitivos”, a partir dos quais os alunos constroem o seu conhecimento. Em outras salas, predominavam metodologias mais tradicionais, com aulas mais expositivas, cujo padrão de organização incidia muito na repetição. As aulas começavam quase sempre da mesma maneira. Os alunos entravam e o professor dava início à lição, explorando ideias e verbalizações destes, relacionando com conteúdos explorados

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anteriormente e procurando incidir em novas aprendizagens. Repetia-se, insistia-se muito, procurava-se que todos acompanhassem, mas era difícil. Entretanto, alguns alunos rapidamente ficavam desatentos, havia dispersão, conversas paralelas, era grande o ruído e o professor tentava desvalorizar estes comportamentos. Às vezes resultava e a normalidade regressava, mas outras, nem por isso e o professor tinha mesmo de intervir. O desenlace era quase sempre inesperado… Estas aulas revelavam-se muito cansativas tanto para o professor como para os alunos e muitas vezes era a desmotivação dos alunos que desencadeava conflitos e outros constrangimentos comportamentais. Apresentamos alguns excertos do registo de uma observação de uma aula em que foi usada uma metodologia de exposição de conteúdos numa perspetiva tradicional:

Observação n.º 51

Data: 29-04-2010

Contexto: Aula de História Professores presentes: História (PTD), Educação Física (PA) e Investigadora (PI) Descrição da situação/comportamentos

«(…) A aula continua com a apresentação de uma ficha de trabalho que sintetiza os conteúdos abordados na aula anterior. A professora dá instruções precisas e úteis ao seu preenchimento. O PA, mostrando um certo cansaço, reclama: - Mas, professora, nós já sabemos isso. A PTD responde: - Tu sabes, mas poderá haver alguém que tenha mais dificuldades e por isso eu tenho que explicar. (…) Depois distribui as fichas de trabalho pelos alunos. A ficha é igual para todos. Enquanto fazem as fichas os docentes vão acompanhando individualmente os alunos. Em algumas dúvidas que são apresentadas a PTD aproveita para explicar à turma. Os alunos vão respondendo às questões da ficha de trabalho, durante mais algum tempo. Passados 15 minutos, a PTD dirige-se ao quadro e inicia a correção dos exercícios da ficha de trabalho. Feita a correção a docente incita os alunos a responderem às questões que vêm a seguir. Os alunos não demonstram grande interesse. Há no entanto um aluno que vai ao caderno consultar os apontamentos. A PTD elogia-o. Depois escreve as datas no quadro e pede aos alunos que digam o que aconteceu de assinalável nessas datas. (…) Alguns alunos estão desatentos. Falam entre si. A PTD cala-se e aguarda que o silêncio regresse à aula. Uma das alunas pede que se calem, pois a professora quer falar. Finalmente faz-se silêncio e a PTD prossegue com a apresentação de um PowerPoint. O PA brinca com uma caneta. A JM olha para o relógio. O DL está a perturbar a aula, pelo que a docente adverte-o para que fale mais baixo. O aluno pede desculpa e a PTD diz-lhe que desculpa, mas que deverá ter cuidado e não voltar a falar. Continua com a aula. Chama a LR, que está a falar com o colega do lado e recomenda-lhe atenção. Está a tornar-se uma aula com muito ruído e assim a concentração torna-se mais difícil de alcançar. Segue-

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se a apresentação do arquipélago dos Açores. Depois de apresentados os conteúdos da unidade temática, é distribuída por todos os alunos uma nova ficha de trabalho de consolidação dos conceitos explorados. O DL refere: - Não percebo nada disso. A PTD acrescenta: - É porque estava distraído, mas não faz mal. (…) Depois inicia-se a correção através do questionamento oral aos alunos, mas como alguns alunos estão na brincadeira e distraídos a PTD para e exclama: - Vou deixar as crianças terminarem com a brincadeira. Faz-se silêncio e alguns minutos depois retoma a correção da ficha, utilizando a mesma metodologia. Questiona oralmente os alunos e escreve a resposta no quadro. Na sala há alguma agitação. A PTD interrompe a aula diversas vezes para chamar a atenção dos alunos. O DL chama a atenção dos colegas e da PTD».

Quando acompanhada por qualquer atividade mais prática a gestão destas aulas foi apesar de tudo mais fácil. Mesmo na abordagem tradicional, expositiva, sempre que se envolveu o aluno nas atividades, ou seja, sempre que este assumiu um papel ativo, a aula tornou-se mais produtiva. Esta postura de envolvimento direto do aluno na construção do seu conhecimento e aprendizagem é mais eficaz e tem de ser defendida.

Observação n.º 51

Data: 29-04-2010

Contexto: Aula de História Professores presentes: História (PTD), Educação Física (PA) e Investigadora (PI) Descrição da situação/comportamentos

«(…) É apresentada uma nova proposta de trabalho aos alunos: uma ficha para desenharem... Os alunos entusiasmam-se com a possibilidade do desenho. A orientação é que desenhem o mapa das ilhas. Estão motivados para o desenho e durante 10 minutos mantêm-se em tarefa. Terminada a proposta de trabalho é distribuída mais uma ficha de trabalho retomando-se a mesma metodologia: explicação, algum tempo para a resolução e correção em grupo e nalguns casos a transcrição no quadro. O DL e o PA não estão muito interessados na realização das novas tarefas propostas. (…). O ambiente é ruidoso, o DL canta…. Os docentes optam por ignorá-lo e resulta, pois rapidamente o aluno interrompeu o comportamento desviante. O mesmo aluno atira uma borracha à colega. A PTD apanha-a e deita-a no lixo, mas não faz nenhuma interpelação ao aluno. Já nos últimos 10 minutos de aula faz-se a correção da ficha de trabalho. À medida que os alunos vão finalizando a ficha, a PTD dá instruções para que arrumem. Soa o toque e os alunos abandonam a sala ruidosamente».

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As atividades propostas, designadamente as fichas de trabalho, são emergentes de metodologias mais tradicionais, enquadradas nos conteúdos e temáticas em análise. A metodologia de projeto foi também uma prática recorrente em algumas disciplinas. O projeto: A construção de um espantalho - foi uma proposta de trabalho da disciplina de EVT que acompanhámos e cujos excertos apresentamos seguidamente:

Observação n.º 16

Data: 29-01-2010

Contexto: Aula de EVT Professores presentes: 2 Professores de EVT e Investigadora (PI) Descrição da situação/comportamentos

«(…) Os alunos sentam-se nas suas mesas de trabalho habituais, devidamente dispostas para o trabalho em grupo. Distribuem-se por três áreas, formando 3 grupos de trabalho. Cada grupo tem um projeto de trabalho a realizar. Começaram por fazer num papel um esboço da sua proposta e agora vão tentar executar/ construir o espantalho. O AA e o PA vão buscar duas canas, depois dirigem-se ao armário das ferramentas e tiram um serrote. (…) Num canto da sala, junto ao caixote do lixo o aluno limpa e corta as canas. A profª pergunta para que são as canas que estão a cortar. Os alunos respondem que é para o formarem o corpo do espantalho. Após o corte das canas o PA varre o chão, que entretanto ficara sujo. Numa das mesas de trabalho uma das alunas decora as calças que o espantalho irá usar. A profª dirige-se a um armário colocado num hall contíguo à sala de aula e pede a uma aluna que a acompanhe. Regressa à sala com diversos materiais e ajuda a colocar rafia nos braços do espantalho, simulando as mãos. Num outro grupo, os alunos tentam montar o espantalho. Colocam as canas e conversam entre si sobre a forma como irão colocar as canas. A profª coloca algumas questões/ reflexão para que os alunos cheguem à conclusão do que deverão fazer. Os alunos encontram rapidamente uma solução. A profª dirige-se a um outro grupo e ajuda a fixar as canas que formarão o corpo do espantalho. A JC pergunta à PTD como é que se trabalha com a massa fimo. A docente propõe à aluna que faça uma pesquisa na Internet. A aluna pede à PTD para escrever, pois não quer esquecer. A PTD dita “como trabalhar com a massa fimo” e pede à aluna: faça a pesquisa e tente perceber como é que se faz. Quase todos os alunos revelam um grande envolvimento, autonomia e responsabilização pelo trabalho que estão a fazer. Recorrem à PTD sempre que precisam de ajuda ou de alguma orientação mais específica. A PTD dirige-se a um grupo que estava com mais dificuldade e apoia, dando pistas e apresentando propostas acerca da forma como deverão fazer o cabelo. (…) A PTD anda pela sala toda. Aproxima-se de outro grupo e pergunta o que estiveram a fazer. As alunas mostram o trabalho e a docente pergunta-lhes pelo chapéu. As alunas respondem que não o fizeram. Num outro grupo, a profª pede à JC que pense numa forma de fixar o balão (cabeça) ao corpo do espantalho. Surge um conflito num grupo e a profª intervém, sugerindo a um dos alunos que corte as fitas com uma

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tesoura para que fiquem mais direitinhas (o aluno cortava de forma aleatória e os colegas começaram a reclamar). A profª pede aos alunos que comecem a pensar numa forma de ligarem a cabeça ao corpo. E reforça: - Não se esqueçam que os espantalhos serão colocados na rua à chuva e ao vento e que por isso deverá ficar bem segura. (…) Numa das mesas de trabalho três elementos de um grupo de 4 alunos colocam fitas de jornal num chapéu a simular o cabelo. Um dos alunos (DL) está sentado junto do grupo mas não trabalha. A PTD apercebe-se disso e dá uma camisola ao aluno para que a decore. O aluno pergunta pelas cores, a docente pede que as vá buscar ao armário. O aluno vai ao armário tira as cores e começa a desenhar uma caveira na camisola. Não demonstra grande entusiasmo pela tarefa. (…) Entretanto, é hora de arrumar e é grande a confusão…. mas todos se envolvem na tarefa».

O uso da metodologia de projeto é particularmente relevante, porque através desta os alunos desenvolvem competências essenciais ao seu desenvolvimento, como sejam observar, analisar, teorizar, sintetizar, aplicar e transferir as aprendizagens para outras situações concretas do quotidiano. Nestas aulas, apostou-se na formação de pequenos grupos de trabalho, na troca de ideias e opiniões, na discussão e na procura de informações e soluções. A tomada de decisões foi sempre uma tarefa do grupo. Foram muitas as propostas de trabalho de projeto que foram acompanhadas no decurso do trabalho de campo, envolvendo vários professores em diversas áreas disciplinares, e cujos registos integram o Diário Etnográfico Eletrónico utilizado por nós na estruturação e registo da informação recolhida. O que se verifica é que existe um hiato entre o pensamento e a ação educativa do professor. Em alguns casos, apesar da tomada de consciência da necessidade de promover a mudança, na prática essa mudança ainda não ocorreu na plenitude. Espera-se que as investigações sobre as práticas pedagógicas, ao induzirem o docente para a análise e reflexão da sua prática pedagógica, contribuam para uma compreensão mais profunda da razão de ser das práticas pedagógicas adotadas, de modo a impulsionar as mudanças tão necessárias neste domínio. Quando questionados sobre as estratégias implementadas na sala de aula, os docentes envolvidos na investigação enumeraram uma diversidade de procedimentos que faziam parte do seu quotidiano de intervenção pedagógica. A posição de mediador entre o aluno e a cultura, a atenção a prestar à diversidade dos alunos e das situações, leva-o muitas vezes

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a colocar desafios, outras a orientar e ainda outras vezes a sugerir. Procedemos de seguida à sua descrição. Os professores confirmaram a necessidade de implementação de metodologias de trabalho e estratégias mais ativas e diversificadas, em função das necessidades dos alunos. Esta ação resultou da convergência de alguns fatores relacionados com o ambiente da escola que propiciaram e facilitaram a utilização de dinâmicas próprias e variadas. É destacada a importância da adoção de novas dinâmicas de intervenção na sala de aula e práticas de sucesso. «(…) as estratégias alteraram-se substancialmente. O próprio ritmo imposto é diferente… Com estes alunos nós estamos muito tempo a desenvolver a mesma atividade». (E9)

Uma das estratégias referida em primeira instância e destacada por quase metade dos docentes reportava-se à adequação dos conteúdos às competências dos alunos através da definição de metas/objetivos mínimos, procedimento importante ao permitir a otimização das aprendizagens. Esta estratégia constitui um desafio, na medida em que os professores passam a ser construtores do currículo e deixam de ser executores dos programas construídos por outros, para traçarem um programa com significado para os seus alunos. Assumem-se como profissionais do currículo, capazes de interpretar o currículo formal e dando-lhe sentido em função de cada situação real. Decidem o que fazer em cada momento. A aprendizagem é o produto da sua ação sobre o meio, elaborando progressivamente o produto cuja visão inicial os impeliu para a ação. Atentemos alguns testemunhos: «(…) Uma das estratégias é adequar aos alunos todo o currículo. (…) é justamente a adequação dos conteúdos às necessidades dos alunos. (…) Penso que é a principal, estratégia porque senão é muito difícil. Há que adequar os níveis para que consigam ter alguma rentabilidade e retirar algum aproveitamento. (…) É obrigatório adequar muito os conteúdos às competências dos alunos». (E4) «(…) Basicamente as estratégias passam por tentar desenvolver os conteúdos da maneira mais simples possível, estabelecer metas mínimas e dar-lhes sempre uma pequenina ajuda para que consigam chegar à competência pretendida. (…) a adequação dos conteúdos e de tudo o que se faz». (E5)

O desenvolvimento de um ambiente estimulante na sala de aula, a uniformização de critérios de atuação, o recurso a pequenas rotinas, de modo a promover uma melhor estabilidade emocional e o desenvolvimento de determinados hábitos, era outra grande preocupação do conselho de turma. Partindo das rotinas procurou-se relacionar as coisas

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do dia a dia com os conteúdos/matérias e disciplinas a abordar, como forma de tornar mais significativas as aprendizagens. Como reconhecem as professoras de Matemática e de Educação Especial, é essencial dar sentido às aprendizagens, de modo a que os alunos reconheçam a utilidade dos conteúdos abordados e, em consequência, se alcance o seu pleno envolvimento. Para o efeito, deverá ser considerada uma componente mais prática, menos teórica, menos expositiva, de modo a alcançar uma maior implicação dos alunos. Este envolvimento é um dos aspetos mais importantes das estratégias de aprendizagem, em que o aluno tenta compreender como é que uma atuação específica (estratégia) o poderá ajudar a resolver os seus problemas específicos. «(…) Temos de trabalhar numa vertente mais prática. Trabalhar com coisas do dia-a-dia dos alunos, juntando-os em pequenos grupos. Há coisas que vão surgindo na hora e eu vou aproveitando, de acordo com o que entendo serem as suas necessidades». (E3) «(…) estamos a trabalhar essencialmente, e não vou passar muito daí, as operações e tudo o que tenha a ver com cálculo, mas com o dinheiro. Os horários dos autocarros também são trabalhados, quanto tempo é que vai demorar o percurso, a que horas têm que sair para estarem naquele sítio a uma determinada hora e trabalhamos o cálculo a partir daí». (E2)

Outro destaque foi para o apoio individualizado considerado por mais de metade dos docentes da turma de extrema importância. Este acompanhamento dos alunos foi reconhecido como uma forma de superação das suas dificuldades. «(…) Julgo que é fundamental o apoio individual. Está a ser feito, mas eram necessárias mais horas para este apoio. Mas compreendo que isto tem a ver com recursos humanos disponíveis». (E4) «(…) Promove-se um ensino mais individualizado. Ou seja, verificou-se que alguns alunos tinham alguns problemas e tentamos dar resposta a esses problemas de modo a que consigam ultrapassar as dificuldades». (E5) «(…) Privilegio o apoio individual que proporciono a cada aluno, assim como, as propostas que procuro adequar às necessidades de cada aluno». (E8)

A diretora de turma referiu que globalmente foram utilizadas metodologias de trabalho mais ativas e variadas, tendo-se processado um reajustamento e alterações frequentes de algumas estratégias. «(…) Diariamente são utilizadas estratégias que são quase que (re) inventadas para solucionar as situações que se nos colocam. Por vezes o “Plano B” não é suficiente e é necessário um outro tipo de resposta. É condição sine qua non que um professor de PCA tenha sentido de improvisação e muita criatividade. Somos como que atores de um palco que é a sala de aula, cujo texto não pôde atempadamente ser decorado, pois não havia ainda sido escrito. Levamos um livro de páginas

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brancas com memórias de estratégias e situações passadas e decorrentes da nossa experiência profissional». (E1)

Ainda no domínio das estratégias de atuação alguns docentes da turma admitiram o recurso frequente a fichas de trabalho com informação útil e de remediação. «(…) Costumo fazer sempre fichas de trabalho com informação (tudo o que é dito na aula está lá). Se os pais em casa quiserem ver o que é que demos na aula e se quiserem apoiar, está lá tudo. E essa informação serve para responder às questões. Quando estão a ler eu até lhes digo que sublinhem as respostas às questões. Se estiverem atentos chegam lá. Estes alunos gostam de descobrir as coisas, dá-lhes satisfação pessoal. Com uma ajuda conseguem responder e ficam satisfeitos porque obtiveram sucesso. Eles gostam de ir lá descobrir e transcrever a resposta. A ficha de trabalho, pela experiência que tenho, desde que sejam fichas simples, adaptadas aos alunos é um bom instrumento de ocupação do tempo letivo. E depois, também gosto que fiquem com os registos no caderno diário». (E6)

Esta prática foi particularmente seguida pela professora de História que a considerou bastante válida e o recurso ideal para o treino da leitura e interpretação, tão importantes para os alunos. «(…) Eles têm de saber olhar para um texto, ler e tirar informação. Por isso, nunca deixei as fichas de trabalho de parte. Ler, escrever, interpretar sempre, porque vão precisar». (E10)

Na sequência do levantamento das estratégias utilizadas no contexto da turma foi possível o confronto com outras metodologias de trabalho, designadamente a aprendizagem cooperativa. A generalidade dos docentes reconheceu a eficácia deste tipo de metodologia, também identificada em muitos estudos que demonstraram a sua eficiência a nível académico. A introdução de estruturas cooperativas de aprendizagem levou a melhorias a nível dos resultados escolares (Johnson & Johnson, 1999). O espaço cooperativo é naturalmente menos hostil e constrangedor do que o tradicional, precisamente porque não há competição. Numerosos estudos demonstraram, de uma forma geral, o sucesso da aprendizagem cooperativa relativamente a outras estruturas de aprendizagem, independentemente do sexo, da etnia e da competência académica, uma vez que os ganhos dos alunos mais competentes e menos competentes são semelhantes (Bessa & Fontaine, 2002). A cooperação enquanto processo educativo em que os alunos trabalham juntos (em pequeno grupo ou a pares) para alcançarem um objetivo comum é a melhor estrutura social

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para a aquisição de competências, em oposição a tradições individualistas e competitivas da organização do trabalho na escola (Niza, 1998). Alguns professores participantes neste estudo, ao descreverem as suas experiências, admitiram ainda a existência de uma valorização do trabalho em equipa nas suas práticas pedagógicas, organizadas e estruturadas de modo a permitir que os alunos executem tarefas em conjunto e assim obtenham melhores resultados e se valorizem. Reconhecem deste modo a eficácia da aprendizagem com o par mais capaz. «(…) os alunos aprendem melhor com os colegas. (…) O que está a receber a informação aprende melhor e o que está a ensinar também aprende. Porque se sente mais seguro, sente que sabe e sentese vaidoso. Obviamente que é bom e muito positivo para os dois alunos». (E1) «(…) Nós sabemos que, às vezes, temos vergonha de admitir que não estamos a perceber e com alguém igual a nós é mais fácil. Funciona bem tanto para aquele que ensina, como para aquele que recebe a informação. Quem ensina, fica com a autoestima muito elevada, porque lhe estão a dar oportunidades de ensinar. Da outra parte, como não é o professor, é um par, não tem tanto problema em dizer “explica-me outra vez, não percebi”. Sentem-se mais à vontade para perguntar. Se calhar ao professor não o fariam». (E2) «(…) Acho que é ótimo e muito útil, até porque normalmente os alunos se sentem muito valorizados. É bom para os que ajudam e bom para os que estão a ser ajudados. No 1.º ciclo fazia muito isso. Envolvia os mais aptos na ajuda aos colegas, porque notava que eles gostavam. Quer quem ajuda quer quem está a ser ajudado. Às vezes, era engraçado ver como conseguiam…os que iam ajudar eram capazes de, lá pela maneira deles, explicar as coisas». (E4)

Trata-se de um recurso ou estratégia que tem em conta a diversidade dos alunos dentro de uma mesma turma e onde se privilegia uma aprendizagem personalizada. Os alunos deverão cooperar para aprender, em detrimento de uma aprendizagem individualista e competitiva. A interajuda e a colaboração são valores fundamentais a promover, muito embora tenha os seus inconvenientes por causa da brincadeira. «(…) mas regra geral funciona, para além de que os alunos têm mais facilidade em entender o colega do que o professor. (…) Tenho notado que, após a nossa explicação, se o colega dá uma ajuda é muito bom. Quando tentam ajudar o outro também estão a aprender». (E9) «(…) Julgo que funciona, o que foi possível confirmar nesta turma durante determinadas aulas». (E10)

A aprendizagem cooperativa apresenta-se, entre as tendências decorrentes do novo paradigma educacional emergente, como uma das teorias mais marcantes. Os sucessos alcançados descritos nos estudos que foram apresentados nos últimos anos permitem-nos

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concluir que a aprendizagem colaborativa poderá enquadrar mesmo um novo modelo de educação, que perspetive novos rumos, novos desafios para a aprendizagem e para o futuro da escola numa perspetiva construtivista das aprendizagens. Segundo a diretora de turma, «(…) o nosso maior desafio é caminhar lado a lado com os nossos alunos e com eles também aprender. Não podemos ser meros transmissores de conhecimentos e os alunos os recetores de informação. Cabe-nos a difícil tarefa de motivá-los, desafiá-los e orientá-los nas suas aprendizagens. Eles deverão ser os construtores dos seus próprios conhecimentos e nós estaremos ao seu lado para melhor monitorizar a sua longa caminhada no que concerne à procura e seleção da informação e conhecimentos adequados às suas caraterísticas e necessidades». (E1)

Ao professor competirá incutir o gosto pelo trabalho em pares, aproveitando a disponibilidade de uns para dar e de outros para receber. Neste processo todos ganham pois a linguagem mais próxima e a afetividade que se desenvolve otimiza as aprendizagens académicas e melhora o comportamento. Promove-se deste modo o desenvolvimento pessoal e social de todos. Estes alunos, para além de ajudarem os colegas, constituem-se importantes auxiliares do professor, que se debate muitas vezes com a gestão difícil de uma diversidade de situações. Permite-lhe a adequação da aprendizagem a cada aluno pela diversificação de tarefas e situações. Prosseguindo com a exposição das estratégias adotadas e referenciadas pelos professores da turma sucede-se a diferenciação como uma estratégia importante e fundamental que deve existir e ser valorizada. Uma das docentes, numa abordagem mais radical, afirmou mesmo que sem diferenciação pedagógica não faz sentido os alunos frequentarem um PCA. A gestão da heterogeneidade da turma impeliu para a consideração de práticas pedagógicas centradas na ação como forma de promover a participação de todos à medida das suas possibilidades. A diferenciação pedagógica nesta turma foi fundamental, sobretudo em relação aos cinco alunos com NEE cuja opção por formar uma subturma foi uma boa decisão que permitiu a individualização de todo o processo de aprendizagem. A leitura dos relatos dos professores envolvidos não deixa qualquer tipo de dúvida acerca da importância desta estratégia. «(…) O PCA é adaptação do currículo. É importante que cada aluno faça uma atividade que esteja ao seu alcance. Quer seja uma ficha de trabalho, um exercício ou uma tarefa qualquer, que nós saibamos, à partida, que ele consegue e que dali consegue tirar algum coisa proveitosa para a sua experiência». (E2)

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«(…) É importantíssimo fazer diferenciação pedagógica dentro da turma, para conseguirmos chegar a todos os alunos. A todos e a cada um individualmente. A todos na sua individualidade, porque se não o fizermos não vamos conseguir. Haverá alunos que serão sempre prejudicados». (E4) «(…) Tem muita importância. Não é falando da mesma forma para todos que vamos conseguir chegar a cada um nas suas necessidades individuais». (E8) «(…) É muito importante porque todos são tão diferentes. Não dá para fazer uma única ficha para a turma toda e, mesmo que assim fosse, a maneira de tratá-la teria de ser diferenciada». (E10)

Apesar da unanimidade e convergência de opiniões acerca da importância da diferenciação pedagógica, este processo foi também apontado por dois docentes como sendo muito difícil e exigente, o que obriga a muita dedicação. «(…) Tenho tantos alunos, turmas cada vez mais numerosas, alunos com diferenças e com vivências diferentes e interrogamo-nos muitas vezes como e o que fazer». (E4)

No entanto, apesar das dificuldades em promover a diferenciação, os docentes garantiram a sua promoção através da implementação de atividades diversificadas à medida de cada um. «(…) Faço diferenciação de fichas, na avaliação do próprio processo e na autoavaliação, que também é diferenciada. A ficha da CS é completamente diferente. Basicamente é isto. No fundo, é tentar que toda a gente participe na aula». (E6) «(…) Para os que têm mais dificuldade, a proposta de trabalho é muito simplificada. Não exigimos grande aperfeiçoamento de técnicas». (E9) «(…) Passa por adequar e preparar fichas de trabalho para os vários alunos, com diferentes graus de dificuldade». (E10)

Reconheceram que se tratou de valorizar o que cada aluno tem de melhor, de modo a que obtivessem sucesso, conseguissem evoluir nos seus conhecimentos e assim melhorar a sua autoestima, que é muito baixa nalguns casos. Decorrente das suas trajetórias de vida e percursos escolares, estes alunos não acreditavam em si, achavam-se incapazes… daí que tivessem de ser ajudados a ultrapassarem os sentimentos negativos que os assolavam regularmente pois a forma como estes alunos se viam a si mesmos acabava por repercutirse na forma como encaravam a situação de ensino-aprendizagem. As estratégias mais utilizadas são coincidentes na sua totalidade com o estudo de avaliação de Seabra et al. (2012) que assinalou o apoio individualizado em sala de aula; a apresentação dos conteúdos a partir de exemplos práticos; a adaptação/simplificação das fichas de trabalho; a criação de empatia com os alunos; a elevação da autoestima dos alunos; a valorização

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dos sucessos e das tarefas bem concretizadas a aplicação de sanções diferentes e critérios de avaliação distintos.

6.2.2 – As práticas pedagógicas – inovação ou contínuo? No decurso da investigação procurávamos aceder ao pensamento e conceções dos docentes sobre a sua prática pedagógica no âmbito da Inovação Pedagógica. Para o efeito, começámos por situar a inovação na perspetiva deste grupo de professores. Da análise entretanto realizada, verificámos que os professores associam a inovação a uma multiplicidade de conceitos, como uma mudança, uma aprendizagem, algo de novo, um desafio, o envolvimento e a tecnologia. Para a diretora de turma: «inovação é uma mudança intencional e bem refletida que tem como principal objetivo facilitar as aprendizagens e criar novos desafios nos alunos, fazendo destes indivíduos mais participativos e empenhados em tudo o que ao percurso escolar diz respeito, mas principalmente pessoas envolvidas e conscientes das suas potencialidades. No fundo, é tornar a sala de aula/escola tão ou mais apelativa que as outras atividades extracurriculares». (E1)

A professora de educação especial reforçou a noção de mudança que, na sua opinião, visa a melhoria das práticas. «Por inovação entendo tudo aquilo que, por se considerar obsoleto, desajustado, desadequado, se tenta mudar. Tudo o que é implementado com o intuito de melhorar a prática ou a existência de rotinas adquiridas ao longo do tempo».

Opinião partilhada por outros dois entrevistados para quem inovação também está relacionada com mudança e adaptação. «Inovar é a arte de voltar a contar o que já foi contado antes. A partir de experiências anteriores eu conseguir apresentar um mesmo produto de maneira diferente. Inovar é chamar para a apresentação experiências anteriores e voltar a apresentá-las de maneira diferente essencialmente. Diferente e oportuno. (…) Eu não devo inovar só porque inovar é “fixe”. Se for oportuno, autêntico é muito bom inovar. É bom que se faça diferente. É bom que o professor cada vez mais seja um gestor de aprendizagens». (E7) «Para mim, inovar é mudar, adaptar as estratégias e métodos às diferentes situações com que nos deparamos». (E10)

A ideia de inovação surge ainda, segundo um dos docentes, associada às novas tendências e às tecnologias, como instrumento de promoção do ensino.

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«(…) tudo aquilo que se apresenta como novo para uma determinada pessoa numa determinada área». (E5)

Uma noção de algo de “novo” que promove a melhoria da ação educativa, como destaca a presidente da escola: «Por inovação entendo uma mudança intencional e conscientemente assumida que tem por objetivo uma melhoria da nossa ação, neste caso concreto da ação educativa. Inovar supõe trazer algo de efetivamente novo».

Clarificado o conceito, quando convidada a caraterizar a sua prática pedagógica em termos de inovação, a diretora de turma considerou a sua prática inovadora na medida em que a mudança/alteração das práticas pedagógicas permitiu a rutura das perspetivas e metodologias tradicionais e a invariante cultural que mantém muitos docentes “presos” a práticas tradicionais e ultrapassadas. O registo do testemunho de alguns docentes sobre a inovação deixou clara uma visão em que a centralidade do ato pedagógico é transferida para o aluno. Consideremos o depoimento da professora de Matemática. «Inovar é fazer qualquer coisa nova… pode ser muita coisa. Quando se fala em inovação pensa-se logo nos computadores, mas isso não produz inovação. Poderá ser um auxílio à inovação para contrariar por exemplo a forma como se dão as aulas, relegando para um lugar secundário o modelo expositivo. A inovação transfere a centralidade do ato pedagógico para o aluno, o professor passa a ser o orientador das aprendizagens, deixa de expor e debitar matéria. Na matemática tenho determinados conteúdos, que posso trabalhar de diversas formas, posso fazer até um projeto em que os conteúdos estão presentes, isto para mim é inovação». (E3) (Notas de campo, março 2010)

Relativamente à forma de promoção da inovação pedagógica na sala de aula, os docentes enfatizaram a mudança/alteração das práticas pedagógicas, convergente com a perspetiva de Fino (2008a) que enquadra o corpo teórico desta investigação. O autor relembra que a inovação pedagógica implica mudanças qualitativas nas práticas pedagógicas. A nota de campo que se segue apresenta um formato possível de promoção da inovação na sala de aula, a partir das mudanças nas crenças e pressupostos das práticas pedagógicas, bem como a partir da utilização de novos materiais, estratégias e novas tecnologias. «Por exemplo mudando a estrutura da sala de aula. Onde fosse possível promover práticas com base em centros de interesse. Um grupo poderia estar a trabalhar uma parte da matéria, outros fariam

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outras coisas. Os professores seriam orientadores. Mas nós somos todos diferentes. Há alunos que se adaptam mais a este modelo, mas há também outros que se enquadram melhor no modelo expositivo. (…) Os professores têm a noção que as coisas não estão a melhorar e tem que haver uma alteração, uma mudança, mas é preciso formação… Temos que alterar práticas, estratégias, a própria planificação, a estrutura da própria escola. Mas é difícil inovar sozinha esbarro muitas vezes na dificuldade de executar determinadas ideias». (E3) (Notas de campo, março 2010)

«Quando penso em inovar surge-me de imediato a expressão “novas tecnologias”. Na sala de aula, uma opção poderá ser usar os meios audiovisuais. No entanto, os nossos alunos já estão habituados ao computador, à Internet que, por vezes, quando os utilizo já não constitui qualquer novidade. Deste modo, na sala de aula, inovação é tudo aquilo que fazemos para levar os nossos alunos a uma aprendizagem com sucesso e pode ser algo tão simples como parar uma aula porque os alunos estão demasiado agitados e precisam de conversar um pouco; optar por ilustrar um texto em vez de resumilo; promover a leitura expressiva em vez da leitura silenciosa, entre outros». (E10). (Notas de campo, março 2010)

Ainda para uma das entrevistadas fomenta-se a inovação na sala de aula sempre que saímos da rotina. Essa rotina pode ser quebrada através da utilização dos meios tecnológicos e não só. Trata-se no fundo de aulas diversificadas que mantêm os alunos motivados, como reforça a presidente da escola: «Contra a inovação estará sempre o comodismo, a rotina, a inércia, o egoísmo e o egocentrismo. A inovação é essencialmente um modo de estar aberto à mudança e ao inconformismo de modo a alterar a realidade tendo em vista a melhoria da nossa organização».

Para além da convergência destes fatores, um dos professores preconiza uma mudança de atitude para que ocorra inovação na sala de aula, pelo que toda a sua intervenção aponta nesse sentido. «Tento ouvir; os alunos precisam de alguém que os oiça, os valorize, procuro aprender também. Gosto de formas diferentes de intervenção com os alunos. Para inovar na sala de aula não podemos lá chegar e debitar a matéria simplesmente… Temos que criar um bom ambiente, uma forma de estar, se os alunos conseguirem entrar na sala porque querem é muito bom. Deixo-os à vontade, porque só assim se consegue fazer algum trabalho com eles. As minhas aulas nunca são iguais. Passo a responsabilidade da execução dos trabalhos para os alunos, eu só oriento. Prefiro que eles próprios tentem e descubram o que está mal. Prefiro, deixá-los descobrirem sozinhos, para que vejam que não funciona e tentem corrigir. Se o aluno corrige o erro que fez, vai certamente conseguir aprender.

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Parto sempre dos interesses dos alunos, e vou acompanhando…para mim, isso é bom. O aluno aprende experimentando, o meu papel é mais o de orientar, e não o transmitir conhecimentos». (E9)

Apesar de serem muitos os docentes que estão sensíveis ao fenómeno da mudança e inovação, a diretora de turma confirmou a existência na escola, de um grupo significativo de docentes mais resistentes. São os que afirmam «No meu tempo é que se aprendia…», os que investem pouco na sua formação, nomeadamente no que se refere às novas tecnologias e os que se sentem desmotivados pelos problemas comportamentais dos seus alunos, sem que haja a curto ou médio prazo resolução para os mesmos, devido à cada vez maior burocracia inerente à atividade docente, entre outras. Embora estejam envolvidos e empenhados na promoção da inovação, os docentes da turma destacaram alguns fatores que atenuaram ou foram até impeditivos da implementação da inovação pedagógica. Deste modo, são vários os obstáculos classificados e que apresentámos na tabela seguinte (tabela 12) distribuídos por três categorias: pessoais, profissionais e contextuais.

Pessoais

Profissionais

Contextuais

Falta de formação

Fracassos das estratégias dinamizadas

Criatividade Fraco empenhamento do professor Desmotivação Resistência dos professores à mudança Cansaço dos professores

A não planificação em conjunto A conduta/comportamentos inadequados e constantes dos alunos Mau planeamento Falta de comunicação

Falta de meios e de recursos audiovisuais na escola Dimensão da sala de aula Disposição das mesas

O tipo de turmas A desmotivação dos alunos Os conteúdos A extensão do programa O número de alunos

Recursos económicos e logísticos Legislação Limitação de material Falta de condições das escolas Falta de salas Falta de meios

Tabela 12 - Fatores impeditivos da inovação

As opiniões dos docentes entrevistados apontam para uma total convergência entre os obstáculos mencionados e os também evidenciados por outras investigações, (Cardoso, 2003) e que enquadram o quadro teórico desta investigação. Segundo a autora, existe uma relação entre as atitudes e a inovação. Também são reconhecidos os múltiplos obstáculos à mudança e à inovação, não sendo possível a sua equação apenas em termos de variáveis individuais do professor,

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estando igualmente ligados a questões mais gerais, de natureza contextual e processual. Se por um lado existe o desejo de progredir e de inovar, por outro lado, há muitos obstáculos que impedem a concretização de projetos inovadores. Como resultado deste conflito entre forças opostas – de resistência e recetividade à inovação –, acentua-se a décalage entre o que se considera ser a “escola ideal” e a “escola real”, criando-se uma imagem de incapacidade reativa da escola e dos seus professores à mudança, face a um contexto social em que as mudanças ocorrem a um ritmo acelerado e de forma imprevisível. Apesar de todos estes obstáculos inovar revela-se um imperativo. O processo deverá ser conduzido de outro modo, designadamente através de estratégias e modelos de inovação mais flexíveis e participativos, destacando-se a criatividade e iniciativa dos professores e envolvendo-os nas diversas etapas da ação inovadora (Cardoso, 2003). Ao

impulsionar

novas

práticas

pedagógicas

e

experiências

concretas

e

contextualmente significativas para os alunos, toda a intervenção enquadra-se numa perspetiva construtivista de aprendizagem, em oposição a modelos tradicionais defensores da transmissão de conhecimentos e conceitos. As experiências concretas e contextualmente significativas permitem aos alunos o questionamento e a construção dos seus próprios modelos, conhecimentos e estratégias. Neste contexto, o professor assume o papel facilitador das aprendizagens. «A sociedade está em constante mudança e a escola não pode permanecer fechada a essas mudanças, é necessário “abrir janelas”, preparar os nossos alunos para o futuro, ensinando-lhes a ser indivíduos críticos e ativos (…) A função principal de um professor é ser um facilitador da aprendizagem, procurando desenvolver no aluno o espírito crítico, a necessidade do "saber" e do "aprender". Um professor deverá: ser dinâmico, empenhado, corajoso, disponível, persistente e ter espírito crítico; gostar de trabalhar em equipa, de avaliar os sucessos e os insucessos; adequar as estratégias à realidade dos seus alunos; promover a aprendizagem ativa e a autonomia de todos os alunos da turma e abrir espaço à afetividade, ser simpático e ter sentido de humor». (E1) (Notas de campo, fevereiro 2010)

Dos testemunhos recolhidos no decurso da investigação, emergem evidências da importância atribuída pelos docentes à inovação. No entanto, os professores também identificam as dificuldades sentidas na alteração dessas práticas, enfim, na promoção da inovação. Por isso, por vezes regista-se um retrocesso nas práticas e metodologias adotadas

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e tudo volta a ser como antes, ou seja, baseado em abordagens mais tradicionais, conforme se depreende das palavras do professor de Expressões: «Acho que sim, de ano para ano somos confrontados com grupos de alunos diferentes, horários e rotinas diferentes que se alteram de ano para ano. Há mesmo uma grande preocupação em inovar, em fazer diferente, mas não é fácil. Muitas vezes na nossa prática voltamos a ser conservadores, na nossa sala de aula voltamos a práticas que sempre desenvolvemos». (E7) «Os professores estão recetivos e desejam a mudança. Há uma clara tendência para a transformação da aula. A meu ver, cada vez mais os professores procuram mudar os seus métodos e estratégias para tornar as aulas mais apelativas e facilitadoras da aprendizagem». (E10)

E porque a inovação é sempre uma experiência pessoal, quisemos estabelecer junto dos docentes entrevistados um perfil de professor inovador. As respostas dadas permitiram a divisão em duas categorias de análise: caraterísticas pessoais consideradas determinantes e conhecimentos profissionais essenciais. A tabela 13 apresenta a descrição das caraterísticas pessoais do professor inovador e a tabela 14, o resumo dos conhecimentos profissionais considerados essenciais pelos professores entrevistados.

Subcategorias Caraterísticas pessoais

Indicadores Dedicado Empenhado Disponível Persistente Criativo Curioso Que tenha gosto por aprender Responsável Ter mentalidade aberta à mudança Espírito empreendedor Capacidade de improvisação Equilíbrio Competências comunicativas

E1 * * * *

E2

E3

Docentes entrevistados E4 E5 E6 E7 E8

E9

E10

* *

*

* * * * * *

* * *

*

* *

* * * * *

*

Tabela 13 - Caraterísticas pessoais do professor inovador

As caraterísticas destacadas evidenciam a importância reconhecida pelos docentes entrevistados a determinadas competências pessoais e conhecimentos profissionais essenciais ao professor inovador.

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Subcategorias Conhecimentos profissionais

Indicadores Conhecedor de novas tecnologias e novas metodologias Conhecimentos sobre as teorias de aprendizagem Capaz de reformular/adequar as estratégias Formação sólida Capacidade de gestão dos contributos dos alunos

E1

E2 *

E3

Docentes entrevistados E4 E5 E6 E7 E8

E9

E10

* *

*

* *

Tabela 14 - Conhecimentos profissionais essenciais do professor inovador

O conhecimento das experiências da prática letiva permitiu-nos obter elementos de caraterização das práticas pedagógicas desenvolvidas, objetivo de investigação por nós considerado. O registo que se segue traduz as conceções dos docentes participantes no estudo acerca da prática pedagógica desenvolvida no âmbito da proposta de PCA. Quando perguntámos aos docentes se o facto de lecionarem a turmas de PCA tinha influenciado a sua prática pedagógica, a maioria dos docentes admitiu que sim. A evidência dos resultados mostra que grande parte das referências dos docentes aponta a mudança das práticas pedagógicas como uma das principais caraterísticas emergentes da prática de lecionação a uma turma de PCA. Estas alterações incidem particularmente nas metodologias e estratégias utilizadas, nas práticas de avaliação adotadas e nos materiais pedagógicos utilizados. «(…) Trouxe muita mudança à minha prática. Não posso dar as aulas da mesma forma que dou às outras turmas do regular». (E3)

O professor de Educação Física fala em mudança e alteração das práticas em termos de estratégias. Outra docente designa de mudanças radicais as ocorridas na sua prática que a obrigam a trabalhar muito mais na procura de novos materiais e no planeamento de novas atividades mais atrativas e significativas (E5). Essas alterações abrangem as várias componentes do currículo como reconhece o professor de Expressões: «(…) Houve uma alteração enorme na prática para com esta turma. Em todos os aspetos, na avaliação, nas metodologias, na elaboração de materiais, no relacionamento, no poder de encaixe, no contemporizar com algumas atitudes, na maneira de falar… A minha prática perante esta turma é completamente diferente. (…) Tudo é diferente com esta turma». (E7)

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É uma prática completamente divergente em que o próprio ritmo imposto é diferente…e o processo de ensino-aprendizagem é alvo de um reajustamento permanente em vários domínios. «(…) Lecionar a turmas de PCA levou-me a alterar a minha prática. As estratégias utilizadas, os conteúdos, os objetivos, a própria avaliação é diferente, pelo que posso afirmar que lecionar a turmas de PCA me levou a alterar a minha prática». (E8) «(…) Sim, alterou a minha prática. Tenho de elaborar sempre materiais específicos. Não posso pegar num livro e fazer uma simples fotocópia, preciso sempre de alterar, adequar qualquer coisa». (E10)

Apenas a professora de Educação Especial admitiu que não imprimiu grandes alterações à sua prática, e destacou a sua experiência anterior de docência no 1.º ciclo. «(…) Venho do 1.º ciclo e o que lá fazia é exatamente o que eu faço numa turma de PCA. Se não tivesse passado pelo 1.º ciclo também teria alguma dificuldade em me ajustar. Faço as mesmas coisas, uso os mesmos materiais, utilizo as mesmas estratégias porque considero mais adequado para eles». (E2)

Os restantes professores confessaram a ocorrência de mudanças/alterações das práticas pedagógicas. Esta prática é agora muito mais exigente pela necessidade de diversificação de estratégias, pela variação de instrumentos de avaliação e a necessidade de construção de materiais pedagógicos. Lecionar a turmas de PCA também acarretou alterações a nível pessoal e relacional como se depreende pela referência da professora E6: «(…) Acho que o facto de lecionar a turmas de PCA me levou a melhorar como professora, tornei-me mais branda, mais tolerante. Por exemplo, o RI diz que é proibido entrar dentro da sala com um boné na cabeça, mas se o DL entrar com o boné e trabalhar, acha que eu me preocupo com isso? Não valorizo».

Opinião também partilhada pelo professor de Expressões, que se assumiu mais tolerante. «(…) Não há dúvidas nenhumas que somos mais tolerantes, mas isso é normal (…) A pessoa amolece um bocado à medida que vai conhecendo a realidade destes miúdos». (E7)

Apesar de todas as alterações à prática dos docentes que integram o conselho de turma, e das dificuldades sentidas, estes sentiram-se mais acompanhados e menos desprotegidos pela dinâmica imposta do par pedagógico. Neste, como em outros casos, o trabalho em equipa contribuiu para a redução de alguns constrangimentos.

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6.2.3 – Planificação da atividade educativa Relativamente à planificação, destacamos a elevada coerência com o currículo proposto, expresso no rigor e preocupação com a sua adequabilidade às caraterísticas dos alunos da turma. A planificação a curto prazo é uma dinâmica muito utilizada pelos docentes, que reforçam deste modo a sua importância. É estabelecida semanalmente, conforme o testemunho da professora E3. «(…) A planificação é semanal e revista na segunda-feira. Nesse dia vejo o que foi dado e como é que as aulas correram na semana anterior, o ponto de partida para o que tenho a fazer. Já caí no erro de preparar com duas ou três semanas de antecedência e tive de voltar atrás, porque cheguei à conclusão que eles não iriam atingir. Com este tipo de alunos temos de olhar à forma como a atividade decorreu e pensar no que podemos fazer daí para a frente».

A planificação conjunta das atividades, apesar de não ser uma prática disseminada por todos, começa aos poucos a difundir-se. Dois docentes admitiram pô-la em prática. «(…) Na Matemática, faço a planificação com a outra docente. Vamos explorando os conteúdos e quando acabamos informamos a docente que fotocopia mais um bloco e vamos trabalhando. Vamos trocando informações sobre a unidade em estudo e as dificuldades surgidas. Se necessário, paramos e consolidamos. (…) Na Língua Portuguesa, apesar de ser responsável pela disciplina, troco informações com a professora Elsa, mas a responsabilidade é minha». (E2) «(…) Normalmente, planifico com o par pedagógico, combinamos tudo o que vamos fazer e desenvolver». (E8)

Mas a prática recorrente é de facto a planificação individual, rotina estabelecida pela maioria dos docentes. «(…) Faço sozinha. Não há espaços e tempo suficiente para prepararmos e planificarmos aulas em conjunto». (E1) «(…) Faço uma pesquisa, apoio-me muito na Escola Virtual da Porto Editora. Vejo quais são as fichas que se adaptam melhor. Uso os PowerPoint, aproveito e adapto muitos materiais que são feitos pelas colegas, porque demoro muito tempo na elaboração das fichas de trabalho. Os miúdos gostam». (E6)

A professora de História diz que por ser a única na sua área acaba por planificar sozinha.

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«(…) Preparo em casa e sozinha, porque sou a única professora de História dos PCAs. Não tenho ninguém com quem partilhar materiais, nem trocar impressões. Faço muitas pesquisas na Internet e construo os materiais pedagógicos que necessito». (E10)

Para além da planificação individual, a professora da disciplina de Português identificou como principal característica da sua prática o aproveitamento que dá às ideias surgidas nas aulas, aproveitadas posteriormente para trabalhar determinados conteúdos. Neste contexto, regista-se a participação ativa dos alunos pelo aproveitamento das suas sugestões. «(…) as aulas são preparadas individualmente em casa e muitas vezes aproveito as ideias que vão surgindo nas aulas para trabalhar determinados conteúdos. (…) a partir das dicas dos alunos». (E5)

Estamos perante uma planificação flexível, suscetível de alteração em função dos interesses e motivação dos alunos. Esta perspetiva enquadra uma conceção construtivista, em que a planificação curricular deverá ser aberta e flexível, em oposição a uma visão elitista e altamente centralizada (Coll, 2004c, p. 28-29). Parece óbvia a existência de uma preocupação crescente em promover o envolvimento e a participação ativa dos alunos na tomada de decisões no trabalho da turma, ou seja, na planificação conjunta das atividades, nas sugestões de possíveis temas a abordar e visitas de estudo ou saídas de campo a realizar. Trata-se, na nossa perspetiva, de uma primeira abordagem de gestão colegial em Conselho do que diz respeito à turma (Niza, 1998). Pretende-se com este envolvimento e participação do aluno nas tomadas de decisão, a concretização de aprendizagens tão significativas quanto possível. Esta condição para a existência de sentido conduz à revisão de tarefas e conteúdos propostos, como também a forma de os apresentar ou organizar. Trata-se de fazer com que os alunos conheçam as finalidades que orientam determinada tarefa, mas também as assumam como suas, através da participação ativa na planificação, realização e nos resultados dessa atividade, como reconhece Solé (2001). Qualquer tarefa que se ajuste às possibilidades dos alunos e que seja apresentada como algo que vai permitir a resolução de determinadas necessidades, dando-lhes a possibilidade de se implicar ativamente na atividade, promove as condições para que a tarefa cative o seu interesse e motivação.

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6.2.4 – Organização e gestão dos processos de avaliação das aprendizagens Conforme discutido anteriormente a avaliação é parte integrante do processo de ensino e de aprendizagem. A avaliação das competências dos alunos que integram a turma de PCA rege-se pelo Despacho Normativo n.º 1/2006 e realiza-se por disciplina ou área curricular, revestindo um carácter descritivo e quantitativo. Também neste domínio a ligação da proposta de PCA ao modelo regular foi reconhecida pelos professores. Este modelo de avaliação das aprendizagens foi considerado pela maioria dos entrevistados como completamente desajustado de um currículo que se pretende alternativo. «(…) quando se pede aos alunos que, num final de um 6º ano, façam as provas de aferição, (não são todos, mas uma grande parte), estão-nos a pedir que se dê, na mesma, toda a matéria. Portanto, que alternativa é esta? Eu não acho correto. Isto não é uma alternativa. (…) O Ministério defende que, no final do 6º ano, há que aferir se realmente os alunos conseguiram atingir os objetivos. E eu perguntome se numa turma de PCA isso é o mais importante e pertinente». (E3)

Embora admitam a importância da avaliação das aprendizagens dos alunos, os docentes discordam do modelo proposto, e consideram que a avaliação deverá assumir exclusivamente um caráter diagnóstico e formativo com recurso sistemático à observação e autoavaliação, de modo a que cada aluno tome consciência do percurso que vai fazendo e assim o possa aperfeiçoar. Os professores da turma secundarizam a vertente sumativa da avaliação, perspetiva que consideram estar ao serviço de modelos centrados na quantificação que, neste tipo de projetos, não deverão ser enfatizados. «(…) Eu acho que a avaliação destes alunos é importante para tomarem consciência do que tem sido o seu desempenho». (E1) «(…) Quando avalio procuro ver a evolução do próprio aluno. Não pretendo atribuir um valor nem confirmar exatamente o que ele sabe. Procuro apenas ver a sua evolução: se era desinteressado e agora tem mais interesse; se não estava atento e agora está. É esta a filosofia». (E10) «(…) Para mim, a avaliação é isto. Não é tanto dar uma nota. Claro que é importante, mas a avaliação que eu faço é mais no sentido de perceber o que já foi adquirido». (E2) «(…) Há que avaliar o trabalho diário que fazem, o interesse que tiveram em realizá-lo». (E3)

Para os docentes entrevistados a avaliação é um processo de regulação do ensinoaprendizagem, um instrumento de identificação do desempenho e evolução do aluno, em

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que a ênfase deverá recair no processo e não no resultado, expresso na valorização de determinadas componentes como a assiduidade, as atitudes, as competências sociais e comportamentais. «(…) o peso do cognitivo é zero, as competências metodológicas ou psicomotoras, o domínio da técnica de qualquer coisa também é muito reduzido, de forma que o que interessa ali investir mais é na parte das competências sociais, do respeitar o outro e da valorização de cada um deles». (E7)

Nesse sentido, há uma valorização crescente das competências sociais em detrimento das académicas. «(…) São aqueles itens que falei há pouco. Quando avalio, valorizo a assiduidade, o comportamento nas aulas e a realização/desempenho». (E4)

Apesar do reconhecimento da importância do saber, a realidade da turma determinou no entanto a valorização da componente atitudinal, deliberando o conselho de turma a atribuição de um peso de 60% aos comportamentos e atitudes e 40% à aquisição de conhecimentos104. A necessidade de implementação destes critérios diferenciadores é igualmente reconhecida no estudo de avaliação de Seabra et al. (2012), assumidos como necessários e importantes, adaptados às caraterísticas da turma, tendo-se dado mais peso às componentes consideradas de maior relevo. Assim sendo, colheram-se indícios de que o peso atribuído ao “saber estar”, relacionado com o domínio das atitudes, tem mais peso nas turmas de PCA do que nas turmas do ensino regular, em detrimento do domínio do conhecimento. Trata-se de uma nova perspetiva para uma escola que deixou de ser instrutiva para ser socializante, que valoriza também as atitudes em oposição à supremacia dos processos de aquisição de conhecimentos. É reconhecida a importância do processo e não apenas do produto final. Trata-se de uma nova forma de avaliação dos alunos, enfim, de uma nova prática.

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Quanto às atitudes e comportamentos foram estabelecidos pelo Conselho de Turma os seguintes critérios de avaliação: assiduidade, pontualidade e responsabilidade; respeito pelos colegas, professores e funcionários; respeito pela opinião dos colegas em situação de trabalho de grupo; manifestar hábitos de trabalho e de estudo; ser organizado; demonstrar interesse pelas atividades propostas pelo professor dentro da sala de aula; trazer o material necessário para as aulas; ser autónomo e revelar espírito crítico. No domínio dos conhecimentos foram considerados os seguintes aspetos: exprimir-se oralmente e por escrito com correção; resolução de situações problemáticas; desenvolvimento de raciocínios adequados; saber interpretar as questões que lhe são colocadas nas várias disciplinas oralmente e por escrito; aplicação dos conhecimentos adquiridos. Para as áreas curriculares não disciplinares foram definidos os seguintes critérios: Empenho – iniciativa, interesse, atenção e persistência; Organização – Seleção, utilização e apresentação de informação e/ou materiais; Responsabilidade – Assiduidade, pontualidade, cooperação, solidariedade e realização das tarefas dentro dos prazos estabelecidos (In PCT).

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«(…) o conhecimento devia prevalecer, mas nestes alunos eu acho que a atitude tem de ser muito trabalhada. Nós temos que insistir muito com eles na atitude. Eu e todos os professores, quando damos negativa e o fator é o comportamento, os alunos não saem dali sem perceber que o comportamento tem de ser alterado para melhorarem a nota». (E2)

A avaliação que se regista no final de cada período tem uma expressão quantitativa, apesar do pendor qualitativo que se tentou implementar. Ao longo de todo o ano, a avaliação apresenta um cariz formativo, com recurso à auto e heteroavaliação, de modo a que cada aluno tome consciência do seu percurso e possa aperfeiçoá-lo. São diversos os instrumentos utilizados, como pudemos inferir das palavras da diretora de turma: «(…) É uma avaliação diária da sala de aula, daquilo que é feito, da observação, dos trabalhos de casa, do interesse pelas atividades, a participação, o próprio caderno diário». (E1)

Mais relevante que a assimilação dos conteúdos é todo o trabalho. «(…) Para mim, o trabalho, o empenho, o interesse dentro da sala de aula são fatores muito mais importantes porque contribuem para a sua aprendizagem». (E5)

Em convergência quanto às modalidades de avaliação propostas, a generalidade dos docentes não reconhece a utilidade da avaliação sumativa. «(…) Não fazemos avaliação sumativa, nem acho que seja importante, nem benéfica (…)». (E3) «(…) Há reuniões quinzenais, é uma avaliação contínua, não há avaliação sumativa». (E4)

Há uma prevalência clara da prática da avaliação diagnóstica, formativa e contínua (em conformidade com o Decreto-Lei n.º 6/2001, cap. III, art. 13º) para além da autoavaliação diária e trimestral. «(…) O que eu faço é abordar um tema e nos últimos dez minutos da aula, faço perguntas sobre aquilo que foi dado. É assim que os avalio, de forma contínua e simplificada. (…) Avalio a motivação, a participação, o interesse, o trabalho de casa, a assiduidade, a pontualidade, mas em relação à avaliação quantitativa, nós não temos a avaliação de testes, ou de fichas que sejam realizadas por eles». (E1) «(…) Fazemos diagnóstica no início do ano e depois há a necessidade de fazer um teste para ver como é que estão. A formativa assenta sempre nas fichas de trabalho, na observação dos cadernos diários. A sumativa, de vez em quando fazem mas é mesmo só para eles não perderem o ritmo e não pensarem que não estão a ser avaliados. Não é tanto para os professores terem uma noção da nota, porque eles têm com o trabalho que fazem durante as aulas, é mais para os alunos saberem que não estamos a brincar…». (E2)

Relativamente à avaliação contínua, uma das docentes sintetiza:

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«(…) Faço-a todos os dias, mas uma vez por mês, faço um levantamento e vou ver o que os alunos têm feito e apresento a avaliação em reunião aos colegas». (E1)

Diariamente procura-se avaliar o trabalho desenvolvido. «(…) o

empenho na aula, na participação, na ida ao quadro, na elaboração das fichas, na

cooperação com os colegas, na resolução das situações problemáticas que vão surgindo». (E6)

Procede-se ainda à autoavaliação no final da aula. «(…) e o mais engraçado é que não são uns exagerados. Normalmente, até têm consciência do que fazem e aquilo que eles dizem está de acordo com o que estou a pensar». (E4)

Neste momento, o aluno é convidado a refletir sobre o seu desempenho. A opinião generalizada dos docentes é de que os alunos se autoavaliam muito bem o que demonstra um grau elevado de consciencialização de todo o processo de aprendizagem. Apesar da importância atribuída à autoavaliação, alguns docentes reconheceram que só a promovem trimestralmente por contingências temporais. Quanto à ficha de autoavaliação adotada, emergiu de uma proposta inicial de uma docente que a submeteu ao conselho de turma e, depois de ajustados os parâmetros, foi aprovada por todos. A autoavaliação diária é uma estratégia positiva das turmas de PCA conformada pelos critérios de avaliação definidos para o 2.º ciclo do ensino básico, aprovados em Conselho Pedagógico. «(…) com este tipo de alunos, a autoavaliação no final da aula é o ideal». (E1)

No regular o aluno também a faz, mas com outra periodicidade. «(…) O registo diário, a curto prazo, no momento, para irem se apercebendo daquilo que fizeram mal, para que na próxima possam corrigir, é muito positivo». (E1)

Trata-se de uma reflexão sobre o desempenho com vista à melhoria. Enfim, um registo de avaliação do aluno. Quanto aos instrumentos utilizados na avaliação do processo de ensinoaprendizagem, os docentes reconheceram a importância da avaliação diagnóstica; fichas/grelhas de observação do desempenho dos alunos; fichas formativas e sumativas; valorização dos comportamentos e atitudes na perspetiva integral dos alunos; trabalhos de grupo individuais e a autoavaliação realizada no fim das aulas. Destaca-se a prática da autoavaliação em quase todas as disciplinas, inclusivamente na disciplina de Educação Física, pela importância que assume na apreciação de todo o

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processo de aprendizagem e na consciencialização não só dos aspetos mais favoráveis, bem como dos ainda passíveis de melhoria. A ficha de autoavaliação foi elaborada por uma docente que a submeteu ao conselho de turma, tendo sido adotada após alguns reajustamentos. Esta ficha integra parâmetros comuns às diversas disciplinas e está adaptada aos alunos com NEE de modo a facilitar a sua compreensão e autonomia no seu preenchimento. A reflexão sobre os resultados e a informação regular aos alunos do desempenho, progressos e respetivas necessidades de melhoria é uma medida muito positiva e assertiva posta em prática pela generalidade dos docentes. «(…) Com estes alunos não podemos esperar para o final do período para passar a informação. Quase todos os dias, nós vamos transmitindo ao aluno a sua evolução e fazemos até advertências ao comportamento se for necessário. E quando é para dizer bem também digo». (E1) «(...) Todos os dias faço anotações sobre as dificuldades que tiveram, o que conseguiram fazer melhor e, no fim, faço sempre um comentário, até porque eles já estão tão habituados e perguntam sobre a sua prestação». (E2) «(…) Por norma, nas aulas de noventa minutos no fim da aula, ao fazerem a autoavaliação, eu digolhes sempre o que é que gostei e o que não gostei, para que tomem consciência do que podem e não devem fazer, para que se motivem a fazer melhor». (E4) «(…) Normalmente vamos dando conta da sua situação no dia-a-dia. Por vezes, até reforçamos com exemplos dizendo: - Olha, na semana passada tiveste muito bom, hoje estragaste tudo com o teu comportamento». (E8) «(…) Não costumo deixar para o fim do período. Até durante as aulas vou-lhes dando conta da sua evolução para que saibam o que está acontecendo. Penso que funciona bem sendo feito todos os dias». (E9)

Sintetizando, foram concebidas e implementadas diversas estratégias de avaliação diversificadas e inovadoras na monitorização e desenvolvimento das aprendizagens. Verificou-se a consistência entre as prioridades educativas definidas no que concerne aos objetivos escolares a alcançar e os critérios de avaliação estabelecidos. Os indicadores resultantes das entrevistas apontam para a enfatização de certas componentes – assiduidade, comportamento, realização e desempenho; valorização das atitudes (o saber estar) e a enfatização das competências sociais e comportamentais. As modalidades de avaliação distribuem-se pela avaliação contínua, avaliação diagnóstica, formativa, sumativa, mas são igualmente consideradas a autoavaliação diária e trimestral. A

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enfatização da perspetiva formativa da avaliação foi extremamente benéfica para estes alunos desencadeando uma nova atitude face às aprendizagens e à escola.

6.2.5 – As dificuldades sentidas Apesar do reconhecimento da importância e positividade do PCA, foram assinalados alguns constrangimentos na implementação do projeto em análise e que configuraram as principais dificuldades sentidas pelos docentes. A falta de espaços físicos para a realização de trabalhos mais práticos representou um problema, na opinião dos docentes entrevistados. «(…)Os alunos querem muitas coisas práticas e às vezes é necessário mudar, porque não está a funcionar. (…) Para isso, as salas teriam que ser completamente modificadas. E acho que isto é um entrave, um entrave material, uma dificuldade, na minha opinião». (E4) «(…) As salas não estão propriamente direcionadas para turmas de PCAs, se as salas tivessem outra disposição, materiais próprios, mais armários para guardarem os materiais…». (E5)

Também relacionado com o espaço físico, e conforme já referido anteriormente, a não atribuição de uma sala fixa à turma de PCA constituiu um constrangimento que acabou por condicionar todo o trabalho. A própria presidente da escola considerou ser uma lacuna e assumiu que uma sala fixa é também uma necessidade dos CEFs. Relembrou que com a diminuição crescente do número de alunos, a médio prazo será possível a disponibilização de salas para este tipo de projetos. Para além dos fracos recursos físicos já documentados, as carências de materiais audiovisuais criaram outros constrangimentos ao funcionamento das aulas. Segundo a diretora de turma, estes materiais destinavam-se à dinamização das aulas de modo a se tornarem mais interativas. «(…) As dificuldades que nós encontrámos este ano, para além daquelas que nós já falamos (falta de espaço, as condições físicas…), prendem-se com outro tipo de recursos audiovisuais, para tornar as aulas um pouco mais interessantes, mais ativas, só que a Escola não tem condições». (E1)

A necessidade de construir material apelativo e variado diariamente criou outros tantos constrangimentos também identificados por alguns professores.

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«(…) É preciso fazer material variado todos os dias. (…) no apoio individual tenho de preparar material para quatro ou cinco disciplinas. (….) A minha maior dificuldade é arranjar material. (…) No fundo, a minha maior dificuldade é preparar o tempo em que vou estar com eles». (E2)

A combinação de outros elementos (número elevado de alunos por turma, heterogeneidade da turma, ritmo de aprendizagem, dificuldades de aprendizagem e comportamento disruptivo adotado por alguns alunos) foram perspetivados como outros problemas da prática que preocupavam os docentes. «(…)Eu tenho dificuldades também devido às turmas serem numerosas (quinze alunos). Pensa-se que são poucos, mas não. São muitos quando nós temos diferenças de compreensão, de aquisição de conhecimentos, enfim, quando o grupo é muito heterogéneo». (E3) «(…) A grande heterogeneidade dos alunos a todos os níveis, de conhecimentos, de comportamentos, de tudo foi, sem dúvida uma grande dificuldade». (E1) «(…) Cada vez mais estamos a recebê-los com um grau mais acentuado de dificuldades de aprendizagem e sem as aptidões desenvolvidas. Não sou contra a inclusão, mas acho que nunca tivemos alunos que não soubessem fazer contas, ler e escrever o seu nome, alguns já com catorze e quinze anos. (…) Tenho dificuldades como toda a gente. A maior é, sem dúvida, chegar a todos na medida das suas necessidades… É precisamente a dificuldade em chegar a tempo e a todos». (E8)

A falta de condições criou alguns constrangimentos à prática pedagógica e ainda que de forma gradual alguns problemas foram-se agudizando. No domínio da planificação de toda a prática, todos reconheceram a dificuldade inicial em avaliar, selecionar e concretizar em contexto de sala de aula as competências essenciais do perfil destes alunos. Os professores tentaram a todo o custo o ajustamento de conteúdos, para além de reformularem e simplificarem os objetivos para os mínimos. «(…) Tive de baixar os objetivos da disciplina até ao mínimo. Eu pedi: leitura, interpretação, oralidade e escrita. É o que me interessa». (E5) «(…) Tenho dificuldades como toda a gente. A maior é, sem dúvida, chegar a todos na medida das suas necessidades… É precisamente a dificuldade em chegar a tempo e a todos». (E8)

Para o professor E7, o próprio desenho curricular representou outro sério constrangimento, na medida em que, apesar de todas as adaptações realizadas, permaneceram as configurações de uma proposta muito teórica, o que acabou por acentuar as dificuldades de aprendizagem já existentes. Na sua opinião, trata-se de um modelo de formação muito teórico, que não se adequa aos alunos que têm um Currículo Específico Individual (CEI), ou seja, os que apresentam NEE. Neste sentido, a maioria dos docentes

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da turma defende uma reorganização curricular e uma aposta numa via mais profissionalizante desde logo, sobretudo para os alunos com grandes dificuldades de aprendizagem e que não conseguem ingressar num CEF. «(…) O problema é ter de seguir muito à risca o currículo nacional. (…) é preciso desenvolver algumas competências essenciais de Português e Matemática, mas assente numa parte mais prática. (…) a Escola ou a entidade reguladora tem de criar espaços em que estes alunos tenham outras atividades mais práticas». (E2) «(…) No nosso caso, estes miúdos vão andar aqui mais quatro anos, à espera de ir para um CEF ou fazer um curso e depois nem podem entrar, porque têm de fazer os exames. Tem de ser criada uma alternativa para estes alunos que não conseguem entrar num CEF». (E2) «(…)neste PCA, já devia estar integrada a tal profissionalização». (E3) «(…) No caso desta turma, em que temos alguns elementos já com quinze anos, dezasseis e dezassete anos, acho que já deveriam ter uma parte mais profissional, nem que fosse de mais responsabilidade a esse nível. Já temos até alguns alunos em experiência pré-profissional e é importante para que eles sintam que estão a entrar numa idade em que têm de ter responsabilidade e aprender a cumprir horários e outras coisas básicas, importantes para a vida …». (E5)

As dificuldades encontradas distribuem-se pelos domínios: condições físicas e materiais, condições organizacionais da turma (número elevado, heterogeneidade, dificuldades de aprendizagem e comportamento) e condições de organização e gestão curricular.

6.2.6 – As emoções Ainda que a evidência das opiniões tenha incidido no relato das vivências da prática letiva e respetiva caraterização, nomeadamente o reconhecimento das mudanças que ocorreram nas práticas pedagógicas e dos constrangimentos emergentes dessa prática, alguns docentes descreveram as emoções vividas durante a experiência de lecionação a turmas de PCA. A descrição detalhada das emoções mostrou um confronto inicial com uma nova dinâmica de funcionamento e respetivas dificuldades de integração e de adaptação daí decorrentes. Explicitamente foram destacados diversos sentimentos de confusão e desorientação. «(…) No início do ano, senti-me um pouco perdida, e com dificuldades em adaptar os conteúdos às dificuldades detetadas, que obrigavam a descer o nível». (E3)

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«(…) Há alunos com graves problemas de comportamento, muito problemáticos, tudo isto, numa mesma turma, de quinze alunos, cada um com as suas especificidades. Dar resposta a tudo isto fez-me muita confusão e foi a maior dificuldade». (E1) «(…) Eu não sabia trabalhar com estes alunos, não sabia o que havia de fazer no início do ano. Foi preciso procurar, falar com os colegas e a ajuda da professora de Educação Especial foi fundamental, sem dúvida nenhuma. (…) Julgo que eu e a professora de Matemática fomos as que andamos mais perdidas. Não sabíamos como trabalhar com eles. Primeiro, foi difícil diagnosticar, e a partir do momento em que ao tentar fazer um ditado eles não escreviam uma palavra, ao fazer uma avaliação de leitura e eles não liam uma palavra, vi logo onde é que estavam. Estavam no nível zero, basicamente. Só faziam cópia e às vezes com erros. Pensei que tinha que começar da base, mas como?» (E5)

A diretora de turma destacou o investimento de tempo e a grande dedicação, ao nível profissional e emocional, dos professores que trabalham com as turmas de PCA. Foi enorme o desgaste físico e emocional que impeliu para sentimentos de desmotivação pessoal e descrença no projeto. «(…) Uma falta de motivação sobretudo da minha parte, já não falo da parte deles. O reconhecer e chegar à conclusão de que o trabalho que se vai fazer, pouco ou nada vai contribuir para que saiam dali mais valorizados». (E7)

Uma das docentes reconheceu a necessidade de formação mais específica para trabalhar com este tipo de alunos. Esta sensação de impreparação desencadeou um sentimento de insegurança/dúvida só ultrapassadas pela pesquisa desencadeada. «(…) Tive de pesquisar muito para conseguir reformular e adaptar o currículo às necessidades dos alunos. Tive de trabalhar, procurar e, pedir ajuda…». (E3)

A ambivalência de sentimentos vivenciados pelos docentes na prática letiva na turma de PCA contrasta com as perspetivas favoráveis dos docentes acerca das potencialidades deste projeto no desenvolvimento dos alunos. Ao contribuir para a evolução na aquisição de conhecimentos e no processo de aprendizagem vai permitir a supressão de muitas das dificuldades sentidas pelos alunos e já assinaladas no decurso desta descrição. A evidência demonstrada aponta para melhorias significativas na motivação e interesse pela escola contrariando trajetórias escolares marcadas pelo desinteresse, falta de empenhamento e retenções. A inversão de todas as problemáticas presentes na vida destes estudantes, a partir da sua integração na turma de PCA, vai permitir a sua projeção enquanto modelo de formação e orientação alicerces na construção de um projeto de vida e trajetória profissional.

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6.2.7 – Em síntese São utilizadas diversas metodologias variáveis em função dos contextos, situações e da própria área disciplinar, destacando-se na ação educativa os projetos mas também as aulas expositivas tradicionais. A adoção de metodologias diversas convergem para uma prática baseada numa conceção construtivista, contrária a perspetivas hom*ogeneizantes do ensino. O ambiente de algumas salas de aula converge para uma perspetiva de escola, local de desenvolvimento e aprendizagem, ambiente sociocultural de mediação em que os professores e os alunos cooperam com vista à construção das aprendizagens e aquisição do conhecimento. Em outras salas predominam práticas tradicionais, apesar de se apontar para a necessidade de alterar práticas. O uso da metodologia de projeto é relevante pela possibilidade de desenvolvimento de competências essenciais no aluno. Da análise aos dados de investigação, ficou clara a preocupação com o estabelecimento de um clima de sala de aula estimulante, de entreajuda, favorável à aprendizagem. Os docentes da turma reconheceram a mudança/alteração das práticas pedagógicas na lecionação à turma de PCA onde decorreu a investigação. Foram alterações das metodologias e estratégias utilizadas, das práticas de avaliação implementadas e das atividades selecionadas. Admitiram que a intervenção nesta turma enquadrou uma prática mais exigente e assinalaram igualmente mudanças ao nível pessoal (maior tolerância) que acabaram por condicionar toda a interação estabelecida. Quase diariamente se procedeu à procura, construção e elaboração de novos materiais pedagógicos. As atividades tornaramse mais atrativas e houve uma variação do ritmo imposto. Apesar das exigências da prática com a turma de PCA, os docentes sentiram-se acompanhados pelo par pedagógico. Os procedimentos metodológicos e as estratégias utilizadas no trabalho com a turma foram ajustados às necessidades dos alunos, razão pela qual se procedeu à adequação dos conteúdos às suas competências. Nesse sentido, foram redefinidas as metas e objetivos mínimos e dinamizadas tarefas práticas e experiências significativas. A transformação das práticas de ensino-aprendizagem exigiu destes docentes a reconsideração do espaço sala de aula e da própria escola nas suas dimensões físicas, temporais, funcionais e relacionais.

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Foi enfatizado o apoio individualizado, considerado de extrema importância, e implementadas metodologias de trabalho e estratégias mais ativas e diversificadas. O recurso a fichas de trabalho com informação útil e de remediação foi igualmente considerado. A aprendizagem cooperativa e a diferenciação pedagógica são outras estratégias frequentemente utilizadas e valorizadas na prática docente com a turma de PCA. A inovação ficou associada a conceitos de mudança, aprendizagem, novidade, desafio, envolvimento e tecnologia, visando a melhoria das práticas. Foi assinalada a existência de um foco de resistência à mudança e alguns fatores impeditivos da sua implementação. Esses obstáculos foram distribuídos por três categorias: pessoais, profissionais e contextuais. Estabeleceu-se o perfil do professor inovador a partir das caraterísticas pessoais determinantes e os conhecimentos pessoais essenciais. Para os professores participantes na investigação, a avaliação é um processo de regulação do ensino-aprendizagem, um instrumento de identificação do desempenho e evolução do aluno. As propostas de avaliação conformadas pela legislação em vigor revestem um caráter descritivo e quantitativo. A obrigatoriedade da realização de provas de aferição foi severamente contestada pelos docentes que consideraram estar a ser posta em causa a alternativa que se pretende alcançar. Embora reconhecendo a importância da avaliação das aprendizagens dos alunos, os docentes discordam do modelo proposto e reforçam que este deverá assumir um caráter diagnóstico e formativo. Foi por isso secundarizada a vertente sumativa da avaliação emergente de modelos centrados na quantificação e apostou-se na prática da avaliação diagnóstica, formativa, contínua e autoavaliação. Defendem a necessidade de se valorizar o processo e não o resultado apostando-se em determinadas componentes como a assiduidade, as atitudes, as competências sociais e comportamentais. Apostou-se na avaliação de caráter formativo com recurso à auto e heteroavaliação. A avaliação na sala de aula incidiu sobre o que foi feito: TPCs, motivação e interesse pelas atividades, participação/envolvimento e observação do caderno diário. Descreveram-se algumas dificuldades assinaladas pelos docentes da turma. São constrangimentos de natureza organizacionais e pedagógicas, emergentes da carência de materiais e de espaços físicos necessários à otimização do funcionamento do PCA. As fragilidades de natureza organizacional reportam-se ao número elevado de alunos por 327

turma, a heterogeneidade da turma, o ritmo de aprendizagem, as dificuldades de aprendizagem e os problemas de comportamento. As condições de organização e gestão do currículo configuraram igualmente desafios a ultrapassar, emergentes da natureza excessivamente teórica do currículo determinado pela tutela. Nesse sentido, os docentes defenderam a reorganização curricular através da introdução de uma formação prática (préprofissional ou vocacional). As emoções referidas pelos professores são representativas das dificuldades e constrangimentos da prática pedagógica junto da turma. O confronto inicial com uma nova dinâmica desencadeou sentimentos de confusão, desorientação, insegurança e dúvida em alguns docentes da turma, ultrapassados pelo investimento de tempo e dedicação ao nível profissional e emocional. O desgaste físico revelado, para além dos sentimentos de impreparação desencadearam sentimentos de desmotivação pessoal e até de descrença e descontentamento com o projeto.

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6.3 – Que ambientes emergiram da utilização das tecnologias na disciplina de ITIC no âmbito do PCA? 6.3.1 – A incorporação das TIC: que contributos? É muito recente a preocupação com o estudo e investigação dos ambientes de aprendizagem. Durante muito tempo a intervenção dos professores teve por base as suas conceções pessoais, em parte emergentes das suas experiências enquanto alunos. No âmbito da investigação que realizámos sobre uma proposta de PCA, propusemo-nos estudar as condições em que a tecnologia permite instruir novos contextos de intervenção pedagógica verdadeiramente inovadores. Conformados pelas ideias e teorias construtivistas acerca da aprendizagem e pelos contributos de Vygotsky, procedemos à pesquisa dos ambientes emergentes da utilização do computador na disciplina de ITIC, no âmbito do projeto de PCA, proposta que integra uma das questões de investigação. Nesse sentido, começámos por questionar os docentes sobre o que pensavam da incorporação das TIC na sua prática pedagógica. Por tratar-se de uma questão transversal a todas as disciplinas envolvemos todos os docentes da turma. Para a diretora de turma e professora de ITIC, a introdução das TIC criou um conjunto de oportunidades e possibilidades inesgotáveis ao permitir: «(…) pensar cenários de aprendizagem bem diversificados e muito apelativos, quer para o professor, no seu trabalho de planificação e seleção de materiais e estratégias, quer para os alunos, na forma apelativa como lhe são apresentados os conteúdos/saberes. (…) Em ITIC temos um projeto de elaboração de uma agenda comemorativa dos vinte anos da Escola». (E1)

Trata-se de uma oportunidade para transformar os cenários de aprendizagem e a própria aprendizagem e torná-la mais apelativa, através da introdução de novas metodologias, estratégias e materiais. Já a professora de Educação Especial encara a incorporação das TIC como um suporte e acredita que com a sua incorporação estão lançadas as bases para uma aprendizagem significativa. Todavia, o professor deverá ter a capacidade de modificar as suas aulas, levando os alunos a encará-las como uma aventura, uma descoberta e uma partilha. Neste contexto as matérias a aprender estão mais acessíveis, facilitando a

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ocorrência de interação com subsunçores adequados e consequentemente desenvolvimento cognitivo (Ausubel, 2003). «(…) As TIC vêm ajudar nessa estimulação, nessa procura, permitindo aos alunos em contexto de sala de aula, relacionarem e aprenderem sem verdadeiramente existir esforço, enfado e desmotivação. (…) É uma maneira de terem acesso ao conhecimento, de experimentarem e de terem a liberdade para explorar sem hora marcada». (E2)

Esta perspetiva de ajuda é igualmente reconhecida por outro docente participante na investigação, ao destacar que as tecnologias ajudam os alunos a realizarem as suas pesquisas de forma individual, com alguma independência, ou seja, proporcionam mais autonomia. «(…) Gostava de ter uma sala maior com uma pequena estante com alguns livros e um computador, onde o aluno faria as suas pesquisas, envolvendo outras áreas do conhecimento. Criar um percurso onde fosse possível, outra envolvência que não é possível neste espaço». (E9)

São também um complemento e a sua incorporação induz à pesquisa, como reconhece a professora de Matemática: «(…) As TIC funcionam em complemento com as outras disciplinas,…Acho que é ainda mais significativo quando pressupõe pesquisar determinado tipo de informação e trabalhar essa informação». (E5)

A professora E6 considera-as um meio essencial e privilegiado para aceder, trocar e disponibilizar informação, um recurso imprescindível para a construção de uma escola mais dinâmica, inovadora, motivadora, voltada para a formação de indivíduos autónomos capazes de construir o seu próprio conhecimento e integradora de todos os alunos. Na sua opinião, as TIC tornam as aulas mais atraentes, encorajam o trabalho cooperativo, facilitam a entreajuda e promovem a aprendizagem por descoberta. As facilidades no acesso à informação, à pesquisa e ao conhecimento são atributos que foram igualmente referidos por vários docentes. «(…) Também na disciplina de EVT propomos aos alunos trabalho de pesquisa. Temos só um computador na sala, mas há sempre alunos a fazerem pesquisas sobre temas que estão a ser tratados». (E8) «(…) Se estamos a explorar diversos conteúdos acho por bem sugerir aos alunos que vão ao computador e façam a pesquisa sobre o tema que está a ser trabalhado. Assim fazem um trabalho melhor documentado». (E9)

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«(…) Acho que é uma forma de os motivar, porque eles gostam muito de computadores. Pelo menos desenvolvem as capacidades de escrita e pesquisar é um excelente treino». (E10)

Apesar da positividade dos contributos assinalados e de se tratar de uma mais-valia para a prática letiva, o que se verifica é que muitas vezes as TIC funcionam apenas como uma ferramenta, sendo que a forma de utilizá-la é que faz a diferença. Também o professor de Expressões reconhece a importância e a positividade da incorporação das TIC nas práticas pedagógicas, mas salienta que a sua utilização não constitui por si só um fator de inovação, podendo até ser um bloqueio. «(…) Posso ir para uma sala onde tem um quadro interativo e dar uma aula sem qualquer tipo de interatividade com os alunos. Posso ter muita tecnologia, muitos jogos e não ser interativo. E com um simples texto posso promover a interatividade entre os alunos, porque partilhamos, trocamos e vamos interagindo. As novas tecnologias não valem nada por si só. Elas valem se dali conseguir retirar algumas propostas diferentes. Se com elas conseguir promover a alteração da minha prática». (E7)

Uma opinião partilhada pela professora de Matemática para quem as tecnologias não melhoram a qualidade de ensino, constituindo apenas mais um instrumento. «(…) Às vezes utiliza-se o quadro interativo como se fosse um quadro negro».(E3)

Ou seja, a tecnologia subjacente aos meios audiovisuais, tal como reconhecem Fino e Sousa (2003), pode não instituir verdadeiramente novas práticas. Daí que a reflexão sobre as condições em que a tecnologia poderá instituir novos contextos de aprendizagem, na turma de PCA, seja crucial, primeiro para conhecer o que nesse contexto acontece e, segundo, como um contributo à emergência de uma intervenção pedagógica verdadeiramente inovadora. Os resultados de diversas investigações realizadas neste âmbito, apontam mesmo para um desaproveitamento das potencialidades do computador e das TIC em termos de estimulação, desenvolvimento e suporte das competências de aprendizagem, o que é também reconhecido por Jonassen (2007), Papert (1997; 2008) e Fino (2011b). A realidade tem demonstrado que na maioria dos casos, a incorporação de tecnologia na educação não produziu uma escola diferente, tendo-se continuado na reprodução dos estereótipos da escola tradicional. Corroboradas algumas resistências que a presença da tecnologia ligada aos meios audiovisuais pode acarretar, os docentes da turma estão no entanto, conscientes do papel de relevo assumido pelas novas tecnologias e reconhecem as possibilidades que a sua

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incorporação na escola pode criar, nomeadamente a possibilidade de transição de um modelo de reprodução de conhecimentos para um modelo de funcionamento baseado na sua construção partilhada, aberto aos contextos sociais e culturais, à diversidade dos alunos, aos seus conhecimentos e motivações. Acreditam que a sua utilização poderá desencadear a mudança dos ambientes de aprendizagem em convergência com a perspetiva de Papert que encara a incorporação das TIC não como um meio de salvar ou reformar a escola, mas a sua utilização será certamente uma forma de a contornar, ao colocar-se ao serviço dos aprendizes nos seus contextos naturais (1980, cit. Fino, 2007, p. 40). É claro que as opções assumidas decorrem sempre da acomodação de perspetivas pessoais dos docentes envolvidos sobre o conceito de aprendizagem, dos papéis assumidos por todos os intervenientes no processo, das representações acerca da incorporação das TIC na prática pedagógica, da influência das decisões acerca da gestão da sala de aula e da própria organização do ambiente de aprendizagem. Daí que tenha sido nossa preocupação, aceder ao conhecimento dos pontos de vista e da prática dos docentes sobre estes aspetos, não só através da realização de entrevistas e recolha de notas de campo, como também pela observação participante realizada de forma exaustiva. Assim, e segundo a diretora de turma, ensinar nos dias de hoje não passa pela transmissão de conhecimentos. É muito mais, é fazer dos jovens indivíduos mais capacitados, mais interventivos na sociedade. Reconhece que as alterações introduzidas são emergentes da incorporação das tecnologias na prática pedagógica pela otimização do acesso à informação e pela possibilidade de se estabelecer novas práticas metodológicas e novas interações a partir da utilização do computador. «(…) As novas tecnologias vieram há alguns anos a esta parte, revolucionar o ensino. A Internet passou a ser um meio educativo, através do qual os alunos têm a oportunidade de aprender de forma mais ativa, sendo que muitas vezes o fazem inconscientemente e sem que o professor tenha tido um papel direto nessas mesmas aprendizagens. O professor passou a ser mais um orientador do que transmissor de conhecimentos. As novas tecnologias tornaram os alunos mais interessados, envolvidos e curiosos. A curiosidade é uma ferramenta impulsionadora no processo de aprendizagem dos alunos. Um aluno curioso é um aluno interessado, motivado, ávido por descobrir novos e diferentes saberes. Consequentemente, o professor poderá orientar os seus alunos, tirando partido dos seus interesses e curiosidades, para uma participação de cariz mais interveniente no meio e/ou comunidade escolar». (E1) (Notas de campo, abril 2010)

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Prosseguindo na análise aos ambientes que emergiram da utilização das tecnologias, as evidências demonstram que as tecnologias proporcionam mais autonomia no processo de ensino-aprendizagem. O ensino deve por isso proporcionar ferramentas para que estes aprendam a procurar, pensar, solucionar e avaliar as suas decisões, impulsionando a mudança. «(…) Criando um trabalho estruturado, orientado no sentido de deixar que cada aluno encontre a sua motivação e que a trabalhe de acordo com as várias disciplinas, o caminho para o sucesso estará facilitado. Aqui entram as tecnologias, mas só com uma variedade significativa de recursos os professores conseguem promover estas competências nos seus alunos. Deste ponto de vista, uma escola apetrechada com meios tecnológicos terá neste investimento alunos criativos (porque lhes foi dada a oportunidade de criar, por exemplo através das TIC), autónomos e empenhados no seu processo educativo. A inovação surge como um prolongamento e ao mesmo tempo consequência das tecnologias». (E2) (Notas de campo, abril 2010)

Como vimos, a tecnologia não é necessariamente um fator de inovação. Frequentemente a tecnologia é apenas utilizada como ferramenta, em que se atualizaram os materiais, nada mais. Isso representa sem dúvida uma ajuda, mas não promove inovação. Por isso, a professora de Matemática defende uma alteração na forma de dar aulas, promovendo a alteração de práticas. Todo o processo deverá centrar-se no aluno e não no professor. «Não há outra forma. Nós estamos habituados a chegar à sala e a debitar conhecimentos e não deve ser assim, temos que conversar com os alunos para tentar chegar às suas expectativas». (E3)

Pelas opiniões veiculadas é consensual para estes docentes que a tecnologia, por si só, não se traduz em inovação. Esta consciencialização parece-nos particularmente relevante para a prática pedagógica. «As TIC são um fator de inovação na escola quando aquilo que é pedido para realizar for uma novidade. Se eu utilizar, por exemplo, o quadro interativo unicamente como um projetor da matéria (tipo retroprojetor / acetatos), isto não é inovação. Todavia se utilizar todas as funcionalidades do mesmo, realizar atividades com programas específicos deste tipo de quadro (o active inspire, como há na escola), o quadro é uma excelente inovação. Depende sempre da forma como o professor utiliza as tecnologias. A inovação não está no aparelho mas na forma como se as utiliza». (E5) (Notas de campo, abril 2010)

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Em síntese, para a generalidade dos docentes, em convergência com a perspetiva de Silva (2002), as TIC são favoráveis à implementação de modelos de organização pedagógica diferenciada e construtivistas de aprendizagem, cujos pressupostos apontam para o protagonismo dos sujeitos aprendentes nas atividades promovidas pela escola. Deste modo, defendem a implementação de novas abordagens pedagógicas, em que se dará maior importância à iniciativa do aluno e ao trabalho em equipa. A integração da disciplina de ITIC no design curricular proposto para a turma acabou por desencadear a ampliação do poder dos alunos, enquanto aprendizes (Fino, 2010) em detrimento de uma prática de reforço e controlo do professor sobre a turma, em atividades estritamente curriculares. Pelo exposto, os participantes na investigação asseguram que a incorporação das TIC nas práticas pedagógicas com a turma de PCA é de vital importância pelas caraterísticas dos alunos da turma. Reconhecem que se trata de uma ferramenta que potencia as possibilidades de aprendizagem e a construção do conhecimento dos alunos, a partir de uma aprendizagem situada (Papert), isto é, profundamente integrada no contexto, em que ocorre a negociação social do conhecimento, processo pelo qual os aprendizes edificam as suas construções com os pares e a colaboração, fundamental para a negociação do conhecimento (Sousa & Fino, 2001).

6.3.2 – Os ambientes de aprendizagem emergentes Os ambientes emergentes da utilização do computador decorrem do contexto geral no qual foi proporcionada a sua utilização no âmbito da disciplina de ITIC e das tarefas relativas à elaboração da agenda comemorativa dos vinte anos da escola (“Agenda do Aluno 2010-2012”). A elaboração da agenda pela turma de PCA - 5.º A foi programada para o ano letivo 2009-2010. O objetivo principal foi executar uma agenda, através de uma estrutura realizada pelos alunos, que integrasse textos e imagens elaborados nas aulas de ITIC. A compreensão dos ambientes de aprendizagem emergentes, enquanto promotores de práticas pedagógicas tradicionais ou de novas práticas mais conducentes à mudança e inovação, motivou-nos para a reflexão sobre as metodologias utilizadas, as interações

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sociais estabelecidas a partir da utilização dos computadores e o empoderamento dos estudantes quando utilizam o computador. Deste modo, auscultado o pensamento e as representações dos docentes sobre a incorporação das TIC na prática pedagógica com a turma de PCA, propusemos -nos a uma pesquisa ao real da sala de aula, um olhar etnográfico, às formas de atuação na atividade conjunta professor/aluno, aluno/professor, aluno/aluno e às dinâmicas e alterações induzidas pela incorporação/exploração da tecnologia na cultura da escola, as tarefas solicitadas ou proporcionadas e os artefactos produzidos. Para o efeito, observámos doze aulas de ITIC, cujo registo integral consta do diário eletrónico. Durante este período tivemos oportunidade de observar os contextos de aprendizagem e verificar em que medida a tecnologia contribuiu para a instituição de novos contextos favoráveis à inovação pedagógica na turma de PCA. As aulas de ITIC aqui documentadas decorreram numa das salas de informática da escola, situada no 4º piso. Os professores titulares da disciplina de ITIC são o profº de Informática e a diretora de turma (também professora de Inglês). No registo das observações realizadas, o profº de Informática será designado por PTIC e a diretora de turma será representada pelas siglas DT. Estes docentes foram também responsáveis pela elaboração do projeto. Na sala, as carteiras estavam organizadas em filas, umas atrás das outras mas agrupadas duas a duas. Em algumas aulas observadas verificámos que os alunos trabalhavam individualmente e também aos pares. Refira-se que o número de computadores existentes na sala de aula permitia a distribuição de um aluno por computador, mas muito regularmente os alunos juntavam-se aos pares. A disposição física da sala de informática não diferia muito da organização da maioria das salas de aula da escola, conforme já tivemos oportunidade de referir. No entanto, em algumas disciplinas, nomeadamente Educação Visual e Tecnológica, Educação Musical, Área de Projeto, esta organização era normalmente alterada no início das aulas pelos alunos, que de forma bastante célere procediam ao agrupamento de duas, quatro ou mais mesas, de modo a permitir a adoção de outras práticas e novas formas de organização do trabalho pedagógico.

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Este tipo de organização adotada na disciplina de ITIC permite-nos a inferência de que o computador não estimulou a adoção de novas formas de configurar a sala de informática, pelo menos de forma definitiva. Sempre que necessário e na sequência da integração de metodologias e estratégias diversificadas juntaram-se mesas e alunos. A manutenção desta organização da sala de informática, de formato/distribuição mais convencional, decorreu em parte por preocupações assumidas com a organização e a segurança do espaço da sala de aula, pela presença e distribuição de fios (condutores de corrente elétrica e os de ligação aos computadores) em áreas de circulação. Quanto às atividades desenvolvidas, tiveram por base os conteúdos definidos para a disciplina com recurso ao computador, ao programa Paint, ao Power Point e às pesquisas na Internet. Refira-se que o próprio PCT da turma prevê o incentivo à utilização das TIC e à pesquisa na Internet como meio privilegiado de acesso à informação, especificamente na aula de ITIC. No que concerne às metodologias utilizadas, a presença da tecnologia induziu a um tipo de organização (adoção de metodologias mistas) mais conducente ao trabalho aos pares e em grupo, à pesquisa e ao desenvolvimento da autonomia dos alunos na medida em que lhes era solicitado o desenvolvimento de certas tarefas de forma autónoma. A partir dos conteúdos delineados para a disciplina foram propostas diversas atividades pelos docentes, de temáticas variadas, a realizar com recurso à pesquisa na Internet e de forma autónoma, muito embora com os professores sempre por perto, disponíveis para ajudar no que fosse necessário. Estas propostas inicialmente orientadas para uma realização individual foram regularmente executadas de forma colaborativa. Em conformidade com o já descrito no enquadramento teórico desta investigação, este sujeito é interativo, porque constrói o saber a partir de relações intra e interpessoais. É nesta troca com os outros e consigo próprio que vai interiorizando conhecimentos, papéis e funções sociais, onde se processa a aprendizagem. O sujeito de aprendizagem possui uma componente passiva, na medida em que está dependente de forças externas que o vão moldando, uma componente ativa regulada por forças internas e uma componente interativa. Esta abordagem construtivista, convergente com a teoria de Vygotsky, congrega estas três componentes como referencial do processo de aprendizagem. Conforme já fizemos referência, toda a atividade desenvolvida ao longo do ano nas aulas de ITIC teve por base a exploração dos conteúdos definidos para a disciplina e as

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tarefas relacionadas e conducentes à concretização do projeto de construção da “Agenda do Aluno 2010-2012”. A envolvência gerada tornou-os membros de uma comunidade ao desenvolverem, por ação própria, trajetórias de participação. Ao fazê-lo manifestaram um sentido de pertença, através de domínios de coerência da prática (pelo envolvimento em ações conducentes à elaboração da agenda), do empreendimento conjunto (decisões coletivas e negociadas acerca de alguns elementos a integrar a proposta final) ou da atividade comum (desenvolvimento de um reportório partilhado envolvendo toda a produção da comunidade, como símbolos, histórias, poemas, desenhos…) e que oportunamente apresentaremos. No início de cada aula, um docente apresentava a proposta de trabalho com a exposição dos objetivos, sugestões diversas e outros recursos disponíveis passíveis de serem utilizados pelos alunos. Efetuada a apresentação a todos os alunos, a sessão de trabalho começava com uma pesquisa individual ou aos pares na Internet, regularmente através do motor de busca Google. Esta pesquisa destinava-se à recolha de elementos a integrar nos projetos de trabalho. A exploração do Paint ocorreu por vezes de forma individual e significativa pelos alunos, com a descoberta gradual das suas funcionalidades em função das necessidades em oposição a modelos de apropriação de conhecimento mais tradicionais. Registámos a existência de um clima de sala de aula estimulante, de entreajuda e tolerância, favorável à aprendizagem, apenas interrompido por algumas situações de conflito que de forma regular eclodiam. A comunicação predominantemente horizontal era muitas vezes substituída por uma comunicação vertical para apresentação de propostas, orientação à turma, chamadas de atenção e advertências face a determinados comportamentos assumidos pelos alunos. O diálogo estabelecido entre alunos e professores, expressão da interação, foi sempre valorizado pelos docentes. O acompanhamento aos alunos foi também uma constante, bem como o incentivo à concretização das propostas apresentadas, operacionalizado no estímulo à pesquisa, à descoberta do novo, apropriação, análise e avaliação da informação recolhida. Era notório por parte dos docentes a tentativa de rutura com alguns princípios, crenças e atitudes estruturantes da escola tradicional, visíveis na alteração de metodologias. A abordagem adotada é claramente convergente com a perspetiva de Vygotsky para quem ser professor (considerando uma ZDP) implica assistir o aluno proporcionando-lhe apoio e recursos, de 337

modo a que seja capaz de aplicar um nível de conhecimento mais elevado do que seria possível sem ajuda (Fino, 2001c). A liberdade concedida aos alunos na exploração, pesquisa e criação consagrou alterações substanciais aos processos de aprendizagem, por permitir a reconstrução de aprendizagens significativas, deixando o professor de ser “repassador do conhecimento” para assumir o papel de criador de ambientes de aprendizagem e de facilitador do processo de desenvolvimento intelectual do aluno. O controlo do processo de aprendizagem transitou para o aluno que encontrou no computador um excelente aliado. Em suma, a revisão de metodologias e práticas consentâneas com uma abordagem que utiliza o computador como ferramenta de aprendizagem numa perspetiva construcionista supõe a resolução de problemas e o desenvolvimento de projetos relevantes para o aluno. De seguida transcrevemos o excerto de uma aula observada, elucidativa da utilização dada ao computador:

Observação n.º 9

Data: 08-01-2010

Contexto: Aula de ITIC Professores presentes: Informática (PTIC), Inglês (DT-diretora de turma) e Investigadora (PI) Descrição da situação/comportamentos

«A DT manda ligar os computadores, mas antes de começarem a trabalhar, pede-lhes que rapidamente façam os dois exercícios que estão no fim do texto. Segue-se a correção dos mesmos em grupo. Após a correção, a DT pede aos alunos que abram o programa do Paint e façam um desenho sobre as diversas raças. Poderão atribuir outras cores às raças, mas deverão explicar porque é bom ser dessa cor. Os dois docentes circulam pela sala e acompanham os alunos individualmente. Dão explicações e orientam os alunos nas atividades propostas. Todos os alunos da turma trabalham individualmente no computador seguindo as instruções dos professores. (…) A DT dirige-se à AC e estimula-a a trabalhar. A aluna muito lentamente cede ao pedido da docente. Um dos alunos pergunta em voz alta: - Mas isto é para quê? Afinal não estou a perceber nada disto. A DT aproxima-se do aluno volta a explicar a proposta de trabalho e a sua finalidade (integração na “Agenda do Aluno 2010-2012”). Toda a turma continua a executar o trabalho proposto, sempre acompanhada pelos dois professores. Verifica-se que alguns alunos têm mais autonomia na utilização dos computadores. Um dos alunos chama a DT e mostra-lhe o seu trabalho. A docente elogia e um outro colega também chama pois quer mostrar o seu. O RT está com dificuldades e o PA voluntaria-se para ajudá-lo no seu trabalho. Quando acaba, o aluno entra no site do jornal "a Bola" e começa a ler as notícias do desporto. Estabelece-se um diálogo entre a PI e o aluno que está a ler as notícias na Internet. Uma das alunas chama

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a DT dizendo que se enganou e que precisa de ajuda. A docente lembra que deverá pedir sempre “por favor”. O profº Miguel (PTIC) procede à gravação dos trabalhos dos alunos para uma pen. Gera-se uma discussão entre dois alunos e a DT comenta: - Bom, já vai começar a "destrambelhar". A aula termina, soa o toque em toda a escola e a DT apressa-se a escrever o sumário no livro do ponto. Nesta aula não foi escrito no quadro».

Apesar de circunscritos na generalidade às diversas temáticas, definidas externamente, registou-se uma certa flexibilização nas pesquisas realizadas, bem como na autonomia proporcionada aos alunos pela possibilidade de exploração, investigação, descoberta, reflexão e criação. Conformados pelo interesse e motivação de cada aluno aquando das pesquisas efetuadas, os artefactos resultantes integram naturalmente elementos significativos para cada um, representativos da sua cultura. Em alguns momentos, foi concedida aos alunos a possibilidade de, livremente, definirem as suas opções, designadamente através do projeto de “Expressão Livre” e “Famous People”. Todavia, no âmbito de uma plena autonomia, ainda poderia ter sido dada aos alunos uma maior possibilidade de escolha dos temas a abordar, configurador de uma maior implicação no seu processo de aprendizagem.

6.3.3 – As interações educativas: papel do professor e do aluno A análise das interações educativas estabelecidas a partir da utilização do computador em situação de sala de aula permitiu destacar, que são diversas as estratégias utilizadas, de modo a garantir um leque de atividades e de conteúdos, para que os alunos pudessem personalizar a sua aprendizagem dentro da estrutura das metas e objetivos do programa da disciplina de ITIC.. Como vimos no enquadramento teórico desta investigação, a ZDP e a mediação social segundo Vygotsky propõem uma reorganização do papel tradicional do professor no contexto da turma, pois não é a instrução que possibilita ao aluno atuar no limite do seu potencial, mas a assistência proporcionada pelo contexto, o apoio e os recursos (Sousa & Fino, 2001). Nesse sentido, os professores, na qualidade de mediadores entre os aluno e a cultura, prestaram apoio, lançaram desafios, orientaram e regularam toda a atividade estabelecendo-se como agentes metacognitivos. Num estado mais avançado foi transferido

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para os alunos o controlo metacognitivo. O registo de uma das aulas observadas e que apresentamos seguidamente é esclarecedor do tipo de interação estabelecida.

Observação n.º 14

Data: 22-01-2010

Contexto: Aula de ITIC Professores presentes: Informática (PTIC), Inglês (DT-diretora de turma) e Investigadora (PI) Descrição da situação/comportamentos

«(…)Após a exploração do texto sobre a bandeira, a DT pede aos alunos que respondam a três questões que estão no fim da página. Depois, deverão aceder ao Paint e fazer um desenho que seja ilustrativo do 5 de outubro. Os docentes circulam pela sala e vão apoiando os alunos. Enquanto trabalham, os alunos estabelecem conversas paralelas e diálogos que se poderão considerar clandestinos. Discutem as respostas às questões da proposta de trabalho. Fazem pesquisas na Internet e os mais capazes ajudam os colegas. Cada vez que descobrem alguma informação complementar passam-na aos colegas. Perante a observação de algumas dificuldades dos alunos, a DT dá pistas acerca dos termos que deverão colocar no motor de busca, durante as pesquisas. Um dos alunos pergunta a uma das colegas a resposta à questão n.º 3. De forma natural, os alunos juntam-se aos colegas (par mais capaz) para responderem às questões propostas. Não são levantadas objeções pelos docentes, que vêm nesta metodologia uma forma de promoção das aprendizagens. Os docentes acompanham a evolução dos trabalhos realizados pelos alunos, dando ajuda e orientando sempre que necessário. A docente corrige os trabalhos dos alunos. Um dos alunos pede para concluir o trabalho na próxima aula».

O tipo de tarefas propostas confere ao computador um estatuto de ferramenta, mas a sua implementação enquanto instrumento integra aspetos de uma nova forma de perspetivar a aprendizagem, vista como um processo de regulação exterior que evolui para a autorregulação à medida que o aluno vai assumindo o controlo da tarefa, num contexto social onde os adultos ou os pares mais aptos orientam a atividade do elemento menos apto, conferindo assim novos papéis ao professor. Um papel de orientador das aprendizagens, tantas vezes identificado por nós na interação estabelecida e com uma intervenção centrada no desenvolvimento cognitivo dos alunos, através de uma interferência positiva na ZDP, em que se promovia uma aprendizagem interativa. O papel assumido pelos alunos também se alterou substancialmente, na medida em que deixou de ser individual e orientado por outros, para ser social, orientador e facilitador das aprendizagens do outro.

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Foram adotadas estratégias de interação entre pares, em que o controlo exterior era exercido pelo par-tutor. O excerto de uma aula, que apresentamos seguidamente documenta essa interação.

Observação n.º 17

Data: 29-01-2010

Contexto: Aula de ITIC Professores presentes: Informática (PTIC), Inglês (DT-diretora de turma) e Investigadora (PI) Descrição da situação/comportamentos

«(…) O RT chama um dos colegas para que o ajude nas pesquisas dos mapas. O PA aproxima-se e dá instruções ao colega. A profª pergunta à CS se já encontrou as diferenças. A aluna responde que não e chama a PI a solicitar ajuda. Conforme os alunos vão terminando os desenhos, o profº vai guardando numa pen. A aula prossegue com uma vertente lúdica em que os alunos acedem a diversos jogos».

O acompanhamento do processo de aprendizagem e a intervenção diferenciada é assim uma constante nesta turma. Apesar da valorização do trabalho individual, os docentes enfatizam o trabalho aos pares que, ao decorrer de uma forma colaborativa entre todos os alunos, se assume como um fator otimizante das suas aprendizagens. Admitiram que são favoráveis a interações a vários níveis sempre que as tarefas o justifiquem: grupoturma, grupos de trabalho aos pares ou com mais elementos e interações individuais. Como já referimos, esta forma de construção do conhecimento através da interação com outros indivíduos é uma excelente abordagem educacional em que os alunos são encorajados a trabalhar em conjunto na construção das aprendizagens e desenvolvimento do conhecimento. Tem por base a participação ativa e a interação com pares e professores e assenta num modelo orientado para o aluno e para o grupo, em que se promove a sua participação dinâmica nas atividades e na definição dos objetivos comuns do grupo. Enquanto processo de desenvolvimento e partilha de competências individuais para alcançar objetivos comuns, esta abordagem colaborativa assume um grande relevo perante as novas perspetivas e necessidades da sociedade do conhecimento, adquirindo grande relevância no contexto da turma de PCA. O uso do computador por estes alunos ocorria fundamentalmente nas aulas de ITIC, mas também de forma pontual em outras áreas disciplinares, como Educação Visual e 341

Tecnológica, Ciências da Natureza e Matemática. Fora destes espaços não havia grande utilização do computador (só alguns alunos tinham computador em casa). Já o trabalho colaborativo, para além de ser prática recorrente da disciplina de ITIC, era também uma realidade em outras disciplinas, como Área de Projeto, Educação Visual e Tecnológica, Educação Musical/Expressões, Desenvolvimento Pessoal e Social e Matemática. Nas restantes disciplinas, o contexto de sala de aula apresentava uma organização que traduzia uma perspetiva consentânea com o modelo expositivo de conteúdos. Todavia, estes alunos revelaram uma grande habilidade no manuseio de outros materiais tecnológicos (telemóveis, consolas, MP3, iPod), sendo mesmo frequente o recurso dos docentes a alguns alunos para a resolução de certos problemas com o quadro interativo, data show, etc. Esta destreza revelada na manipulação e exploração dos computadores foi muito positiva para a realização das tarefas propostas sobretudo na aula de ITIC. Neste contexto de aprendizagem ganha relevo o conceito de mediação, invocado por Vygotsky, em que as relações sociais se convertem em funções psicológicas. Sendo a relação do homem com o mundo uma relação mediada, o desenvolvimento tem por base essa relação mediada por sistemas simbólicos, sendo o sujeito de aprendizagem simultaneamente ativo e interativo e o seu conhecimento construído com base em instrumentos e sinais intrínsecos ao seu meio cultural. Este conceito de mediação segundo Daniels (2003), Cole e Wertsch (1996, cit. Fino, 2001c) representa as “possibilidades de relações entre o sujeito e o objeto”, mediada pelo uso de artefactos construídos social e culturalmente, e que vão influenciar a mente do utilizador e o contexto envolvente. A inclusão de uma ferramenta introduz novas funções relacionadas com a utilização da referida ferramenta e com o seu controlo.

6.3.4 – Os artefactos produzidos – elementos de um reportório partilhado? Pela sua influência na mente dos alunos e contexto envolvente, o conhecimento dos artefactos construídos social e culturalmente assumem-se como determinantes, pois refletem, segundo Fino (2001a), o nível de desenvolvimento cognitivo dos seus artífices. Para o autor, estas reproduções, são elementos que contêm também alguns aspetos que poderão ajudar a caraterizar os ambientes em que foram produzidos. Por exemplo, a

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natureza informática pressupõe a presença e a exploração de computadores. Por outro lado, regista-se o reconhecimento da evolução no domínio das ferramentas utilizadas, O acompanhamento da turma durante doze aulas de ITIC possibilitou a observação pormenorizada e sistemática dos ambientes de aprendizagem emergentes e a recolha de artefactos resultantes das atividades dos alunos desenvolvidas durante as aulas. Apresentamos algumas das tarefas propostas e alguns artefactos produzidos, na sequência destas, com vista à identificação e caraterização da atividade integrante de um reportório partilhado desta turma de PCA, que compreenderá o que é explícito e o que é tácito, indicadores do modo como se fazem as coisas, rotinas, abordagens, comunicações, desempenho, imagens e produtos, ações ou conceitos. Enfim, elementos da cultura da turma e que traduzem as atividades aí produzidas. Ainda que conscientes da interligação das três dimensões da relação entre comunidade e prática considerámos a terceira característica que, em conformidade com a perspetiva de Wenger, remete para o desenvolvimento de um reportório partilhado. Conforme descrito anteriormente, o reportório combina aspetos retificativos e participativos. A articulação entre participação e reificação na prática permite e orienta a construção ou reconstrução dos artefactos como recursos para novas necessidades que poderão surgir a partir da evolução das responsabilidades dos participantes. Inclui o discurso pelo qual os membros criam afirmações significativas sobre o mundo, bem como os estilos pelos quais expressam as suas formas de ser membro e a sua identidade como membros. A ideia de reportório partilhado (Wenger, 1998) reporta-se a um conjunto de elementos e a um grupo de pessoas que os partilham como recursos. A noção de reportório partilhado centra-se na dinâmica do uso, construção e partilha de recursos e propõe uma visão das pessoas como construtores coletivos – e por isso, beneficiários das suas próprias construções. Neste sentido, o conhecimento localiza-se no coletivo e nas circunstâncias em que o coletivo produz conhecimento, o usa e reproduz (Matos & Santos, 2006). O envolvimento dos alunos em ações conducentes à elaboração da agenda foi uma constante que marcou a prática da disciplina de ITIC, com a necessidade permanente da tomada de decisões coletivas e negociadas com vista à integração da proposta final e a expansão de um reportório partilhado (Wenger, 1998). A partir do projeto inicial foram diversos os temas inventariados e propostos. A envolvência desejada dos alunos resultou

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na criação de produtos ímpares e originais, exclusivos de uma turma portadora de uma cultura própria. Os artefactos integrantes de um reportório partilhado resultaram da execução das propostas de trabalho apresentadas pelos docentes de ITIC ao longo do ano. Emergiram da exploração das temáticas definidas para ilustração da agenda e não só, sendo desenvolvidas nos ambientes Paint, Power Point e Internet. A partir da pesquisa sugerida aos alunos sobre os dias comemorativos e festivos, nacionais e internacionais, foram explorados por ordem cronológica certos temas, dos quais salientamos apenas alguns, por dificuldades óbvias de inclusão de todos os temas e respetivas criações (artefactos) no corpus desta investigação. Remetemos para anexo essas produções dos alunos. Entre os temas abordados destacamos: Expressão livre, Halloween, Postal de Natal, Discriminação Racial, Dia dos Namorados, Lenço dos namorados, Carnaval e “Famous People”. Apresentamos de seguida algumas criações que, produzidas por ordem cronológica, emergiram das propostas de trabalho sugeridas pelos professores de ITIC.

Tema 1 – Expressão livre As produções apresentadas seguem a cronologia da sua criação. A primeira proposta de trabalho foi precedida de um tempo útil concedido para a exploração das ferramentas, menus e possibilidades do Paint. Este processo levou algum tempo, tendo alguns alunos demonstrado uma grande habilidade no manuseio das ferramentas. A proposta de trabalho de tema livre estimulou o desenvolvimento das capacidades expressivas e a criatividade dos alunos. Expressão da sua criatividade e motivação, a aluna CS optou por um registo sobre as borboletas. Sobre um fundo inicialmente abstrato a aluna desenhou quatro borboletas. Já no âmbito da Semana Europeia da Mobilidade e na sequência da respetiva informação a partir de uma pesquisa na Internet, um dos alunos, CD, concentrou a sua atenção nessa temática. A partir da pesquisa efetuada encetou um levantamento sobre a origem, o historial e os objetivos da semana. A partir do aprofundamento desses conteúdos, procedeu à sensibilização dos colegas para a necessidade de promoção de um conjunto de ações de mobilização, nomeadamente a utilização de transporte público, bem como outras

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formas de deslocação urbana menos poluente. Nesse sentido, considerou e apresentou o desafio do Dia europeu sem carros. Para além do texto elaborado e que apresentamos em anexo, o aluno optou por representar graficamente a temática em análise (figura 8).

Figura 7 - Borboletas (CS)

Figura 8 - Dia europeu sem carros (CD)

Ainda na sequência da exploração livre proporcionada e da liberdade concedida, a aluna CS elaborou o convite para a sua festa de aniversário (figura 9).

Figura 9 - Convite para festa de aniversário (CS)

Tema 2 – Halloween Demonstrativo

da

interdisciplinaridade

registada

nesta

proposta

curricular

alternativa, este tema inicialmente apresentado e trabalhado na aula de inglês foi posteriormente explorado na aula de ITIC. Apresentamos dois registos gráficos elaborados

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por dois alunos. Nos exemplos apresentados, as opções dos alunos incidiram na representação das abóboras, tão caraterísticas da temática em análise. No entanto, cada aluno representa-as de forma diferente. É percetível um clima de aceitação das ideias e propostas dos alunos, com poucas interferências por parte dos adultos no trabalho destes. O domínio das representações individuais é particularmente respeitado, registando-se apenas algumas interferências somente em situações de acompanhamento por dificuldades manifestadas e quando solicitado pelos próprios alunos.

Figura 10 - Halloween (CD)

Figura 11 - Halloween (LR)

Tema 3 – Postal de Natal Os docentes apresentaram a sugestão de execução de um postal de Natal a realizar de forma bastante autónoma. A proposta incluía apenas a indicação de utilização da ferramenta Paint com a aplicação de todos os conhecimentos já adquiridos com a utilização deste programa. A boa aceitação de todos os alunos relativamente à proposta de trabalho foi visível desde logo. A envolvência registada desencadeou uma pesquisa aprofundada sobre diversos elementos natalícios que de forma individual foram explorados, designadamente canções, poemas, histórias, desenhos, cartas, músicas, postais, etc. Realizaram-se diversos registos. Apresentamos duas representações gráficas resultantes de perspetivas pessoais sobre o tema e da exploração da ferramenta Paint. São visíveis algumas semelhanças, com ambos os postais a apresentarem um pinheiro (elemento de Natal) peculiar e cultural.

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Figura 12 - Cenário de Natal (LR)

Figura 13 - Árvore de Natal (CS)

Tema 4 – Discriminação racial A introdução do tema discriminação racial aconteceu numa das aulas em que participámos. A aula começou com a apresentação de uma imagem representativa de uma história tradicional “O Patinho Feio” e respetiva síntese verbal apresentada pela diretora de turma. Quase em simultâneo um dos alunos acede à história na Internet e começa a lê-la em voz alta. Apresentamos em seguida um excerto do registo da referida aula e que documenta o que se passou a seguir:

Observação n.º 12

Data: 15-01-2010

Contexto: Aula de ITIC Professores presentes: Informática (PTIC), Inglês (DT- diretora de turma) e Investigadora (PI) Descrição da situação/comportamentos

«(…) A DT apresenta uma ficha de trabalho com uma proposta para a aula. A ficha tem uma imagem alusiva a uma história tradicional “O Patinho Feio”. A DT retoma o diálogo sobre a história e um dos alunos rapidamente acede à história na Internet e começa a ler a história em voz alta. A DT pede ao aluno que diga o site em que está para que os colegas também possam aceder à história. O RT responde que a pesquisa poderá ser feita no Google colocando a palavra “Patinho Feio”. Os alunos acedem à história e o PA lê-a a pedido da DT. No fim da leitura a docente faz um resumo da história, refletindo simultaneamente nalgumas atitudes/valores expressos no texto, tais como racismo, intolerância, discriminação e exclusão social. A DT pede aos alunos que procurem na Internet o significado de cada uma das palavras assinaladas. Vão ler e depois explicam aos colegas o seu significado. A JC revela maiores dificuldades na realização das propostas de trabalho, por isso a profª acompanha-a de forma sistemática e individual. Entretanto, num outro site a CS acede a um jogo... Os alunos pesquisam individualmente enquanto a DT circula pela sala. A

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CS solicita a ajuda da professora. Conforme vão acabando a pesquisa, os alunos acedem a outros jogos de forma bastante autónoma. A DT repreende o PA, a quem acusa de estar sempre a jogar e de não fazer o que é proposto. Depois pede ao PA que leia o significado da palavra racismo. O aluno lê o significado e tenta depois explicar por suas palavras o seu significado. A docente pede ao RT que explique o significado da palavra discriminação. O aluno lê de forma rápida o significado da palavra e a DT pergunta-lhe se está a perceber o que está a ler. Depois pede aos outros alunos que se juntem em grupos de dois e tentem explorar o significado das outras palavras assinaladas. A DT pergunta a três alunos que estão a pesquisar em grupo o significado da palavra racismo. Os alunos, como estavam distraídos, não responderam ao que a profª perguntou. Esta pede-lhes mais atenção/concentração. Depois pega na ficha e pede aos alunos que comentem cada uma das frases do texto que consta da ficha de trabalho. Partindo do interesse dos alunos pelo futebol, a DT aproveita para fomentar a necessidade de respeito que deverá existir pelas ideologias dos outros. Pede que abram o Paint e façam um desenho alusivo ou representativo do Dia Internacional da Luta contra a Discriminação Racial que se assinala no dia 21 de março. (…) A DT aborda o RT que não está a fazer o trabalho pedido e sugere-lhe que siga o exemplo dos colegas. O aluno cede e recomeça a tarefa pedida. A JC olha para os colegas, a DT aproxima-se e pergunta-lhe o que quer fazer. A aluna responde que quer desenhar um patinho. A docente incita-a a fazer uma pesquisa sobre alguns modelos de patinhos para depois fazer o seu. Enquanto os alunos trabalham, os docentes circulam pela sala e vão apoiando os alunos que solicitam e os que os docentes verificam que precisam de mais acompanhamento individualizado. À medida que vão terminando os trabalhos, os alunos vão gravando e guardam-nos numa pasta».

Destacamos o espírito de iniciativa e a autonomia revelada por um dos alunos que, quase em simultâneo à apresentação da história, efetua uma pesquisa na Internet sobre a mesma, situação que é aproveitada pela DT que pede ao aluno que diga o site em que pesquisou para que os colegas também possam aceder à história a partir da net. Perante a apresentação da história, o desembaraço do aluno impeliu-o para a ação em oposição a modelos de reação e imitação. Estas metodologias, baseadas na atividade conjunta de alunos e professores, fundamentam-se no conceito de ZDP, em que a aprendizagem assume-se como um processo de construção em comum de significados orientados para a autonomia dos alunos e que não se opõe a autonomia – como resultado de um processo – à ajuda que esse processo exige, sem a qual dificilmente se chegaria com sucesso, à aprendizagem escolar (Zabala, 2001, p. 184). Alguns exemplos muito interessantes surgiram da exploração da ferramenta Paint, dos conceitos e perceções de cada aluno sobre a discriminação racial.

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Figura 14 - Discriminação racial (AS)

Figura 16 - Discriminação racial (CD)

Figura 15 - Discriminação racial (JC)

Figura 17 - Discriminação racial (AC)

Tema 5 – Dia dos namorados Na continuidade do estudo e investigação sobre as datas festivas, foi proposta a pesquisa sobre o “Dia dos namorados". A docente introduziu o tema propondo a leitura de umas quadras alusivas. Pediu um voluntário para proceder à respetiva leitura, e uma das alunas ofereceu-se prontamente. O segundo passo da proposta foi escrever as quadras da ficha em documento Word. Alguns alunos revelaram grande facilidade na execução da tarefa, outros, maiores dificuldades. Seguiu-se a exploração/aprofundamento do tema pelos alunos. Iniciaram a pesquisa, acederam a outros textos alusivos que foram lendo aos colegas. Outros envolveram-se na criação de registos gráficos como os das figuras abaixo apresentadas. Esta é uma temática do interesse destes alunos adolescentes, que demonstraram uma grande motivação na exploração deste tema. Salientamos por isso o seu empenho na

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execução das propostas de trabalho. Refira-se que o projeto de construção da agenda foi desde o início muito acarinhado, o que contribuiu para a adesão total às tarefas daí emergentes e à introdução de elementos pessoais visíveis na diferença de registos.

Figura 18 - Dia dos namorados (LR)

Figura 19 - Dia dos namorados (AS)

Na sequência da temática anterior, foi apresentada aos alunos, ainda na mesma aula, uma tradição minhota – "Os lenços dos namorados". A segunda proposta de trabalho recaiu portanto na pesquisa sobre o tema, que não foi possível no entanto concretizar porque os alunos ao terminarem a pesquisa sobre o dia dos namorados apressaram-se a aceder a determinados jogos e sites do seu interesse. Segue-se um excerto da aula que documenta o que acabámos de referir.

Observação n.º 21

Data: 05-02-2010

Contexto: Aula de ITIC Professores presentes: Informática (PTIC), Inglês (DT- diretora de turma) e Investigadora (PI) Descrição da situação/comportamentos «(…) À medida que vão acabando a proposta de trabalho, os alunos apressam-se a aceder a alguns jogos. São os últimos dez minutos de aula. Apesar de ter sido apresentada uma segunda proposta de trabalho (entrar no Paint e fazer um desenho alusivo aos lenços dos namorados ou inventar outras quadras) a quinze minutos do fim da aula, esta não contou com a adesão dos alunos. O RT, que também já terminou o trabalho, chama a PI e pede ajuda para entrar no site da associação de futebol da Madeira, porque precisa de pesquisar a hora do jogo da sua equipa».

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Na aula seguinte, deu-se continuidade à exploração do tema. A figura 20 é uma representação da pesquisa sobre o lenço dos namorados, realizada de forma cooperativa por duas alunas, JC e LR.

Figura 20 - Lenços dos namorados (JC/LR)

Tema 6 – Carnaval O assunto foi apresentado numa das aulas de ITIC e rapidamente envolveu os alunos que já se encontravam a desenvolver um projeto de Carnaval na disciplina de EVT que abrangia a construção de um Espantalho. Uma das representações gráficas elaboradas por um dos alunos faz alusão ao espantalho, a demonstrar a influência que esse projeto de construção do espantalho teve na exploração desta temática. Deixámos o registo de alguns trabalhos.

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Figura 21 - Carnaval (LR)

Figura 22 - Carnaval (JM)

Tema 7 – “Famous People” Numa das aulas de ITIC que tivemos oportunidade de observar foi sugerido um interregno na exploração das datas festivas para desenvolvimento de um projeto da disciplina de Inglês relacionado com a temática “Famous People”. Procedemos à apresentação de um excerto dessa aula n.º 29 datada de 5 de março105.

Observação n.º 29

Data: 05-03-2010

Contexto: Aula de ITIC Professores presentes: Informática (PTIC), Inglês (DT- diretora de turma) e Investigadora (PI) Descrição da situação/comportamentos

«(…) A aula começa com a apresentação da proposta de trabalho para a aula em que a PTD explica o que irão fazer: - Vamos fazer uma interrupção nas datas festivas. Visto que nem todos vós tendes computador em casa, vamos aproveitar o facto de termos o computador aqui na sala para fazermos o projeto da disciplina de inglês. O projeto chama-se “Famous People”, em que cada um de vós deverá pensar em alguém famoso. Fazem uma pesquisa na Internet e procuram uma fotografia dessa pessoa famosa que poderá ser um jogador de futebol, um cantor, uma atriz, enfim, fica ao vosso critério. Depois colocam a foto num documento de Word e completam o BI do famoso com Name, Surname, Age, Country e Nationality. Completam a pesquisa com a bandeira do país da pessoa selecionada. Para encontrar a bandeira fazem uma pesquisa no Google e escrevem countries and nationalities.

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Numeração atribuída pelo investigador às aulas observadas num total de 72.

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Enquanto a PTD explica o projeto a desenvolver, o DL está a jogar no computador. A PTD pede-lhe que desligue o jogo, mas o aluno não obedece. A docente insiste e adverte-o que hoje não está com muita paciência, disposição e tolerância e acrescenta: - Não tenho que estar sempre disponível e com paciência. O aluno responde: - Eu também não tenho. (…) Entretanto, a maioria dos alunos inicia a pesquisa sobre os famosos. O RT diz: - Profª, eu já não quero fazer sobre o Ronaldo porque o PA já está a fazer. A PTD responde-lhe: - Mas podes escolher outro jogador também famoso. O aluno pensa durante alguns segundos e exclama prontamente: - Já sei, vou fazer sobre o Ruben Michael. Uma das alunas (AS) chama a professora. (…) Todos os alunos fazem o seu projeto individualmente, exceto a CS e o AA. A CS está no site da Barbie fazendo jogos. E o AA juntou-se ao PA e vão fazer os dois um projeto sobre o Cristiano Ronaldo. Como tem mais dificuldades, é-lhe proposto que se junte a um colega. A PI sugeriu à CS que se juntasse a uma colega a fim de participar assim na elaboração de um projeto. A aluna não aceitou a proposta, pois queria continuar a jogar no site da Barbie, como sempre faz nesta aula. A PTD aproxima-se do DL e verifica o que o aluno está a fazer. Ao lado da foto do famoso escolhido o aluno colou um texto sobre o jogador que tirou da Internet. A PTD pede ao aluno que retire o texto e relembra que a proposta incide sobre o BI dos famosos, que poderão ser vários, um de cada nacionalidade. O aluno diz que só fará um BI de um famoso. Uma vez mais os alunos vão chamando os professores, sempre que precisam de ajuda. (…) A PI aproxima-se do RT e ajuda-o na correção do trabalho. O aluno não aceita uma das propostas, alegando que quem manda no trabalho é ele. Batem à porta. É a Dr.ª Lurdes, que traz o AL, um aluno da turma que andava a deambular pela escola. Este aluno falta muito às aulas e quando resolve participar, perturba o desenrolar da aula. O aluno em causa entra na sala, um pouco contrariado e senta-se a um canto. O RT começa a provocar o colega dizendo em voz alta: - Querida... O aluno folheia uma capa, olha à sua volta, indiferente à provocação. O PA sugere que mude de lugar, pois o computador da sua mesa não tem Internet. O aluno muda de lugar. A PTD aproxima-se e explica-lhe a proposta de trabalho para o dia. O AL inicia a pesquisa na Internet, que entretanto desliga-se. O colega do lado ajuda-o. Finalmente é reposta a Internet com a ajuda do colega e o AL está com muitas dúvidas, pelo que olha para a PI e pergunta: - Profª quem é que eu vou escolher? A PI responde-lhe: - Não sei, o AL é quem tem que escolher um cantor que goste e que seja famoso. Eu por exemplo gosto do André Sardet. O aluno responde:

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- Ah profª vou escolher esse mesmo, porque ele tem uma música de que eu gosto muito. Vou iniciar a pesquisa sobre esse cantor. Mas enquanto faz as pesquisas envolve-se numa discussão com uma colega, mas os docentes não intervêm, expectantes de que os alunos a resolvam sozinhos. É um aluno muito agressivo. No fim da aula o AL chama a colega com quem se tinha desentendido para lhe mostrar o seu trabalho. Os alunos trabalham muito autonomamente. Este tipo de projeto permite aos alunos a construção da sua aprendizagem, partindo dos seus interesses e motivações. O DL, que já fez o BI de um famoso, recusa-se determinantemente em fazer mais um, conforme a proposta dos docentes da disciplina. Faz um jogo no computador e a PTD diz-lhe: - O DL hoje veio à aula para fazer o que lhe apetece e me aborrecer. Era melhor que tivesse ficado na instituição (Polivalente). Mas o aluno refuta prontamente: - Mas eu já trabalhei! A PTD, dirigindo-se ao RT, pede ao aluno que faça um novo projeto, agora com outra pessoa famosa. O aluno responde: - Outro, não vou fazer mais um. Mas acaba por iniciar mais um projeto. A aula termina com os alunos a saírem apressadamente para o fim-de-semana».

O acesso à Internet é claramente uma proposta do agrado dos alunos. A pesquisa foi feita com base nos seus interesses pelo mundo do desporto, música, moda e outras personagens de televisão. Assim, surgiram diversos trabalhos expressão da aprendizagem das diversas funcionalidades da ferramenta Paint como da exploração e seleção de imagens no Google. Não há dúvida que o motor de busca mais utilizado pelos alunos é o Google, que o fazem já com muita autonomia. Com muita frequência, os alunos trazem já algumas ideias do que querem pesquisar. Por norma, tem a ver com os seus interesses e motivações. Os rapazes navegam com muita frequência nos sites dos clubes de futebol e nos jogos; as raparigas fazem pesquisas sobre os cantores preferidos e outras personalidades do mundo da moda e da televisão. A CS tem uma predileção por jogos… Destacámos dois registos resultantes da pesquisa efetuada por um aluno em que a opção recaiu num jogador de futebol e por uma aluna que optou por destacar uma cantora pop.

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Name: Helton da Silva Arruda Surname: Arruda Age: 1978-05-18 (31 anos) Country: Brazil Nationality: Brazilian Figura 23 - Famous People (RT)

Name: Britney Surname: Spears Age: 29 Country: America (USA) Nationality: American Figura 24 - Famous People (AS)

Na maioria dos casos as diversas explorações resultaram em vários trabalhos por aluno, todos diferentes entre si. O tempo atribuído para a execução da tarefa pareceu-nos bastante razoável, o que permitiu aos alunos a concretização de diversos trabalhos. Quanto ao acompanhamento e à gestão do tempo, consideramos que com este número de alunos (8-9 em média) e a presença de dois docentes na sala de aula foi possível um bom acompanhamento. O trabalho colaborativo e a entreajuda foi uma constante entre alunos e docentes. Os alunos recorriam aos colegas mais capazes e até aos docentes sempre que encontravam dificuldades na execução das tarefas. De forma progressiva, os alunos foram assim adquirindo maior destreza na manipulação das ferramentas, quer pela utilização individual, quer pela colaboração com o par mais capaz ou até com o docente, resultando num processo de aprendizagem por exploração e descoberta. A interação estabelecida permitiu a partilha de determinadas descobertas realizadas por outros, permitindo assim a otimização das aprendizagens.

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Este tipo de projeto propicia uma série de aprendizagens junto dos alunos em que são os próprios a assumirem o comando da aquisição do conhecimento. Esta proposta contribui certamente para uma alteração dos cenários pedagógicos onde os alunos estão envolvidos no seu projeto individual e se encontram em diversos estádios de evolução. Quanto ao professor, assume um novo papel neste cenário, o de orientador e facilitador do processo de desenvolvimento intelectual do aluno. O controlo do processo de aprendizagem neste caso está nas mãos do aluno e não nas mãos do professor que procura uma ação mais construtivista, baseada na autonomia do aluno. Não obstante, em algumas situações da prática pedagógica subsistem alguns elementos constitutivos de um invariante cultural que vai permanecendo e colocando algumas dificuldades à adoção de tão desejada inovação pedagógica. Dos trabalhos realizados destacámos as seguintes criações: A panóplia de trabalhos criados comprova a liberdade que foi dada aos alunos. Consideramos igualmente muito positiva a promoção e articulação de atividades interdisciplinares nomeadamente com alguns conteúdos da disciplina de Inglês, numa clara enfatização da integração de saberes em convergência com as competências transversais previstas no PCT. Foi notório que este tipo de atividades impulsionou a aquisição de conhecimentos, abriu pistas e deu ao aluno a oportunidade de participar, investigar, interagir e descobrir.

Tema 8 – Organização da agenda Com a proximidade do fim do ano letivo emergiram algumas preocupações com a gestão do tempo, com vista à finalização do projeto de construção da Agenda do Aluno. Assim, a aula n.º 46 de ITIC começa com um pequeno diálogo/balanço sobre o que já foi feito e o tempo necessário para a sua organização. Transcrevemos um excerto dessa aula.

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Observação n.º 46

Data: 16-04-2010

Contexto: Aula de ITIC Professores presentes: Informática (PTIC), Inglês (DT- diretora de turma) e Investigadora (PI) Descrição da situação/comportamentos «(…) inicia-se a aula com um pequeno diálogo/balanço sobre o projeto de trabalho que está a ser desenvolvido na disciplina. A PTD (…) continua com a apresentação de uma agenda, com a finalidade de mostrar aos alunos em quantas partes esta se poderá dividir: página de identificação, calendário, telefones úteis... Terminada a explicação/exposição, a PTD faz circular pelos alunos os diversos modelos de agendas, para que as folheiem e verifiquem quantas partes tem. Enquanto os alunos vão vendo as diversas agendas, a PTD escreve no quadro a respetiva estrutura: 1 - Ficha com dados pessoais (biográficos); 2 - Calendário; 3 - Contactos úteis; 4 - Sites importantes; 5 - Ficha para assinalar as datas das fichas de avaliação e/ou trabalhos de casa/datas de aniversário; 6 - Contactos telefónicos/email/morada; 7 - Avaliação; 8 - Horário escolar; 9 - Notas; 10 - Historial da escola. Alguns alunos estão ansiosos por ligar os computadores e perguntam à PTD se já podem fazê-lo. A docente manda aguardar e dá-se início à distribuição das tarefas pelos alunos. Os alunos fazem as suas escolhas que resultaram nas seguintes opções: O RT que vai fazer o historial da escola; o PA o horário escolar; a JM a ficha dos dados pessoais; a LR a avaliação; a AS os contactos telefónicos; o AL a ficha para assinalar as datas importantes e o CD os sites educativos. Uma das alunas pergunta à PTD como é que vai fazer o trabalho, pois ainda não percebeu como deverá fazê-lo. A PTD responde: - Mas você é que escolheu o que queria fazer. Eu vou ajudar. Tem de abrir um documento no Word e começar a formatar o documento ou a página sobre contactos telefónicos/emails/morada. Todos os alunos trabalham na estrutura da agenda exceto a CS que, como já vem sendo habitual, explora uns jogos no computador. Os alunos fazem pesquisas individuais no computador para a agenda. Trabalham e são autónomos. Uma das alunas (JM) pede ajuda à PI na elaboração da ficha de dados pessoais (Biográfica). A PI ajuda-a na construção de um modelo de ficha biográfica para a agenda. Entretanto, os dois docentes vão circulando pela sala, ajudando os alunos que têm mais dificuldades ou que solicitam a ajuda dos docentes. Alguns alunos pedem ajuda para entrar no Place para consultarem a avaliação do 2º período, mas a PTD diz que só podem consultar a avaliação no final da aula. (…) A JM pede ajuda à PI para formatar a ficha de dados pessoais que fará parte da agenda. Quando termina a tarefa, a aluna entra no site do Benfica e visualiza umas imagens engraçadas de famosos. O aluno que ficou com a responsabilidade de elaborar a ficha para assinalar as datas das avaliações pede ajuda. A PTD senta-se ao lado do aluno e orienta-o, dizendo o nome das disciplinas, dando sempre um espaço ao aluno para pensar. Um grupo de três alunas continua no site do Benfica, divertindo-se com as imagens que vão surgindo. (…) Já quase no final da aula a PTD observa: - Bem, hoje parece que trabalhámos bem e já adiantámos grande parte do trabalho. (…) Aos poucos o PA vai passando pelos computadores, a fim de proceder à gravação do trabalho dos alunos. Alguns acedem aos jogos, porque já concluíram a tarefa proposta. Dois alunos levantam-se e perguntam se podem sair. Não

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lhes é dada autorização e a PTD aproveita para interpelar o Pedro relativamente ao seu comportamento da semana, que não tem sido muito bom. Lembra ao aluno que no 2º período até fechou os olhos a muita coisa, mas que não vai continuar sempre de olhos fechados. Ainda faltam três minutos para terminar a aula e um dos alunos volta a perguntar se já pode sair. A docente diz que não, visto que ainda não tocou. O RT reclama e diz que falta um minuto, ao que a docente replica: - Mas é precisamente por isso. Registam-se algumas manifestações de carinho por parte de algumas alunas para com a docente, as quais são recíprocas».

Foram transmitidas aos alunos orientações claras quanto às tarefas (clareza das tarefas propostas aos alunos). Registaram-se algumas situações de ajuda por parte de alguns alunos a colegas que revelaram maiores dificuldades. As tarefas de elaboração dos conteúdos finais da agenda prolongaram-se por três aulas. De tal modo, que na aula de ITIC do dia 7 de maio (nosso registo de aula n.º 56) procedeu-se à apresentação de um Power Point sobre a agenda. O registo da aula mostra a interação estabelecida a partir dessa apresentação.

Observação n.º 56

Data: 07-05-2010

Contexto: Aula de ITIC Professores presentes: Informática (PTIC), Inglês (DT- diretora de turma) e Investigadora (PI) Descrição da situação/comportamentos

«(…) O PA procede à sua ligação e depois pede atenção aos alunos, pois tem uma surpresa para apresentarlhes. Mostra-lhes um PowerPoint de apresentação da agenda. Começa por apresentar-lhes as cores da agenda, respetivo padrão, a capa e a contracapa. Depois pergunta aos alunos se gostaram e que aspetos poderiam ser melhorados? Uma das alunas responde que está bonito e que é do seu agrado. Outra pergunta onde é que vão ser colocados na agenda os desenhos que fizeram. Os professores explicam que isso será uma decisão que poderão tomar hoje. Segue-se a apresentação do programa Quarkx Press 8 muito utilizado pelas gráficas para desenvolverem projetos como revistas, jornais... O PA abre o programa e mostra-o aos alunos, começando por dizer que, não sendo muito atrativo, permite construir muita coisa. Abre o programa e começa a construir um novo documento, seguindo todos os passos para que os alunos identifiquem todo o processo de construção. Continua-se com a apresentação das páginas 2 e 3 da agenda e assim sucessivamente. Apresenta aos alunos os anos: 2010, 2011, 2012. Termina com a apresentação de uma página para notas e contactos. No final da apresentação um dos alunos, demonstrando alguma ansiedade, pergunta se está pronto. O PA responde que não, e que conta com as ideias de todos para completar todo o resto. Depois pede aos alunos que liguem o computador e que cliquem na pasta agenda e dá-lhes 5minutos

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para explorarem a agenda. Aos poucos, os alunos vão abrindo o ficheiro da agenda que está numa pasta no ambiente de trabalho. Surgem novas ideias e propostas para a adição de novos conteúdos e novos desenhos a realizar. São apresentadas várias ideias/sugestões onde colocar os trabalhos dos alunos na agenda. A maioria dos alunos já tem a sua proposta. O professor decide fazer as alterações na aula para que assim os alunos acompanhem este processo. Começa-se por colocar, na segunda página, os nomes dos alunos que participaram na elaboração/construção da agenda. O PA faz a introdução dos respetivos nomes no momento e coloca-os na agenda. Depois pede aos alunos algumas sugestões. O PA procura uma imagem, que é alusiva ao Carnaval, e que é da autoria da LR. O PA chama a aluna para que acompanhe todo o processo de colocação do seu desenho na respetiva agenda. O PA apresenta a agenda já com o desenho da LR integrado. A AS comenta que o professor até pode colocar o seu desenho na agenda, mas colocar o seu nome é que não».

Este projeto desenvolveu-se durante o ano letivo 2009/2010 e contou, desde o primeiro momento, com a colaboração e envolvimento da maioria dos alunos. Foi um projeto composto por diversas etapas que semana após semana se foi concretizando. Os alunos demonstraram uma grande capacidade de trabalho e autonomia na elaboração deste projeto. Estavam permanentemente a colocar questões ao PA que prontamente respondia. No dia da apresentação do projeto aos alunos, o ficheiro com a pasta “agenda” foi colocado antes da aula no ambiente de trabalho dos computadores que iriam ser utilizados pelos alunos. Assim, depois da apresentação do Layout da agenda, todos os alunos de forma instantânea puderam ligar os computadores, manusear e explorar a própria agenda. Estavam muito participativos e empenhados. O facto de estarem a visualizar cada um, a sua agenda contribuiu para a melhoria da autoestima. As decisões relativamente à agenda foram sempre tomadas a partir do consenso obtido com os alunos, a quem foi proporcionada uma grande autonomia.

6.3.5 – Em síntese O estudo dos ambientes de aprendizagem emergentes da utilização do computador na disciplina de ITIC levou-nos a aferir os contributos da incorporação das TIC na prática pedagógica. Os resultados apontam para a criação de um conjunto de oportunidades ao permitir, pensar e construir cenários de aprendizagem mais apelativos através da introdução de novas metodologias, estratégias e materiais.

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Globalmente, os docentes reconhecem que se trata de uma ajuda imprescindível à aprendizagem e acreditam que estão lançadas as bases para uma aprendizagem significativa com a indução à pesquisa individual, numa clara enfatização da autonomia dos alunos. Este meio essencial e privilegiado de acesso e manipulação da informação assume-se como um recurso indispensável à construção de uma escola mais dinâmica e inovadora, voltada para a formação de indivíduos autónomos capazes de construir o seu próprio conhecimento, e integradora de todos os alunos. Os professores da turma apontam o papel de relevo assumido pelas novas tecnologias e reconhecem que constituem, sem dúvida, um fator de aceleramento das mudanças e transformador das práticas. Entendem ainda que estão criadas as condições para a evolução e transição de um modelo de reprodução de conhecimentos para um modelo de funcionamento baseado na construção partilhada, aberto aos contextos sociais e culturais, à diversidade dos alunos, aos seus conhecimentos e motivações. As aulas tornaram-se mais atraentes, encorajadoras do trabalho cooperativo e da entreajuda e facilitadoras da aprendizagem por descoberta. A utilização das TIC começa aos poucos a ser perspetivada como um agente facilitador e catalisador da mudança do paradigma educacional, promovendo aprendizagens e colocando o controlo agora nas mãos do aprendiz. A autonomia proporcionada aos alunos, a motivação decorrente e a independência assumida reforçaram a interação e cooperação permitindo uma maior compreensão e criação de ambientes de aprendizagem ricos em informação. Os professores assumiram-se como tutores, apoiantes e orientadores, relegando práticas mais tradicionais como a mera transmissão de conhecimento. Esta é uma perspetiva singular, sobretudo quando as evidências científicas apontam para a persistência no desaproveitamento das potencialidades do computador e das TIC no ensino, expressa na continuidade da proliferação de práticas tradicionais. Opinião convergente tem também a diretora da escola que defende novos papéis para o professor, em oposição a modelos tradicionais de transmissão de conhecimentos. E assume que as alterações que começam a verificar-se de forma gradual emergem da incorporação das tecnologias na prática pedagógica, pelas facilidades no acesso à informação, pelas possibilidades de se estabelecer novas práticas metodológicas e novas interações sociais.

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A presença da tecnologia induziu à adoção de metodologias singulares e variadas, adaptadas ao perfil de cada aluno e aos contextos de aprendizagem, tendentes ao trabalho aos pares e em grupo, à pesquisa e ao desenvolvimento da autonomia dos alunos. A natureza das tecnologias que suportam estas repercussões amplia a complexidade do diálogo da sala de aula permitindo o acesso e manipulação de fontes exteriores de informação, a ênfase na aprendizagem colaborativa e o desenvolvimento da capacidade de diálogo interpessoal. A construção do saber a partir de relações intra e interpessoais transformou o sujeito de aprendizagem, num ser interativo. Estes alunos são membros de uma comunidade de aprendizagem ao desenvolverem por ação própria trajetórias de participação. Manifestaram um sentido de pertença, através de domínios de coerência da prática, do empreendimento conjunto ou da atividade comum. As evidências apontam para a utilização de diversas estratégias na estruturação das interações educativas com os alunos. Enquanto mediador o professor apresenta desafios, propõe, orienta e sugere. A aprendizagem assumida como um processo de regulação exterior evolui para a autorregulação à medida que o aluno vai assumindo o controlo da tarefa, num contexto social onde os adultos ou os pares mais aptos orientam a atividade do elemento menos apto. Este papel de orientador das aprendizagens assenta numa intervenção centrada no desenvolvimento cognitivo dos alunos, através de uma interferência positiva na ZDP. O aluno tem agora novos papéis enquanto ser social, que orienta e facilita as aprendizagens do outro. Esta enfatização do trabalho aos pares numa perspetiva colaborativa é um fator otimizante das aprendizagens dos alunos desta turma de PCA. Neste contexto de aprendizagem distinguimos o conceito de mediação de Vygotsky em que as relações sociais se convertem em funções psicológicas. A recolha de artefactos dos alunos, construídos nas aulas de ITIC, permitiu a identificação da atividade integrante de um reportório partilhado da turma de PCA. Os produtos emergentes ímpares e originais são únicos desta turma que tem uma cultura própria e resultaram da execução da programação prevista para a disciplina de ITIC e das propostas/sugestões dos docentes e alunos. A conceção de um novo ambiente de aprendizagem permitiu a criação de um espaço diferente para desenvolver outras propostas para além das constantes no plano curricular. As aprendizagens propiciadas a partir da

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experiência revelaram-se fundamentais e permitiram a negociação, a significação, a alteração das competências, habilidades/aptidões e saberes individuais. A forma como os alunos exploraram e trabalharam as diversas tarefas estabelecidas deu origem a novas oportunidades. Alargaram os seus conhecimentos sobre os temas propostos e ao mesmo tempo viram reforçadas as aprendizagens, apontadas pelos próprios como bastante válidas e positivas. Manifestaram uma grande satisfação pelos progressos alcançados e reconheceram que aprenderam muitas coisas. Apontaram o facto de frequentarem o projeto como a razão dos grandes progressos alcançados.

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Capítulo VII – Conclusões finais 7.1 – A reconstrução da cultura da turma de PCA Os resultados desta investigação, apresentados e discutidos no capítulo anterior, apesar de particulares, porque se trata de uma investigação à cultura de uma turma (locus de um projeto em alternativa), consubstanciam a realidade social e cultural de uma turma de PCA. Este tipo de projetos, reconhecidos como uma estratégia de potencialização, diversificação e adaptação do currículo nacional à diversidade dos públicos que frequentam a escola básica, é disponibilizado pelas escolas e visa a minimização das assimetrias resultantes de fatores económicos e socioculturais. O estudo foi elaborado, não com a pretensão de produzir generalizações sobre os Percursos Curriculares Alternativos, mas sim com o propósito de descrever, compreender e interpretar a cultura emergente de uma turma de 5º ano de Escolaridade com esta proposta curricular. Descritos os padrões culturais próprios da turma de PCA onde decorreu esta investigação e respetivas conexões com a aprendizagem, apresentamos uma reflexão sobre os propósitos e resultados desta investigação com vista à reconstrução da cultura da turma. Numa primeira fase, focalizámos o nosso olhar na proposta de PCA, na tentativa de dar a conhecer esta prática escolar, enquanto oferta educativa particular do sistema educativo, que, como já vimos no enquadramento teórico que compõe esta investigação, emerge da necessidade de proporcionar uma educação para todos que favoreça a equidade nas oportunidades de acesso e sucesso escolares (Ainscow & César, 2006). Na situação estudada, procurámos pôr em evidência todos estes elementos culturais e realçar as convicções dos professores, aspetos determinados pela influência exercida na organização do contexto onde decorreram as aprendizagens. Obviamente que estes elementos estruturadores da cultura e que emergem da atividade desenvolvida nas salas de aula assumem uma complexidade que não se esgota, tal como aponta (Fino, 2003) e também corroborado por esta pesquisa. De forma gradual e consubstanciada pelas questões de investigação, fomos dando conta de rotinas, artefactos, crenças, convicções, expetativas e outros aspetos que em interação permitiram o conhecimento e significação da cultura da turma alvo deste estudo. As representações dos professores sobre o PCA convergem para o reconhecimento de que se trata verdadeiramente de uma alternativa, cuja grande virtude reside na

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possibilidade de flexibilização e gestão curricular. A constatação de que esta última está relacionada com a responsabilização na procura dos modos adequados a cada situação concreta e na promoção de aprendizagens significativas assume um papel de destaque. Verificámos que este processo, tal como o reconheceu Abrantes (2001), implica a flexibilização dos percursos individuais, o respeito pelos ritmos de aprendizagem e modos de organização do trabalho escolar, sendo incompatível com orientações rígidas e uniformes. Esta alternativa, vista pelos professores da turma como uma medida positiva para o aluno na construção do seu projeto de vida pessoal, valorização, integração social e profissional plenas, e também reconhecida pelos próprios alunos, integra um quadro de definição de soluções, emergente das designadas “componentes locais do currículo”. As particularidades

de

cada

contexto

escolar

inviabilizam

qualquer

tentativa

de

universalização dos problemas e procedimentos a adotar, pelo que a definição de soluções deverá acontecer no local. Esta alternativa curricular criada em função das caraterísticas e necessidades de um determinado grupo de alunos apresenta, em consequência, uma estrutura organizacional específica e adaptada à realidade destes, e ainda a reunião de uma série elementos distintos de um currículo regular. No entanto, a análise ao projeto demonstrou que, se por um lado houve uma preocupação em se promover uma abordagem mais diferenciada e particular, por outro, esta proposta foi em alguns aspetos plasmada do currículo regular, nomeadamente quanto à sua orientação organizativa. Mantém, portanto, uma organização curricular baseada no ancestral modelo por disciplinas e o núcleo duro em termos de hierarquização dos saberes, determinados pelos órgãos competentes, similares aos planos curriculares regulares. Deste modo, persistem alguns constrangimentos em termos do currículo proposto para esta turma, que resignado, tal como reconhece Sousa (2000b), acaba por ser um mecanismo de normalização e hom*ogeneização da diversidade, através de um processo de aculturação académica que não representa da mesma forma os interesses, as necessidades, os objetivos, nem as formas de pensamento, expressão e comportamento de todos os alunos, em particular destes que integram um PCA. Numa perspetiva sociopolítica, a autora destaca os perigos de um currículo que permaneça indiferente ao desigual capital cultural de origem familiar e social que os alunos levam diariamente para a escola.

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A engenharia curricular proposta para o PCA, apesar de procurar a legitimação numa ética de respeito pela diferença, ao deixar intactas obrigatoriamente as componentes nobres do currículo e o papel que estas desempenham, tanto na avaliação dos alunos bem como na hierarquização social dos saberes escolares, contribui para a legitimação de dualismos educativos que naturalmente reinstituem dualismos sociais (Correia, 2000) promotores de uma desigualdade social perante a escolarização. Perante a diversidade de situações e contextos apresentados pelas sociedades atuais (culturais, socioeconómicos, étnicos, etc) já não é possível continuar a conceber o currículo de uma forma estática, definida nos seus conteúdos, cuja organização e modelos de trabalho emergem de um único padrão, centralmente definido, seletivo e produtor de exclusão. Preconiza-se por isso uma gestão flexível do currículo que se enquadra numa teoria curricular que aceita e valoriza as diferenças, o desenvolvimento contextualizado das práticas educativas e a autonomia profissional do professor. No que concerne à organização e gestão do currículo das áreas disciplinares e apesar da forte influência de um modelo de compartimentação dos saberes (disciplinas) e respetiva hierarquização dentro do currículo, coube aos professores da turma a responsabilização pela elaboração/adaptação e articulação dos programas das várias disciplinas, a simplificação dos seus conteúdos, a escolha das metodologias e estratégias a utilizar, a seleção dos temas a abordar e a avaliação a promover, numa tentativa clara de integração de aprendizagens importantes e fundamentais para os alunos da turma. Após a aprovação do conselho de turma, estas componentes curriculares foram submetidas à anuência dos órgãos competentes. Abrem-se novas perspetivas para estes docentes, no âmbito das práticas da flexibilização curricular. Enquanto conhecedores do contexto, possuem ótimas condições para traçar um programa com significado para os seus alunos. Tornam-se decisores do processo educativo e co-construtores do currículo. Apesar dos constrangimentos já documentados, este currículo é em alternativa claramente mais flexível e contextualizado, mais ajustado às necessidades dos alunos e enquadrado, pelo menos parcialmente, no domínio de decisão da escola e dos professores. A flexibilização dos percursos individuais, dos ritmos, das metodologias e dos modos de organização do trabalho escolar com incidência na cooperação, diferenciação, adequação das estratégias e na avaliação de caráter formativo é um prenúncio da pós-modernidade,

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que com as suas caraterísticas próprias de reação contra o invariante valoriza a flexibilidade. A avaliação, considerada por muitos como um verdadeiro núcleo duro entre todas as componentes da prática, começa aos poucos a ser alvo de ajustamentos às realidades contextuais, muitas vezes em oposição a modelos conformados pela própria legislação. A necessidade de valorização do papel da avaliação enquanto instrumento de planificação de trabalho e regulação do processo de aprendizagem é hoje uma realidade também reconhecida pelos docentes da turma. Esta perspetiva determinou a valorização da componente atitudinal com a definição de um peso de 60% aos comportamentos e atitudes e 40% à aquisição de conhecimentos. As práticas de avaliação implementadas, aspeto estruturante da prática docente, apresentam-se portanto com algumas mudanças nesta proposta. Estas, que de forma gradual se foram implementando, consolidam alguns aspetos inovadores ao destacar o diálogo, o trabalho em equipa, a utilização de técnicas que permitem a observação e o ajustamento das práticas de avaliação ao processo de ensino/ aprendizagem. Isto apesar do regime de avaliação regulamentado ser muito restritivo. As alterações encontradas resultam de algum inconformismo manifestado e da procura constante de novas soluções oponentes em parte aos procedimentos legislados. Embora reconhecendo a importância da avaliação das aprendizagens dos alunos, os docentes discordam do modelo proposto mostrando total divergência à obrigatoriedade da realização de provas de aferição. Consideram que está a ser posta em causa a alternativa que se pretende alcançar e reforçam que a avaliação deverá assumir um caráter diagnóstico e formativo. Foi por isso secundarizada a vertente sumativa da avaliação emergente de modelos centrados na quantificação, tendo-se apostado na prática da avaliação diagnóstica, formativa, contínua e autoavaliação. A secundarização da vertente sumativa da avaliação e a aposta nas componentes referidas anteriormente indiciam uma nova organização e gestão dos processos de avaliação das aprendizagens e dão conta das alterações e mudanças que aos poucos começam a eclodir na prática docente. Estas novas práticas trilham outros caminhos mais conducentes a uma abordagem socializante de escola em oposição a modelos instrutivos. O processo de aprendizagem

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ganha relevo e não apenas o produto final. Trata-se de uma nova forma de avaliação dos alunos, enfim, de uma nova prática. O PCA é reconhecidamente uma solução que visa a redução do abandono e insucesso escolares, pelo que é defendida a continuidade futura deste tipo de projetos. O discurso proferido pelos participantes na investigação aponta para o reconhecimento da eficácia e sucesso deste projeto de PCA enquanto potenciador do desenvolvimento dos alunos. Em termos de estratégias utilizadas foram evidenciados o acompanhamento individualizado, a adequação do currículo e a simplificação dos conteúdos. A relação pedagógica estabelecida evoluiu muito favoravelmente, estabilidade também alcançada na interação dos alunos com os seus pares. São muito favoráveis as expetativas dos professores em relação ao futuro de alguns alunos, apesar da existência de alguma incerteza relativamente a outros com dificuldades de aprendizagem. Os alunos verbalizaram de forma muito contundente as convicções, os sentimentos, e as emoções acerca do projeto de PCA, assumindo igualmente a reviravolta ocorrida no relacionamento com as aprendizagens, na relação com a escola e nos comportamentos. Esta é uma alternativa que representa a edificação de um projeto de vida. Em relação às práticas promovidas, a pesquisa realizada pôs em evidência uma diversidade metodológica variável em função dos contextos e situações pedagógicas. Para os professores da turma a alteração das práticas é claramente uma das principais caraterísticas emergentes da prática de lecionação na turma de PCA. Estas alterações documentadas determinaram a reconsideração das metodologias e estratégias utilizadas, das práticas de avaliação adotadas e dos materiais pedagógicos utilizados. Os procedimentos metodológicos e as estratégias utilizadas foram estruturados em função do desenvolvimento da cooperação e diferenciação entre os alunos, evidências dos ambientes construtivistas de aprendizagem, os quais assentam numa abordagem colaborativa baseada na comunhão de sentimentos, objetivos e atitudes construtivas entre alunos e de negociação e partilha de ideias conducente à resolução de problemas de âmbito disciplinar ou transdisciplinar. Relativamente aos ambientes emergentes da utilização das tecnologias na disciplina de ITIC, apurámos que foi possível à generalidade dos alunos da turma o envolvimento e o desenvolvimento de atividades consentâneas com as propostas de trabalho e mobilizados

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vários conteúdos que implicitamente as integravam. O conhecimento assim produzido assumiu-se como um processo construtivo, interativo, contextual, porque emergiu das tarefas e situações específicas criadas, também reconhecido por (Lave & Wenger, 1991), e contrário a representações abstratas e descontextualizadas apenas situadas na mente. Isto é, os saberes localizavam-se em formas de experiência situadas (nas relações entre as pessoas e os contextos) e não unicamente em contextos mentais. Como vimos estas perspetivas centradas na natureza social e contextual do conhecimento designam-se de “situadas”. A construção do conhecimento na sala de aula foi por isso um processo social e compartilhado, em que os alunos participavam de práticas culturalmente organizadas com ferramentas e conteúdos culturais. A interpretação dos processos de aprendizagem baseiase no princípio de que as atividades humanas estão posicionadas em contextos culturais e mediadas pela linguagem e outros sistemas simbólicos. Os processos de troca e negociação no contexto da turma realizaram-se através da participação guiada dos professores, em que ao mesmo tempo que participavam lhes davam apoio. Esta participação é o elemento principal para a cognição e a aprendizagem situada, na medida em que requer o desenvolvimento da negociação na construção do sentido nas diferentes situações e contextos em que ocorre. A motivação expressa no envolvimento das tarefas realizadas no computador desencadeou sentimentos de afetividade na realização das atividades, tornando-as significativas, contextualizadas e vinculada à realidade da turma. A investigação pôs em evidência pressupostos de uma aprendizagem situada, profundamente enraizada, mergulhada no contexto em que decorreu. Este processo implica que a compreensão e a experiência estejam em constante interação e que a noção de participação reduza a distância entre a abstração e a prática, sendo deste modo ações, alunos e ambientes implicados no pensamento, no discurso, no saber e no aprender, realizando assim um processo de imersão nos contextos da sala de aula. Nas aulas de ITIC observadas, os objetivos a alcançar foram sempre apresentados duma forma bastante explícita. Em alguns momentos verificou-se o envolvimento da turma na definição de uma estratégia comum. A informação disponibilizada aos alunos era abundante pela possibilidade de acesso a diversos recursos nomeadamente tecnológicos. Autonomamente, os alunos desenvolviam diversas atividades com recurso à Internet e através da utilização de software (programa Paint) específico e necessário ao 368

desenvolvimento das tarefas propostas, enquanto ferramentas de construção do conhecimento, mas sempre com os professores por perto e os colegas da turma que atuavam ao nível do desenvolvimento potencial, sempre que surgiam dificuldades. A construção do saber era decorrente das relações intra e interpessoais estabelecidas e os conhecimentos, papéis e funções sociais onde se processa a aprendizagem, perspetivados como um processo de descoberta. De forma bastante regular eram os próprios alunos a assumir o comando das atividades e a tomar as decisões daí decorrentes. Esta prática oponente a metodologias mais expositivas promove a aprendizagem através do envolvimento dos alunos no processo de descoberta, na resolução de problemas e no uso de diversas metodologias. O ambiente encontrado em algumas salas de aula aponta para uma visão de escola, local de desenvolvimento e aprendizagem, ambiente sociocultural de mediação em que professores e alunos cooperavam com vista à aquisição do conhecimento. Clima estimulante, de entreajuda, favorável à aprendizagem, resultando em atividades mais atrativas e na adequabilidade dos ritmos de aprendizagem às necessidades dos alunos. Verificou-se que a realização de tarefas relacionadas e conducentes à concretização do projeto de construção da “Agenda do Aluno 2010-2012” permitiu a construção de artefactos que vieram acrescentar algo mais à cultura da turma, pela possibilidade de envolvimento nesta atividade conjunta e consequente emergência numa comunidade de prática. Deste modo, perspetivamos os artefactos enquanto parte integrante de um reportório partilhado de uma cultura emergente, produtos culturais concebidos e desenvolvidos autonomamente dentro da cultura da turma de PCA, apesar dos constrangimentos impostos pela cultura escolar. Todavia, a construção de artefactos de forma isolada não resulta automaticamente numa prática social. No entanto, esta pode tornar-se como tal, segundo (Brazão, 2008b), se os participantes se reconhecerem enquanto membros, desenvolvendo recursos, formas de ação associadas a estatutos e a significados. Na perspetiva do autor, a construção de artefactos desenvolve e estreita o sentido de pertença a uma comunidade de prática local. A incorporação das TIC criou um conjunto de oportunidades ao permitir, pensar e construir cenários de aprendizagem mais apelativos, como reiteram os professores entrevistados. A sua exploração em ambiente escolar desencadeou a assunção de novas dinâmicas e alterações, impôs a adoção de novas atitudes - mediação e incentivo à pesquisa 369

por parte dos professores, e aos alunos conferiu igualmente novos papéis, mais autonomia, intercâmbio de informações, valorização do trabalho cooperativo e de entreajuda. Foi percetível, em muitos momentos de acompanhamento da turma, a rutura de princípios, crenças e atitudes estruturantes da escola tradicional. Ocorreu portanto uma redefinição dos papéis do professor e do aluno, tendo este último se assumido em muitos momentos como um aprendente autónomo e responsável. Quanto ao professor, contraiu uma nova postura virada para a criação de ambientes de aprendizagem construtivos, ricos e diversificados, facilitadores do processo de desenvolvimento intelectual do aluno (Valente, 1993b), em oposição a práticas tradicionais de transmissão de conhecimentos. O controlo do processo de aprendizagem esteve a cargo do aluno e não nas mãos do professor. Em consequência, alteraram-se as relações tradicionais professor-aluno. Os novos papéis do professor e do aluno misturaram-se, tendo sido possível a identificação de uma responsabilidade conjunta. O ambiente de sala de aula transformou-se assim num ambiente promotor da construção do conhecimento em que o aluno foi construindo o seu próprio conhecimento sobre os diferentes assuntos, através do desenvolvimento dos diversos projetos e tarefas propostos em colaboração com os seus pares e sempre acompanhados pelos docentes. Ou seja, o computador, no enquadramento deste projeto curricular alternativo, foi um catalisador de mudança do paradigma educacional, ao promover a aprendizagem ao invés do ensino e ao transferir o controlo do processo de aprendizagem para as mãos dos alunos. Os professores assumiram a necessidade do incentivo à pesquisa dos alunos, a colaboração, o debate de ideias, através da proposta de tarefas diversas, do acompanhamento durante o processo e da análise reflexiva aos seus resultados. Estamos perante os alicerces do novo paradigma de escola, em que a tecnologia, como fator de inovação, se assume como um motor de criação de novos contextos escolares.

7.2 – O Percurso Curricular Alternativo: um desafio à Inovação Pedagógica? Face à reorganização curricular do ensino básico, que transferiu para a escola novas competências, reconhecendo-a como espaço privilegiado de educação para a cidadania,

370

tendo por isso de integrar e articular, na sua oferta curricular, experiências de aprendizagem diversificadas, abriram-se novas perspetivas para uma gestão curricular mais centrada ou construída a partir da escola. À luz do Decreto-Lei n.º 6/2001 é, portanto, assumida a necessidade de se implementarem percursos curriculares diversificados que tenham em consideração as necessidades dos alunos, de forma a assegurar o cumprimento da escolaridade obrigatória e combater a exclusão. Deste modo, e atendendo à necessidade de se diversificar ofertas que respondam às necessidades dos alunos, acompanhámos e estudámos uma turma de PCA. Nesta fase, descritos que estão os seus padrões culturais, retomamos a questão central, ponto de partida desta investigação: de que forma é que a proposta de PCA constitui um desafio à Inovação Pedagógica? Se olharmos a inovação pedagógica em termos de mudança e transformação da escola e dos seus desígnios fabris, pelo menos a nível micro, tal como nos propõe Fino (2011b), encontrámos evidências claras de mudanças e alterações ocorridas nesses contextos de aprendizagem onde se movimentavam os alunos acompanhados pelos professores. A integração no design curricular da disciplina de ITIC, que no currículo proposto para a turma de PCA assume um caráter de disciplina obrigatória, pela necessidade de complemento à formação integral dos alunos, acabou por permitir que a incorporação da tecnologia ganhasse relevo, pelas possibilidades estabelecidas a partir da sua utilização na criação de ambientes descentralizados, numa perspetiva de educação para o empoderamento, entendido como o poder de participação em grupo conquistado pelos alunos, levando-os a agir e a decidir com autonomia. Ou seja, a utilização da tecnologia permitiu instituir novos contextos de aprendizagem e a emergência da inovação pedagógica. A alteração substancial e a mudança de atitude do professor, visto como agente de mudança, tal como defende Papert (1985), acabaria por promover a criação de novos ambientes a partir dos quais os alunos construíram o seu conhecimento. Em consequência, os quadros teóricos de referência tiveram que ser reconsiderados avocando-se novas perspetivas sobre a aprendizagem, o papel do aluno e do professor. No entanto, a incorporação do computador na sala de aula não é suficiente, por si só, para desencadear ou promover a inovação, sobretudo se a sua utilização envolver a 371

execução de tarefas educativas exigidas pelas sociedades industriais e que já vinham sendo realizadas através da utilização de outros meios. Por isso, o papel da tecnologia, posta ao serviço do aprendiz, não é o de substituir a escola, mas alargar horizontes “abrir portas que a escola nem imagina” (Fino, 2007, p. 41). No contexto desta proposta de PCA assistimos a uma redefinição dos papéis do professor e do aluno, este último assumidamente mais autónomo e responsável, particularmente quando em presença do computador. A tarefa do professor revelou-se mais limitada e integrou diversas apresentações dos conteúdos, problemas e propostas de ação a desenvolver. A generalidade dos procedimentos foi realizada pelos alunos, não se registando uma imposição de modelos por parte do professor, mas sim um processo de modelização ativa e estabelecida pelos alunos a partir das propostas apresentadas. A intervenção do professor suscitou a reflexão sobre a atividade de aprendizagem. Referenciámos o enfoque no desempenho do aluno, interpelado constantemente pelo professor, particularmente nas aulas de ITIC, no sentido da investigação, da pesquisa, da interpretação e da procura de soluções, a quem era dada a possibilidade de avaliação e resolução dos problemas com estímulos sucessivos no sentido da construção de um novo conhecimento, mais assertivo. As evidências dão conta do estabelecimento de práticas inovadoras a nível micro, no âmbito desta proposta de PCA. Num contexto mais alargado, ao nível macro, ainda não poderá ser considerado um projeto de inovação pedagógica, dadas as contingências e constrangimentos que ainda enformam este tipo de projetos, sobretudo ao nível do currículo e da avaliação dos alunos (já descritos com detalhe nos capítulos anteriores). A inovação pedagógica impõe uma mudança das práticas educativas, uma rutura com modelos educativos ineficazes e ultrapassados que não correspondem às necessidades dos alunos. No entanto, são reconhecidos múltiplos obstáculos à mudança e à inovação, para além das variáveis individuais do professor, estando igualmente associadas a questões de natureza organizacional das escolas e processuais. Se por um lado existe um desejo de inovar, por outro, são muitos os obstáculos que impedem a sua concretização plena. Isto, apesar de se reconhecer que inovar é um imperativo e que só será alcançado através da melhoria das condições que obstam à inovação, designadamente os fatores de natureza pessoal, profissional e contextual, referidos pelos participantes nesta investigação e corroborados por outros estudos.

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Numa época em que ainda persistem nas escolas inúmeros constrangimentos provocados por uma prática coativa, reprodutora de perspetivas desconformes com as mudanças sociais e profundas transformações entretanto ocorridas, reclamamos novos atributos para a escola, assente numa visão já descrita por Brazão (2012), enquanto espaço social amplificador das capacidades humanas, que habilita as pessoas para a formação das suas subjetividades, de modo a utilizarem-na no fortalecimento do poder social e democrático. A investigação tem demonstrado que os fundamentos da teoria Construtivista potencializam ambientes de aprendizagem interativos que com o apoio da tecnologia, transferem para o aluno, todo o protagonismo do processo de ensino-aprendizagem, tradicionalmente atribuídos aos professores. Com efeito, a incorporação das Tecnologias da Informação e da Comunicação na educação tem consequências tanto na prática docente como nos processos de aprendizagem. Daqui decorre toda a importância atribuída aos princípios do Construtivismo, e às TIC, alicerces do novo paradigma da escola. A tecnologia como fator de inovação poderá constituir-se um suporte à criação de contextos escolares diferentes. Os resultados da investigação apontam para a existência de novos ambientes de aprendizagem que explicam a emergência de novas práticas e novas formas de aprender, ambientes contextualizados e significativos, novas propostas de trabalho assentes em novos pressupostos de interação e diferentes formas de avaliar as aprendizagens. As grandes linhas de evolução da escola têm de se basear na transformação da sociedade. As escolas terão obrigatoriamente de caminhar no sentido da diversificação, da descentralização, da desmassificação, da valorização e da criatividade. Com efeito, novos desafios se colocam hoje às escolas para que sejam capazes de criar ambientes de aprendizagem estimulantes baseados em projetos claros, coerentes e com real valor educativo e formativo. A investigação aqui descrita e que chega agora ao fim constituiu para nós uma fonte inesgotável de experiências e aprendizagens que consideramos verdadeiramente válidas e imprescindíveis à nossa condição de docente. As aprendizagens realizadas ao longo destes últimos anos, tanto na parte curricular do Doutoramento, como no período em que estivemos no campo a acompanhar a turma-alvo desta investigação, permitiram uma reconstrução profissional que sentimos necessidade de referenciar e destacar. 373

O documento produzido é o registo de uma longa caminhada feito de muitas alegrias, mas também de dúvidas, incertezas e hesitações, mas a motivação e a persistência foram sempre grandes aliadas para ultrapassar e gerir as dificuldades que foram surgindo durante todo o percurso.

7.3 – Recomendações A investigação realizada, de cariz etnográfico, incidiu sobre a prática pedagógica, em que se procurou situá-la em termos de inovação ou contínuo de práticas tradicionais, a partir da descrição dos processos pedagógicos implementados no âmbito do projeto em estudo. Foi possível, a partir da resposta às questões de investigação, a construção de um conhecimento mais útil e seguro sobre esta proposta concreta de PCA e, em geral, sobre este tipo de projetos. Assim, propomos a continuidade desta medida educativa, melhorando contudo as condições da sua aplicação. O PCA deverá assumir-se como um percurso diversificado, criado em função das necessidades dos alunos, de forma a assegurar o cumprimento da escolaridade obrigatória e combater a exclusão. A estrutura curricular desta proposta deverá enfatizar uma componente mais prática, voltada para uma formação artística, vocacional, pré-profissional ou profissional, que permita uma abordagem no domínio das artes e ofícios, das técnicas ou das tecnologias. Estruturalmente defende-se um currículo menos compartimentado e mais consentâneo com o capital cultural de origem familiar e social dos alunos. É essencial o estabelecimento de uma relação de proximidade com a comunidade e a celebração

de

contratos-programa

com

os

organismos

locais,

necessários

à

operacionalização de experiências pré-profissionais. Recomenda-se uma intervenção dos docentes da turma que vá para além da elaboração curricular dos programas das várias disciplinas, nomeadamente o envolvimento na construção, gestão e operacionalização do design curricular. É fundamental a atenção às condições organizacionais e de trabalho de docentes e alunos, pela importância reconhecida na construção das aprendizagens. Assim, deverão ser

374

consideradas e disponibilizadas as condições físicas (atribuição de uma sala fixa), assim como os recursos didáticos e multimédia, necessários ao desenvolvimento e operacionalização do projeto de PCA. Sugere-se a alteração de um aspeto que consta do enquadramento legislativo (Despacho Normativo n.º 1/2006), nomeadamente a obrigatoriedade da realização de Provas de Aferição, excetuando os casos de potencial regresso ao ensino regular. Deverão ser criadas as condições para que o PCA seja perspetivado como um projeto que atribui significado e situa as aprendizagens dos alunos e que pode naturalmente originar condições propícias à emergência e desenvolvimento de uma comunidade de aprendizagem, local de atividades autênticas, reais e significativas, como forma de desencadear a rutura com invariantes culturais existentes. Defende-se a valorização da integração das TIC na sala de aula, pela possibilidade de mudanças significativas nas relações e interação entre alunos, saberes e professores, pela possibilidade de expressão e autonomia na ação dos alunos, bem como pela consagração de alterações substanciais tanto na prática docente como também nos processos de aprendizagem, no sentido da reconstrução de aprendizagens significativas em que o professor deixa de ser o “transmissor do conhecimento” e passa a ser o criador de ambientes de aprendizagem e o facilitador do processo de desenvolvimento intelectual do aluno. A integração das TIC no design curricular da proposta de PCA deverá induzir à consideração de um novo enquadramento teórico de referência sobre as novas conceções de aprendizagem emergentes, bem como a consolidação de novas perspetivas sobre o papel do aluno e do professor, elementos de mudança e de transformação da escola e dos seus pressupostos tradicionais. A inovação em educação impõe uma alteração profunda das práticas que decorrem indubitavelmente das condições organizacionais da escola.

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REFERÊNCIAS NORMATIVAS Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro – [Lei de bases do sistema educativo - estabelece o quadro geral do sistema educativo] Lei n.º 30/2002, de 20 de Dezembro – [Estatuto do aluno do ensino não superior]. Decreto-Lei n.º 286/89, de 29 de Agosto – [Aprova os planos curriculares dos ensinos básico e secundário] Decreto-Lei n.º 319/91, de 23 de Agosto [Aprova a legislação que regula a integração dos alunos portadores de deficiência nas escolas regulares] Decreto-Lei n.º 115-A/98, de 4 de Maio – [Aprova o regime de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário] Decreto-Lei n.º 6/2001, de 18 de Janeiro – [Reorganização curricular do ensino básico] Decreto-Lei n.º 209/2002, de 17 de Outubro – [Altera o Decreto-Lei n.º 6/2001, de 18 de Janeiro] Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de Janeiro – [Define os apoios especializados a alunos com necessidades educativas especiais] Decreto-Lei n.º 75/2008, de 22 de Abril – [Aprova o regime de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos públicos da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário] Decreto Legislativo Regional n.º 17/2005/M, de 11 de Agosto – [Estabelece o regime jurídico da oferta formativa de Educação e Formação na Região Autónoma da Madeira] Portaria n.º 243/88, de 19 de Abril – [concedia à Direcção-Geral de Apoio e Extensão Educativa a autorização para no âmbito do ensino recorrente, proceder à organização de currículos alternativos para grupos específicos de população]

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Despacho Normativo n.º 98-A/92, de 20 de Junho de 1992 – [Aprova o sistema de avaliação dos alunos do ensino básico (revoga o Despacho n.º 162/ME/91, de 9 de Setembro, publicado no Diário da República, 2ª série, n.º 244, de 23 de Outubro)] Despacho Normativo n.º 1/2005, de 5 de Janeiro de 2005 - [Estabelece os princípios e os procedimentos a observar na avaliação das aprendizagens e competências aos alunos dos três ciclos do ensino básico] Despacho Normativo n.º 50/2005, de 5 de Janeiro de 2005 – [Define, princípios e normas orientadoras para a implementação, acompanhamento e avaliação sumativa interna dos planos de recuperação, de acompanhamento e de desenvolvimento dos alunos do ensino básico] Despacho Normativo n.º 1/2006, de 6 de Janeiro de 2006 - [Regulamenta a constituição de turmas com Percursos Curriculares Alternativos no âmbito do Ensino Básico] Despacho Normativo n.º 55/2008, de 23 de Outubro de 2008 – [Visa promover o sucesso educativo dos alunos em contextos socioeducativos particulares (2.ª fase)]. Despacho n.º 119/ME/88, de 15 de Julho – [Cria as Escolas de Intervenção Prioritária] Despacho n.º 68/SERE/90, de 16 de Novembro – [Aprova a título experimental o projeto de programa alternativo ao curso regulado do 2.º ciclo para promoção do sucesso escolar] Despacho n.º 32/SERE/91, de 7 de Setembro – [Introduz algumas alterações ao projeto de programa alternativo aprovado pelo Despacho n.º 68/SERE/90] Despacho n.º 38/SERE/91, de 9 de Outubro – [Introduz adaptações curriculares e programáticas dos currículos do ensino regular e recorrente ao nível do 2.º ciclo do ensino básico] Despacho n.º 173/ME/91, de 23 de Outubro – [Regulamenta as condições e procedimentos necessários à aplicação do Decreto-Lei n.º 319/91]

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Despacho n.º 178-A/ME/93, de 30 de Julho – [Clarifica o conceito de apoio pedagógico, enuncia as modalidades de apoio aos alunos, precisa os poderes e responsabilidades da Escola]. Despacho n.º 22/SEEI/96, de 20 de Abril de 1996 – [Aprova medidas de combate à exclusão escolar, definindo o enquadramento legal para os Currículos Alternativos] Despacho n.º 147-B/ME/96, de 1 de Agosto – [Cria os “Territórios Educativos de Intervenção Prioritária”] Despacho n.º 4848/97, de 30 de Julho – [Prevê a celebração de protocolos entre o Departamento de Educação Básica e os estabelecimentos de ensino, para o desenvolvimento de projetos de gestão flexível dos currículos do ensino básico] Despacho n.º 9590/99, de 14 de Maio – [Estabelece as linhas orientadoras para o desenvolvimento de projetos de gestão flexível do currículo nos estabelecimentos do ensino básico a partir do ano letivo 1999/2000] Resolução do Conselho de Ministros n.º 29/91 – [Lança o Programa Educação para Todos]

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APÊNDICES - Índice do Conteúdo do CD-ROM Tese de Doutoramento (versão eletrónica em formato pdf)

Pasta 1 - Instrumentos de trabalho construídos e utilizados pelo investigador Apêndice A - Carta dirigida à Secretaria de Educação Apêndice B – Pedido de autorização aos Encarregados de Educação Apêndice C – Guião A: Presidente do Conselho Executivo Apêndice D - Guião B: Professores da turma de PCA Apêndice E – Guião C: Alunos da turma de PCA Apêndice F - Protocolo da entrevista da Presidente do Conselho Executivo Apêndice G – Protocolo da entrevista da Professora (E3) Apêndice H – Protocolo da entrevista da aluna AC Apêndice I – Tabelas da análise de conteúdo às entrevistas dos professores Apêndice J – Matriz final da análise de conteúdo às entrevistas dos professores Apêndice L – Tabelas síntese da análise de conteúdo às entrevistas dos professores Apêndice M – Tabelas da análise de conteúdo às entrevistas dos alunos Apêndice N – Matriz final da análise de conteúdo às entrevistas dos alunos Apêndice O – Seleção das aulas apresentadas no corpus da tese

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ANEXOS - Índice do Conteúdo do CD-ROM

Pasta 2 – Elementos recolhidos de caráter contextual Anexo A – Projeto Educativo da Escola Anexo B – Projeto Curricular de Turma Anexo C – Estrutura da Agenda do aluno – distribuição de tarefas Anexo D – Agenda do aluno Anexo E – História 5º A em Banda Desenhada Anexo F – Artefactos dos alunos do 5º A

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[PDF] TESE DE DOUTORAMENTO - DigitUMa - Free Download PDF (2024)

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